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Capítulo A ética Grande parte do que já estudamos vincula-se a questões teóricas sobre o ser e o saber. Agora nos concentraremos em um conjunto de problemas que estão diretamente ligados ao fazer – isto é, à ação humana, ao comportamento das pessoas e às suas relações, entre si e com o mundo. Você tem dúvidas, às vezes, sobre como deve agir ou se angustia pensando se procedeu corretamente com alguém? Vejamos se as reflexões da filosofia prática – conhecida como ética ou filosofia moral – podem ser de alguma ajuda nesse sentido. O que você sente ao ver essa cena? Você mataria um filho para cumprir uma ordem do ser em quem você mais confia e respeita (no caso, Deus)? Ou desobedeceria a ele para preservar o filho que você tanto ama e não se tornar um assassino? 18 R e m b R A n d t VA n R ij n / H e R m it A G e m u s e u m , s ã o P e te R s b u R G o , R ú ss iA . Abra‹o e Isaac (1634) – Rembrandt Van Rijn, óleo sobre tela. Cena bíblica em que Abraão está prestes a tirar a vida de seu filho isaac – atendendo a deus, que lhe pedira esse sacrifício como prova de sua obediência e sua fé –, mas um anjo segura sua mão e impede o desfecho trágico. Conceitos-chave ética, moral, filosofia prática, ação, comportamento, valor, norma, coercibilidade, liberdade, consciência moral, juízo, escolha, bem, mal, responsabilidade, virtude, vício, determinismo, violência, instintivismo, socioambientalismo, conflito ético, niilismo ético, permissivismo moral, racionalismo ético, ética do equilíbrio, ética do livre-arbítrio, ética do dever, fundamentação histórico-social, fundamentação ideológica, ética discursiva Questões filosóficas O que é a moral? Quais são os fundamentos da moral? O que é a virtude? E o vício? Somos livres para escolher uma ação? Como viver para ser feliz? 326 Unidade 4 Grandes áreas do filosofar FILOVU-324-343-U4-C18.indd 326 4/6/16 5:43 PM ÉTICA E MORAL O problema da ação e dos valores em nosso dia a dia, frequentemente nos de- paramos com situações em que temos de fazer escolhas e tomar decisões. muitas vezes elas dependem daquilo que consideramos bom, justo ou correto. toda vez que isso ocorre, estamos diante de uma decisão que envolve um julga- mento moral, a partir do qual vamos orientar nossa ação ou a ação de outras pessoas. Como afirmou o filósofo grego Aristóteles: A característica específica do homem em compara- ção com os outros animais é que somente ele tem o sentimento do bem e do mal, do justo e do injusto e de outras qualidades morais. (Política, p. 15.) Assim, o ser humano age no mundo de acordo com valores, isto é, a partir daquilo que tem maior importância ou é prioridade para ele segundo certos códigos morais. isso significa que as coisas e as ações que um indivíduo realiza podem ser hierar- quizadas conforme as noções de bem e de justo compartilhadas por um grupo de pessoas, em de- terminado momento histórico. em outras palavras, o ser humano é um ser moral: um ser capaz de avaliar sua conduta a partir de valores morais. Distinção entre moral e ética o que é moral? e qual a diferença entre moral e ética? embora os termos ética e moral por vezes sejam usados como sinônimos, é possível fazer uma distinção entre eles. A palavra moral vem do latim mos, mor-, “costu- mes”, e refere-se ao conjunto de normas que orien- tam o comportamento humano tendo como base os valores próprios a uma comunidade ou cultura. Como as comunidades humanas são distin- tas entre si, tanto no espaço quanto no tempo, os valores também podem ser distintos de uma comunidade para outra, o que origina códigos morais diferentes. Pertence ao vasto campo da moral a definição sobre questões fundamentais, como: • o que devo fazer para ser justo? • Quais valores devo escolher para guiar minha vida? • Há uma hierarquia de valores que deve ser seguida? • Que tipo de ser humano devo ser nas relações comigo mesmo, com meus semelhantes e com a natureza? • Que tipo de atitudes devo praticar como pessoa e como cidadão? A palavra ética, por sua vez, vem do grego ethikos, “modo de ser”, “comportamento”. Por- tanto, etimologicamente, os dois termos querem dizer quase a mesma coisa. no entanto, ética designa mais especificamen- te a disciplina filosófica que investiga o que é a moral, como ela se fundamenta e se aplica. ou seja, a ética – ou filosofia moral – estuda os diversos sistemas morais elaborados pelos seres huma- nos, buscando compreender a fundamentação das normas e interdições (proibições) próprias a cada um e explicitar seus pressupostos, isto é, as concepções sobre o ser humano e a existência humana que os sustentam. 1. Considerando a condição humanizada do cãozinho snoopy, o que você diria sobre os valores dos dois personagens desta tirinha? Conexões P e A n u t s , d e C H A R l e s s C H u l z © P e A n u t s W o R l d W id e l l C . / d is t. b y u n iV e R s A l u C l iC k 327Cap’tulo 18 A Žtica FILOVU-324-343-U4-C18.indd 327 4/6/16 5:43 PM nesse sentido, a ética é uma disciplina teórica que trata da prática humana – isto é, do comporta- mento moral. no entanto, as reflexões éticas não se restringem à busca de conhecimento teórico sobre as ações e os valores humanos, cuja origem e desenvolvimento levantam questões de caráter sociológico, antropológico, religioso etc. Como filosofia prática, isto é, disciplina teó- rica com preocupações práticas, a ética orien- ta-se também pelo desejo de unir o saber ao fazer, ou seja, busca aplicar o conhecimento sobre o ser para construir aquilo que deve ser. e, para isso, é indispensável boa parcela de co- nhecimento teórico. Veremos a seguir algumas concepções funda- mentais no campo da ética, bem como as discus- sões que despertam. Moral e direito eis uma pergunta que talvez você esteja se fa- zendo: “normas morais e normas jurídicas são a mesma coisa? Há diferença entre elas?”. sabemos que as normas morais e as normas jurídicas são estabelecidas pelos membros da so- ciedade e que ambas se destinam a regulamentar as relações nesse grupo de pessoas. Há, então, vários aspectos comuns entre normas morais e jurídicas. Por exemplo: • apresentam-se como imperativos, ou seja, normas que devem ser seguidas por todos; • buscam propor, por meio de normas, uma con- vivência melhor entre os indivíduos; • orientam-se pelos valores culturais próprios de determinada sociedade; • têm um caráter histórico, isto é, mudam de acordo com as transformações histórico-sociais. no entanto, a despeito dessas semelhanças, há diferenças fundamentais entre a moral e o direito: • as normas morais são seguidas a partir das convicções de cada pessoa e do grupo social ao qual ela pertence, enquanto as normas jurídicas devem ser cumpridas sob pena de punição do estado em caso de desobediência; • a punição, no campo do direito, está prevista na legislação, ao passo que, no campo da moral, a eventual sanção pode variar bastante, pois de- pende fundamentalmente da consciência moral do sujeito que infringe a norma e dos códigos morais vigentes na sociedade em que ele vive; • a esfera da moral é mais ampla, abrangendo diversos aspectos da vida humana, enquanto a esfera do direito restringe-se a questões espe- cíficas nascidas da interferência de condutas sociais. o direito costuma ser regido pelo prin- cípio de que tudo é permitido, exceto aquilo que a lei expressamente proíbe; • a moral não se traduz em um código formal, enquanto o direito sim; • o direito mantém uma relação estreita com o estado, enquanto a moral não apresenta ne- cessariamente essa vinculação. estátua com a representação tradicional da justiça, personificada como uma deusa desde a Antiguidade. Justo é aquilo que está em conformidade com o que é correto ou direito. Portanto, o sentido de justiça está baseado em valores estabelecidos, como os de poder epaz, cooperação e solidariedade. As normas jurídicas deveriam tender à realização dos ideais de justiça, embora nem sempre isso ocorra. (Coleção particular.) G et ty im AG es 2. observe os detalhes dessa estátua. destaque os elementos simbólicos que, na sua interpre- tação, configuram a ideia de justiça. justifique cada um deles. Conexões de todas essas diferenças entre moral e direito, talvez uma mereça maior destaque: a coercibili- dade da norma jurídica, que conta com a força e a repressão potencial do estado (através da ação da justiça e da polícia) para ser obedecida pelas pessoas. A norma moral, por sua vez, não é sus- tentada pela coerção do estado, o que quer dizer que necessita, de certo modo, da aceitação de cada indivíduo ou grupo social para ser cumpri- da. Por isso, como depende da escolha de cada um, a norma moral costuma ser vinculada, por alguns filósofos, à ideia de liberdade. 328 Unidade 4 Grandes áreas do filosofar FILOVU-324-343-U4-C18.indd 328 4/6/16 5:43 PM Moral e liberdade Pode parecer estranho vincular a ideia de norma moral à ideia de liberdade, você não acha? mas podemos explicar essa relação. Preste atenção. Conforme vimos antes (no capítulo 4), a consciência talvez seja a melhor característica que distingue o ser humano dos outros animais. ela permite o desenvolvimento do saber e da racionalidade, que se empenha em separar o falso do verdadeiro. Além dessa consciência racional, lógica, o ser humano possui também consciência mo- ral, isto é, a faculdade de observar a própria conduta e julgar (isto é, formular juízos) sobre os atos passados, presentes e as intenções fu- turas. observe que a palavra julgar vem do la- tim judicare, “avaliar”, “ponderar” – ou seja, julgar é atribuir um valor, um peso para cada coisa que se apresenta. note também que é somente depois de julgar que a pessoa tem condições de escolher, entre as circunstâncias possíveis, suas ações e seu próprio caminho na vida. e é justamente essa possibilidade que cada indivíduo tem de escolher seu caminho, de construir sua maneira de ser e sua história que chamamos liberdade. Liberdade e responsabilidade Assim, se consciência moral e liberdade es- tão intimamente relacionadas, só tem sentido julgar moralmente a ação de uma pessoa se essa ação foi praticada em liberdade. Quando não se tem escolha (ou liberdade), quando se é coagido a praticar uma ação, é impossível de- cidir entre o bem e o mal (que é o que faz a consciência moral). A decisão, nesse caso, é imposta pelas forças coativas, isto é, que de- terminam uma conduta. exemplo: tendo o filho sequestrado, o pai cumpre ordens do seques- trador; portanto, sua ação é determinada pela coação do criminoso. Quando, porém, estamos livres para escolher entre esta ou aquela ação e fazemos uma escolha, tornamo-nos responsáveis pelo que praticamos e podemos ser julgados moralmente por isso. observemos que o termo responsabilidade vem do latim respondere, “responder”, e significa estar em condições de responder pelos atos pra- ticados, isto é, de justificá-los e assumi-los. É essa responsabilidade, enfim, que pode ser jul- gada pela consciência moral do próprio indivíduo ou do seu grupo social. Virtude e vício uma propriedade comumente atribuída à consciência moral é a de que ela nos fala como uma voz interior, geralmente nos inclinando para o caminho da virtude. mas o que é virtude? A palavra virtude deriva do latim virtus – “força ou qualidade essencial” – e significa, no contexto da moral, a qualidade ou a ação que dignifica o ser humano. e qual é essa qualidade ou ação? Há muitas interpretações sobre esse tema, mas podemos dizer, basicamente, que é a prática constante do bem de forma consciente, livre e responsável. Assim, por exemplo, são consideradas virtudes a polidez, a lealdade, a prudência, a justiça, a coragem, a generosidade. À ideia de virtude opõe-se a de vício, que con- siste na prática do mal, correspondendo ao uso da liberdade sem responsabilidade moral. Assim, são considerados vícios a violência, a deslealdade, a in- sensatez, a injustiça, a covardia, a mesquinhez etc. Analisando essa relação entre responsabilidade e virtude, erich Fromm concluiu que a responsabi- lidade primordial do ser humano está relacionada com a própria condição humana, isto é, com a reali- zação de suas potencialidades de vida. Assim: A temperança (século XVi) – Hendrick Goltzius e Cornelis de Visscher. de acordo com a tradição desde Platão, as virtudes capitais são a justiça, a prudência, a fortaleza e a temperança. esta última é a qualidade de quem é moderado. É pela moderação que dominamos os prazeres, em vez de a eles nos submetermos. G o lt zi u s H e n d R iC k e C o R n e li s d e V is s C H e R /P A lA is d e s b e A u X- A R ts , l il le , F R A n ç A 329Capítulo 18 A Žtica FILOVU-324-343-U4-C18.indd 329 4/6/16 5:43 PM O bem é a afirmação da vida, o desenvolvimento das capacidades do homem. A virtude consiste em assumir a responsabilidade por sua própria existên- cia. O mal constitui a mutilação das capacidades do homem; o vício reside na irresponsabilidade perante si mesmo. (Análise do homem, p. 30.) Liberdade versus determinismo Agora que explicamos por que alguns filósofos vinculam moral e liberdade, bem como liberdade e responsabilidade, talvez você se pergunte: “mas somos realmente livres para decidir?”, “e, se somos, que liberdade é essa?”. do ponto de vista da discussão filosófica, pode- mos sintetizar três respostas diferentes para esses problemas: uma que enfatizou o determinismo, outra que destacou o papel da liberdade e uma ter- ceira que procurou estabelecer uma dialética entre os dois termos. Vejamos cada uma. concepção determinista de liberdade proposta por Thomas Hobbes (que abordamos no capítulo 15). Ênfase na liberdade Para essa via de interpretação, o ser humano é sempre livre. embora os defensores dessa posição admitam a existência das determinações de origem externa – sociais – e interna – como desejos, impul- sos etc. –, eles sustentam a tese de que o indivíduo possui uma liberdade moral que está acima dessas determinações. Assim, apesar de todos os fatores sociais e subjetivos que atuam sobre cada indivíduo, ele sempre possui uma possibilidade de escolha e pode estabelecer por si mesmo sua ação (liberdade autoderterminada). A maior expressão dessa concepção filosófica acerca da liberdade é encontrada no pensamento do filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), que afirmou que “o homem está condenado a ser livre” (O existencialismo é um humanismo, p. 9). (Reveja sua argumentação no capítulo 17.) Dialética entre liberdade e determinismo segundo essa via de interpretação, o ser humano é determinado e livre ao mesmo tempo. determinis- mo e liberdade não se excluem, mas se comple- mentam. nessa perspectiva, não faz sentido pensar em uma liberdade absoluta nem em uma negação absoluta da liberdade. Vejamos por quê. A liberdade é sempre uma liberdade concreta. isso quer dizer que ela ocorre em cada indivíduo, que desenvolve sua vida sob a influência de um conjunto de fatores objetivos, os quais podem compreender desde suas necessidades naturais como ser humano até os costumes e as normas estabelecidos na sociedade em que vive, por meio da educação e da cultura em geral. sua liberdade, portanto, é restringida por fatores objetivos que cercam sua existência factual. no entanto, todo in- divíduo sempre poderá atuar no sentido de alargar as possibilidades dessa liberdade, e isso será tanto mais eficiente quanto maior for sua consciência a respeito desses fatores. essa concepção é encontrada no pensador ho- landês Espinosa e nos filósofos alemães Hegel e Marx. Apesar das muitas diferenças entre seus pensamentos, o ponto em comum é a ideia de que a liberdade é a compreensão da necessidade (dos determinismos). no final do capítulo você encon- trarátextos de alguns pensadores mencionados, defendendo essas três posições filosóficas acerca da liberdade. Ênfase no determinismo de acordo com essa via de interpretação, a li- berdade não existe, pois o ser humano seria sem- pre determinado, seja por sua natureza biológica (necessidades e instintos), seja por sua natureza histórico-social (leis, normas, costumes). em ou- tras palavras, as ações individuais seriam causa- das e determinadas por fatores naturais ou cons- trangimentos sociais, e a liberdade seria apenas uma ilusão. essa concepção encontra-se presente no pen- samento de filósofos materialistas do século XViii, tais como os franceses Helvetius (1715 -1771) e Holbach (1723-1789), ambos influenciados pela marionete sendo sustentada e movida por pessoa oculta mediante cordéis. será que nos movemos em nossas vidas como esse boneco? serão nossas escolhas realmente nossas, isto é, livres e autênticas? t H in k s t o C k /G e t t y im A G e s 330 Unidade 4 Grandes áreas do filosofar FILOVU-324-343-U4-C18.indd 330 4/6/16 5:43 PM Origens da violência e da maldade Quando se fala em violência ou maldade, uma das primeiras coisas em que pensamos é, por exemplo, no ladrão de casas e carros, no assassino sanguinário, enfim, nos inúmeros cri- minosos que agridem pessoas e as- saltam o patrimônio alheio. Podemos pensar também na violência dentro da família, geralmente contra mulheres e crianças. menos comum é pensarmos na violência institucionalizada pelos sis- temas de exploração social, isto é, a violência cruel dos salários de fome, da falta de moradia, do desamparo à saúde pública, do descaso pela educa- ção, do preconceito racial etc. Violên- cias surdas que oprimem milhões de pessoas “sem vez” e ainda “sem voz”. temos também a violência do ser humano contra a natureza, provocando graves desequilíbrios ecológicos. e, por fim, há ainda a violência do indivíduo contra si próprio, em que o suicídio costuma ser apontado como exemplo extremo. então, em um sentido amplo, podemos dizer que a violência ou a maldade são formas de desrespeito, agressão e destruição praticadas pelo indivíduo contra si próprio, contra outras pessoas (sociedade) ou contra a natureza. mas quais são as causas do mal? Responder a essa questão não é tarefa fácil. ela atormentou filósofos de todos os tempos, que sempre tiveram grandes dificuldades ao abordá-la (reveja no capítulo 7, por exemplo, a discussão entre Hobbes e Rousseau sobre o ser humano em estado de natureza). de modo geral, é possível identificar duas respostas antagônicas sobre as causas da violência ou da maldade, fornecidas pela psicologia e pela psicanálise: • instintivista – afirma que a violência humana, concretizada nas guerras, nos crimes, na opressão social, na conduta autodestrutiva, é provocada por instintos inatos decorrentes da fisiologia básica do ser humano. esse instinto agressivo sempre busca sua descarga e aproveita as ocasiões favoráveis para se manifestar. no grupo de pensadores que enfatizaram o aspecto instintivo da violência humana, destacam-se o austríaco konrad lorenz (1903-1989), criador da etologia, e Sigmund Freud (1856-1939), criador da psicanálise. Há, entretanto, inúmeras divergências entre as concepções desses estudiosos; • socioambientalista – nega que a violência seja um atributo inato do ser humano. Afirma que o comportamento individual (pacífico ou violento) é moldado pelo ambiente em que o sujeito vive, isto é, pelas condições sociais, econômicas, políticas e culturais de sua existência. Assim, as diferenças de conduta entre as pessoas seriam o resultado das distintas condições socioambientais que cada uma teria enfrentado durante sua vida. no grupo socioambientalista destaca-se a corrente dos psicólogos behavioristas (do inglês behavior, “comportamento”), fundada pelo estado-unidense J. B. Watson (1878-1958) e desenvolvida pelo também estado-unidense B. F. Skinner (1904-1990). Para os instintivistas, o ser humano reproduz os impulsos orgânicos de sua espécie. o indivíduo repete o passado filogenético. Para os socioambientalistas, o ser humano reproduz a influência do ambiente em que vive. o indivíduo vincula-se ao padrão cultural da sociedade em que está inserido e tende a repeti-lo. Além dos instintivistas e dos socioambientalistas, há outra posição que sustenta a tese de que o ser humano não é um títere ou uma marionete, que só reage passivamente ao ambiente (socioambientalismo), nem um ser aprisionado pelos instintos filogenéticos (instintivismo). o ser humano seria mais que tudo isso: é multideterminado, é um sistema complexo. Por isso, age e reage, cria e copia sentidos para a vida. e o problema da origem do mal segue aberto. tinta vermelha lançada por ativistas mancha as escadarias da Assembleia legislativa do Rio de janeiro como parte das manifestações populares contra a violência na cidade, ocorridas em março de 2007. Como devemos agir diante da maldade e da violência? R o G É R io R e is /P u ls A R im A G e n s 331Cap’tulo 18 A Žtica FILOVU-324-343-U4-C18.indd 331 4/6/16 5:43 PM Transformações da moral dissemos que o sistema moral de cada grupo social é elaborado ao longo do tempo de acordo com os valores reconhecidos por aquele grupo como significativos para a convivência social. em um primeiro momento, esses valores são adquiridos pelos indivíduos como uma herança cultural. Cada pessoa assimila, desde a infância, as noções do que é bom e desejável, assim como do que é ruim, desaconselhável ou repugnante. de acordo com esses valores, passará a julgar como bom ou mau seu próprio comportamento e o dos outros. no entanto, é importante notar que, apesar desse caráter social, a moral tem também um aspecto pessoal, como salientaram vários filósofos. ou seja, embora herdemos um conjunto estabele- cido de normas morais, chega um momento em nossas vidas em que podemos refletir sobre elas, aceitá-las consciente e livremente ou rejeitá-las. Por isso dissemos anteriormente, na comparação entre normas morais e normas jurídicas, que o comportamento moral caracteriza-se essencial- mente pela livre escolha do indivíduo. isso significa que a liberdade é a base, a condição de possibilidade da conduta verdadeiramente moral. em sua relação com a sociedade, o indivíduo pode reafirmar e consolidar a moralidade exis- tente. mas pode também negá-la e, dessa forma, contribuir para a transformação dessa moralidade. Assim, podemos caracterizar essa relação entre sociedade e indivíduo como dialética, ou seja, de mútua influência entre dois polos: • de um lado, há um ser singular que é levado pela educação à universalidade expressa nos costumes e normas morais. isso significa que cada indivíduo assimila os princípios morais concebidos pelos grupos sociais e consolidados até então como próprios do ser humano; • de outro lado, estão aqueles que, não assimilan- do passivamente esses princípios, se propõem a examiná-los e questioná-los à luz de novas con- dições histórico-sociais, podendo então decidir por interferir em sua formulação e acabar trans- formando as normas e os costumes morais. Piaget: o desenvolvimento da razão e da moral essas concepções sobre as transformações da moralidade encontram eco nas análises do episte- mólogo e psicólogo da educação suíço Jean Piaget (1896-1980), fundador da psicologia genética. de acordo com sua Teoria Cognitiva, desde o nasci- mento o ser humano passa por um processo de desenvolvimento intelectual, afetivo e moral que pode ser dividido em quatro grandes estágios: • Estágio sensório-motor (do nascimento até os 2 anos) – corresponde ao período anterior ao uso da linguagem, quando a criança manifes- ta esquemas mentais simples, marcados pela associação entre percepção sensorial e ações motoras, tais como sugar, abrir e fechar a mão, puxar e jogar pequenos objetos, locomover-se etc. Aqui, a criança “tudo relaciona a seu corpo como se ele fosse o centrodo mundo, mas um centro que a si mesmo ignora” (Piaget, A episte- mologia genética, p. 15). no plano da moralida- de, a criança vive o período da anomia, isto é, da ausência de normas. É a fase pré-moral, na qual a consciência ainda não é capaz de com- preender e aceitar normas morais. • Estágio pré-operacional (dos 2 aos 7 anos) – cor- responde ao período em que, gradativamente, a criança começa a empregar a linguagem, mas permanece centrada em si mesma. Por isso, não consegue manter diálogos efetivos com o outro, um exemplo das transformações da moralidade é a Parada do orgulho lGbt (lésbicas, Gays, bissexuais e transgêneros). nessa fotografia de 2012, o evento realizado em são Paulo reuniu cerca de três milhões de pessoas e contou com o apoio de diversas organizações da sociedade civil e autoridades. décadas atrás um evento como esse seria impensável. yA s u yo s H i C H ib A /A FP 332 Unidade 4 Grandes áreas do filosofar FILOVU-324-343-U4-C18.indd 332 4/6/16 5:43 PM apenas formas de monólogo interior (consigo mesma) ou coletivo (junto com o outro). ou seja, ela fala consigo ou com outras pessoas sem, no entanto, interagir plenamente com elas. nesta fase, um cabo de vassoura pode “virar” um ca- valo, uma bicicleta, um automóvel e, em segui- da, perder todo o significado que lhe havia sido atribuído, transformando-se em uma espada ou em qualquer outra coisa. A criança recusa ter a satisfação de seus desejos adiada, geral- mente não gosta de compartilhar brinquedos e resiste às restrições à sua liberdade de agir. no plano moral, a criança começa a entrar no período da heteronomia, isto é, da norma ex- terna, que vem de fora, do outro, do adulto. A consciência passa a aceitar algumas normas, mas sem absorvê-las e incorporá-las como atos de compreensão abrangente. • Estágio das operações concretas (dos 7 aos 12 anos) – corresponde ao período em que, com o pensamento ainda guiado por objetos concretos, a criança passa do monólogo ao diálogo, a uma troca mais efetiva de ideias com o outro. Às ativida- des individuais somam-se os esportes coletivos, a criança adquire mais sociabilidade, demonstra maior capacidade para obedecer normas que regulam jogos ou brincadeiras. o desejo de ven- cer se traduz em competitividade, mas a derrota frequentemente ainda não é aceita e se manifes- ta em reações de choro, agressividade e raiva. no campo moral, a criança vai consolidando o período da heteronomia. • Estágio das operações formais (a partir dos 12 anos) – corresponde ao período em que a criança adquire capacidade para dispensar a referência a objetos concretos, passando ao pensamento for- mal abstrato. isso lhe permite formular hipóteses, pressupor coisas e deduzir sequências de causas e efeitos. Para raciocinar em uma operação de adi- ção, a criança não precisa mais contar seus dedos, pedrinhas, laranjas, maçãs etc. ocorre então o de- senvolvimento do raciocínio hipotético-dedutivo, que permitirá ao ser humano pensar além das coisas que estão diante de seus sentidos (visão, audição etc.). A partir daqui, desenvolve-se o pen- samento sobre temas complexos e amplos, como os tratados pela arte, ciência e filosofia. Abre-se a porta para o questionamento e a possibilidade de transformações do modo de ser e de viver de um povo em determinados contextos históricos. no plano moral, além de assimilar e compreen- der as normas externas, a consciência também começa a elaborar códigos de conduta próprios. É o surgimento da autonomia, da capacidade de fazer escolhas por conta própria. A diferença em relação ao estágio anterior é que “a norma passa a ser refletida, criticada, questionada em sua validade, reinterpretada e redefinida pelos membros do grupo, que pode, inclusive, decidir modificá-la consensualmente” (Freitag, Sociedade e consciência – um estudo piagetiano na favela e na escola, p. 50). escolhas morais Vemos, portanto, que as condutas dos indivíduos podem variar entre dois extremos – o do consenti- mento e o da negação da moral vigente –, consti- tuindo o que podemos chamar escolhas morais. na escolha moral estão em jogo tanto fatores objetivos como subjetivos. os fatores objetivos relacionam-se a costumes e normas já estabele- cidos, bem como à educação e à cultura em geral. os fatores subjetivos, por sua vez, estão ligados à ideia de liberdade e de responsabilidade pessoal. uma primeira possibilidade de escolha é a da ação moralmente boa ou correta, que ocorre quando o indivíduo assume conscientemente uma mulher orienta menina em período importante de construção da moralidade de um indivíduo. o adulto transmite informação junto com valores, e a criança os absorve indiscriminadamente. na imagem, o que revela a linguagem corporal das duas? Cuidado, insubmissão, poder? k id s to C k /G e tt y im A G e s 333Capítulo 18 A Žtica FILOVU-324-343-U4-C18.indd 333 4/6/16 5:43 PM norma moral e a cumpre, reconhecendo-a como legítima. É o caso, por exemplo, de alguém que trata as pessoas de maneira respeitosa, porque entende que todos merecem respeito. em oposição a essa opção está a ação mo- ralmente má ou incorreta, ou seja, aquela que contraria determinada norma moral sem, con- tudo, contestá-la como norma universal. É como se o indivíduo abrisse uma exceção para agir contra a norma. Por exemplo, uma pessoa fala mal de outra por algum motivo banal, embora reconheça que não gostaria de ser malfalada por outras pessoas. outra possibilidade ocorre quando o indivíduo recusa conscientemente uma norma moral por entendê-la inadequada ou ilegítima. essa situa- ção se caracteriza como um conflito ético, que aponta para uma ruptura com a moral vigente. É o caso, por exemplo, das mulheres que usaram saias com um comprimento bem menor do que o considerado adequado pela sociedade de seu tempo, confrontando a moral vigente quanto ao grau “permitido” de exposição pública do corpo. diferente do conflito ético é a situação de niilismo ético, que se caracteriza pela negação radical de todo e qualquer valor moral. o per- missivismo moral, por sua vez, seria uma versão deteriorada e individualista do niilismo ético, na qual, por trás da negação dos valores vigentes, escondem-se interesses particulares. 1. embora sejam usadas muitas vezes como sinô- nimos, que significados específicos possuem as palavras moral e ética? 2. em sua opinião, quais são as grandes questões que a ética procura investigar e responder no mundo de hoje? Comente. 3. sintetize: a) em que são semelhantes as normas morais e as normas jurídicas? b) o que as distingue? c) A que campo de estudo pertence cada uma? 4. Procure expressar o que você entendeu da relação entre moral e liberdade, usando os conceitos: cons- ciência moral, juízo, escolha, liberdade. 5. só faz sentido julgar moralmente a ação de uma pessoa se essa ação foi praticada em liberdade. Comente essa afirmação e dê exemplos. 6. discorra sobre a virtude e o vício. Analise-os, compare-os e dê exemplos para cada um a partir de seu cotidiano. 7. Como se expressa, no âmbito da moral, a relação dialética entre o indivíduo e a sociedade? Quando ocorrem transformações nas normas morais? 8. segundo a teoria de Piaget, uma criança com menos de 12 anos está pronta para ser responsa- bilizada moralmente por suas ações? justifique sua resposta. 9. Com base nas distinções feitas neste capítulo, ana- lise e compare as seguintes escolhas morais: a) a ação correta e a ação incorreta; b) a ação incorreta e a que expressa conflito ético; c) o niilismo ético e o permissivismo ético. anáLise e enTenDiMenTo 1. Liberdade versus determinismo o ser humano é determinado e livre ao mesmo tempo. determinismo e liberdade não se excluem, mas se complementam. liberdade é, em parte, a compreensão da necessidade. Você concorda com esse ra- ciocínio? Por quê? Você se sente livre? Reflita sobre esse assunto e elabore uma dissertação sobre ele. 2. V’cio ou conflitoŽtico Hoje em dia, novas práticas, como as da engenharia genética, ou antigas proibições, como o aborto, têm gerado muitas discussões éticas. É possível observar que, na maioria das vezes em que surge uma nova proposta de conduta, aqueles que se opõem a ela a veem como um “mal, vício ou corrupção”. no entanto, passada a fase do “conflito ético”, tal proposta pode se tornar moralmente aceita pela sociedade. Pesquise o assunto e identifique pelo menos três casos de práticas que foram um dia – ou ainda consti- tuem – conflitos éticos. depois apresente-os aos colegas e faça seu juízo a respeito de cada caso. ConVersa fiLosófiCa 334 Unidade 4 Grandes áreas do filosofar FILOVU-324-343-U4-C18.indd 334 4/6/16 5:43 PM ÉTICA nA hIsTóRIA Algumas concepções da filosofia moral humano, o que o diferencia dos demais animais? sua alma racional. o ser humano é essencialmente razão. e é na razão, portanto, que devem ser funda- mentadas as normas e costumes morais. Por isso, dizemos que a ética socrática é racionalista. o indi- víduo que age conforme a razão age corretamente. Platão desenvolveu o racionalismo ético inicia- do por sócrates, aprofundando a diferença entre corpo e alma. Argumentava que o corpo, por ser a sede de desejos e paixões, muitas vezes desvia o indivíduo de seu caminho para o bem. Assim, de- fendeu a necessidade de uma depuração do mundo material para alcançar a ideia de bem. segundo Platão, o ser humano não consegue caminhar em busca da perfeição agindo sozinho. necessita, portanto, da sociedade, da pólis. no plano ético, o indivíduo bom é também o bom cidadão. depois do período clássico grego, o estoicis- mo desenvolveu uma ética baseada na procura da paz interior e no autocontrole individual, fora dos contornos da vida política. Assim, o princípio da ética estoica é a apatia (apatheia), atitude de entendimento de tudo o que acontece, e o amor ao destino (amor fati), porque tudo faria parte de um plano superior guiado por uma razão universal que a tudo abrangeria. desse modo, atingia-se a ataraxia, ou imperturbabilidade da alma. A ética do epicurismo, de forma semelhante, defendia a atitude de desvio da dor e procura do prazer espiritual, do autodomínio e a paz de espí- rito (ataraxia). Ética do equilíbrio Aristóteles também desenvolveu uma reflexão ética racionalista, mas sem o dualismo corpo-al- ma platônico. Procurou construir uma ética mais realista, mais próxima do indivíduo concreto. Para tanto, perguntou-se sobre o fim último do ser hu- mano. Para o que tendemos? e respondeu: para a felicidade. todos nós buscamos a felicidade. e o que entende Aristóteles por felicidade? Para o filósofo, a felicidade não se confunde com o sim- ples prazer, o prazer das sensações ou o prazer proporcionado pela riqueza e pelo conforto material. A felicidade última e maior se encontraria na vida teórica, que promove o que há de mais es- sencialmente humano: a razão. o indivíduo que se desenvolve no plano teórico, contemplativo, pode compreender a essência da felicidade e, de forma consciente, guiar sua condu- Vejamos, de forma resumida, algumas das re- flexões éticas que marcaram os grandes períodos históricos. Para isso, retomaremos aspectos do pensamento de alguns filósofos estudados ante- riormente. daremos destaque às concepções de Aristóteles, na Antiguidade, Santo Agostinho, na idade média, e Immanuel Kant, na idade moderna. antiguidade: ética grega A preocupação com os problemas éticos teve início de forma mais sistematizada na época de sócrates, filósofo também conhecido como “o pai da moral”. Vejamos o que disseram os principais filósofos gregos desse período sobre essa questão. os sofistas afirmavam que não existem normas e verdades universalmente válidas. tinham, portan- to, uma concepção ética relativista ou subjetivista. Ao contrário dos sofistas, Sócrates sustentou a existência de um saber universalmente válido, que decorre do conhecimento da essência humana, a partir da qual se pode conceber a fundamentação de uma moral universal. e o que é essencial no ser Pintura em vaso que retrata o episódio mítico em que o herói ateniense teseu mata o minotauro (1813). (bibliothèque des Arts décoratifs, Paris, França.) os antigos gregos desenvolveram uma ética racionalista na qual a razão deveria prevalecer sobre as paixões e os desejos individuais. o mal, as paixões desenfreadas, a iniquidade, a que os gregos denominavam hybris, eram representadas pelas personagens monstruosas que deveriam ser vencidas pelos heróis de sua mitologia. t H e A R t A R C H iV e /A l F R e d o d A G l i o R t i/ A F P 335Cap’tulo 18 A Žtica FILOVU-324-343-U4-C18.indd 335 4/6/16 5:43 PM ta. mas isso, no contexto histórico da Grécia antiga, seria privilégio de uma minoria. segundo o filósofo, a pessoa comum, aquela que não pode se dedicar à atividade teórica, aprenderia a agir corretamente pelo hábito, isto é, por meio da prática constante e reiterada de ações. Assim, agir corretamente seria praticar as vir- tudes. e o que seria a virtude? em sua obra Ética a Nicômaco, Aristóteles explica: A excelência moral [virtude moral], então, é uma disposição da alma relacionada com a escolha de ações e emoções, disposição esta consistente num meio-termo determinado pela razão. Trata-se de um estado intermediário, porque nas várias formas de deficiência moral há falta ou excesso do que é conveniente tanto nas emoções quanto nas ações, enquanto a excelência moral encontra e prefere o meio-termo. (p. 42) A coragem, por exemplo, seria uma virtude si- tuada entre a covardia (a deficiência) e a temeri- dade (o excesso). Assim, o filósofo propôs uma ética do meio-termo, na qual a virtude consistiria em procurar o ponto de equilíbrio entre o excesso e a deficiência. mas observe que esse ponto de equilíbrio não é fixo, isto é, não pode ser estabelecido de antemão, pois varia de acordo com a circunstância ou ocasião (onde, quando, quanto, com quem, com o quê, como etc). Por exemplo: não é exatamente coragem reagir em um assalto a mão armada. ou seja, não é esse tipo de atitude que garante a excelência moral de uma pessoa. Como explicou Aristóteles: [...] tanto o medo como a confiança, o apetite, a ira, a compaixão e em geral o prazer e a dor, podem ser sentidos em excesso ou em grau insuficiente; e, num caso como no outro, isso é um mal. Mas senti-los na ocasião apropriada, com referência aos objetos apropriados, para com as pessoas apropriadas, pelo motivo e da maneira conveniente, nisso consistem o meio-termo e a excelência característicos da virtude. (Ética a Nicômaco, p. 273.) também é importante notar que, tanto em Pla- tão como em Aristóteles, a ética estava vinculada à vida política. Aristóteles refere-se mesmo à política como um meio da ética, pois, sendo o ser humano, por natureza, um ser sociopolítico, necessitaria da vida em comum para alcançar a felicidade como plenitude de seu bem-estar. idade Média: ética cristã o que diferencia radicalmente a ética cristã da ética grega são dois pontos: • abandono da visão mundana – a ética cristã deixa de lado a ideia de que o fim último da vida humana está neste mundo. Com isso, centrou a busca da perfeição moral no amor a deus; • emergência da subjetividade – acentuando a tendência já esboçada na filosofia de estoicos e epicuristas, a ética cristã tratou a moral do ponto de vista estritamente pessoal, como uma relação entre cada indivíduo e Deus, isolando-o de sua condição social e atribuindo à subjetividade uma importância até então desconhecida. os filósofos medievais herdaram alguns ele- mentos da tradição filosófica grega, reconfigu- rando-os no interior de uma ética cristã. Santo Tomás de Aquino (século Xiii), por exemplo, re- cuperou da ética aristotélica a ideia de felicidade como fim último do ser humano, mas cristiani- zou essa noção ao identificar Deus como a fonte dessa felicidade. Ética dolivre-arbítrio santo Agostinho (354-430) transformou a ideia de depuração da alma da filosofia de Platão na ideia da necessidade de elevação ascética para com- preender os desígnios de deus. também a ideia da imortalidade da alma, presente em Platão, foi retrabalhada pelo filósofo sob a perspectiva cristã. Os sete pecados capitais: ganância (c. 1595) – jacques de backer. Para o catolicismo, os sete vícios principais do ser humano são: soberba (ou vaidade), ganância (ou avareza), luxúria, ira, gula, inveja e preguiça. na ganância ou avareza – representada na imagem acima – dá-se mais importância aos bens materiais que aos espirituais, o que constituiria uma inversão grave dos valores cristãos. jA C Q u e s d e b A C k e R /m u s e o n A zi o n A le d i C A P o d im o n te , n á P o le s , i tá li A 336 Unidade 4 Grandes áreas do filosofar FILOVU-324-343-U4-C18.indd 336 4/6/16 5:43 PM mas a ética agostiniana destaca-se por outro conceito. Ao tentar explicar como pode existir o mal se tudo vem de deus – e deus é bondade infinita –, santo Agostinho introduziu a ideia de liberdade como livre-arbítrio, isto é, a noção de que cada indivíduo tem a possibilidade de escolher como agir, de acordo com sua própria vontade. Portanto, pode optar livremente por aproximar-se de deus ou por afastar-se dele. o afastamento de deus seria o mal, de acordo com o filósofo (reveja a esse respeito o capítulo 13). isso significa que, com a noção de livre-arbítrio, de escolha individual, Agostinho acentuou o papel da subjetividade humana nas coisas do mundo. o livre-arbítrio seria o meio pelo qual o ser humano exerce sua liberdade, que consiste em escolher en- tre o bem e o mal. de outro lado, esse conceito esva- ziou a noção grega de liberdade como possibilidade de realização plena dos indivíduos em seu meio so- cial. em outras palavras, diminuiu a importância da dimensão social da liberdade, e esta passou a ter um caráter mais pessoal, subjetivo, individualista. idade Moderna: ética antropocêntrica Com o final da idade média, marcado pelo Re- nascimento, o ser humano torna-se novamente o centro de interesse por meio do humanismo, conforme vimos no capítulo 14. no terreno da refle- xão ética, esse fato orientou uma nova concepção moral, centrada na autonomia humana. no Iluminismo, essa orientação fica mais evi- dente, pois os filósofos passam a defender a ideia de que a moral deve ser fundamentada não mais em valores religiosos, e sim naqueles oriundos da compreensão do que é a natureza humana. A concepção mais expressiva do período mo- derno a respeito da natureza humana é a de uma natureza racional, que encontra em kant sua for- mulação mais bem-acabada. Ética do dever em seus textos Crítica da razão prática e Funda- mentação da metafísica dos costumes, o filósofo alemão immanuel kant (1724-1804) aponta a ra- zão humana como uma razão legisladora, capaz de elaborar normas universais, uma vez que cons- titui um predicado universal dos seres humanos, isto é, uma capacidade comum a todos. As normas morais teriam, portanto, sua origem na razão. embora, em kant, as normas morais devam ser obedecidas como deveres, a noção kantiana de dever confunde-se com a própria noção de liber- dade. isso ocorre porque, em seu pensamento, o indivíduo que obedece a uma norma moral atende à liberdade da razão, ou seja, àquilo que a razão, no uso de sua liberdade, determinou como correto. dessa forma, a sujeição à norma moral é o reco- nhecimento de sua legalidade, conferida pelos próprios indivíduos racionais. kant reforça essa ideia ao dizer que um ato só pode ser considerado moral quando praticado de forma autônoma, consciente e por dever. Com isso, acentua o reconhecimento do dever como uma expressão da racionalidade humana, única fonte legítima da moralidade. A clareza dessa ideia é assim expressa pelo filósofo: Age apenas segundo uma máxima [um princípio] tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal. (Fundamentação da metafísica dos costumes, p. 59.) essa exigência é denominada por kant de impe- rativo categórico, ou seja, é uma determinação im- perativa, que deve ser observada sempre, em toda e qualquer decisão ou ato moral que venhamos a pra- ticar. em outras palavras, o filósofo quer dizer que nossa ação deve ser tal que possa ser universaliza- da, ou seja, realizada por todos os outros indivíduos sem prejuízo para a humanidade. se não puder ser universalizada, não será moralmente correta e só acontecerá como exceção, nunca como regra. Vejamos como kant se expressa a esse respeito: Se prestarmos atenção ao que se passa em nós mes- mos sempre que transgredimos qualquer dever, des- cobriremos que na realidade não queremos que a nossa máxima se torne lei universal, porque isso nos é impossível; o contrário dela é que deve univer- salmente continuar a ser lei; nós tomamos apenas a liberdade de abrir nela uma exceção para nós. (Fundamentação da metafísica dos costumes, p. 63.) e por que realizamos atos contrários ao dever e, portanto, contrários à razão? kant dirá que é porque nossa vontade é também afetada pelas inclinações – que são os desejos, as paixões, os medos –, e não apenas pela razão. Por isso ele afirma que devemos educar a vontade para al- cançar a boa vontade, que seria aquela guiada unicamente pela razão. em resumo, a ética kantiana é uma ética formal ou formalista, pois postula o dever como norma universal, sem se preocupar com a condição indivi- dual, em que cada um se encontra diante desse de- ver. em outras palavras, kant nos dá a forma geral da ação moralmente correta (o imperativo categóri- co), mas não diz nada acerca de seu conteúdo, não diz o que devemos fazer em cada situação concreta. 337Capítulo 18 A Žtica FILOVU-324-343-U4-C18.indd 337 4/6/16 5:43 PM idade Contemporânea: ética do indivíduo concreto A reflexão ética na idade Contemporânea (sé- culos XiX e XX) desdobrou-se em uma série de concepções distintas acerca do que seja a moral e sua fundamentação. seu ponto comum é a recusa de uma fundamentação exterior, transcendental para a moralidade, centrando no indivíduo con- creto a origem dos valores e das normas morais. um dos primeiros passos na formulação de uma ética do indivíduo concreto foi dado por Hegel, em sua crítica ao formalismo de kant. fundamentação histórico-social Como diversos autores contemporâneos, o filó- sofo alemão Friedrich Hegel (1770-1831) questio- nou o formalismo da ética kantiana. Para ele, ao não levar em consideração a história e a relação do indivíduo com a sociedade, a ética de kant não apreende os conflitos reais existentes nas decisões morais. kant teria considerado a moral apenas como uma questão pessoal, íntima e subjetiva, na qual o sujeito deve se decidir entre suas incli- nações (desejos, medos etc.) e sua razão. de acordo com Hegel, portanto, a moralidade assume conteúdos diferenciados ao longo da história das sociedades, e a vontade individual seria apenas um dos elementos da vida ética de uma sociedade em seu conjunto. A moral seria o resultado da relação entre o indivíduo e o conjunto social. e em cada momento histórico a moral se manifestaria tanto nos códigos normativos como, implicitamente, na cultura e nas instituições sociais. desse modo, Hegel vinculou a ética à história e à sociedade. 3. A declaração dos direitos Humanos, do sé- culo XViii, expressa que “todos os homens são iguais perante a lei”. declara também que devem ser garantidas ao ser humano as liberdades de expressão, de reunião e de pensamento. Com base nisso, o que causa o efeito cômico na imagem acima? Relacione sua resposta à filosofia moral de kant. Conexões os chamados direitos humanos sintetizam os valores considerados fundamentais pelas sociedades ocidentais contemporâneas – pelo menos em teoria, como parece querer dizer a charge acima. A n G e l i - F o l H A d e s .P Au l o 1 1 /1 2 /2 0 0 8 fundamentação ideológica o filósofo alemão karl marx (1818-1883) en- tendia a moral como uma produção social que atende a determinada demanda da sociedade. e essa demanda deve contribuir para a regulação das relações sociais. Como as relações sociais se transformam ao longo da história, transformam-se também os indivíduos e as moralidades que regulam essas relações. isso quer dizer que marx compreende a moral como uma forma de consciência própria a cada momento do desenvolvimento da exis- tência social. Assim, os valores que fundamentam as normas morais derivam da existência social e, portanto, não são absolutos, não valem de forma universal para todos os indivíduos e para todos os tempos. Vestindo véu, a atleta Woroud sawalha correu, pela Palestina, os 800 metros nos jogos olímpicos de 2012, em londres. será que existem “formas corretas” de vestir-se em cada situação? ela não deveria ter usado o véu? o l iV e R m o R in /A F P 338 Unidade 4 Grandes áreas do filosofar FILOVU-324-343-U4-C18.indd 338 4/6/16 5:43 PM A liberdade, por exemplo, embora seja um valor universal, teve interpretações diferenciadas ao longo da história. É justamente com base no conceito de liberdade que marx mostra como os valores morais, que são concebidos em meio a determinada forma de exis- tência social, também refletem essa existência. de acordo com a declaração dos direitos do Homem, do final do século XViii, a liberdade é o poder que o indivíduo tem de fazer tudo que não prejudique os direitos dos outros, tomando-os como iguais pe- rante a lei e ignorando a diferença social entre eles. na análise do filósofo, esse sentido de liberdade, forjado pela modernidade, reflete a existência de indivíduos isolados, competitivos, ou seja, formados por uma sociabilidade que estimula a competitivi- dade e a concorrência como valores. Assim, a moral seria, para marx, uma das formas assumidas pela ideologia dominante em uma sociedade, pois difunde determinados valores que são necessários à manutenção dessa sociedade. o filósofo procurou mostrar, portanto, que toda moral tem uma fundamentação ideoló- gica (se necessitar, reveja o tema da ideologia, es- tudado no capítulo 7). Ética discursiva outra busca de respostas e fundamentação para uma ética contemporânea desenvolveu-se no campo da análise da linguagem. o filósofo alemão jürgen Habermas (1929-) é um dos maiores representantes dessa corrente, com sua ética discursiva, ou seja, fundada no diá- logo e no consenso entre os sujeitos. o que se buscaria nesse diálogo é a razão que, tendo sido reconhecida pelos participantes do diálogo, serviria como fundamentação última para a ação moral. Como vimos anteriormente (no capítulo 17), o conceito de razão em Habermas não é o mesmo do iluminismo. trata-se de uma razão comunica- tiva, que não existe pronta nem acabada, mas que se constrói a partir de uma argumentação que leva a um entendimento entre os indivíduos. É uma razão interpessoal e não subjetiva; é uma razão processual e não definitiva e acabada. Para que essa argumentação leve a um enten- dimento real entre os indivíduos, é necessário que o diálogo seja um diálogo livre, sem constrangi- mentos de qualquer ordem, e que o convencimento se dê a partir de argumentos válidos e coerentes. A ética discursiva de Habermas é, portanto, uma aposta na linguagem e na capacidade de en- tendimento entre as pessoas na busca de uma ética democrática e não autoritária, baseada em valores consensualmente aceitos e validados. A grande questão que permanece em relação a essa proposta ética é quanto às condições de realização de um diálogo livre e igualitário na so- ciedade de hoje, marcada pela desigualdade e pelo constrangimento. Campo de refugiados de yida, sudão do sul (2012). o que temos que ver com isso? Para o filósofo australiano contemporâneo Peter singer, “devemos considerar as consequências tanto do que fazemos como do que decidimos não fazer. [...] o sofrimento dessas crianças, ou de seus pais, é tão terrível como nossa própria dor em situação semelhante; portanto não podemos fugir à responsabilidade por esse sofrimento pelo fato de que não tenhamos sido seus causadores. onde tantos passam tanta necessidade, viver indulgentemente na luxúria não é moralmente neutro, e não basta que não tenhamos matado ninguém para que nos tornemos cidadãos decentes do mundo”. (Writings on ethical life, p. xvi; tradução nossa.) PA u lA b R o n s te in /G e tt y im A G e s 339Cap’tulo 18 A Žtica FILOVU-324-343-U4-C18.indd 339 4/6/16 5:43 PM Carta da Terra Quais serão os parâmetros éticos do século XXi? nos primeiros anos deste século, sob os auspícios da onu, foi elaborada por uma comissão interna- cional de estudiosos a Carta da Terra, documento que pretende ser um código ético planetário, capaz de orientar pessoas e povos do mundo em busca de um desenvolvimento sustentável. transcrevemos a seguir o preâmbulo dessa Carta, no qual se destacam valores éticos como a integridade ecológica, a justiça social e econômica, a democracia e a paz. Preâmbulo “Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo se torna cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio de uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a esse propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, para com a grande comunidade da vida e para com as futuras gerações. Terra, nosso lar A humanidade é parte de um vasto universo em evolução. A Terra, nosso lar, está viva com uma comuni- dade de vida única. As forças da natureza fazem da existência uma aventura exigente e incerta, mas a Terra providenciou as condições essenciais para a evolução da vida. A capacidade de recuperação da comunidade da vida e o bem-estar da humanidade dependem da preservação de uma biosfera saudável com todos os seus sistemas ecológicos, de uma rica variedade de plantas e animais, de solos férteis, de águas puras e de ar limpo. O meio ambiente global, com seus recursos finitos, é uma preo cupação comum de todas as pessoas. A proteção da vitalidade, da diversidade e da beleza da Terra é um dever sagrado. A situação global Os padrões dominantes de produção e consumo estão causando devastação ambiental, redução dos recursos e uma maciça extinção de espécies. Comunidades estão sendo arruinadas. Os benefícios do desenvolvimento não estão sendo divididos equitativamente e o fosso entre ricos e pobres está aumentando. A injustiça, a pobreza, a ignorância e os conflitos violentos têm aumentado e são causa de grande sofrimento. O crescimento sem precedentes da população humana tem sobrecarregado os sistemas ecológico e social. As bases da segurança global estão ameaçadas. Essas tendências são perigosas, mas não inevitáveis. Desafios para o futuro A escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros, ou arriscar a nossa destruição e a da diversidade da vida. São necessárias mudanças fundamentais dos nossos valores, instituições e modos de vida. Devemos entender que, quando as necessidades básicas forem atingidas, o desenvolvimento humano será primariamente voltado a ser mais, não a ter mais. Temos o conhecimento e a tecnologia necessários para abastecer a todos e reduzir nossos impactos ao meio ambiente. O surgimento de uma sociedade civil global está criando novas oportunidades para construir um mundo democrático e humano. Nossos desafiosambientais, econômicos, políticos, sociais e espirituais estão interligados, e juntos podemos forjar soluções includentes. Responsabilidade universal Para realizar essas aspirações, devemos decidir viver com um sentido de responsabilidade universal, identificando-nos com toda a comunidade terrestre, bem como com nossa comunidade local. Somos, ao mesmo tempo, cidadãos de nações diferentes e de um mundo no qual as dimensões local e global estão ligadas. Cada um compartilha da responsabilidade pelo presente e pelo futuro, pelo bem-estar da família humana e de todo o mundo dos seres vivos. O espírito de solidariedade humana e de parentesco com toda a vida é fortalecido quando vivemos com reverência o mistério da existência, com gratidão pelo dom da vida e com humildade, considerando o lugar que ocupa o ser humano na natureza. 340 Unidade 4 Grandes áreas do filosofar FILOVU-324-343-U4-C18.indd 340 4/6/16 5:43 PM Necessitamos com urgência de uma visão compartilha- da de valores básicos para proporcionar um fundamento ético à comunidade mundial emergente. Portanto, juntos na esperança, afirmamos os seguintes princípios, todos interdependentes, visando um modo de vida sustentável como critério comum, pelos quais a conduta de todos os indivíduos, organizações, empresas, governos e instituições transnacionais será guiada e avaliada.” Disponível em: <http://people.ufpr.br/ndga.pcu/ Carta%20da%20Terra.pdf>. Acesso em: 20 out. 2015. se cada pessoa, cidade ou país fizer a sua parte, é bem provável que o mundo melhore. Como assinalou o filósofo irlandês edmund burke (1729-1797), ninguém comete erro maior do que não fazer nada porque só pode fazer pouco, pois tudo o que é necessário para o triunfo do mal é que as pessoas nada façam. im A G e s .C o m /C o R b is /F o t o A R e n A 10. Por que a ética do período clássico grego é consi- derada racionalista? justifique com exemplos das concepções éticas dos filósofos desse período. 11. Aristóteles explicava a virtude como o meio-termo entre dois vícios. Com base nessa afirmação, ex- plique a ética aristotélica. 12. Por que a ética do período medieval é chamada de cristã? Quais são os aspectos que a caracterizam como cristã e que a diferenciam da ética grega? 13. Para santo Agostinho, a virtude é o bom uso da liberdade de escolha, do livre-arbítrio. Com base nessa afirmação, explique a ética agostiniana. 14. Por que a ética da idade moderna pode ser con- siderada uma ética antropocêntrica? Vincule sua resposta a uma interpretação da seguinte frase de Voltaire, um filósofo desse período, em seu Tratado de metafísica (cap. 9): “ser desprezado por aqueles com quem se vive é coisa que ninguém pôde e jamais poderá suportar. talvez seja esse o maior freio que a natureza tenha posto nas injus- tiças dos homens”. 15. Para kant, a virtude é a força das máximas do indivíduo na realização de seu dever. Com base nessa afirmação, explique a ética kantiana. 16. desde o início do período contemporâneo, a refle- xão ética radicalizou a recusa de uma fundamenta- ção transcendental para a moralidade. seu ponto de partida passou a ser não o ser humano ideal, mas o indivíduo concreto e social, com suas neces- sidades, desejos, limitações e aberturas. sintetize como se expressa essa tendência nas concepções éticas dos seguintes filósofos: a) Hegel; b) marx; c) Habermas. anáLise e enTenDiMenTo 3. ƒtica global “Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. [...] Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz.” (Preâmbulo da Carta da Terra). Que momento crítico é esse? Você sente que pode escolher o seu futuro? Você acredita que sua escolha pode afetar o futuro do mundo? está disposto ou disposta a somar forças com o resto da humanidade? Como? Você acredita nos princípios propostos pela Carta da terra? Por quê? Reflita sobre todas essas perguntas e discuta sua opinião e suas sugestões com colegas. ConVersa fiLosófiCa 341Cap’tulo 18 A Žtica FILOVU-324-343-U4-C18.indd 341 4/6/16 5:43 PM (uFmG) leia estes quadrinhos. kant estabelece que as ações das pessoas, para serem realmente éticas, devem pautar-se no seguinte princípio, denominado imperativo categórico: “Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal.” (kant. Fundamentação da metafísica dos costumes. tradução de Paulo Quintela. são Paulo: Abril Cultural, 1974. p. 224.) Redija um texto, re lacionando as declarações do garoto Calvin ao imperativo categórico kantiano. justifique sua resposta. Abril despedaçado (2001, brasil/França/suíça, direção de Walter salles) no sertão brasileiro, duas famílias brigam pela posse da terra, perpetuando um ciclo de vingança e violência, mas ao receber ordens de seu pai para vingar a morte do irmão mais velho, tonho começa a romper com essa tradição arcaica. A língua das mariposas (1999, espanha, direção de josé luis Cuerda) durante o período de perseguições aos adversários do fascismo na espanha, garoto vive importante ano de sua vida: começa a frequentar a escola, tem um ótimo professor e faz muitos amigos. o prazer próprio da idade do garoto, bem como o medo, a violência e a traição são alguns dos ingredientes deste drama. Central do Brasil (1998, brasil, direção de Walter saiies jr.) trata da amizade entre uma mulher e um menino em busca de seu pai. Partindo da apatia e da indiferença moral que caracteriza o brasil de hoje, destaca a importância dos atos individuais no resgate da cidadania. Em um mundo melhor (2009, dinamarca/suécia, direção de susanne bier) médico vive entre dois mundos diferentes: sua casa na dinamarca e seu trabalho em um campo de refugiados na áfrica. nesses cenários, ele e sua família têm de fazer escolhas difíceis. O labirinto do fauno (2006, espanha, dirigido por Guilherme del toro) uma garota apaixonada por contos de fadas vai morar com sua mãe e seu padrasto. Certa noite, é levada a um fauno (ser mitológico dos bosques, metade homem, metade cabra), que lhe propõe uma série de desafi os. PROPOSTAS FINAIS De olho na universidade sessão cinema C A lV in & H o b b e s , b il l W At te R s o n © 1 98 9 W At te R s o n /d is t. b y u n iV e R s A l u C li C k 342 Unidade 4 Grandes áreas do filosofar FILOVU-324-343-U4-C18.indd 342 4/6/16 5:43 PM leia com atenção os três blocos de textos que seguem, nos quais estão expressas concepções diferentes sobre a liberdade. Pesquise os autores e depois responda às questões propostas. 1. O determinismo Os homens não são maus, mas submissos aos seus interesses... Portanto, não é da maldade dos homens que é preciso se queixar, mas da ignorância dos legisladores, que sempre colocaram o interesse particular em oposição ao geral. [...] Até hoje, as mais belas máximas morais não conseguiram produzir nenhuma mudança nos costumes das nações. Qual é a causa? É que os vícios de um povo estão, se ouso falar, sempre escondidos no fundo da legislação. Na Nova Orleans, as princesas podem, quando elas se cansam de seus maridos, repudiá-los para se casarem com outros. Neste lugar, não encontramos mulheres falsas, porque elas não têm nenhum interesse em ser falsas. Helvetius, em Marx e engels, Sagrada família, p. 130. 2. A relação entre liberdade e determinismo Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. Marx, O 18 Brumário de Luís Bonaparte, p. 329. 3. A liberdade Dostoievski escreveu: “Se Deus não existisse, tudo seria permitido”. Aí se situa o ponto de partida do existencialismo. Com efeito, tudo é permitido se Deus não existe; fica o homem, por conseguinte, abandonado,já que não encontra em si, nem fora de si, uma possibilidade a que se apegue. Antes de mais nada, não há desculpas para ele. Se, com efeito, a existência precede a essência, não será nunca possível referir uma explicação a uma natureza humana dada e imutável; por outras palavras, não há determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade. Se, por outro lado, Deus não existe, não encontramos diante de nós valores ou imposições que nos legitimem o comportamento. Assim, não temos nem atrás de nós nem diante de nós, no domínio luminoso dos valores, justificações ou desculpas. Estamos sós e sem desculpas. É o que traduzirei dizendo que o homem está condenado a ser livre. Condenado porque não se criou a si próprio; e, no entanto, livre porque, uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer. O existencialista não crê na força da paixão. Não pensará nunca que uma bela paixão é uma torrente devastadora que conduz fatalmente o homem a certos atos e que, por conseguinte, tal paixão é uma desculpa. Pensa, sim, que o homem é responsável por essa sua paixão. O existencialista não pensará também que o homem pode encontrar auxílio num sinal dado sobre a Terra, e que o há de orientar; porque pensa que o homem decifra ele mesmo esse sinal como lhe aprouver. Pensa, portanto, que o homem, sem qualquer apoio e sem qualquer auxílio, está condenado a inventar o homem. sartre, O existencialismo é um humanismo, p. 9. 1. destaque, no texto do primeiro bloco, as ideias que podem ser consideradas defesas do determinismo absoluto nas ações humanas. 2. destaque, no segundo bloco, as ideias que podem ser consideradas defesas da existência de uma relação dialética entre liberdade e determinismo nas ações humanas. 3. destaque, no texto do terceiro bloco, as ideias que podem ser consideradas defesas da liberdade absoluta nas ações humanas. Para pensar 343Cap’tulo 18 A Žtica FILOVU-324-343-U4-C18.indd 343 4/6/16 5:43 PM