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ELOS DO PASSADO: A RELAÇÃO DA VIA FÉRREA COM O PATRIMÔNIO HISTÓRICO-CULTURAL DE MACEIÓ SILVA, LUIZ GUSTAVO OLIVEIRA (1) 1. Universidade Federal de Alagoas. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Avenida Lourival Melo Mota, s/n, Tabuleiro dos Martins, CEP 57.072-900 – Maceió/AL luizgustavo.oliveiradasilva@gmail.com RESUMO As ferrovias já tiveram seus tempos de glória no Brasil, impulsionando o desenvolvimento das cidades por onde passavam e gerando um grande significado nas vidas das pessoas as quais conviviam com elas. Em Alagoas não foi diferente. Com a construção do trecho que ligava o Porto ao Centro de Maceió no ano de 1868, deu-se início o processo que no futuro ligaria Alagoas a Pernambuco pelos trilhos. Transportando cargas e pessoas, o sistema ferroviário não só interligou cidades e povoados, como também os criou. Os trens faziam parte do dia-a-dia da população e se integravam na paisagem urbana, desenvolvendo principalmente o entorno de suas estações. Com o declínio das estradas de ferro a partir da segunda metade do século XX, elas foram sendo esquecidas ou movidas ao segundo plano. Porém, com elas guardou-se parte da história de nossas cidades. O Plano Diretor de Maceió criou cinco Zonas Especiais de Preservação Cultural (ZEPs) em áreas consideradas culturalmente relevantes para a cidade tanto no patrimônio edificado como em locais que servem de suporte físico de manifestações culturais, como a dança e a música. Quatro dessas cinco zonas são interligadas pela via férrea, o que evidencia o quanto ela foi importante para a cidade no passado. Com esse trabalho pretende-se entender a relação da via férrea, que liga o Porto de Maceió a cidade de Rio Largo, com o patrimônio histórico-cultural de Maceió. Almeja-se também investigar como ela influenciou os bairros e distritos ao longo de seu traçado, a sua significância no passado e no presente para a cidade e os cidadãos e por fim, a sua evolução ao longo dos tempos. Para isso, foi feita uma revisão nas referências, tanto bibliográficas como iconográficas, da história da via e das zonas de preservação que ela interliga, assim como visitas in loco para obter informações do local. Foram realizadas também entrevistas com a população, em especial os idosos, em busca de relatos pessoais vividos por estas pessoas. Este levantamento culminou num panorama histórico da via e do entorno cultural bem como na identificação da situação atual do objeto estudado e na relevância dessa ferrovia para Maceió. Com toda importância que esse meio de transporte adquiriu ao longo do tempo, fica claro que sua valorização é imprescindível. É fundamental utilizar todo seu potencial histórico-cultural nesse circuito já traçado para resgatar as origens da cidade e fortalecer nossa cultura, fato primordial na geração do sentimento de pertencimento na população, algo ainda muito carente em Maceió. Palavras-chave: Patrimônio Urbano; Ferrovia em Maceió; Transporte e Patrimônio. 4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro Introdução Atualmente as ferrovias brasileiras que foram construídas entre o final do século XIX e início do século XX encontram-se, em sua maioria, abandonadas. Porém sabe-se que elas tiveram seus tempos áureos, sendo um dos motores econômicos nacionais entre 1850 a 1930, desenvolvendo cidades por onde passavam, assim como em Alagoas e sua respectiva capital. Foi a partir delas que se desenvolveram as usinas de cana-de-açúcar e as indústrias têxteis do estado, prosperando as cidades já existentes e criando novas comunidades que muitas vezes se tornaram novas cidades (Lima, 1965, p. 336). E apesar de elas não estarem tão presentes atualmente como foram no passado, as estradas de ferro deixaram um legado histórico que ecoa até os dias atuais, sendo alguns deles a significância cultural, o acervo arquitetônico, paisagístico e urbanístico. A escolha desse tema deve-se a toda essa relevância criada em torno desse patrimônio urbano. Entender o porquê dessa relação entre as Zonas Especiais de Preservação Cultural de Maceió (ZEPs) e a linha férrea que interliga essas zonas é algo que vale a pena ser estudado. Dessa forma, isso se torna o objetivo principal desse artigo. Além deste, pretende-se descobrir a importância dessa via férrea no passado e atualmente e conhecer a evolução desta ao longo de sua história. Será através dos conceitos definidos pela Australia ICOMOS Burra Charter, 2013, a Carta de Burra (2013), que será baseado as definições como Patrimônio, Significância, Conservação, dentre outros. A metodologia utilizada parte principalmente da revisão bibliográfica e iconográfica, buscadas nos principais acervos históricos do estado de Alagoas. Foram também feitas visitas in loco para o levantamento de imagens da situação atual do objeto estudado e entrevistas com moradores da região, em especial os mais anciões, que podem relatar momentos vividos durante a operação desse sistema ferroviário. A pesquisa ainda se encontra na fase de revisão bibliográfica e iconográfica, porém já foram obtidos resultados parciais (incluindo relatos e imagens do objeto estudado), restando apenas o levantamento do estado atual do objeto e as entrevistas. Este artigo foi dividido em três partes afim de tornar o entendimento mais simplificado. Na primeira parte será abordado o histórico das ferrovias no Brasil, no estado de Alagoas e na cidade de Maceió, onde será investigado o traçado e evolução da via local. Na segunda parte será exposto um breve histórico das quatro ZEPs interligadas pela estrada de ferro. Após esse panorama histórico, na terceira e última parte, será analisada a relação entre os objetos estudados na parte um e na parte dois, com o intuito de descobrir se houve influência ou não entre eles, e se houver, qual a significância criada nessa relação. 4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro 1. Panorama Histórico das Ferrovias no Brasil, Alagoas e Maceió A ascensão das ferrovias As ferrovias sempre estiveram muito relacionadas com o desenvolvimento das cidades, a primeira delas a surgir no mundo foi inaugurada no ano de 1825 na Inglaterra, em plena fase da Revolução Industrial. Com extensão de 60km, era utilizada para transportar minérios e passageiros entre as cidades de Stockton e Darlington (Hoskins, 2010). A novidade tecnológica rapidamente chamou atenção de muitos países, principalmente pela rapidez em que este novo meio de transporte trazia e levava cargas e pessoas, numa época em que os transportes basicamente se resumiam a veículos tracionados por animais. O Brasil foi um destes países interessados, visto que na década de 1820 havia acabado de se tornar independente de Portugal e precisava exportar seus produtos para evoluir economicamente, precisando, assim, de um meio de transporte eficiente que ligasse as lavouras, locais de extração de minérios e outros produtos primários com os portos. Tem-se registro que em 1830 foram criadas as primeiras leis que incentivavam a construção de ferrovias no País, mas foi só no ano de 1854 que foi inaugurado a primeira ferrovia do Brasil, localizada no estado do Rio de Janeiro, ligando a praia de Mauá com a localidade de Fragoso num trecho de aproximadamente 14,5km de extensão, sendo o Barão e Visconde de Mauá o responsável pela sua construção (Paula, 2008, p. 45 e 46). Desde então, durante o século XIX, as ferrovias foram crescendo cada vez mais, estando intimamente ligadas principalmente a economia agro-exportadora, num período em que o café era o principal produto produzido e exportado no Brasil. Nesta época também, as cidades brasileiras vinham emergindo de forma vertiginosa como centro político e econômico, e após a abolição da escravatura em 1888, estas tiveram um crescimento ainda maior (Lanna, 2002, p.1). Com o passar dos anos e com a viradade século, as vias férreas continuaram crescendo no Brasil, sendo o período entre 1908 e 1914 que mais se construiu estradas de ferro, concentradas principalmente no estado de São Paulo (Paula, 2008, p. 47). Todavia, devido à crise mundial vivida nos anos 20 do século XX, o Brasil se viu obrigado a desenvolver sua própria indústria, já que as importações e exportações estavam prejudicadas. Houve queda na produção do café, porém foi nesta época em que a indústria têxtil ganhou força no país, utilizando muito os trens tanto para transportar o algodão das lavouras para as fábricas, como para transportar os tecidos fabricados para os portos (Fausto, 1999, apud. Fici, 2007, p. 60). 4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro Em Alagoas a situação foi semelhante, diferindo apenas que a produção no estado era majoritariamente de cana-de-açúcar e não do café. Foi durante este período que se desenvolveu a maior parte das linhas férreas alagoanas, momento em que a indústria têxtil disputava com as usinas de açúcar pela liderança da economia alagoana (Lima, 1965, p. 336). Foram criadas diversas fábricas de tecido no estado e duas delas em Maceió, a Fábrica Carmen e a Fábrica Alexandria, ambas situadas nas proximidades da linha férrea objeto desse estudo (Ademir, 2010). A primeira linha férrea de Alagoas foi inaugurada em 25 de março de 1868 na cidade de Maceió. Esta via que tinha aproximadamente 6km de extensão, interligava o Porto com o Trapiche da Barra, passando pelo Centro da cidade. Quatro anos depois foi inaugurada a expansão dessa linha, bifurcando-se no Centro em direção ao bairro de Bebedouro, no dia 19 de outubro de 1872, somando mais 5km na extensão total da via. Após conclusão desse último trecho iniciou-se os estudos para a expansão da linha férrea ultrapassando os limites da cidade de Maceió em direção à cidade de União dos Palmares, na época denominada de Imperatriz, seguindo os vales do Rio Mundaú. Só em 1884 foi inaugurado esse novo ramal intermunicipal. Posteriormente, a mando do então presidente da província, o Coronel Pedro Paulino, foi continuado o ramal de União a Pernambuco, denominado por Lima (1965) de Ramal Norte. Paralelo à construção desse último trecho, também estava sendo construído uma linha férrea no extremo oeste do estado, conhecida como Estrada de Ferro de Paulo Afonso que foi inaugurada no ano de 1883, ligando as cidades de Piranhas e Petrolândia, esta última no estado de Pernambuco. E finalmente em 1891, foi inaugurado o primeiro trecho do novo ramal que Lima (1965) denominou como Ramal Centro-Sul, o qual bifurcava- se no povoado de Lourenço de Albuquerque e interligava Maceió a Porto Real do Colégio (Lima, 1965, p. 334). As vias férreas também foram muito utilizadas para transportar pessoas dentro das cidades. Os bondes eram responsáveis por boa parte dos deslocamentos urbanos no início do século XX, tendo uma significativa malha férrea em Maceió. A primeira linha de bonde de Maceió foi criada em 1871, e era movido por tração animal. Só em 1914 foi inaugurado a primeira linha de bondes elétricos na capital alagoana (Novo Milênio, 2002, apud. Soares, 2008, p. 29). Em 1938, Maceió possuía quatro linhas de bondes que interligavam os bairros ao Centro da cidade. A seguir serão apresentados um mapa síntese das principais ferrovias alagoanas, um mapa mostrando o traçado aproximado das primeiras ferrovias do estado na cidade de Maceió e um último mapa ilustrando as linhas de bondes na capital alagoana no ano de 1938. 4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro Figura 1 - Principais ferrovias alagoanas. Fonte: LIMA, 1965, p. 335. Adaptado pelo autor. Figura 2 - Primeiras ferrovias de Alagoas em Figura 3 - Itinerários de bondes de Maceió em 1938. Maceió. Fonte: SMTT/Prefeitura Municipal de Maceió apud Fonte: LIMA, 1965, p. 334. Adaptado pelo autor. Soares, 2008, p.30. O declínio das ferrovias O principal fator atribuído a decadência das ferrovias foram as transformações econômicas vividas no país no início do século XX, fato que tornou a economia brasileira que outrora era voltada para exportação de matéria-prima, em um país de economia voltada ao mercado interno (Paula, 2008, p. 49). Isso trouxe consigo grandes mudanças que afetaram diretamente o transporte sobre trilhos. Com a modernização da indústria brasileira, houve uma descentralização da produção e a malha ferroviária não atendia a esse fluxo de 4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro mercadorias, pois apresentava uma estrutura muito concentrada numa economia regional voltada para a exportação e não ao consumo interno (Barat, 1991 apud. Fici, 2007, p. 60). Outros fatores também influenciaram esse declínio, como a chegada da indústria automobilística no Brasil a partir da década de 1960. Segundo Soares (2008), pode ter havido uma absorção do idealismo vivido nos Estados Unidos com o advento do automóvel (para o transporte de pessoas) e caminhões (para o transporte de cargas). As estradas de ferro passaram a ser vistas como um empecilho ao desenvolvimento e os veículos movidos a combustão interna vistos como sinônimo de modernidade. Aos poucos, as ferrovias foram entrando em declínio, principalmente a partir da década de 1950, e passaram a ser substituídas por rodovias. As empresas privadas que administravam as ferrovias estavam cada vez mais endividadas e não investiam no sistema. Em 1957, criou-se a Rede Ferroviária Nacional para tentar resgatar as ferrovias brasileiras, o que não adiantou muito, pois na segunda metade do século XX, a grande maioria das vias férreas foram desativadas, órgãos governamentais que as administravam foram extintos e o sistema ferroviário brasileiro foi majoritariamente abandonado. A malha ferroviária brasileira diminuiu 10 mil quilômetros entre os anos de1960 e 1998 (Câmara dos Deputados, 2005). Em Maceió, o sistema de bondes funcionou até meados de 1950, sendo substituídos pelos ônibus (Soares, 2008, p. 30). De acordo com Lima (1965), em seu livro da década de 1960, os trens de carga e passageiros em Alagoas ainda estavam em operação diária. Porém, o mesmo foi desativado alguns anos após a publicação do livro, restando apenas um trem suburbano ligando Lourenço de Albuquerque a Maceió. 2. As Zonas Especiais de Preservação Cultural (ZEPs) Conceituação De acordo com o Plano Diretor de Maceió (2005), as Zonas Especiais de Preservação Cultural são: [...]áreas de relevante interesse cultural por constituírem no Município de Maceió: I – expressões arquitetônicas ou históricas do patrimônio cultural edificado, compostas por conjuntos de edificações e edificações isoladas; II – suporte físico de manifestações culturais e de tradições populares, especialmente a música e a dança folclórica, a culinária e o artesanato. (Maceió, 2005, p. 25). 4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro Elas foram criadas com o objetivo de ampliar o apoio, o controle e divulgação do patrimônio cultural e fomentar sua conservação, criando benefícios para os mesmos, e; instituir regime especial em relação a legislação urbanística (Maceió, 2005, p. 26). Atualmente, Maceió possui cinco ZEPs das quais duas delas já existiam no Plano Diretor anterior ao de 2005. São elas: ZEP 1 – Jaraguá e ZEP 2 – Centro. Em 2005 foram criadas as ZEPs: ZEP 3 – Bebedouro, ZEP 4 – Fernão Velho e ZEP 5 – Pontal da Barra. Para cada uma delas foram instituídas diretrizes específicas, com o intuito de fomentar estas zonas respeitando suas particularidades e vocações. Abaixo o mapa com a localização das ZEPs no município de Maceió, com destaque do traçado da ferrovia remanescente na cidade. Observa-se que é bastante perceptívela ligação espacial entre as ZEPs 1 a 4 estabelecida pela via férrea. Figura 4 - Localização das ZEPs em Maceió. Fonte: Maceió, 2005, Mapa 2. Adaptado pelo autor. Devido ao foco deste trabalho ser nas zonas interligadas pela via férrea, abaixo são apresentados um breve histórico de cada uma delas, descrevendo sua origem e evolução. ZEP 1 – Jaraguá O bairro do Jaraguá foi uma das primeiras localidades a surgir em Maceió. Não se sabe ao certo o ano, mas nos primórdios da cidade, foi construído nele um ancoradouro para atracar pequenas embarcações, onde até então havia apenas uma casa de propriedade de Manuel 4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro Antônio Duro, o então dono da sesmaria. Fato comprovado por um documento público datado de 1611, o qual registrara a presença de uma edificação na região muito antes da invasão holandesa à capitania de Pernambuco, em 1609 (Costa, 1981, p. 3, 4, 5 e 6). Com o passar dos anos, esse ancoradouro foi ganhando importância e transformou-se num porto, porém, após a chegada do governador Melo e Póvoas, em 1818, é que o Porto de Jaraguá ganha notoriedade. No local já existiam poucas casas e uma igreja, mas com a sua influência, a região cresceu e tornou-se um centro comercial (Pimentel, 2010). A cidade recebeu, inclusive, a ilustre visita de D. Pedro II em 31 de dezembro de 1859, cujo desembarque aconteceu no referido porto e consequentemente deu mais popularidade a Maceió e ao Bairro (Instituto Arnon de Mello, 2012, p. 443). Somente em 1868, o bairro ganha a primeira linha férrea, com o intuito de dar mais agilidade ao transporte de produtos vindos do interior do estado pela Lagoa Mundaú que desembarcava no Trapiche da Barra e vinham, até então, de carroça até o Porto, por um caminho dificílimo de quase uma légua por um areal escaldante (Costa, 1981, p. 171). Costa (1981) descreveu esse momento da seguinte forma: A ligação de Jaraguá e Trapiche da Barra, com um ramal para o Centro da cidade, foi objeto desse contrato, melhoramento considerável, de vantagens práticas indiscutíveis, para o serviço de cargas e passageiros que se destinavam às Alagoas e Pilar, e também às localidades ribeirinhas da Manguaba. (Costa, 1981, p. 171). Segundo Tenório (1979), no primeiro mês de funcionamento dessa linha foram transportados “cerca de 400 passageiros e considerável volume de carga, [...], encorajando o alongamento desse ramal até o pátio da Igreja dos Martírios e Rua do comércio. ” É a partir da implantação desse meio de transporte que Jaraguá, começa a viver seus tempos de glória. O bairro era dotado de um grande comércio atacadista e varejista, e diversos sobrados da alta sociedade, além da Igreja Nossa Senhora Mãe do Povo (Pimentel, 2010). O sucesso do bairro duraria até meados de 1950, quando daí começa a perder população devido ao grande crescimento da atividade portuária, juntamente com o aumento da atividade noturna, afastando as famílias para locais mais tranquilos como as enseadas da Av. da Paz, Pajuçara, e Ponta Verde (Instituto Arnon de Melo, 2012, p. 507). Atualmente o bairro é um dos menos populosos de Maceió e abriga diversas instituições públicas, o que não é suficiente para manter a vida urbana necessária dessa região que já foi tão movimentada e influente para a cidade. 4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro ZEP 2 – Centro A história do Centro de Maceió está muito interligada com a de Jaraguá. O Centro da cidade foi um dos primeiros núcleos urbanos que surgiram. Segundo Costa (1981), foi a partir do pátio de um engenho, onde hoje se localiza a atual Praça D. Pedro II, que nasceu a cidade. Porém, não foi a atividade açucareira que fez crescer o que futuramente viria a ser a capital alagoana. Foi devido a atividade portuária presente no bairro de Jaraguá que o povoado se desenvolveu. Em direção a esse porto seguiam as rotas de comércio que vinham pela Lagoa Mundaú e desembarcavam no Trapiche da Barra, Canal da Levada e Bebedouro, passando por essa formação no entorno do engenho (Instituto Arnon de Melo, 2012, p. 439). O movimento comercial ia aumentando, pois se tornara um grande depósito de mercadorias da produção agrícola que se desenvolvia pelos férteis vales do Paraíba e do Mundaú, cortado por dois grandes caminhos abertos ao acaso da penetração pela zona do Sertão, com vários núcleos açucareiros marginais a lhe procurar instintivamente para o escoamento da produção. A grande vantagem do burgo era o Porto de Jaraguá, que definiria a sua importância como polo econômico e administrativo, já que era inevitável passar por Maceió para embarcar os produtos. (Instituto Arnon de Mello, 2012, p. 439). Para efetivação de Maceió à condição de Vila, dada por Dom João VI em 15 de dezembro de 1815, a cidade precisava construir seu próprio Pelourinho, Casa da Câmara, da Cadeia e outras oficinas necessárias. E foi no entorno do antigo engenho que foram implantados esses edifícios públicos, consolidando esse local como o centro cívico de Maceió (Instituto Arnon de Mello, 2012, p. 439). Dois anos depois, em 1817, Alagoas se emancipa de Pernambuco e precisou escolher uma capital para esta nova capitania brasileira. A cidade de Marechal Deodoro foi escolhida como capital, pois era lá que se concentrava o poder militar, religioso e judiciário da capitania. Porém, Maceió estava em pleno desenvolvimento urbano, o que chamara atenção do então presidente da província Melo e Póvoas e seus sucessores. Mas só no governo de Agostinho da Silva Neves, em 1839, com a transferência da Casa do Tesouro para Maceió, que a cidade se tornou capital de Alagoas (Costa, 1981, p. 137 e 138). A partir daí, como nova sede do poder político do estado, o crescimento do Centro foi ainda maior, sendo junto com Jaraguá, os principais locais da Comarca de Maceió. Sua população e comércio cresceram, e com a chegada da estrada de ferro Trapiche da Barra – Centro – Jaraguá, em 1868, seu desenvolvimento se tornou ainda mais acelerado. Os bondes, foram criados a partir de 1871, e tinham como destino principal o Centro, o que demonstra a grande importância dessa localidade para a cidade. 4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro Assim como Jaraguá, o Centro foi perdendo importância para novas áreas que vinham surgindo na capital. Atualmente é ainda um grande centro político, sede de inúmeros edifícios públicos das três esferas administrativas, e possui um grande comércio varejista, responsável por boa parte da economia da cidade. Porém, é um dos bairros menos populosos de Maceió, suas ruas ficam completamente desertas no período noturno, contrastando com a imensa movimentação durante o dia. Ainda no Centro, é onde se encontra a Estação Central, de lá partem os trens em direção à Lourenço de Albuquerque, levando e trazendo todos os dias trabalhadores atraídos pelo preço acessível da tarifa e a pontualidade do serviço. ZEP 3 – Bebedouro O bairro de Bebedouro surge a partir de três riachos nas margens da lagoa mundaú, onde viajantes utilizavam-nos como entreposto para descansar, banhar-se e dar de beber aos animais. O local também servia de ancoradouro das embarcações que vinham de cidades mais ao norte, pela Lagoa Mundaú, em direção ao Porto de Jaraguá. Em 1816, o local era apenas um grande sítio dotado de uma pequena capela, construída por Antônio Marinha de Aguiar. Em 1880, a propriedade foi comprada pelo comendador Jacinto Nunes Leite, que viria fazer história no bairro. Nunes foi o responsável pela construção da atual Igreja de Santo Antônio, no lugar da antiga capela. Ele também foi responsável pelo abastecimento d’água de Bebedouro, se tornando o primeiro bairro maceioense a contar com água encanada (Monteiro, 2009). Anos depois em meados do séculoXX, o bairro viria se tornar o reduto da alta classe maceioense, que construiu seus casarões às margens da Lagoa Mundaú e da linha férrea, alguns deles ainda resistem ao tempo. O bairro também ficou conhecido pelas inúmeras festas promovidas pelo Major Bonifácio da Silveira, o Major da Folia. Bonifácio organizava muitos eventos na Praça Lucena Maranhão, atraindo pessoas de Jaraguá e Centro que lotavam os bondes em direção a Bebedouro nas datas comemorativas como São João, Natal e carnaval (Vilar, 2015). A ferrovia sempre foi e ainda é muito presente na vida desse bairro. Em diversos relatos escritos e falados e registros fotográficos, os trens ou os bondes são lembrados com histórias que vão desde as paisagens contempladas no caminho e até mesmo o som característico desse meio de transporte, lembrados com grande nostalgia. Modificava-se, de repente, com a aproximação do Natal, a fisionomia do velho bairro, que passava a ser dos mais movimentados pontos da capital. Candidatando-se às muitas moças casadoiras das familias que veraneavam, rapazes do comércio, estudantes e filhos de familias ricas e 4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro remediadas, enchiam, à noite, os bondes da Catu, guiados pelo Catuaba e pelo Bernardino, iam para Bebedouro e uma vez por outra arranjavam uma dança ou uma festinha íntima. (Vilar, 2015). Atualmente Bebedouro ainda guarda algumas construções e costumes. É um bairro predominantemente residencial, porém com pequenos comércios ao longo das principais avenidas do bairro, a ferrovia e os trens ainda fazem parte da paisagem do local, devido a linha remanescente que liga Maceió a Lourenço de Albuquerque com as modernas composições de VLT. ZEP 4 – Fernão Velho Fernão Velho nasceu a partir da instalação da primeira indústria têxtil do estado de Alagoas, a Fábrica Carmem, no dia 5 de abril de 1864, por iniciativa do Barão de Jaraguá. Ela fora implantada às margens do extremo norte da Lagoa Mundaú. As indústrias têxteis vinham revolucionar a relação entre empregados e patrões, diferindo muito das relações na indústria canavieira (Instituto Arnon de Mello, 2012, p. 463). A fábrica trouxe o modelo de cidade operária, onde o empregador fornecia moradia, saúde, educação e diversos outros serviços para os filhos e para todos os empregados nas proximidades da fábrica. Normalmente eram implantadas longe de centros urbanos, no caso de Fernão Velho distava mais de 13km do Centro de Maceió. Com esse modelo de indústria, os patrões tinham controle total de seus operários que trabalhavam duro para se manter empregados com todas essas “regalias”. Com a inauguração da ferrovia entre Maceió e União dos Palmares, em 1884, Fernão Velho passa também a ser servida por este meio de transporte que se incorporou a paisagem do então distrito. Nele eram trazidos o algodão das lavouras no interior do estado e também eram levados os tecidos produzidos nesta indústria em direção ao Porto de Maceió. A fábrica funcionou por mais de 140 anos, mesmo após perder espaço durante o século XX. Assim como em Bebedouro, Fernão Velho ficou conhecida por suas festividades que atraíam pessoas de toda Maceió e outras cidade servidas pela linha férrea. Porém, não havia linhas de bonde que chegassem ao distrito, o que não era problema, pois os trens que faziam a viagem de Maceió a Pernambuco vinham cheios de foliões preparados para a alegria. Antes, o movimento era mais intenso, já que passavam os trens em demanda a Paquevira, Porto Real do Colégio e o Recife. A estação era outro ponto de lazer para os jovens do distrito, que paqueravam os passageiros ou recebiam encomendas. Com uma longa plataforma, a estação também servia para os ambulantes. Em dia de festa, fervilhava de gente vinda de Maceió, Rio Largo e outras cidades. (Pimentel, 2010). Nos dias de hoje com o fim das atividades fabris no distrito, os moradores se viram obrigados a encontrar empregos e serviços em outros locais. O trem ainda circula no bairro, 4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro entretanto, Fernão Velho se tornou um bairro dormitório com ares de interior, mantendo algumas festividades no período carnavalesco, porém sem a importância vivida nos tempos áureos do distrito. 3. A Relação entre Maceió e a Via Férrea A Carta de Burra (2013), traz em seus artigos alguns conceitos que merecem destaque no estudo dessas ZEPs e a linha férrea, são eles: Significado cultural, Associações e Significados. O significado cultural acontece quando questões estéticas, históricas, científicas, sociais e espirituais tem valor para as gerações passadas, atuais ou futuras. As associações são ligações especiais entre as pessoas e o sítio. Já os significados, são o que o sítio evoca, exprime, significa ou indica, estando muito relacionado com aspectos intangíveis como memória e qualidades simbólicas (Australia ICOMOS, 2013). Após a análise do panorama histórico dessas Zonas Especiais de Preservação Cultural e das ferrovias alagoanas percebeu-se que há pelo menos valores históricos e sociais relacionados às gerações passadas e a via férrea. As associações e os significados também estão muito presentes, já que o mesmo traz recordações que geram grande nostalgia nas pessoas que viveram aquele tempo. Foram encontrados alguns relatos durante a revisão bibliográfica que reforçam essa inferência, mostrando o quanto as ferrovias foram importantes para o desenvolvimento de Maceió e como elas ficaram presentes no imaginário da população. Registros escritos Um destes relatos está no livro de Douglas Apratto Tenório (1979), quando o mesmo descreve os avanços vividos na cidade com a chegada do trem. A Província sofreria as influências que o trem levou para as demais regiões onde apareceu: facilitaria o conhecimento da Corte e do mundo, a discussão de temas políticos, sociais, científicos e culturais. A leitura de jornais passaria a ser um hábito obrigatório nas viagens. Maceió aumentará seus serviços públicos, suas diversões, atraindo a gente do interior, os fazendeiros. Os homens de negócios passarão a viajar com mais frequência às cidades servidas pelos trens e aos locais vizinhos. [...]. Os estudantes, cuja matrícula, sobretudo em Maceió e Bebedouro, cresceu consideravelmente. [...]. As zonas servidas pelos trilhos de ferro tinham as propriedades rurais valorizadas. Os engenhos do vale do Mundaú, principalmente, livraram-se das longas viagens a que eram submetidos os seus produtos, até que chegassem aos portos de Maceió e do Recife. (Tenório, 1979, p. 115). Cynthia Nunes da Rocha Fortes, em seu artigo no livro Traços e Troças (2011), enfatiza como as linhas férreas “costuravam” diversas localidades na cidade. 4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro Através dos trilhos dos bonds, Maceió vai se revelando. Aparece um centro consolidado desde os tempos coloniais, [...], e um ancoradouro com seu núcleo urbano, o bairro de Jaraguá. [...]. Tinha-se também lugares afastados do centro, como Cambona, Mutange, Levada, Trapiche da Barra. [...]. Os trilhos urbanos vão “costurando” essas partes e relacionando-as, formando uma unidade, uma nova organização espacial, a Maceió recém- republicana. (Almeida, 2011, p. 128) Outro relato está presente no livro Maceió de Outrora (2001), que reúne textos de Felix Lima Júnior onde são narrados o dia-a-dia de Maceió no início do século XX. Ao final do capítulo o autor traz histórias da Companhia Alagoana de Trilhos Urbanos (CATU) e seus respectivos bondes, Felix descreve bem o sentimento que ficara depois do declínio das vias férreas na cidade. Leitor amigo, se você, quando menino, andou, como eu andei, num dos “caras-duras” ou “caixas-de-fósforo” da Catu, dirigidos pelo Teixeira, pelo Catuaba, pelo Bernardinoou pelo Pereira, naqueles bons tempos em que um tostão era muito dinheiro, feche os olhos, com saudades, e verifique se o seu coração não está cheio de amargura. Pode depois passar o lenço nos olhos, sem acanhamento, que eles, decerto, estarão cheios de lágrimas, como estão os meus... (Lima Júnior, 2001, p. 40) Registros iconográficos Além dos registros escritos, é possível analisar também, a presença das ferrovias em iconografias do passado. Grande parte das fotos retiradas entre o final do século XIX e o início do século XX trazem os trilhos, bondes e trens na paisagem urbana de Maceió. São verdadeiros tesouros que revelam parte de nossa história e costumes. Figura 5 - Trem na estação Jaraguá nos anos 1920. Fonte: Acervo Cláudio Vitoriano. Disponível em: <http://goo.gl/KcO9rE>. Data de acesso: 04 nov. 2015. 4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro Figura 6 - Trilhos na Rua Floriano Peixoto em Jaraguá no ano de 1906. Fonte: Acervo Ely do Samu. Disponível em: <https://goo.gl/8O9zUW>. Data de acesso: 04 nov. 2015. Figura 7 - Estação Central de Maceió no final do século XIX. Fonte: Acervo do site Estações Ferroviárias do Brasil. Disponível em: <http://goo.gl/ZGdNNH>. Data de acesso: 04 nov. 2015. 4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro Figura 8 - Estação Central de Maceió em 1906. Fonte: Acervo do site Estações Ferroviárias do Brasil. Disponível em: < http://goo.gl/ZGdNNH >. Data de acesso: 04 nov. 2015 . Figura 9 - Atual Rua Buarque de Macedo no Centro de Maceió. Fonte: Acervo Silvio Melo. Disponível em: < https://goo.gl/dgX00t >. Data de acesso: 04 nov. 2015. 4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro Figura 10 - Ancoradouro de Bebedouro com estação ferroviária ao fundo. Fonte: Acervo do site Estações Ferroviárias do Brasil. Disponível em: <http://goo.gl/B9FKnB>. Data de acesso: 04 nov. 2015. Figura 11 - Praça Lucena Maranhão em Bebedouro nos anos 1920. Fonte: Acervo do site História de Alagoas. Disponível em: <http://goo.gl/ZrJxm2 >. Data de acesso: 04 nov. 2015. 4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro Figura 12 - Rua de Fernão Velho. Data desconhecida. Fonte: Acervo Carlos Nederland. Disponível em: <https://goo.gl/k0CS4a>. Data de acesso: 04 nov. 2015. Conclusão Por quase um século Maceió funcionou em função dos trilhos, transportando pessoas para o trabalho, moradia, escola, festividades, como também movimentou a economia conduzindo produtos e mercadorias para exportação e importação. Toda essa dinâmica moldou muitas características que a cidade tem hoje. Analisando todos estes registros foi possível entender como se deu a construção do significado da ferrovia para Maceió. O ponto em comum entre as quatro zonas foi que todas surgiram antes da inauguração da ferrovia, porém foi com a operação dos trens que essas localidades alcançaram seu auge. A via funcionou como uma artéria interligando locais já existentes onde se produzia e desembarcava produtos, ajudando no crescimento das ZEPs como também no desenvolvimento de toda a Maceió, influenciando na direção que a cidade cresceu naquele período e ocupando as margens da Lagoa Mundaú. Os bondes reforçavam a imagem ferroviária no imaginário popular e também tiveram papel primordial no desenvolvimento das ZEPs e de Maceió como um todo, já que tinha mais capilaridade no traçado urbano e frequência comparado aos trens. 4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro Foi possível perceber também que outras localidades de grande importância histórica para Maceió não foram contempladas como ZEP, a exemplo dos bairros do Trapiche da Barra e da Levada, que serviram como ponto de transbordo de mercadorias que vinham pela Lagoa Mundaú desde os primórdios da cidade. A preservação desse patrimônio histórico é de extrema importância e urgência, visto que o tempo castiga bastante esse acervo cultural tão importe, que pode servir como instrumento de resgate cultural para a população maceioense, esta, ainda muito carente de sentimento de pertencimento. Impressiona a forma como um meio de transporte pode influenciar toda uma cidade, desenvolvendo os locais por onde passa. A ferrovia em Maceió funcionou como fertilizante de diversos “núcleos urbanos primitivos” que cresceram e criaram a cidade que temos hoje. Não é à toa que as ferrovias ganharam o respeito da população, e até hoje permanecem nostalgicamente na memória popular. Referências Bibliográficas ADEMIR, José. Bom Parto – Bairros de Maceió. Maceió, 2010. Disponível em: <http://www.bairrosdemaceio.net/site/index.php?Canal=Bairros&Id=12>. Data de acesso: 02 nov. 2015. ALMEIDA, Luiz Sávio de (org.). Traços e Troças: literatura e mudança social em Alagoas: estudos em homenagem a Pedro Nolasco Maciel. Maceió: EDUFAL, 2011. AUSTRALIA ICOMOS INCORPORATED INTERNATIONAL COUNCIL ON MONUMENTS AND SITES. The Burra Charter. Burra, 2013. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Ferrovias Brasileiras - Declínio das ferrovias. 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