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Aula 10 - Responsabilidade do Estado II e Servicos Publicos I


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Direito Administrativo 
Professor Barney Bichara
Aula 10
	- Responsabilidade Civil do Estado II. Serviços públicos II: Prestação do serviço público. Aspectos relevantes da Lei nº 8.987/1995 (Concessões) e Lei nº 11.079/2004 (PPP). (p. 131 a 151 – Maria Sylvia Zanella Di Pietro, 29ª edição, Editora Forense)
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO II
 
Continuando… 
7. PARTICIPAÇÃO DA VÍTIMA
Ao falarmos da participação da vítima no dano, devemos partir de duas premissas:
· Só há responsabilidade civil se houver dano (então houve dano, o que muda é que aqui a vítima concorreu com o dano);
· Estamos diante da regra pela qual a responsabilidade civil do Estado é objetiva e segue a teoria do risco administrativo, admitindo causas excludentes de responsabilidade (art. 37, §6º, CF). 
Respeitando-se estas duas premissas, é relevante a participação do comportamento da vítima. 
OBS: Lembre-se que, excepcionalmente e quando houver expressa previsão legal, a regra da responsabilidade civil objetiva basear-se-á na teoria do risco integral, a qual não admite causas excludentes da responsabilidade e o único requisito é o dano. Nessas hipóteses de risco integral pouco importa o comportamento da vítima.
Estabelecidas as premissas, vejamos as hipóteses de participação da vítima:
(A) Culpa exclusiva da vítima
Há a ocorrência de dano e quem o provocou foi a própria vítima. Nesses casos, não há comportamento do Estado. Consequentemente, não há nexo de causalidade entre o dano e o Estado. Logo, há exclusão da responsabilidade em face do Estado.
Assevere-se que o Estado deve comprovar cabalmente que o dano decorreu de culpa exclusiva da vítima.
Jurisprudência: STJ: A despeito de situações fáticas variadas no tocante ao descumprimento do dever de segurança e vigilância contínua das vias férreas, a responsabilização da concessionária é uma constante, passível de ser elidida tão somente quando cabalmente comprovada a culpa exclusiva da vítima (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC/73 - Tema 517) (STJ, AgRg no AREsp 676.392/RJ, 2015).
(B) Culpa concorrente
Há a ocorrência de dano, mas há culpa concorrente, pois ele é resultado de concausas: comportamento da vítima somado ao comportamento do Estado, que resultam em um dano. Não há exclusão da responsabilidade do Estado, pois há conduta estatal, dano e nexo de causalidade. 
Embora haja dever de indenizar por parte do Estado nestes casos diante da existência dos requisitos, o valor da indenização será reduzido, a depender do grau de culpa da vítima, por razões de equidade e justiça.
Exemplo: desacato à autoridade seguido de agressão. Mantém-se a responsabilidade por parte do Estado, mas por razões de justiça e equidade o valor da indenização por danos morais é reduzido.
Vejamos o STJ assevera:
STJ: No caso de atropelamento de pedestre em via férrea, configura-se a concorrência de causas, impondo a redução da indenização por dano moral pela metade, quando: (i) a concessionária do transporte ferroviário descumpre o dever de cercar e fiscalizar os limites da linha férrea, mormente em locais urbanos e populosos, adotando conduta negligente no tocante às necessárias práticas de cuidado e vigilância tendentes a evitar a ocorrência de sinistros; e (ii) a vítima adota conduta imprudente, atravessando a via férrea em local inapropriado (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC/73 - Tema 518) (AgRg no AREsp 724.028/RJ, 2016).
8. RESPONSABILIDADE PRIMÁRIA E SUBSIDIÁRIA
Não há norma expressa sobre a existência ou não de responsabilidade subsidiária. Porém, conclui-se por esta divisão mediante um desdobramento lógico de como o ordenamento jurídico foi construído.
(A) Responsabilidade primária
Responsabilidade primária é a responsabilidade da pessoa jurídica de cuja estrutura o agente causador do dano faça parte.
Assim, se o agente causador do dano é agente da União, a União responde; se ele é agente de uma autarquia, responde a autarquia; se ele é agente de uma pessoa jurídica de direito privado concessionária de serviço público, responde a pessoa jurídica de direito privado concessionária de serviço público.
Esta responsabilidade da pessoa jurídica de cuja estrutura o agente causador do dano faça parte decorre da teoria do órgão: órgão não é sujeito de direitos e obrigações, quem é responsável é a pessoa jurídica de cuja estrutura o órgão faça parte. Como as atribuições do órgão são exercidas por agentes públicos, o ato é imputado ao órgão, sendo que esse último integra a pessoa jurídica.
(B) Responsabilidade subsidiária
Responsabilidade subsidiária é a responsabilidade do dever de reparar da pessoa política (U, E, DF e M) que criou ou contratou a pessoa jurídica de cuja estrutura o agente causador do dano faça parte, na hipótese de seu desaparecimento.
Exemplo1: se a União cria uma autarquia, quem responde por danos provocados por agentes públicos da autarquia é a própria autarquia. Porém, se essa autarquia vier a ser extinta, responderá pelos danos quem a lei estabelecer: a lei pode estabelecer que a responsabilidade vai ser da União ou que a responsabilidade vai ser de outra pessoa jurídica da Administração Indireta que sucederá a autarquia (v.g. a Caixa Econômica Federal – CEF – sucedeu as responsabilidades e direitos da Rede Ferroviária Federal, pois a lei que extinguiu a RFF assim dispôs).
Exemplo2: Caso a União contrate uma pessoa jurídica de direito privado para prestar serviços públicos, se essa pessoa jurídica falir, quem responderá é a massa falida. Se a massa falida não suportar os pagamentos devidos, subsidiariamente nasce para a União que contratou a responsabilidade de reparar o dano (v.g. se a OI falir e a massa falida não der conta de arcar com os débitos, subsidiariamente, a União será responsável).
9. A REPARAÇÃO DO DANO
9.1. Reparação do Dano e Pessoa Jurídica de Direito Público ou de Direito Privado
A rigor, da existência de responsabilidade civil decorre o dever de reparar o dano. Se caracterizada a responsabilidade civil, falta reparar o dano. Essa reparação civil do dano exaure-se com o pagamento da indenização.
Pessoas jurídicas de direito público e pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos são entidades distintas. Todavia, há um ponto em comum entre elas: ambas possuem responsabilidade civil objetiva (em regra, baseada na teoria do risco administrativo) e dever de reparar danos decorrentes de atos legais ou ilegais (art. 37, §6º, CF).
Mesmo havendo este denominador comum no que se refere à existência de responsabilidade civil, a pessoa jurídica de direito público segue regime de direito público e a pessoa jurídica de direito privado prestadoras de serviços públicos seguem regime jurídico predominantemente de direito privado. Saindo da responsabilidade civil (causa) e adentrando na seara da reparação do dano (efeito), devemos levar isso em conta.
Vejamos algumas diferenças:
· Ao ajuizarmos uma ação em face de pessoa jurídica de direito público causadora do dano, a competência é da Vara de Fazenda Pública da Justiça Federal (se for pessoa jurídica da União). Já para ajuizar uma ação em face de pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços públicos, a competência será da Vara Cível da Justiça Estadual.
· Se for pessoa jurídica de direito público causadora do dano, há prerrogativas especiais e uma execução especial nos moldes do sistema de precatórios (art. 100, CF). Já uma ação em face de pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços públicos, seguirá o rito do CPC.
· No que importa a possibilidade de transação, seja antes ou durante o processo, a pessoa jurídica de direito público causadora do dano somente pode fazer acordo se tiver previsão legal expressa. Por sua vez, a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços públicos orienta-se pelo princípio da autonomia da vontade, podendo fazer acordo quando e como quiserem.
9.2. Formas de Reparação do Dano
→ Pergunta: Como a indenização pode ser paga e o dano reparado?
Vejamos as formas de reparação:
(A) Administrativa (ou amigável,ou consensual)
A reparação se dá em razão de um acordo. O causador do dano reconhece a existência dele, se comprometendo a pagar, e a vítima aceita o valor acordado.
Para a pessoa jurídica de direito púbico fazer acordo é necessária previsão legal autorizando o acordo. Ocorre que a Administração somente faz o que a lei manda e o interesse público é indisponível.
Exemplo1: A Lei do Processo Administrativo do Estado de São Paulo prevê a possibilidade de acordo.
Por sua vez, a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços públicos pode fazer acordo como, quando e com quem quiser.
Exemplo2: Consumidor que faz acordo com a TIM
(B) Judicial
Se não houver (ou não for possível) o acordo, a vítima deverá ajuizar uma ação judicial para ter o dano reparado. 
Essa ação judicial é apelidada de “ação de indenização”, “ação de reparação de danos”, etc.
9.3. Réu na Ação de Reparação de Danos
Se não há acordo e a vítima ajuíza uma ação judicial de reparação de danos, há divergência quanto a quem será o réu. Vejamos as correntes:
1ª Corrente (minoritária – Hely Lopes Meirelles): A ação somente pode ser proposta em face da pessoa jurídica de cuja estrutura o causador do dano faça parte.
Aqui a vítima não tem a possibilidade de escolher contra quem ajuíza a ação, somente tendo legitimidade passiva a pessoa jurídica de cuja estrutura o causador do dano faça parte. Somente após eventual condenação, a pessoa jurídica pode exercer seu direito de regresso contra o causador do dano.
Esta corrente decorre do art. 37, §6º da CF/88, no trecho em que dispõe que “as pessoas jurídicas respondem…”.
Essa posição foi denominada de tese da dupla garantia, tendo sido adotada há alguns anos em um precedente da 1ª Turma do STF (RE 327904, 2006). No mesmo sentido, mas sem mencionar o nome “dupla garantia”, existem outros precedentes: RE 344133, 2008 e RE 720275/SC, 2012.
Lógica da ideia da “dupla garantia” é a de que ajuizar a ação em face da pessoa jurídica assegura uma dupla garantia: 
· Assegura o direito de recebimento da vítima, pois a pessoa jurídica sempre paga (execução via precatória); e 
· O servidor poderá exercer suas atribuições sem preocupação, pois não será vítima de ações judiciais temerárias com o intuito de persegui-lo ou prejudicá-lo. Obviamente, caso comprovada a culpa do agente em algum dano, contra ele poderá ser ajuizada uma ação de regresso após a condenação da pessoa jurídica.
2ª corrente (MAJORITÁRIA – Celso Antônio Bandeira de Melo e José dos Santos Carvalho Filho): a vítima do dano pode ajuizar a ação em face do agente causador do dano ou da pessoa jurídica de cuja estrutura o causador do dano faça parte.
Essa é a posição da doutrina majoritária e a adotada pela 4ª Turma do STJ (REsp n. 1.325.862-PR, 2013 – Inf. 532).
Assinale-se, porém, que nesse entendimento, caso a vítima queira ajuizar a ação somente contra o agente causador do dano, lhe incumbirá comprovar o a culpa lato sensu deste. Ademais, deixará de incidir o regime de precatórios e a vítima correrá o risco de o agente não ter bens para arcar com a condenação.
OBS1. No caso de dano causado por magistrado a ação só poderá ser ajuizada em face da pessoa jurídica (STF, RE n. 228.977).
OBS2. Denunciação da lide: Parcela da doutrina não admite a denunciação da lide do agente causador do dano, em razão de que isso significa trazer para o bojo do processo a discussão sobre dolo ou culpa e a CF/88, em seu art. 37, §6º, afastou tal discussão, pois conforme a Constituição deve ser discutida apenas a conduta, o nexo e o dano. Admitir a denunciação é esvaziar a responsabilidade objetiva em um contexto no qual a Constituição expressamente desejou não discuti-la.
De todo modo, o CPC de 2015, em seu art. 125, afirma expressamente que o direito de regresso será exercido por ação autônoma quando a denunciação à lide deixar de ser promovida ou não for permitida.
CPC, art. 125: É admissível a denunciação da lide, promovida por qualquer das partes: (...)
II - àquele que estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de quem for vencido no processo.
§1º O direito regressivo será exercido por ação autônoma quando a denunciação da lide for indeferida, deixar de ser promovida ou não for permitida.
(...).
9.4. Prescrição
→ Pergunta: Qual é o prazo que a vítima tem para entrar com a ação judicial pleiteando a reparação do dano?
Se há o direito de ação para pedir a reparação do dano, há a prescrição deste direito. Aqui deparamo-nos com duas possibilidades:
(A) Pessoas jurídicas de direito público
Se uma pessoa jurídica de direito público produziu o dano, o prazo prescricional é de 05 anos, contados da data do ato ou fato que se originaram (prescrição quinquenal) (art. 1º, Dec. 20.910/32).
Dec. n. 20.910/1932, art. 1º: As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.
(B) Pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos
Se uma pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços públicos produziu o dano, o prazo prescricional também é de 05 anos (art. 1º-C, Lei 9.494/97).
Lei n. 9.494/1997, art. 1º-C: Prescreverá em cinco anos o direito de obter indenização dos danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.
 
OBS1. Notários e oficiais de registro: Lei n. 8.935/1994 alterada pela Lei n. 13.286/2016: “art. 22, parágrafo único: Prescreve em três anos a pretensão de reparação civil, contado o prazo da data de lavratura do ato registral ou notarial”. 
· Cuidado: No caso dos notários e oficiais de registro a pretensão de reparação civil não é contado da data do dano, mas da data do registro.
OBS2. Para José dos Santos Carvalho Filho o prazo prescricional é de três anos após a vigência do Novo Código Civil. Segundo o autor, não há lógica após a promulgação do Novo Código um prazo prescricional de cinco anos para as pessoas de direito público. Funda sua opinião no fato de que o ordenamento jurídico brasileiro foi construído de forma a reconhecer prerrogativas à Fazenda Pública. Ora, o prazo prescricional de um particular contra outro particular é de três anos (CC/02) e o prazo prescricional contra o Estado é de cinco anos, sendo ilógica uma norma desfavorável às pessoas de direito público. Porém, essa não é a posição do STJ, pois uma norma geral posterior não derroga norma especial anterior. 
O prazo prescricional das ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública é quinquenal (Decreto n. 20.910/1932), tendo como termo a quo a data do ato ou fato do qual originou a lesão ao patrimônio material ou imaterial (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC/73 - Tema 553) (Edcl nos Edcl no AgRg no AREsp 731.826/DF, 2016).
OBS3. As ações indenizatórias decorrentes de violação a direitos fundamentais ocorridas durante o regime militar são imprescritíveis, não se aplicando o prazo quinquenal previsto no art. 1º do Decreto n. 20.910/1932 (AgRg no Resp 1.479.984/RS, 2016).
10. O DIREITO DE REGRESSO
O direito de regresso é o direito da pessoa jurídica que indenizou ser ressarcida pelos valores dispendidos com a indenização que teve de pagar à vítima.
(A) Relações jurídicas
O art. 37, §6º, da CF/88 contempla uma duplicidade de relações jurídicas:
· Pessoa jurídica vs. vítima do dano: Nesta relação jurídica a existência de ato ilícito é irrelevante, posto que à Administração Pública face ao particular há responsabilidade objetiva, seja aplicando-se a regra a teoria do risco administrativo ou excepcionalmente a teoria do risco integral.
OBS. Salvo, conforme visto, quando tratar-se de conduta omissiva da administração, quando majoritariamente aplica-se a teoria da culpa do serviço.
· Pessoa jurídica vs. causador do dano: Nesta relação jurídica a prática do ato ilícito ou lícito é determinante,de forma que exercício do direito de regresso da Administração Pública em face do agente público causador do dano depende da culpa lato sensu deste. 
(B) Fundamento
O fundamento do direito de regresso é a prática de ato ilícito, ou seja, só há direito de regresso se houver ato ilícito. Em outras palavras, só há direito de ressarcimento se o causador do dano agiu com dolo ou culpa (praticou ato ilícito).
Jurisprudência: STJ: Nas ações de responsabilidade civil do Estado, é desnecessária a denunciação da lide ao suposto agente público causador do ato lesivo.
OBS. A inserção das palavras “nessa qualidade” expostas no art. 37, §6º, da CF/88, não significa “no exercício da função pública”, mas “em razão desta condição”, conforme a jurisprudência.
Assim, o agente público age em nome da Administração e, em caso de culpa lato sensu, pode ser obrigado ao ressarcimento à Administração Pública caso pratique um ato em razão da sua condição de agente público, mesmo que esteja de folga (v.g. policial militar de folga que lesa terceiro com uma arma da corporação).
CF, art. 37, § 6º: As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. 
(C) Formas de exercício do direito de regresso
Há duas formas de ser exercido o direito de regresso pela pessoa jurídica que indenizou em face do agente público causador do dano:
1ª forma: amigável (acordo): para o exercício do direito de regresso de forma amigável não há necessidade de expressa previsão legal.
OBS. O “desconto em folha” será admitido mediante o preenchimento dos seguintes requisitos: (i) anuência expressa do servidor ou houver previsão em lei, com fixação de percentual máximo de desconto; (ii) houver observância do direito ao contraditório e ampla defesa (STJ, REsp n. 1.116.855).
2ª forma: judicial: O ajuizamento de ação judicial.
(D) Prescrição
É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil (STF, RE 669.069/MG, 2016, repercussão geral – Inf. 813). 
O STJ possui entendimento no sentido de que a prescrição contra a Fazenda Pública é quinquenal, mesmo em ações indenizatórias.
(...) 4. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a prescrição contra a Fazenda Pública é quinquenal, mesmo em ações indenizatórias, uma vez que é regida pelo Decreto 20.910/32, norma especial que prevalece sobre lei geral. (...) 5. O STJ tem entendimento jurisprudencial no sentido de que o prazo prescricional da Fazenda Pública deve ser o mesmo prazo previsto no Decreto 20.910/32, em razão do princípio da isonomia. (...) (STJ. 2ª Turma. AgRg no AREsp 768.400/DF, Rel. Min. Humberto Martins, j. 03/11/15).
OBS1. O STF não se pronunciou sobre o prazo.
OBS2. Tratando-se de ação de improbidade administrativa, a pretensão de ressarcimento por prejuízo causado ao erário é imprescritível.
(...) É pacífico o entendimento desta Corte Superior no sentido de que a pretensão de ressarcimento por prejuízo causado ao erário, manifestada na via da ação civil pública por improbidade administrativa, é imprescritível. Daí porque o art. 23 da Lei nº 8.429/92 tem âmbito de aplicação restrito às demais sanções prevista no corpo do art. 12 do mesmo diploma normativo. (...). (STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp 1442925/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 16/09/2014)
SERVIÇOS PÚBLICOS I
1. SENTIDO DA EXPRESSÃO SERVIÇOS PÚBLICOS
A expressão “serviços públicos” pode ser utilizada em diversos sentidos, significando diferentes coisas:
(A) Em sentido amplo
Serviço público em sentido amplo é toda atividade exercida pelo Estado através de seus Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), para a realização direta ou indireta de suas finalidades. Em outras palavras, serviço público em sentido amplo é toda atividade estatal voltada para a realização/concretização do bem comum.
(B) Em sentido restrito
Restritos são os conceitos que confinam/restringem o serviço público entre as atividades exercidas pela Administração Pública, com exclusão da atividade legislativa e jurisdicional e, além disso, consideram o serviço público como uma das atividades administrativas, perfeitamente distintas das outras atividades administrativas.
Aqui consideramos que o Estado é uma pessoa jurídica de direito público dotada de autonomia política exercendo funções essenciais à coletividade e a ele próprio: o Estado legisla, julga e administra. Quando o Estado administra, ele aplica a lei ao caso concreto para a realização do bem comum. A função administrativa se desdobra em quatro atividades: (i) exercício do poder de polícia; (ii) fomento; (iii) serviços públicos; (iv) intervenção indireta no domínio econômico. Serviço público em sentido estrito considera o serviço público como uma atividade administrativa, perfeitamente distinta das outras três. Esse serviço público realizado dentro da função administrativa é o chamado serviço público em sentido estrito.
OBS. É o sentido que mais interessa no estudo deste capítulo.
(C) Em sentido mais restrito
Em um sentido mais restrito ainda, serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível diretamente e individualmente pelos administrados, prestado pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, sob regime de direito público, em favor de interesses que houver definido como próprios do sistema normativo (Celso Antônio Bandeira de Mello).
OBS1. Os serviços públicos gerais (uti universi – v.g. iluminação pública) não são serviços públicos, conforme o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello.
OBS2 e Atenção. Esse sentido é perigoso, pois os autores que o adotam abordam todo o capítulo dos serviços públicos a partir deste conceito. Então, cuidado.
2. CONCEITO DE SERVIÇO PÚBLICO
2.1. Conceito de Serviço Público
Conforme Maria Sylvia Di Pietro, serviço público é toda atividade material que a lei atribua ao Estado para que exerça, diretamente ou indiretamente, por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime total ou parcialmente público.
De uma forma mais didática, podemos definir serviço público como: a atividade administrativa, assim qualificada pelo ordenamento jurídico, prestada pelo próprio Estado ou por quem lhe faça as vezes, que consiste em satisfazer necessidades públicas ou simplesmente oferecer uma vantagem ou comodidade à coletividade, segundo o regime jurídico de direito público ou predominantemente de direito público.
· “Atividade administrativa”: serviço público é função administrativa, distinta de legislação e jurisdição; 
· “… assim qualificada pelo ordenamento jurídico”: quem diz se tal ou qual atividade é serviço público ou não é o ordenamento jurídico, 
· “… prestada pelo próprio Estado ou por quem lhe faça as vezes”: uma vez qualificada determinada atividade como serviço público, é dever inafastável do Estado prestar o serviço. Porém esse serviço pode tanto ser prestado por ele próprio (de forma centralizada), como também pode ser prestado por outras pessoas distintas do Estado (prestação de forma descentralizada). 
· “… que consiste em satisfazer necessidades públicas ou simplesmente oferecer uma vantagem ou comodidade à coletividade”: enquanto o poder de polícia restringe o exercício de direito, o serviço público dá/oferece/disponibiliza/satisfaz necessidades ou comodidades à coletividade;
· “… segundo o regime jurídico de direito público ou predominantemente de direito público”: o regime jurídico pode ser de direito público ou apenas predominantemente público, pois o serviço público pode ser descentralizado para entidades da administração indireta de direito privado ou mesmo para particulares que também atuam sob o regime de direito privado.
2.2. Elementos do Conceito de Serviço Público
Uma atividade só é serviço público se reunir os seguintes elementos:
1º Elemento → Elemento subjetivo: é a presençado Estado
O serviço público é sempre uma incumbência do Estado, a quem compete qualificar normativamente qual atividade será serviço público, bem como definir a respeito de sua gestão. Caso o Estado não esteja presente, a atividade não é serviço público.
O Estado aparece sob dois aspectos: (i) é ele diz normativamente qual atividade é serviço público; (ii) é ele define a gestão do serviço público.
· Quanto à normatização, o conceito de serviço público varia no tempo e no espaço, pois a norma varia no tempo e espaço. O que a lei dizia que era serviço público ontem, pode não mais ser hoje; o que é serviço público na Alemanha, pode não ser no Brasil.
· Já a gestão refere-se à forma de prestação que o Estado dará, ou seja, se o serviço público será gratuito ou remunerado, se será feito por ele próprio ou será descentralizado, etc.
Por fim, como o elemento subjetivo é o Estado, se não houver a presença dele não será serviço público. Assim, serviços de interesse geral mas não exclusivos do Estado (v.g. saúde, educação, assistência e previdência) somente serão considerados serviço público se for prestado pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes. Se as atividades forem executadas por particulares sem o elemento Estado, não serão serviços públicos.
Exemplo: Uma aula de direito administrativo em uma universidade federal é prestação de serviço público. Uma aula de direito administrativo em uma universidade particular não é serviço público.
2º Elemento → Elemento material: é a atividade social de interesse público que satisfaz necessidades públicas ou oferece comodidades
O serviço público corresponde a uma atividade de interesse público, consistente em satisfazer necessidades públicas ou, pelo menos, oferecer/disponibilizar alguma comodidade de interesse da coletividade. 
É de se destacar que não é suficiente o objetivo de interesse público para caracterizar o serviço Público, pois é necessário que a lei atribua esse objetivo ao Estado.
OBS. Critério para distinguir o serviço público do poder de polícia
Ao exercer o poder de polícia o Estado também realiza atividade administrativa, também voltada para realizar o interesse público. Os elementos subjetivo (presença do Estado) e formal (regime jurídico de direito público) são praticamente os mesmos no poder de polícia e nos serviços públicos. 
A distinção entre ambos é justamente o elemento material do conceito:
	PODER DE POLÍCIA
(Atividade jurídica)
	SERVIÇO PÚBLICO
(Atividade social)
	Atende-se a preservação do direito objetivo, à ordem pública, à paz e a segurança coletiva
Realiza-se impondo restrições ao exercício de direitos
	Atende-se a interesses coletivos, visando ao bem-estar e ao progresso social, mediante o fornecimento de serviços aos particulares
Realiza-se mediante o oferecimento de prestações
3º Elemento → Elemento formal: Regime jurídico de direito público ou, caso de direito privado, ao menos predominantemente de direito público
O elemento formal do conceito de serviço público é que esta atividade é prestada segundo o regime jurídico de direito público, ou, pelo menos, predominantemente de direito público. 
O regime jurídico a que se submete o serviço público é o definido por lei. Assim, o regime jurídico pode ser de direito público ou de direito privado (v.g. serviços comerciais e industriais), mas nesse último caso derrogado por normas de direito público.
2.3. Conceitos Relacionados
Há conceitos relacionados aos serviços públicos, mas que não se confundem com ele. Vejamos:
(A) Serviços governamentais
Serviços governamentais trata-se de expressão doutrinária de Celso Antonio Bandeira de Melo, que corresponde à exploração direta de atividade econômica feita pelo Estado, em regime de concorrência com os particulares (art. 173, CF) ou sob regime de monopólio (art. 177, CF).
OBS. A importância de diferenciarmos este conceito reside no fato de que as pessoas jurídicas de direito privado (sejam estatais ou não) somente respondem objetivamente se prestarem serviços públicos.
(B) Serviço
Serviço refere-se a toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais.
Assim, serviço é uma utilidade prestada para a Administração. A Administração é a destinatária da utilidade e, por isso, paga pelo serviço que recebeu (veja-se que o destinatário é diferente do serviço público, sendo neste último caso a coletividade e não a própria a Administração).
Lei n. 8.666/93, art. 6º: Para os fins desta Lei, considera-se:
(...)
II - Serviço - toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais;
(...).
OBS. A importância de diferenciarmos este conceito reside no fato de que os meros serviços seguem o regime contratual da lei de licitações e não o regime jurídico dos serviços públicos. Por conseguinte, em regra não há responsabilidade civil objetiva nestes casos (art. 37, §6º da CF/88).
(C) Obra pública
Obra pública é toda construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por execução direta ou indireta. Obra pública não é serviço público.
Lei n. 8.666/93, art. 6º: Para os fins desta Lei, considera-se: I - Obra - toda construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por execução direta ou indireta; (...).
OBS. Novamente, a importância de diferenciarmos este conceito reside no fato de que as obras públicas seguem o regime contratual da lei de licitações e não o regime jurídico dos serviços públicos. Por conseguinte, em regra não há responsabilidade civil objetiva nestes casos.
3. SERVIÇOS PÚBLICOS NA CONSTITUIÇÃO 
(A) Fundamento genérico
O fundamento genérico dos serviços públicos na Constituição Federal é o seu art. 175:
CF, art. 175: Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. 
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II - os direitos dos usuários; 
III - política tarifária;
IV - a obrigação de manter serviço adequado.
OBS1. No art. 37, XXI, da CF/88, diz-se que: “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”. Os casos especificados na legislação pelos quais não se faz necessário o processo de licitação pública são os de dispensa e inexigibilidade. A lei que disciplina este assunto é, basicamente, a Lei n. 8.666/93.
No art. 175, a CF/88 diz que “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”. A regulamentação do § único art. 175 da CF/88 é feita, basicamente, pela Lei n. 8.987/95.
O que interessa neste capítulo é a disposição do art. 175, regulamentado pela Lei 8.987/95. O art. 37, XXI da CF/88, e sua disciplina legal são estudados na aula de licitações.
OBS2. Diante da expressão “sempre através de licitação” e da ausência de ressalvas no art. 175 da CF, extrai-se que, tratando-se de serviços públicos, não cabe dispensa e inexigibilidade (situações cabíveis apenas para obras, serviços compras e alienações– art. 37, XXI, CF/88 e Lei n. 8.666/93).

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