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CBI of Miami 1 CBI of Miami 2 DIREITOS AUTORAIS Esse material está protegido por leis de direitos autorais. Todos os direitos sobre o mesmo estão reservados. Você não tem permissão para vender, distribuir gratuitamente, ou copiar e reproduzir integral ou parcialmente esse conteúdo em sites, blogs, jornais ou quaisquer veículos de distribuição e mídia. Qualquer tipo de violação dos direitos autorais estará sujeito a ações legais. CBI of Miami 3 Habilidades Sociais no Autismo Leve II Mateus Brasileiro Os Diferentes Settings nos quais o Treino de Habilidades Sociais podem Ocorrer Quando se utiliza o termo setting aqui, não se está referindo apenas ao local físico, mas a uma configuração mais ampla de organização do treino. De uma maneira bem genérica, se está dividindo as intervenções em habilidades sociais em duas grandes configurações diferentes (apesar de complementares): o Treino por Tentativas Discretas (TTD ou DTT em inglês) e os Treinos Naturalísticos. A seguir, cada um destes será apresentado e discutido. Treino por Tentativas Discretas (DTT) De acordo com Weiss, Hilton e Russo (2017), o DTT “é um método de instrução que permite instruções altamente individualizadas e a rápida apresentação de objetivos em unidades discretas” (p. 155). Em outras palavras, é uma forma de organizar o ensino de habilidades, no qual o instrutor dá início à situação de treino, apresentando uma instrução qualquer a depender do objetivo sendo trabalhado, o aprendiz deverá emitir uma resposta, que, por sua vez, deverá ser reforçada (em caso de resposta correta) ou corrigida (em caso de resposta incorreta). A este tipo de organização no qual o momento de treino de um comportamento alvo tem claramente um início (instrução), meio (a resposta) e fim (a consequência), dá-se o nome de unidades discretas. É uma característica deste tipo de treino a capacidade de grande repetição das unidades de aprendizagem em um curto período, um aspecto que é extremamente importante, pois vários indivíduos com TEA não conseguiriam adquirir certos repertórios sem múltiplas oportunidades de treino. E “por esta razão, DTT tem sido uma técnica instrucional fundamental para ensinar indivíduos com autismo, e tem sido reconhecida como uma forma importante de transmissão de conhecimento, principalmente quando a motivação é baixa” (WEIS, HILTON e RUSSO, 2017, p. 155). CBI of Miami 4 Apesar de sua atestada eficácia, tem-se advogado que o DTT é mais indicado para repertórios mais simples e que o Treino de Habilidades Sociais deveria abandonar esta estratégia, sugerindo-se até mesmo que a análise do comportamento aplicada (ABA) não seria a abordagem ideal para tal fim. É, de fato, compreensível que a utilização de DTT seja contestada para o ensino de habilidades sociais, afinal de contas, se está falando de uma área (HS), na qual os objetivos não são facilmente definidos e estão constantemente mudando e, além disso, um repertório socialmente hábil, geralmente inclui a demonstração espontânea de habilidades em situações novas e não treinadas. No entanto, uma variedade de habilidades sociais podem ser ensinadas através de DTT, aproveitando-se suas principais vantagens, ao mesmo tempo que senta contrabalancear suas limitações (WEISS, HILTON e RUSSO, 2017). A literatura é rica em exemplos de sucesso neste tipo de treino: ensino de comportamento afetivo (DEQUINZIO, TOWNSEND, STURMEY e POULSON, 2007; GENA, CPULOURA E KYMISSIS), aumento de interações e iniciações sociais (GARCIA-ALBEA, REEVE, REEVE, & BROTHERS, 2014; GARFINKLE & SCHWARTZ, 2002; GROSKREUTZ, PETERS, GROSKREUTZ, & HIGBEE, 2015), ensino de compartilhamento de objetos (MARZULLO-KERTH, REEVE, REEVE, & TOWNSEND, 2011), empatia (SCHRANDT, TOWNSEND, & POULSON, 2009) etc. Algumas aplicações do DTT junto ao treino de habilidades sociais 1. Dicas dentro do DTT Existem inúmeras formas de se apresentar dicas e hierarquia de dicas dentro de um procedimento de tentativas discretas. Um que parece especialmente útil para o ensino de habilidades sociais é o atraso de dicas progressivo, em especial em habilidades que exigem modelação verbal (DELPRATO, 2001). Neste formato, o instrutor apresenta uma determinada situação na qual o aprendiz deve emitir uma resposta verbal de interação com uma outra pessoa. Neste momento, o instrutor fornece um modelo da resposta que deve ser emitida e o aprendiz deve repeti-la, sendo reforçado. A retirada da dica, neste caso, deverá ser por atrasos sucessivos da apresentação do modelo por parte do instrutor. Ou seja, se nas primeiras tentativas ele já CBI of Miami 5 apresenta a dica de forma imediata, à medida que o aprendiz consegue emitir a resposta correta, o instrutor passa a esperar 1 segundo antes de fornecer a disca, depois 3 segundo e assim sucessivamente, até que o aprendiz não necessite mais da dica e já emita a resposta esperada de forma independente. Este procedimento tem tido sucesso em produzir inúmeros repertórios sociais diferentes e tem demonstrado diminuir a dependência de dica por parte do aprendiz. Uma outra maneira de fornecer dica verbal do que deve ser falado em uma situação social é a utilização de scripts. Dada uma determinada situação à qual o aprendiz será submetido, o instrutor prepara um texto contendo as respostas verbais que deverão ser utilizadas. O aprendiz, então, lê e fala o que está escrito e à medida que vai tendo sucesso naquela situação específica o seu scrip vai sendo gradualmente apagado. A esta estratégia dá-se o nome de script fading. Um outro tipo de dica comumente usada e bastante eficaz é a videomodelação. Este tipo de estratégia é interessante, pois pode não apenas apresentar a resposta que é esperada do indivíduo com TEA, mas toda a situação antecedente e consequente. Ou seja, no vídeo pode estar contida a situação na qual a interação social é necessária, permitindo, portanto, que o aprendiz identifique quando aquela resposta específica deve ser emitida, bem como o tipo de consequência social que normalmente se segue no caso de emissão de resposta adequada. Este tipo de apresentação chama-se formato baseado em tentativa. Por fim, Weis, Hilton e Russo (2017), chamam atenção para um aspecto bastante importante na manutenção do repertório social ensinado, sem que seja necessário continuar-se recorrendo a dicas posteriores, o Tempo entre Tentativas Progressivo. Os autores defendem que, inicialmente, para a aquisição de uma dada habilidade via DTT, é muito importante que esta seja treinada múltiplas vezes em sequência. No entanto, uma vez que a habilidade é adquirida, deve-se espaçar o tempo entre as tentativas de treino. Por exemplo, inicialmente o tempo entre as primeiras tentativas deve ser de poucos segundos, que com o tempo vão gradualmente aumentando, até que, ao fim, já se decorras vários minutos entre uma tentativa e outra. Em outras palavras, CBI of Miami 6 tentativas consecutivas podem ser muito importantes para a aquisição de uma habilidade, mas o espaçamento dessas tentativas podem ser necessárias para sua manutenção adequada. 2. DTT para Aumentar a Capacidade de Aprendizagem Observacional e de se Produzir Regras Sociais. Duas formas importantes de aprendizagem social são a observação e a capacidade de se gerar regras. Ou seja, uma criança que observa o queseus pares fazem em uma determinada situação, bem como suas consequências e, apenas através disso, é capaz de adquirir novas habilidades, está aprendendo por observação, o que tende a aumentar exponencialmente a sua capacidade de adequação ao ambiente social, mesmo sem a interferência de um instrutor. E o mesmo pode ser dito quando esta mesma criança é capaz de descrever as contingências nas quais ela e/ou outras pessoas estão inseridas. Ou seja, além de viver a contingência em si, a criança passa a ser capaz de descrevê-la (ex. percebi que toda vez que eu falo enquanto alguém está falando, esta pessoa parece ficar irritada), a isto dá-se o nome de regra (a descrição de uma relação de contingência) e a capacidade de gerar regras, assim, como na aprendizagem observacional aumentam a capacidade do indivíduo de se adaptar ao seu ambiente de forma independente. Mas e onde entra o DTT aqui? O fato é que as estratégias de tentativa discreta podem ser utilizadas para mais do que ensinar respostas específicas a uma situação. Podem ser também utilizadas para melhorar a aprendizagem por observação e/ou a capacidade de descrição de regras sociais. Por exemplo, o instrutor pode apresentar uma situação problema para a criança e pedir que ela lide com aquela situação, apresentando como dica apenas a capacidade dela observar outras crianças lidando com a situação em si. Ou seja, a criança em questão está sendo ensinada não a resolver a situação, mas como observar seus pares para encontrar informações sobre como resolver inúmeras situações problemas que se apresentam no dia a dia. E estratégias semelhantes podem ser utilizadas para o ensino de descrição de contingências. O instrutor pode, por exemplo, apresentar um vídeo de uma interação social e através de perguntas pode ir ensinando a criança a CBI of Miami 7 descrever os antecedentes, as respostas emitidas e as consequências para cada resposta em questão. Ou seja, nessa situação, estar-se-ia utilizando o DTT para ensinar a crianças a descrever regras sociais mais precisas. Por fim, duas estratégias muito importantes para o treino de habilidades sociais são, em sua essência, estratégias de tentativas discretas: o Behavioral Skills Training (BST) e o Teaching Interaction Procedure (TIP). Mas estes serão discutidos na aula 4 do módulo 2. Treinos Naturalísticos Existem diferentes formatos de treinos naturalísticos e aqui serão apresentados rapidamente 2, Treino Incidental e Treino de Respostas Pivotais (PRT). Mas essencialmente, qualquer treino naturalístico deve envolver as seguintes características: (a) basear-se na motivação corrente da criança; (b) criação de situações nas quais a criança inicie a situação que possibilite a aprendizagem; (c) utilização de reforçadores naturais sempre que possível. Defende-se a utilização deste tipo de ensino para o treino de habilidades sociais, pois, justamente por partir da motivação do indivíduo e por ser menos estruturado, ele pode produzir maior variabilidade e generalização. A seguir, serão brevemente apresentados os dois tipos de treinos naturalísticos citados anteriormente. 1. Treino Incidental De acordo com Alai-Rosales, Toussaint e McGee (2017), o treino incidental é um tipo de instrução contextualizada no qual, a partir de oportunidades que estão naturalmente ocorrendo (incidentes) e da identificação do que o indivíduo quer nesta situação, aproveita-se para ensinar uma resposta para que a criança consiga obter exatamente o que ela está querendo. Imagine o seguinte exemplo: uma criança está brincando de montar um castelo de blocos e agora falta a peça final triangular para montar a torre do castelo. Neste momento, o instrutor, que está bastante atendo à motivação corrente da criança e às oportunidades que se apresentam (incidentes) para que ele possa ensinar aqueles objetivos estabelecidos no plano de ensino do seu aprendiz, pega a peça triangular, mostra para a criança e pergunta “o que você quer?”, CBI of Miami 8 dando, logo em seguida, o modelo verbal “triângulo”. A criança, então, emite a resposta verbal “triângulo”, recebe a peça e termina seu castelo. Neste momento você deve estar pensando como este exemplo parece bastante com exemplos de DTT que conhece, não é mesmo? E você não está errado, pois muitas estratégias utilizadas são comuns às duas formas de ensino. Em ambas, por exemplo, há um antecedente claro, há objetivos de ensino bem definidos, o instrutor pode dar dicas (e posteriormente fazer o fading out delas) para garantir que a resposta alvo ocorra e pode fornecer consequências ao final da emissão da resposta. Mas o exemplo também deixa claras as 3 características principais de um treino incidental e que irão, inevitavelmente, marcar sua diferença em relação dá um treino de tentativas discretas. A saber, essas características são: (a) o início da situação de aprendizado dá-se a partir da preferência da criança, de algo que ela queria obter no momento, não de uma instrução arbitrária dada pelo instrutor; (b) o instrutor, para poder ensinar, deve estar extremamente focado na criança, observando suas vontades e necessidades, para, apenas a partir disso, aproveitar as oportunidade e treinar os comportamentos alvo pré definidos no plano de ensino; (c) a consequência deve ser diretamente relacionada à motivação corrente da criança, evitando-se reforçadores arbitrários. O treino incidental, portanto, exige que o instrutor esteja sempre se ajustando às oportunidades que se apresentam e à criança em si. No entanto, é errado imaginar que os treinos naturalísticos prescindem de planejamento e preparação. Se, por um lado, o instrutor pode e deve se aproveitar de situações correntes não planejadas, ele deve também (1) preparar situações nas quais oportunidades para treino possam eventualmente surgir e (2) introduzir intencionalmente eventos nos quais o acesso ao reforçador é regulado por ele. Para que isto fique mais claro, vamos a um exemplo de habilidades sociais utilizando-se o treino incidental. Um paciente adora ir à loja de brinquedos no shopping, aonde quase sempre vai com seus pais. Seu terapeuta resolveu ir ao shopping com ele, no entanto, para poder trabalhar alguns objetivos específicos, dentre eles, o de pedir informações. Lá chegando, o terapeuta informa que ele não sabe chegar até a loja de brinquedos e que eles terão que perguntar a alguém. Neste CBI of Miami 9 momento, a partir da situação que fora, de certa forma, induzida pelo terapeuta, apresenta-se a primeira oportunidade de treino: como identificar uma pessoa para quem eu possa pedir informações? A partir de dicas dada pelo terapeuta, a criança identifica um segurança do shopping pela sua roupa. Neste momento, apresenta-se um segundo incidente (necessidade de se conseguir informação com o segurança do shopping), que, por sua vez, traz consigo uma segunda oportunidade de treino: realizar o pedido adequadamente ao segurança. Ou seja, tudo partiu da motivação da criança, mas o terapeuta não foi passivo, ele criou situações as quais ele sabia que uma dada motivação existiria e que, a partir delas, ele poderia trabalhar determinadas habilidades específicas com seu paciente. De forma semelhante, ele poderia pegar um objeto que ele sabe que tem potencial valor reforçador para seu paciente e entregar para uma outra criança, de forma que, para que seu paciente tenha acesso a este item, ele terá que se aproximar e interagir com a criança em questão. Mais uma vez, o treino é incidental, mas o terapeuta mantém-se ativo na criação dos incidentes e, desta vez, também no controle dos reforçadores. 2. Treinode Resposta Pivotal (PRT) Como mais um exemplo de treino naturalístico, o PRT mantém as características apresentadas anteriormente para este tipo de setting. A sua característica especificadora, no entanto, está justamente no foco em determinados objetivos, chamados de respostas pivotais, o que confere o nome a este treino em si. Por respostas pivotais, entende-se aquelas habilidades que são consideradas como centrais para o desenvolvimento de outras habilidades. Atenção ao outro, por exemplo. Esta é uma habilidade, mas que é essencial para que outras inúmeras habilidades sejam aprendidas. Logo, é uma resposta pivotal. No caso das habilidades sociais, Vernon (2017) colocar que o PRT “é um pacote de intervenção compreensivo para tratar as habilidades de comunicação centrais associadas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA)” (p. 187). Aqui serão apresentadas algumas áreas consideradas pivotais no desenvolvimento social. CBI of Miami 10 • Motivação social: por motivação social pode-se entender muita coisa, mas aqui se está falando da busca pelo outro. Por interagir com ele, estar perto etc. Inicialmente, pode-se ensinar a importância da interação com o outro criando-se situações nas quais o indivíduo, para conseguir algo que quer, precisa primeiro acessar uma outra pessoa. Apesar de se poder dizer que isto seria o início do desenvolvimento de uma motivação social, deve-se considerar que esta deveria ir além do uso da linguagem para satisfazer suas necessidades. Desenvolver plenamente a motivação social, significa que devemos criar condições que permitam que o mero contato e a troca de experiência com o outro sejam reforçadores condicionados. • Iniciação social: muitas vezes crianças com autismo possuem o repertório linguístico necessário para interagir com outras pessoas, mas só o fazem quando requisitadas. Enquanto para qualquer formato de intervenção este seria um objetivo (aumento da iniciação espontânea) que requereria atenção do instrutor, no PRT torna-se um objetivo essencial, pois observa-se que é um importante preditor do desenvolvimento social futuro. De acordo com Vernon (2017), as principais estratégias utilizadas pelo PRT para promover as iniciações são a combinação de motivação e fading out de dicas através do atraso de dica. • Interação com pares: aqui, as estratégias do PRT são utilizadas para que, ao se colocar crianças em contato umas com as outras, possa-se criar condições para que todas tenham sua vez de falar, consigam ouvir e alternar seus interesses com os interesses dos outros. • Autogerenciamento: uma área bem complexa, que envolve a capacidade de perceber e descrever seus comportamentos, seus efeitos sobre os outros, seus sentimentos e utilizar estratégias de autorregulação. Por fim, é importante deixar claro que não se quis aqui esgotar as possibilidades de habilidades pivotais para a socialização. Outras como contato visual e afeto positivo também poderiam estar incluídas. Os exemplos acima foram utilizados apenas como uma forma de (1) apresentar algumas áreas de interesse de intervenção e (2) caracterizar mais adequadamente o treino de respostas pivotais. Para um maior aprofundamento, sugere-se a leitura do livro CBI of Miami 11 de Koegel e Koegel (2012) e o capítulo de Vernon (2017). Estratégias para o Treino de Habilidades Sociais Seria um objetivo extremamente pretensioso tentar apresentar aqui uma proposta geral para treino de habilidades sociais para pessoas com TEA. Primeiro, pois, como já ressaltado na sessão anterior, qualquer intervenção deste tipo deverá levar em consideração as possibilidades e necessidades de cada indivíduo, a partir de uma avaliação inicial cuidadosa. Mas principalmente porque, a despeito do avanço na produção de conhecimento sobre a aquisição e o ensino de habilidades sociais, ainda estamos alguns passos aquém do desenvolvimento tecnológico necessário para a proposição de um manual que possa ser considerado baseado em evidências, como já existe para outras áreas de intervenção (RAO et al., 2008; WEISS e HARRIS, 2001). Assim, o que o presente capítulo traz nesta sessão são alguns princípios/procedimentos gerais de modificação do comportamento, apresentados à luz de déficits nas habilidades sociais que são comumente observados em indivíduos com autismo, e alguns exemplos de intervenções encontrados na literatura ou da própria experiência profissional dos autores. 3.1. Estratégias Respondentes Ao se falar aqui de estratégias respondentes, estamos apenas nos referindo àqueles procedimentos que envolvem basicamente o estabelecimento (ou quebra) de uma relação estímulo-estímulo, podendo o resultado destes serem voltados também (e muitas vezes o são) para o comportamento operante1. Uma das características marcantes no déficit de habilidades sociais de pessoas com o TEA é o que se chama tradicionalmente de “restrição de interesses”. Dito de outra forma, parece existir um número reduzido de estímulos no ambiente que funcionam como reforçadores, o que pode atrapalhar as interações sociais desses indivíduos de pelo menos duas formas: (i) indiretamente, pois a restrição de interesses diminui a probabilidade de 1 Michael (1983) se referiu a estas relações (procedimentos respondentes que exercem efeitos sobre o comportamento operante) como híbridas. CBI of Miami 12 aproximações e trocas com outras pessoas; (ii) diretamente, pois vários reforçadores que são essenciais para o estabelecimento e manutenção de interações sociais (ex. elogios, aprovação, proximidade física de pares etários), podem não ter nenhuma função comportamental. Uma preocupação inicial da intervenção, portanto, seria justamente a criação de novos reforçadores (especialmente daqueles de origem social), o que pode ser feito a partir de uma relação sistemática entre os interesses que o indivíduo já tem com outros eventos ambientais que pouco parecem afetar o seu comportamento. Por exemplo, a utilização de jogos de vídeo game (atividade comumente de alta preferência para crianças e adolescentes) em consultório tem se mostrado extremamente eficaz para produzir a presença do próprio terapeuta como um estímulo reforçador. Em muitos casos a interação inicial com o cliente ocorre quase que exclusivamente durante a utilização do recurso em questão – em geral, escolhe-se jogos aos quais o cliente tenha pouco acesso para garantir que a presença do terapeuta esteja o mais próximo possível de uma relação de contingência com um reforçador poderoso. No entanto, a retirada gradual da utilização dos jogos eletrônicos acaba mostrando que a mera interação com o terapeuta parece, na maior parte dos casos, ser suficiente para sustentar a interação e até mesmo o engajamento em atividades de baixa preferência, sugerindo uma transferência de função reforçadora. Uma outra utilização das estratégias respondentes ocorre quando o cliente apresenta respostas de fuga/esquiva em relação a algum estímulo social importante. Nestes casos, a função do terapeuta seria de criar condições para que uma possível relação entre o estímulo social relevante e outras fontes de controle aversivo fosse quebrada. Koegel et al. (2004), por exemplo, descrevem um procedimento de dessensibilização sistemática no qual três crianças que estavam emitindo respostas de esquiva em relação a situações sociais relevantes (áreas comuns da escola e presença de membros da família) devido à sua relação com certos sons (essas crianças são descritas como tendo hipersensibilidade auditiva). Ao longo do experimento, as crianças foram expostas a situações que iam apenas gradualmente se assemelhandoàquelas evitadas, enquanto os CBI of Miami 13 experimentadores tomavam especial cuidado para controlar a exposição a sons aversivos, e, ao final da pesquisa, todas elas não apenas passaram a se expor às situações anteriormente evitadas sem emitir respostas de esquiva, como também a tolerar os sons que antes apresentavam função aversiva. Intervenções como esta podem ser necessárias no início de um treino de habilidades sociais, em especial quando as respostas de fuga/esquiva competem com as respostas de exposição que seriam necessárias para a construção de habilidades sociais. 3.2. Ensino de Regras Sociais Uma maneira que frequentemente se mostra bastante útil ao se iniciar o ensino de novas habilidades é o estabelecimento de regras sociais, visto que uma descrição do que fazer e quando fazer em uma determinada situação social pode ajudar o indivíduo com TEA na aquisição mais rápida de repertórios finais complexos e/ou a colocar tais comportamentos sob controle de estímulos adequado. Serão aqui descritas e exemplificadas três estratégias possíveis para este fim: utilização de scripts, histórias sociais e facilitação/modelagem de auto regras. 3.2.1. Utilização de scripts McClannahan e Krantz (2005) definem scripts como qualquer material (gravação de áudio, palavras escritas, frases, sentenças, figuras etc.) que decomponham em passos menores o que uma pessoa deve fazer em uma dada situação social, a fim de ensiná-la a se aproximar, iniciar e responder a outras pessoas. A partir desta definição, pelo menos dois aspectos merecem ser destacados: (i) as diferentes formas que os scripts podem tomar permitem que o terapeuta adeque o tipo de material utilizado ao repertório verbal do aprendiz; (ii) a utilização scripts não tem como foco o ensino da linguagem, mas sim ajudar indivíduos com autismo a se engajarem em trocas sociais de forma independente. Este último aspecto talvez seja o principal motivo de esta ter se tornado uma estratégia tão comumente descrita na literatura de análise do comportamento aplicada. Uma vez que os scripts podem ser considerados como um tipo de dica que não dependem da presença física do terapeuta e (talvez até por isto) relativamente fácil de ser esvanecida, o comportamento do CBI of Miami 14 indivíduo tende a ficar mais rapidamente sob controle do ambiente social natural. Em um dos primeiros trabalhos com a utilização de scripts para aumentar a interação social de indivíduos com autismo, Krantz e McClannahan (1993) delinearam um procedimento que tinha como objetivo ensinar quatro crianças a iniciar interações verbais com seus colegas de classe. Durante atividades de arte, quando as crianças chegavam à mesa, elas encontravam um script com uma mistura de 10 perguntas e afirmações. Inicialmente elas eram incentivadas pelo professor a ler o script direcionando a fala para um de seus colegas. Posteriormente esta ajuda foi retirada e iniciou-se também o esvanecimento do próprio script. Como resultado, todas as crianças aumentaram consideravelmente a quantidade de vezes que iniciava diálogos com seus pares, mesmo após dois meses do fim da intervenção. Além disso, houve indícios claros de generalização, pois também ocorreram iniciações em outros settings, com outros materiais e até mesmo algumas que não haviam sido ensinadas através dos scripts. 3.2.2. Histórias Sociais De acordo com Weiss (2013), “histórias sociais são descrições breves de expectativas que são explicadas no contexto de uma história criada por um indivíduo para descrever um cenário específico que o aprendiz encontrará” (38) e têm sido utilizadas especialmente para explicar as expectativas de uma situação social complexa, para situações de medo e para redução de comportamentos problema. A partir de uma análise feita do conteúdo de diversas histórias sociais, Barry e Burlew (2004) sugerem alguns dos componentes que podem fazer as histórias sociais efetivas: a) Utilização de um personagem com o qual a criança pode se relacionar (pode ser, inclusive, a própria criança) para funcionar como um modelo social; b) Descrição dos comportamentos, pensamentos e sentimentos do personagem enquanto ele se engaja nos comportamentos alvo descritos na história; c) Utilização de análise de tarefa para quebrar os comportamentos alvo em pequenos passos; CBI of Miami 15 d) Utilização de figuras em conjunto com o texto; e) Observação de alguns cuidados metodológicos na utilização das histórias sociais; i) A história deve ser repetida diversas vezes; ii) O aprendiz deve ser estimulado a se engajar em atividades nas quais pode praticar os comportamentos alvo descritos e a relembrar a história antes de fazê-lo; iii) Deve-se pedir que o aprendiz revise a história sempre que comportamentos inadequados ocorrerem ou que comportamentos adequados não ocorrerem, como uma forma de feedback corretivo. Por fim, é importante ressaltar aqui que, apesar de sua ampla utilização clínica (Weiss, 2013) e de ser uma das estratégias mais utilizadas para descrição e estabelecimento de regras sociais com crianças com autismo (Gray, 2008), a maioria das diretrizes que vêm sendo apontadas para a construção e utilização de histórias sociais não foram empiricamente validadas e carecem de maior investigação (Weiss, 2013; Barry e Burlew, 2004). 3.2.3. Indução e modelagem de auto regras Até aqui, as duas estratégias descritas para o ensino de regras sociais podem ser classificadas como do tipo “instrução direta”, no qual uma outra pessoa descreve para o aprendiz as contingências ambientais em vigor e as respostas esperadas deste. Porém, como tanto a literatura básica (ex. Catania et al., 1982) como aplicada (ex. Meyer, 2005) destacam, regras geradas pela própria pessoa (auto regras) tendem a controlar o seu próprio comportamento de forma mais efetiva do que regras geradas por outras pessoas. Além disso, este é um repertório (gerar regras) que pode ajudar a colocar os comportamentos de observação, descrição e análise das contingências sociais sob controle dos estímulos sociais relevantes e, consequentemente, conferir uma maior independência para o aprendiz. Assim, mais do que fornecer regras já prontas, parece vantajoso, sempre que possível, alocarmos esforços em modelar o comportamento de indivíduos com TEA de gerar auto regras. Este, no entanto, não é um repertório fácil de ensinar (especialmente para pessoas CBI of Miami 16 com autismo), e é necessário que estratégias cuidadosas sejam planejadas. Uma forma que tem se mostrado bastante útil na experiência clínica dos autores é iniciar a modelagem de regras sociais com a análise de pequenas histórias (tirinhas, textos, vídeos etc.). Assim como nas histórias sociais, a ideia é utilizar materiais e personagens que sejam do interesse do aprendiz para que se possa realizar uma decomposição dos aspectos relevantes do ambiente social e uma análise de tarefas dos comportamentos dos personagens. Diferentes destas, no entanto, o objetivo é que o próprio aprendiz, e não o terapeuta, faça tais descrições. O terapeuta deveria fazer perguntas e reflexões que levem o indivíduo a descrever pelo menos (i) a situação geral que se apresenta, (ii) como o personagem agiu, (iii) o que o fez agir desta forma (análise de antecedentes), (iv) o que aconteceu como consequência dele ter se comportado assim, (v) possibilidades alternativas de ação e (vi) que consequências poderiam ocorrer se o personagem houvesse agido desta forma. Outras descrições úteis podem incluir, por exemplo, como o personagem sentiu e/oupensou antes e depois de agir de uma determinada maneira. Após esta etapa inicial, as descrições e análises poderiam passar a ser realizadas com materiais mais complexos e, em última instância, com situações sociais reais vividas pelo próprio indivíduo. Em alguns casos – especialmente quando se confrontar com os próprios déficits comportamentais pode ser muito aversivo para o aprendiz –, pode ser importante “suavizar” esta passagem, começando com situações sociais vividas por terceiros, depois com situações da própria relação estabelecida com o terapeuta (ex. algo que o cliente fez e o terapeuta gostou ou não gostou) e, apenas posteriormente, com situações mais complexas (e potencialmente difíceis) do dia a dia do indivíduo (ex. dificuldades de se manter em diálogos ou fazer amigos). Apesar da importância atribuída ao ensino das regras, quando se está falando de um quadro que tem, na sua própria descrição, uma dificuldade na área de comportamento verbal, sua utilização no trabalho de indivíduos com autismo pode ter sua eficácia bastante limitada. Até por isto (mas não apenas), é importante agora tratarmos de dois outros procedimentos importantes para a aquisição de novas respostas: modelação e modelagem. CBI of Miami 17 3.3. Modelação Como o próprio nome sugere, o termo modelação refere-se à apresentação deliberada de um comportamento (modelo) a ser imitado por uma outra pessoa. Assim como no caso das regras, a grande importância da modelação reside no fato de que o aprendiz pode adquirir comportamentos complexos de forma pronta, algo que, como coloca Lovaas (2003), pode ser especialmente importante para pessoas com TEA: A formação e encadeamento de comportamentos [...] podem ajudar os estudantes com atrasos de desenvolvimento a adquirirem determinados comportamentos simples tais como sentar em uma cadeira, soltar blocos em um balde e a seguirem instruções elementares (ex.: “Venha aqui”). A formação e encadeamento falharão, ou serão impraticáveis, no entanto, para ajudar o estudante a adquirir comportamentos complexos tais como brincar com brinquedos, linguagem receptiva e habilidades sociais. Ensinar os estudantes com atrasos de desenvolvimento a imitar é um passo primordial no sentido de ajudá-los a superar seus atrasos. (p. 197) Assim, apesar de sua aparente simplicidade, estamos falando de um procedimento que possibilita a instalação de respostas que seriam impossíveis de serem aprendidas ou levariam muito tempo para isto apenas através da modelagem. E como ao falarmos de habilidades sociais estamos, inevitavelmente, falando de comportamentos complexos, temos, pois, na modelação uma estratégia essencial no treino de tais habilidades. Antes de mais nada, um comentário merece ser aqui destacado. Muitas pessoas com autismo apresentarão déficits também nas habilidades de imitação. Imitar, no entanto, é um comportamento e pode ser aprendido como qualquer outro. O presente capítulo não se ocupará do ensino da habilidade de imitação (visto que o foco está na aquisição de habilidades de interação mais complexas), no entanto, é primordial que o terapeuta, antes de se utilizar de técnicas de modelação, avalie e, se necessário, intervenha sobre o repertório de imitação de seu cliente. A mesma consideração é válida na utilização de regras sociais. Possivelmente, mesmo que não programemos de forma explícita, estamos sempre trabalhando com modelação no treino de habilidades sociais, visto que constantemente estamos fornecendo modelos de interação social, CBI of Miami 18 seja na relação com o próprio cliente, seja na relação com outras pessoas (o porteiro do prédio, a secretária etc.). Assim, o terapeuta deveria ter sempre em mente pelo menos duas questões. A primeira é: que tipo de modelos eu quero dar para este indivíduo em particular? Cada pessoa (e isto, obviamente, inclui também os terapeutas) tem sua maneira própria de interagir com os outros, mas quando parte da nossa função é funcionar como modelo para alguém, temos que tentar estar, sempre que possível, autoconscientes do tipo de modelo que estamos dando e se ele é adequado para aquela pessoa. Por exemplo, um terapeuta pode ter o tom de voz mais baixo, uma prosódia mais lenta e uma forma um pouco mais contida de interagir, e isto pode ser bastante útil para ele em diversas situações (algumas pessoas podem se sentir menos invadidas e mais dispostas a frente alguém assim, por exemplo). No entanto, ao trabalhar com um cliente cujas demandas estão justamente relacionadas a características como esta, talvez o terapeuta deva avaliar se não está fornecendo um modelo de algo que não está funcionando bem na vida daquele indivíduo. Uma segunda questão que deve ser levantada é, como me estabeleço como um modelo para esta pessoa? Em geral, a primeira e mais importante recomendação é que o terapeuta seja uma fonte importante de reforço para seu cliente. É muito provável que uma relação terapêutica aversiva vá diminuir a probabilidade de que o terapeuta seja imitado. Um outro fator é que esteja explícita a relação entre o comportamento do terapeuta e a produção de reforçadores. Tendemos a querer imitar aquelas pessoas que têm a capacidade/possibilidade de acessar reforçadores que são importantes para nós. A partir desses cuidados, o terapeuta não apenas terá uma maior chance de evocar incidentalmente comportamentos sociais relevantes em seu cliente, como terá maior probabilidade em obter sucesso com intervenções que façam utilização da modelação de forma programada. Uma forma bem comum de se fazer isto é executar pequenas tarefas que incluam interações sociais (ir a uma banca comprar revista, pedir informações para pessoas na rua etc.) e pedir que o aprendiz faça o mesmo logo em seguida, tomando o comportamento do terapeuta como modelo. CBI of Miami 19 Um outro uso programado da modelação para o ensino de habilidades sociais que tem se tornado bastante comum é a videomodelação. Nela, o terapeuta deverá definir um comportamento alvo, realizar e validar uma análise de tarefas deste alvo e fazer um vídeo que possa servir de modelo para que aprendiz possa emitir o comportamento alvo em seu ambiente natural. Em um estudo que visou a comparação dos resultados de videomodelação com os de modelação ao vivo para o ensino de comportamentos sociais complexos, Charlop-Christy, et al. (2000), ensinaram cinco crianças diagnosticadas com autismo habilidades de descrição de suas próprias emoções, brincar (de forma independente, cooperativa e social), conversação (saudações, despedidas, perguntas e diálogos) e autocuidado (escovar os dentes e lavar o rosto). Nenhuma das crianças foi submetida a treino de todas estas habilidades, mas todas foram treinadas em pelo menos uma (geralmente mais) delas. Para todas as crianças, um comportamento relacionado a uma destas habilidades era ensinado através de videomodelação e um outro comportamento era ensinado através de modelação ao vivo, em ambos os casos com adultos que lhes eram familiares e que trabalhavam como terapeutas na escola em que elas estudavam. Os resultados demonstram que para ambos os tipos de modelação houve aquisição dos comportamentos alvo, no entanto aqueles comportamentos utilizados a partir do uso da videomodelação foram aprendidos de forma mais rápida e apenas para eles ocorreu generalização (entre diferentes estímulos, pessoas e settings). Para explicar estes achados, os autores apresentam as seguintes hipóteses: A. A utilização de vídeo ajuda a contrabalancear a seletividade de estímulos de crianças com autismo ao colocar o foco da câmera nos estímulos relevantes;B. Vídeos estão, em geral, associados a atividades reforçadoras e podem controlar o comportamento de atenção de crianças de forma mais efetiva; C. Crianças com autismo tendem a apresentar uma maior tendência a interações com objetos do que com pessoas; D. Todas as crianças já haviam passado por treinos de modelação ao vivo e nunca haviam passado por treinos com videomodelação. E a exposição CBI of Miami 20 prévia a uma história com uso de modelação ao vivo pode ter sido inconsistente, selecionado inadvertidamente comportamentos disruptivos e/ou criado dependência de dicas. Uma outra possibilidade muito interessante para a utilização de modelação é estabelecer pessoas importantes no ambiente social natural do aprendiz como modelos, especialmente seus pares etários. Este procedimento nem sempre é fácil, pois muitas vezes existe uma história anterior que pode interferir no treino e requer a colaboração da outra pessoa em questão. De qualquer forma, retomaremos esta possibilidade adiante ao falarmos de treino de habilidades sociais em grupo. 3.4. Modelagem Uma outra forma de promover a aprendizagem e o refinamento de novas respostas é a modelagem. Catania (1992) define modelagem como: Modificação gradual de alguma propriedade do responder (frequentemente, mas não necessariamente, a topografia) pelo reforço diferencial de aproximações sucessivas a uma classe operante alvo. A modelagem é empregada para produzir respostas que, devido a um nível operante baixo e/ou devido à complexidade, não seria emitida ou seria emitida depois de um tempo considerável. A variabilidade do responder que segue o reforço geralmente provê as oportunidades para o reforço de outras respostas que se aproximam mais de perto do critério que define a classe operante alvo. A modelagem é uma variedade de seleção operante. (p. 411) Como dito anteriormente, a definição de classes de comportamentos a serem instaladas é muito importante e um procedimento de modelagem de respostas relativas às habilidades sociais não foge disto. O terapeuta precisa estar atento a variações sutis que podem, futuramente, compor classes mais complexas de comportamentos e reforçá-las diferencialmente. Para tanto, faz- se necessária uma clareza nos componentes destas classes. Uma resposta a um estímulo social que em situações anteriores nada evocou, por exemplo, pode ser para um terapeuta motivo de reforçá-la diferencialmente, mesmo que esta tenha sido inadequada para o contexto. O reforçamento da própria variabilidade do comportamento é extremamente importante para aquisição de um repertório mais amplo em indivíduos diagnosticados com autismo (MILLER CBI of Miami 21 e NEURINGER, 2000). Trabalhar com esta variabilidade produzida pelo reforçamento exige um olhar longitudinal para o repertório comportamental a ser construído. Se evidencia, assim, uma diferença nas variáveis de controle que agem sobre o terapeuta, quando comparado a outras pessoas que podem vir interagir com o aprendiz. Preocupações apenas com efeitos mais imediatos do comportamento podem impossibilitar a aquisição de respostas complexas e, como temos frequentemente observado na prática clínica, oportunidades de modelagem podem ser desperdiçadas. Glenn (2004) trata da aprendizagem de novos comportamentos como um fluxo de respostas que ocorrem ao longo do tempo e são selecionadas por suas consequências e tornam-se mais prováveis, formando linhagens comportamentais que futuramente podem se unir formado classes (linhagens) mais complexas. Essa noção de comportamento como um fluxo é muito útil para trabalharmos com modelagem de habilidades sociais, pois a criação de pré-requisitos para comportamentos sociais complexos passa pela capacidade do terapeuta de ficar sob controle de variações (por vezes sutis) no comportamento do cliente e consequenciá-las adequadamente. Assim como na modelação, podemos utilizar a relação com o terapeuta como uma ferramenta para a modelagem de habilidades sociais. Inúmeras situações ocorrem em uma sessão onde se pode reforçar aproximações sucessivas dos nossos clientes a comportamentos relevantes em sua vida social, como por exemplo, observações a respeito do estado emocional do terapeuta, sobre o ambiente físico do setting terapêutico etc. Discussões sobre jogos, livros, filmes e afins também podem ser utilizadas para modelar comportamentos verbais mais adequados, com a vantagem de o terapeuta poder criar as contingências para evocar e consequenciar as respostas de seu cliente com mais controle, uma vez que ele mesmo é o principal interlocutor neste tipo de treino. Quando existe uma dificuldade em trazer para o treino pessoas que interagem cotidianamente com nosso cliente (pais, colegas, professores, por exemplo), o Role Play é uma técnica útil na modelagem de respostas de interação, onde o terapeuta pode simular o comportamento provável de outra pessoa. Vale lembrar que, em se tratando de um ambiente social, as CBI of Miami 22 contingências podem ser diferentes das previstas pelo terapeuta e o comportamento simulado por ele pode ser diferente do encontrado pelo cliente, sendo então importante no Role Play, o treino de uma variedade de respostas e contextos, buscando uma aproximação com uma situação “natural”. Uma das estratégias utilizadas com o objetivo de modelar comportamento socialmente habilidoso é o treino incidental, onde a interação é iniciada pelo aprendiz e o terapeuta se utiliza desta oportunidade para instalar/refinar respostas mais adequadas. Pode haver uma preparação prévia do ambiente para que aumente a probabilidade da interação desejada e do valor reforçador da mesma. Frequentar lugares, utilizar jogos, livros etc. com os quais o cliente tem uma história prévia de reforçamento positivo, por exemplo, pode ser uma boa maneira de gerar oportunidades para o treino incidental. Esta modalidade de treino pode também ser realizada por pais, professores e pares etários e demonstrou ter eficácia no aumento da frequência e da qualidade da interação de crianças com TEA com seus colegas de escola (MCGEE et al., 1992). 4. Generalização Quando falamos sobre qualquer intervenção comportamental que tem por objetivo uma melhoria na qualidade de vida de um indivíduo, generalização tem de ser uma preocupação central do terapeuta. Um comportamento social adequado que não extrapola a situação de treino, pouco ou nenhum efeito tem sobre o cotidiano de quem o aprendeu e indica uma falha ou limitação do procedimento em questão, uma vez que estamos buscando (especialmente em se tratando de habilidades sociais) construir um repertório que amplie o acesso a reforçadores mediados por outros. Pode se dizer que uma mudança comportamental tem generalidade se ela se demonstrar durável ao longo do tempo, se aparecer em uma ampla variedade de ambientes, ou se ela se irradiar para uma ampla variedade de comportamentos relacionados (Baer et al. 1968). Ainda nas palavras de Baer et al. (1968) generalização deve ser programa, não esperada ou lamentada. CBI of Miami 23 Algumas possíveis estratégias podem ser empregadas na tentativa de produzir a generalidade desejada no repertório de nossos clientes: A. Treino em diferentes settings e com diferentes terapeutas. B. Treino de pessoas importantes no ambiente sociais do indivíduo (ex. pais e pares). C. Tarefas de casa. D. Exposição a situações mais naturalísticas. E. Treinos em grupo. Um dos objetivos principais de nossa última aula é apresentar duas estratégias específicas de intervenção,que, na verdade, talvez possam ser compreendidas mais como dois pacotes de intervenção, uma vez que trazem uma mescla de diversas estratégias combinadas, como regras, modelação e modelagem. Estas duas estratégias são o Behavioral Skills Training (BST) e o Teaching Interaction Procedure (TIP). Ambas têm vasta literatura relatando sua eficácia em diversas áreas de atuação, como treino parental, treino de equipe e, de nosso maior interesse aqui, treino de habilidades sociais. São, portanto, estratégias de intervenção amplamente baseadas em evidência. A seguir, uma apresentação resumida de cada um desses pacotes de intervenção. Behaviora Skills Training (BST): De acordo com Miltenberger (2016), o BST é um método que consiste no uso combinado de estratégias de instrução, modelação, ensaio e feedback. Nele, portanto, o instrutor fornece condições para que o aprendiz emita as respostas ou cadeia de respostas corretamente, fornecendo uma descrição das respostas esperadas em uma situação social, bem como um modelo da execução dessas respostas. Posteriormente, fornece também uma oportunidade para que o aprendiz pratique estas habilidades, enquanto vai modelando seu repertório através de feedbacks (para acertos e erros). Pode-se dizer, portanto, que o BST, é um arranjo combinado do uso de regras (descrição das respostas a serem emitidas em uma dada situação), modelação (quando o instrutor demonstra como as respostas devem ser emitidas) e CBI of Miami 24 modelagem (no momento em que o aprendiz pratica e recebe feedbacks), assim como demonstrado na Figura 1. Agora, algumas considerações adicionais sobre cada um dos passos do BST: • Instruções • Devem ser dadas em termos que o aprendiz possa atender. Devem, portanto, ser adequadas às capacidades receptivas do ouvinte, inclusive utilizando-se recursos adicionais, como figuras; • Devem ser dadas por uma figura de autoridade na vida do aprendiz, como pais ou professores; • Instruções só devem ser fornecidas quando o aprendiz estiver prestando atenção adequadamente; • O aprendiz deveria ser capaz de repetir os passos da instrução fornecida; • SEMPRE fornecer um modelo que represente cada passo da instrução. Figura 1. Esquema representados os passos do BST. • Modelação • O aprendiz já deve ter um bom repertório imitativo • Pode ser realizada através de modelação ao vivo ou através de outros recursos, como a videomodelação; • O comportamento do modelo deve ser seguido por consequências desejáveis, para que aumente a chance do aprendiz “querer” repetir aquele modelo; • O modelo deve ser adequado ao aprendiz. Por exemplo, se você está ensinando uma criança de 7 anos de idade, aja como uma; Regra: descrição das respostas esperadas Modelação: terapeuta encena, demonstrando como fazer Ensaio: aprendiz demonstra a execução das respostas em roleplaying Feedback: instrutor reforça e corrige CBI of Miami 25 • Deve-se garantir também a atenção do aprendiz antes de se fornecer o modelo; • O modelo deveria ser realizado em um contexto adequado. Por exemplo, se você está ensinando como cumprimentar uma pessoa ao chegar em um lugar, crie uma situação exatamente como esta; • O modelo pode ser repetido quantas vezes forem necessárias. • Ensaio; • Deve ocorrer logo depois de terem sido dados instrução e modelo; • Deve ocorrer também em contexto adequado; • A resposta deve ser seguida de consequência imediata, reforçamento ou feedback. • Feedback • Em caso de acerto, deve-se ter reforçamento programado; • Em caso de erro, deve-se fornecer feedback corretivo; • Feedback corretivo não deve ser confundido com crítica, mas sim um novo fornecimento de instrução para que o aprendiz tenha maiores chances de acertar em uma nova tentativa; • O aprendiz deve repetir o passo incorreto até que consiga fazê-lo consistentemente de forma adequada. Teaching Interaction Procedure (TIP) Assim como o BST, o TIP é um método que combina um conjunto de estratégias, em especial regra, modelação e modelagem. No entanto, como a Figura 2 pode mostrar, alguns passos adicionais são acrescentados. Como demonstrado na Figura 2, o TIP é comporto por 7 etapas, mas a partir da etapa 4 (análise de tarefas), ele é um método essencialmente idêntico ao BST. Serão apresentadas aqui, portanto, apenas as primeiras três etapas do método, a saber: rótulo e identificação, racional e descrição. • Rótulo e identificação Como uma forma de garantir atenção e que o aprendiz sabe nomear o que está aprendendo, o primeiro passo do TIP é justamente o fornecimento do nome da CBI of Miami 26 habilidade que se está ensinando. Geralmente esta fase acaba quando o aprendiz é capaz de ele mesmo, dar o nome da habilidade. Então, por exemplo, se você está ensinando seu aluno a iniciar novos tópicos de conversa, forneça um rótulo que descreva esta habilidade, como “puxando novos assuntos” ou “iniciando uma conversa” . • Racional Como o próprio nome já diz, a ideia aqui é apresentar a racional da habilidade sendo ensinada. Ou seja, por que ele deveria aprender isto? Afinal de contas, é muito comum que o aprendizado ocorra de forma mais tranquila quando a pessoa sabe por que aquilo em importante em sua vida. Aqui um cuidado, a racional deve fazer sentido para o aprendiz, não apenas para quem ensina. Por exemplo, se uma criança adora falar de heróis, por que ela deveria se esforçar para falar de outros assuntos? Podemos dizer como isso é desagradável para os outros, mas além disso ser confuso para a criança com TEA (pode ter dificuldade na tomada de perspectiva, não entendendo como aquilo pode ser desagradável), talvez seja pouco eficaz. Podemos tentar mostrar para ela como isso faz com que os colegas se aproximem ou se afastem dela e como isso pode gerar mais ou menos oportunidades para ele fazer coisas que gosta. Aí sim estaremos focando na motivação do indivíduo. CBI of Miami 27 Figura 2. Representação esquemática dos passos do TIP. Além disso, regras genéricas como “é porque bons meninos agem assim” provavelmente vão ter pouco efeito motivacional sobre o aprendiz. As racionais deveriam trazer uma descrição clara das consequências naturais que acompanham os comportamentos sendo ensinados. Então, racionais não deveriam conter consequências arbitrárias ou irrealistas. A criança não deveria aprender a mudar de assunto, porque eu vou dar um chocolate para ela, essa não é a racional real de porque a habilidade é importante. Nem também devemos dizer que ao aprender isso essa habilidade, todas crianças vão querer ser seus amigos, pois rapidamente o aprendiz irá aprender que es Rótulo e identificação •O que vai ser endinado? Racional •Qual a importância de se aprender isso? Descrição •Quando usar esta habilidade quais pistas podemos observar? Análise de tarefas •Como a instrução do BST Modelação Prática (ensaio) Feedback CBI of Miami 28 contingência não é verdadeira. • Descrição Aqui o terapeuta começa a apresentar os componentes da habilidade a ser ensinada, mas ao invés de focar nas minúcias do que deve ser feito (o que será o foco da próxima etapa), foca-se aqui em estabelecer quando a habilidade em questão deverá ser executada. No cumprimento eu devo olhar e saudar a pessoa, mas quando eu devo fazer isso? Que pistas eu posso identificar no ambiente que me dizem se é ou não o momento de realizar um cumprimento? Finalmente, é apenas depois desses três passos que o instrutor deve se preocuparem descrever detalhadamente a resposta ou cadeia de respostas a ser emitidas, dar modelo, pedir que o aprendiz pratique e dar feedbacks.
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