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SOCIOLOGIA COM VIVIANE CATOLÉ 1 2 SOCIOLOGIA COM VIVIANE CATOLÉ NECROPOLÍTICA Necropolítica é um conceito desenvolvido pelo filósofo negro, historiador, teórico político e professor universitário camaronense Achille Mbembe que, em 2003, escreveu um ensaio questionando os limites da soberania quando o Estado escolhe quem deve viver e quem deve morrer. Achille Mbembe nasceu na República dos Camarões, país da região ocidental da África Central, no ano de 1957 (63 anos). Atualmente é professor de História e de Ciências Políticas do Instituto Witwatersrand, em Joanesburgo, África do Sul e na Duke University, nos Estados Unidos. Ele é reconhecido como estudioso da escravidão, da descolonização, da negritude e, também, como um grande leitor do também filósofo Michael Foucault, em quem se baseou para propor o livro “Necropolítica”, de 2011. “O poder opera de modo difuso, capilar, espalhando-se por uma rede social que inclui instituições diversas como a família, a escola, o hospital, a clínica. Ele é, por assim dizer, um conjunto de relações de força multilaterais” (Foucault, 1999). Para elaborar a teoria da Necropolítica, o autor parte do conceito foucaultiano de Biopoder e Biopolítica. Biopolítica É a força que regula grandes populações ou conjunto dos indivíduos, diferentemente das praticas disciplinares utilizadas durante a antiguidade e a idade média que visavam governar apenas o indivíduo. Biopoder Se refere aos “dispositivos” e tecnologias de poder que administram e controlam as populaçõespor meio de técnicas, conhecimentos e instituições. Os biopoderes se ocupam da gestão da saúde, da higiene, da alimentação, da sexualidade, da natalidade, dos costumes, etc., a medida em que essas se tornaram preocupações políticas. Como estudioso da escravidão, da descolonização e da negritude, relacionou o discurso e o poder de Foucault a um racismo de Estado presente nas sociedades contemporâneas, que fortaleceu políticas de morte (necropolítica). Necropolítica é o poder de ditar quem pode viver e quem deve morrer. Com base no biopoder e em suas tecnologias de controlar populações, o “deixar morrer” se torna aceitável. Mas não aceitável a todos os corpos. O corpo ”matável” é aquele que está em risco de morte a todo instante devido ao parâmetro definidor primordial da raça. O autor demonstra as várias formas pelos quais, no mundo contemporâneo, existem estruturas com o objetivo de provocar a destruição de alguns grupos. Essas estruturas são formas contemporâneas de vidas sujeitas ao poder da morte e seus respectivos “mundos de morte” – formas de existência social nas quais vastas populações são submetidas às condições de vida que os conferem um status de “mortos-vivos”. SOCIOLOGIA COM VIVIANE CATOLÉ 3 Sabemos que em cada sociedade existem normas gerais para o povo – homens e mulheres livres e iguais. A política é o nosso projeto de autonomia por meio de um acordo coletivo nos diferenciando de um estado de conflito. Nesse sentido, Mbembe afirma que cabe ao Estado estabelecer o limite entre os direitos, a violência e a morte. Mas, ao invés disso, os Estados utilizam seu poder e discurso para criar zonas de morte. O filósofo levanta exemplos modernos: a Palestina, alguns locais da África e o Kosovo. Nessas zonas, a morte se torna o último exercício de dominação. A necropolítica é, ainda, uma técnica de poder que está presente na era da governamentalidade neoliberal. Obviamente, ela se manifesta nas zonas periféricas do neoliberalismo, fora do circuito das grandes potências econômicas do planeta. Nesses verdadeiros espaços de morte, “as armas de fogo são dispostas com o objetivo de provocar a destruição máxima de pessoas e criar “mundos de morte” (MBEMBE, 2018, p. 71) O autor afirma que quem morre em zonas como estas são grupos biológicos geralmente selecionados com base no racismo. Funciona assim: é apresentado o discurso de que determinados grupos encarnam um inimigo (por vezes fictício). A resposta é que, com suas mortes, não haverá mais violência. Assim, matar as pessoas desse grupo pode ser aceito como um mecanismo de segurança. O QUE A NECROPOLÍTICA TEM A VER COM O BRASIL? https://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/o-papel-da- midia-brasileira-na-consolidacao-da-necropolitica/. No Brasil verifica-se o abandono sistemático de políticas públicas ligadas à saúde, higiene, saneamento básico e a formação de capital humano. Em determinadas localidades do nosso país, tal como as favelas do Estado Rio de Janeiro, a regulamentação da vida se faz por meio de máquinas de guerra (nos moldes citados por Mbembe), que atuam segundo o imaginário do inimigo e preconizam um verdadeiro mundo de morte. As subjetividades produzidas nesses espaços ficam sujeitas à morte sob um duplo aspecto: o real, divido aos conflitos armados, pobreza extrema e a submissão a todo tipo de doença e, ainda, a morte simbólica, pois são subjetividades consideradas invisíveis no sentido político e social Ao longo de nossa história, alguns discursos tiveram o poder de retirar a humanidade de certos grupos através da desclassificação da pessoa, ou seja, da ideia de que ela merecia ser punida ou que as políticas são para a maioria e não para minorias. A ditadura no Brasil foi um destes momentos. Os 21 anos do regime autoritário resultaram em mortes e corpos desaparecidos. À época, quando um opositor ao regime era preso, torturado ou assassinado, este corpo era considerado um inimigo visível e determinado que merecia um fim. O discurso promovido tinha o poder de estabelecer parâmetros aceitáveis para tirar vidas e controlar as pessoas. A escravidão também foi um destes momentos. Os 300 anos da precarização de inúmeras vidas foram a base da construção e formação da sociedade brasileira. Mesmo assegurados a todos os direitos que nos igualam de forma jurídica, os dados mostram que nem todos tem as mesmas oportunidades. Nesse mesmo sentido de marginalização de pessoas, existem discursos que fortalecem a ideia de que existem lugares subalternizados com alta criminalidade em que vidas podem ser tiradas em prol do bem comum. A guerra ao tráfico e à criminalidade no Brasil é um exemplo. Mas também há necropolítica nas prisões. O tratamento da população carcerária, com punições com foco na privação da liberdade, a superlotação das cadeias e baixas condições sanitárias são reflexos disso. Conforme apontado pelo Conjur, só em 2018 foram mais de 1.400 mortes em presídios no Brasil. 4 SOCIOLOGIA COM VIVIANE CATOLÉ EXERCÍCIOS 1. (Estratégia Vestibulares 2020) De acordo com Achille Mbembe, XXXX, “ser soberano é exercer controle sobre a mortalidade e definir a vida como a implantação e manifestação de poder”. (MBEMBE, Achille. Necropolítica. Trad.: Renata Santini. São Paulo: n-1 edições, 2018, p. 5). A concepção de poder inscrita nesse pensamento pode ser definida como a) dominação de classe. b) biopoder. c) poder burocrático. d) poder soberano. e) poder descentralizado. 2. (UNCISAL 2° Dia 2015) Segundo o filósofo Michel Foucault “O controle da sociedade sobre os indivíduos não opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo e com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade biopolítica”. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1986, p. 80. Então, se o corpo é uma realidade biopolítica, conforme acredita Foucault, como esse corpo deve ser visto na atividade física? a) Dando ênfase às suas articulações mecânicas. b) Como parte integrante de manifestações estéticas. c) A partir de uma ação reflexiva sobre seus valores estéticos e físicos. d) Como um organismo de representação apenas das simbologias sociais. e) No âmbito de suas definições biológicas já conhecidas pelas sociedades. 3. (FGV 2020) A judicialização da vida vem colocando em ação práticas cada vez mais segregativas.A sociedade civil e a população em geral tornam-se alvos permanentes de intervenção governamental com o objetivo de prolongar a duração da vida, de um lado, e de outro, multiplicar para alguns o risco de morte ou decretar a morte política. A questão central passa então a ser: como deixar morrer aquilo que não serve à vida? Trata-se de uma gestão caracterizada por Michel Foucault como: a) necropolítica; b) repressão; c) anomia; d) soberania; e) biopoder. 4. (Unespar 2017) “Afirmar que o racismo no Brasil é sutil, significa fechar os olhos para a crueldade a que foi historicamente submetida a população negra. Verificam-se, então, dois mecanismos que se conjugam, traduzindo algumas facetas do racismo brasileiro. Por um lado, temos a ‘quase invisibilidade’ da questão racial. Embora os inúmeros dados demonstrativos da situação injusta e crítica vivenciada pelos negros no Brasil estivessem em desníveis há décadas, somente nos últimos anos eles foram trazidos a público, no bojo dos debates sobre a implementação de políticas afirmativas, em decorrência das iniciativas do movimento negro. Por outro lado, coloca-se a crença no mito da democracia racial e na ideia de que o Brasil teria superado a escravidão e o racismo por meio do processo de miscigenação que, por sua vez, nos teria livrado de problemas existentes apenas em outras paragens, tais como Estados Unidos ou a África do Sul”. (PACHECO; SILVA, 2007). Tomando por base o texto de Pacheco e Silva, é correto afirmar que: a) O racismo no Brasil é sutil e imperceptível; b) A miscigenação eliminou o racismo nas relações sociais; c) Estados Unidos e África do Sul são exemplos de tolerância racial e eliminação de preconceitos; d) Os dados estatísticos desmentem a ideia de que no Brasil não existe racismo; e)Políticas de Ações Afirmativas são desnecessárias no contexto brasileiro. 5. (UDESC 2019/2) Observe os seguintes dados apresentados pelo artigo “Racismo: o que você tem a ver com isso?”, publicado em março de 2017 no portal Unisinos Notícias. 1) Segundo o Mapa do Encarceramento no Brasil, de 2012, as prisões contavam com 1,5 mais negros que brancos. SOCIOLOGIA COM VIVIANE CATOLÉ 5 2) Segundo o Mapa da Violência, de 2015, os dados referentes ao ano de 2013 indicam que foram assassinados, proporcionalmente, 173,6% mais negros que brancos. 3) Segundo o mesmo Mapa da Violência, de 2015, em 10 anos (de 2003 a 2013) o número de homicídios de mulheres negras aumentou 54%. Sabendo-se que o racismo é elemento historicamente constitutivo da sociedade brasileira, assim a análise dos dados: a) permite afirmar que não existe racismo no Brasil. b) permite constatar que a violência, no Brasil, atinge mais pessoas negras que brancas. c)indica que não há qualquer relação entre o racismo e a desigualdade social. d) permite afirmar uma diminuição nos atos violentos, tendo por vítimas mulheres negras, entre os anos de 2003 e 2013. e)não se relaciona, de forma alguma, com questões raciais. 6.(Esamc 2019) Crimes contra pretos, pobres e favelados costumam mesmo passar despercebidos. Para mais da metade da população brasileira, a morte violenta de um jovem negro choca menos do que a de um jovem branco, segundo pesquisa realizada pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e pelo Senado Federal. Marielle [Franco] morreu porque defendia os pobres negros e favelados. [...] Todos os anos são assassinadas no país 30 mil pessoas, 23 mil são jovens negros. A cada 23 minutos, um jovem negro morre no país. São números de guerra. São números de um genocídio. [...] O Negro quando não morre é preso. Quando não é preso, é sentenciado pelo descaso. (Duas semanas da morte de Marielle e o que temos até agora é o mesmo de quando um negro é morto na favela. Disponível em: https:// www.diariodocentrodomundo.com.br/ duas-semanas-da-morte-de- marielle-e-o-que-temos-ate-agora-e-o-mesmo-dequando-um-negro-e- morto-na-favela/. Acesso em: 07 mar. de 2019, às 20h53min.) Assinale a alternativa cujo trecho musical mais bem se relaciona com o contexto brasileiro apresentado pelo excerto acima: a) A carne mais barata do mercado é a carne negra/ Que vai de graça pro presídio/E pára debaixo do plástico[...]/A carne mais barata do mercado é a carne negra / Que fez e faz e faz história / Segurando esse país no braço, meu irmão / O cabra aqui, não se sente revoltado / Porque o revólver já está engatilhado / E o vingador eleito (A Carne. Compositores: Seu Jorge / Marcelo Fontes do Nascimento / Ulises Capelleti.) b) Se o preto de alma branca pra você / É o exemplo da dignidade / Não nos ajuda, só nos faz sofrer / Nem resgata nossa identidade / Elevador é quase um templo [...] / Não vai no de serviço / Se o social tem dono, não vai… (Identidade. Compositor: Jorge Aragão.) c) Árvores do sul produzem uma fruta estranha / Sangue nas folhas e sangue nas raízes / Corpos negros balançando na brisa do sul / Frutas estranhas penduradas nos álamos. (Strange Fruit (Fruta Estranha - tradução). Compositor: Lewis Allan.) d) Negro drama / Cabelo crespo / E a pele escura / A ferida, a chaga / À procura da cura (Negro Drama. Compositores: Edy Rock / Mano Brown.) e) Branco, se você soubesse o valor que o preto tem / Tu tomava um banho de piche, branco e, ficava preto também / E não te ensino a minha malandragem / Nem tão pouco minha filosofia, porquê? / Quem dá luz a cego é bengala branca em Santa Luzia (Ilê Ayê. Compositores: Paulinho Camafeu / Paulo Vitor Bacelar.) 7. (Enem PPL) A população negra teve que enfrentar sozinha o desafio da ascensão social, e frequentemente procurou fazê-lo por rotas originais, como o esporte, a música e a dança. Esporte, sobretudo o futebol, música, sobretudo o samba, e dança, sobretudo o carnaval, foram os principais canais de ascensão social dos negros até recentemente. A libertação dos escravos não trouxe consigo a igualdade efetiva. Essa igualdade era afirmada nas leis, mas negada na prática. Ainda hoje, apesar das leis, aos privilégios e arrogâncias de poucos correspondem o desfavorecimento e a humilhação de muitos. CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006 (adaptado). Em relação ao argumento de que no Brasil existe uma democracia racial, o autor demonstra que a) essa ideologia equipara a nação a outros países modernos. 6 SOCIOLOGIA COM VIVIANE CATOLÉ Anotações: b) esse modelo de democracia foi possibilitado pela miscigenação. c) essa peculiaridade nacional garantiu mobilidade social aos negros. d) esse mito camuflou formas de exclusão em relação aos afrodescendentes. e) essa dinâmica política depende da participação ativa de todas as etnias. 8. (FGV-RJ) Leia os fragmentos a seguir. I. Os adolescentes são muito mais vítimas do que autores de crimes, o que contribui para a queda da expectativa de vida no Brasil, pois se existe um “risco Brasil” este reside na violência da periferia das grandes e médias cidades. Dado impressionante é o de que 65% dos infratores vivem em família desorganizada, junto com a mãe abandonada pelo marido, que por vezes tem filhos de outras uniões também desfeitas e luta para dar sobrevivência à sua prole. Adaptado de REALE, M. J. Instituições de Direito Penal. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p. 212. II. A maioridade penal deve ser reduzida, pois assim os menores de 18 deixariam de ser usados para a execução de crimes, como ocorre constantemente no Brasil, o que diminuiria a criminalidade. Devemos considerar que o jovem dos dias atuais amadurece precocemente, devido às informações, às tecnologias e a todos os aparatos desenvolvidos para melhor adaptação do homem ao mundo. Assim, a legislação deveria se adequar a esse novo comportamento dos jovens, que é completamente diferente da época em que o Código Penal foi criado, em 1940. Adaptado de http://www.webartigos.com/artigos/proposta-de- reducaoda-maioridade-penal/56734/#ixzz3fhDuOaJb. A respeito dos argumentos sobre a redução da maioridade penal, assinale a afirmação correta. a) Ambos os fragmentos afirmam que a punição pura e simples, com penas a serem adotadas e impostas aos menores, não gera a diminuição da violência no Brasil. b) O fragmento I relaciona a violência praticada por menores com as precárias condições sociais e familiares dos moradores de áreas periféricas do Brasil. c) Os fragmentos I e II discutem os aspectos jurídicos inerentes ao estabelecimento da idade mínima a partir da qual uma pessoa responde pela violação da lei penal, na condição de adulto. d) O fragmento II condena a redução da maioridade penal como um recurso que aumentaria o aliciamento de jovens pelo crime organizado. e) Tanto o fragmento I quanto o II consideram a mudança do conceito de “criança” e de “adolescente” ao longo do tempo como elemento que legitima a atualização do Código Penal brasileiro. Gabarito: 1.C 5.B 2.C 6.A 3.E 7.D 4.D 8.B