Prévia do material em texto
Direito Constitucional – Teoria dos Direitos Fundamentais Professor Marcelo Novelino Aula 14 – Intensivo I - Teoria dos Direitos Fundamentais: Introdução. Classificações. Características. Eficácia dos direitos fundamentais – Teoria da ineficácia horizontal (doutrina da state action); Teoria da eficácia horizontal indireta (Günter Dürig); Teoria da eficácia horizontal direta (Hans Carl Nipperdey); Teoria integradora (Alexy/Böckenförde). (p. 285 a 287). TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS II Continuando… 5. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DIREITOS FUNDAMENTAIS A dignidade da pessoa humana está prevista na CF/88 como o art. 1º, III, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. DICA MNEMÔNICA: “SO-CI-DI-VA-PLU”. OBS: Os fundamentos da RFB são princípios estruturantes que não se confundem com os objetivos fundamentais (art. 3º, CF/88 – “CO-GA-ERRA-PRO”), ao passo que esses últimos representam metas a serem buscadas pelos Poderes Públicos. A dignidade da pessoa humana é um tema complexo em vista do seu caráter filosófico. No entanto, após a Segunda Guerra Mundial, as Constituições ocidentais começaram a consagrar em seus textos a dignidade, de modo que ela converteu-se de um valor eminentemente filosófico para um valor tipicamente jurídico. 5.1. Natureza: Valor Constitucional Supremo ou Qualidade Intrínseca? → Pergunta: A dignidade da pessoa humana é um direito fundamental embora não esteja entre o Título II, mas dentro dos fundamentos da República Federativa do Brasil? Tanto no direito brasileiro, como no direito comparado, prevalece o entendimento de que a dignidade não é um direito fundamental ou mesmo sequer um direito, pois ela não é algo concedido pelo ordenamento jurídico. Não é porque a CF prevê a dignidade no art. 3º, III, que temos ela. Há dois posicionamentos predominantes em relação à natureza jurídica da dignidade da pessoa humana: 1ª Corrente: A dignidade da pessoa humana seria o valor constitucional supremo. A dignidade seria o núcleo axiológico da Constituição. Trata-se do entendimento de que o Estado existe para o ser humano e não o ser humano para o Estado. 2ª Corrente: A dignidade da pessoa humana seria uma qualidade intrínseca de todo ser humano. Todo indivíduo, pelo simples fato de ser humano, é o bastante para ter dignidade. OBS: A expressão “dignidade da pessoa humana” foi cunhada para diferenciá-la da “dignidade da pessoa divina”. Sendo a dignidade uma qualidade intrínseca e inexistindo uma categorização entre seres humanos, a dignidade não comporta quaisquer relativizações. Assim, não existem pessoas com mais ou pessoas com menos dignidade. Não existem pessoas de primeiro e segundo grau. Esta noção começou a ser consagrada nos textos constitucionais após o fim da Segunda Guerra Mundial em razão do contexto nazista, no qual se estabelecia uma hierarquia entre seres humanos (pessoas de primeiro e segundo grau) para justificar as experiências em pessoas e atrocidades cometidas. 5.2. Algo Absoluto A dignidade é considerada algo absoluto. OBS: Dizer que a dignidade é algo absoluto não significa compreendê-la como um direito absoluto. → Pergunta: Mas o que é algo absoluto? Conforme Béatrice Maurer, “a pessoa não tem mais ou menos dignidade em relação a outra pessoa. Não se trata, destarte, de uma questão de valor, de hierarquia, de uma dignidade maior ou menor. É por isso que a dignidade do homem é um absoluto”. Ou seja, não é que a dignidade é um direito absoluto, ela é absoluta por não comportar categorizações entre as pessoas. 5.3. Sistema de Direitos Fundamentais → Pergunta: Se a dignidade não é um direito, porque estudá-la no âmbito dos direitos fundamentais? Qual a relação da dignidade com os tais direitos? Trata-se de um vínculo muito forte, pois os direitos fundamentais surgem para proteger e promover a dignidade da pessoa humana. A dignidade da pessoa humana é como se fosse um núcleo sobre o qual os direitos fundamentais gravitam. Exemplo: a igualdade e a liberdade, por exemplo, estão diretamente ligadas à dignidade (primeiro grau). Os direitos sociais, por sua vez, são decorrentes da igualdade (derivações de segundo grau). Assim, a dignidade da pessoa humana é o núcleo em torno do qual os direitos fundamentais gravitam. Desta forma, é possível falar em um sistema de direitos fundamentais, porque os direitos fundamentais possuem um núcleo em comum. Obs1. A dignidade é “o alfa e o ômega”. Alfa e ômega são, respectivamente, a primeira e a última letra do alfabeto grego clássico. A ideia da expressão é a de que a dignidade é a origem e o fim dos direitos fundamentais, porque foram criados para proteger e promover a dignidade e devem ser interpretados, quando aplicados a um caso concreto, com tal finalidade. Obs2. A expressão “protoprincípio” tem o sentido de que a dignidade é um princípio do qual se originam outros princípios. 5.4. A Consagração da Dignidade da Pessoa Humana Impõe Deveres → Pergunta: Quais são as consequências jurídicas decorrentes da consagração da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República? Nós podemos extrair três deveres decorrentes da consagração da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República: OBS: Esses deveres não são impostos somente aos Poderes Públicos, como também aos particulares. (A) Dever de respeito Tanto os poderes públicos quanto os particulares devem respeitar a dignidade das demais pessoas, não adotando condutas que violem a dignidade de terceiros. O dever de respeito, portanto, possui caráter negativo, no sentido de exigir uma abstenção. Exemplo: não torturar está incluído no dever de respeito à dignidade. O dever de respeito pode ser concretizado com base no entendimento adotado pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, o qual realiza uma conjugação entre a “fórmula do objeto” (criada por Kant) e a “expressão de desprezo”. OBS: A filosofia kantiana forneceu as principais bases teóricas para o conceito contemporâneo de dignidade no Mundo ocidental. A “fórmula do objeto” pode ser assim sintetizada: o ser humano deve sempre ser tratado como um fim em si mesmo e nunca como um meio para se atingir determinados fins. Se o ser humano for tratado como objeto (daí o termo “fórmula do objeto”) a dignidade será violada. Obs1. A filosofia construída por Kant forneceu as principais bases teóricas para o conceito de dignidade que temos no mundo ocidental. Sendo um dos principais responsáveis pela universalização deste conceito. Obs2. Vejamos as definições dadas por Kant (livro “Fundamentação da metafísica dos costumes”) que auxiliam na compreensão das bases teóricas da dignidade: · O traço distintivo do ser humano é existir como um “fim em si mesmo” (“fórmula do objeto”) e não um meio para consecução dos fins. · “No reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade” (imperativo categórico). Segundo Kant, aquilo que possui preço pode ser trocado por algo equivalente, mas aquilo que tem dignidade é insubstituível. Nesse passo, a única coisa que dispõe de dignidade, no reino dos fins, é o ser humano. · “Age de tal forma que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre também como um fim e nunca unicamente com ou meio” (imperativo categórico). A dignidade não é só em relação a terceiros, mas também sobre como a pessoa trata a si mesma. Exemplo: A atividade do “arremesso de anão” era uma febre nos anos 80, sendo o anão utilizado como espécie de bala de canhão. Um comissário, utilizando do poder de polícia, determinou que as casas nas quais estetipo de espetáculo estava acontecendo fossem fechadas, justificando que aquela atividade era violadora da dignidade da pessoa humana, pois os anões estavam sendo tratados como um meio e a atividade era fruto do desprezo por ela. A justiça francesa concordou que a atividade era violadora da dignidade da pessoa humana, embora não estivesse consagrada na constituição francesa. Não somente as casas, como também um anão recorreu dessa decisão, alegando que o que viola sua atividade não é o fato de participar do espetáculo, onde é inserido no meio social e recebe pela atividade, mas sim estar em casa, desempregado e dependendo de uma pensão do governo. A questão, aqui, centrou-se na indagação quanto ao Estado ou a pessoa vitimada ter legitimidade para decidir o que viola a dignidade ou não. Ocorre que, mesmo entendendo a própria pessoa que não está sendo violada sua dignidade com a atividade, isso estigmatiza todo o grupo de pessoas que estão na mesma condição. À “fórmula do objeto” o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha acrescentou um segundo aspecto: a “expressão de desprezo”. O Tribunal matizou a “fórmula do objeto” entendendo que nem sempre o tratamento do ser humano como meio significa, necessariamente, uma violação à dignidade. Assim, para que ela seja violada, não basta que o ser humano seja tratado como um meio, sendo necessário também que tal tratamento seja fruto de uma expressão de desprezo pelo ser humano. Exemplo: pessoas que não tinham o vírus do HIV que se ofereceram para participar de um teste da vacina contra esta doença foram utilizadas como meio, mas isso não viola a dignidade dessas pessoas. Se elas voluntariamente se ofereceram como cobaias para um fim altruísta não há violação. (B) Dever de proteção O dever de proteção é um dever mais direcionado ao Estado. Os Poderes Públicos devem adotar medidas protetivas da dignidade da pessoa humana, como no caso dos direitos individuais (v.g. proteger o direito a liberdade, o direito a igualdade, etc.). Além dos direitos individuais, tanto o Poder Legislativo quanto o Poder Executivo, devem adotar políticas públicas para proteger a dignidade (v.g. criando leis que criminalizem determinadas condutas ofensivas à dignidade). Por fim, o Poder Judiciário possui um importante papel através da interpretação não só dos direitos fundamentais, como também dos direitos em geral. Assim, deve haver o emprego da dignidade como um vetor interpretativo (v.g. cf. a CF/88, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade são garantidos aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, porém o STF estende esta proteção a estrangeiros não residentes fundamentando-se, principalmente, na dignidade da pessoa humana. Se ela é uma qualidade intrínseca que todo ser humano possui, não se pode deixar de oferecê-los e assegurá-los a uma pessoa apenas porque ela não é brasileira ou não resida no Brasil). (C) Dever de promoção Os Poderes Públicos devem adotar não só medidas protetivas, mas também medidas voltadas à promoção de condições dignas de existência, as quais são promovidas, sobretudo, através da consagração de direitos sociais, de políticas públicas (do Poder legislativo e do Poder Executivo) e do mínimo existencial. 6. DIMENSÃO SUBJETIVA E DIMENSÃO OBJETIVA 6.1. Dimensão Subjetiva A dimensão subjetiva é a dimensão segundo a qual os direitos fundamentais são pensados sob a perspectiva dos indivíduos titulares destes direitos. É a dimensão mais evidente. Exemplo: a pessoa, como indivíduo, tem direito a liberdade de manifestação e pensamento, direito a um processo com o devido processo legal, etc. 6.2. Dimensão Objetiva Pela perspectiva objetiva, os direitos fundamentais são juridicamente válidos do ponto de vista da comunidade, ou seja, como valores ou fins a serem realizados, em grande medida, através da ação estatal. Nesta dimensão objetiva os direitos fundamentais formam uma “ordem de valores”, ou seja, como fins para serem buscados. Exemplo: a liberdade é um valor a ser buscado por ser importante para a sociedade, independentemente da consideração de seus titulares individualmente. A dimensão objetiva possui três aplicações: · Atuação dos direitos fundamentais como normas de competência negativa: significa que aquilo que está sendo outorgado ao indivíduo em termos de liberdade para ação e em termos de livre arbítrio em sua esfera, está sendo objetivamente retirado do Estado. Exemplo: é como se fossem dois lados de uma moeda: se a CF me assegura como indivíduo a liberdade de manifestação e pensamento, vedando apenas o anonimato, por outro lado ela está impondo ao estado o dever de não haver ingerências nessa liberdade. · Atuação dos direitos fundamentais como pautas interpretativas e critérios para a configuração do direito infraconstitucional: nesse sentido, os direitos fundamentais impõem que a legislação infraconstitucional seja interpretada e criada à luz dos direitos fundamentais. Em um primeiro aspecto (pautas interpretativas), exige-se que os direitos fundamentais sejam vetores para a interpretação, seja da CF ou das normas infraconstitucionais (“interpretação conforme a constituição”). Em um segundo aspecto (critérios para a configuração do direito infraconstitucional), os direitos fundamentais devem ser observados quando da criação de normas infraconstitucionais. ADI 4.277/DF: [...] O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos”. (…) Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme a Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva. · Os direitos fundamentais impõem o dever de proteção e promoção de posições jurídicas fundamentais contra possíveis violações por terceiros, tornando-se verdadeiros mandamentos normativos direcionados ao Estado. Em outras palavras, independentemente de haver um titular ou não daquele direito no caso concreto, o Estado tem o dever de proteger o direito fundamental em questão. ADI 3.510/DF (voto Min. Lewandowski): [...] penso que a discussão travada nestes autos não deve limitar-se a saber se os embriões merecem ou não ser tratados de forma condigna, ou se possuem ou não direitos subjetivos na fase pré-implantacional, ou, ainda, se são ou não dotados de vida antes de sua introdução em um útero humano (…). Creio que o debate deve centrar-se no direito à vida entrevisto como um bem coletivo [dimensão objetiva], pertencente à sociedade [dimensão objetiva] ou mesmo à humanidade [dimensão objetiva] como um todo, sobretudo tendo em conta os riscos potenciais que decorrem da manipulação do código genético humano. 7. CONTEÚDO ESSENCIAL 7.1. Objetivo → Pergunta: Qual a razão de buscar definir o conteúdo essencial dos direitos fundamentais? O objetivo de definir o conteúdo essencial dos direitos fundamentais é evitar que os Poderes Públicos (sobretudo o Poder Legislativo) desnaturalizem/desconfigurem os direitos fundamentais ao regulamentá-los ou ao restringi-los. Assinale-se que o conteúdo essencial não é aplicado somente ao legislador, mas também ao juiz. Na hora de interpretar um direito fundamental, o juiz também não pode violar o conteúdo essencial deste direito. 7.2. Formas de determinação Há duas teorias através das quais o conteúdo essencial dos direitos fundamentais é determinado: (i) teoria absoluta; (ii) teoria relativa. 7.2.1. Teoria absoluta * Menos utilizada. A teoria absolutafaz uma distinção entre o conteúdo essencial deste direito e a sua periferia. · Conteúdo essencial (ou “núcleo duro”): Conteúdo essencial é o “núcleo duro” do direito fundamental. Segundo a teoria absoluta, o núcleo duro é definido de modo absoluto. Isto é, através da interpretação do direito fundamental, é possível delimitar, precisamente, seus contornos. Ao delimitá-lo precisamente, o conteúdo essencial torna-se inviolável, não podendo ser atingido pelo legislador. · Periferia (parcela periférica): Além do núcleo duro definido através da interpretação, há uma parte periférica do direito, na qual a intervenção legislativa é possível e legítima, ainda que não de forma totalmente discricionária. Assim, o direito fundamental tem o seu núcleo duro e a sua parte periférica. Ao regulamentar este direito fundamental ou criar restrições a ele, o legislador pode entrar na periferia do direito e regulamentá-la. Porém, o legislador não pode adentrar e regulamentar o núcleo duro, sob pena de violar o direito fundamental e ser a lei declarada inconstitucional. → Exemplo de utilização da teoria absoluta: ADPF 130 (voto Min. Ayres Britto): A uma atividade que já era ‘livre’ (incisos IV e IX do art. 5º), a Constituição Federal acrescentou o qualificativo de ‘plena’ (§ 1º do art. 220). Liberdade plena que, repelente de qualquer censura prévia, diz respeito à essência mesma do jornalismo (o chamado ‘núcleo duro’ da atividade). (…) Assim entendidas as coordenadas de tempo e de conteúdo da manifestação do pensamento, da informação e da criação lato sensu, sem o que não se tem o desembaraçado trânsito das ideias e opiniões, tanto quanto da informação e da criação. Interdição à lei quanto às matérias nuclearmente de imprensa, retratadas no tempo de início e de duração do concreto exercício da liberdade, assim como de sua extensão ou tamanho do seu conteúdo. (…) As matérias reflexamente de imprensa, suscetíveis [periferia], portanto, de conformação legislativa, são as indicadas pela própria Constituição, tais como: direitos de resposta e de indenização, proporcionais ao agravo; proteção do sigilo da fonte (“quando necessário ao exercício profissional”); responsabilidade penal por calúnia, injúria e difamação; diversões e espetáculos públicos (…). 7.2.2. Teoria relativa * Mais utilizada A teoria relativa procura justificar as restrições aos direitos fundamentais mediante o recurso ao princípio da proporcionalidade. Pela teoria relativa a verificação de violação ou não do direito fundamental é realizada à luz do princípio da proporcionalidade no bojo do caso concreto, mesmo que seja um caso concreto em tese. Portanto, não existe na teoria relativa uma barreira intransponível. Em face do caso concreto, se a lei passar pelo crivo da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito) ela não violará o conteúdo essencial do direito disciplinado. Do contrário, o conteúdo essencial será violado e ela será considerada uma “lei desproporcional”. → Exemplo de utilização da teoria relativa: RE 603.583/RS (voto Min. Luiz Fux): No que concerne, por seu turno, à eventual violação do núcleo essencial da liberdade profissional, também não se enxerga a sua ocorrência. Como visto acima [princípio da proporcionalidade], qualquer bacharel em Direito pode prestar o Exame de Ordem quantas vezes for necessário até a sua aprovação, sendo certo que não há qualquer limitação numérica de aprovados (…). 8. RESTRIÇÕES OU LIMITES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 8.1. Formas de Fixação dos Limites ou Restrições Existem duas formas de se fixar os limites ou as restrições aos direitos fundamentais: (i) teoria interna; (ii) teoria externa. A teoria interna costuma falar em limites aos direitos fundamentais e a teoria externa costuma falar em restrições aos direitos fundamentais. Porém, a rigor são sinônimos, pois a ideia é a mesma. 8.1.1. Teoria interna A teoria interna sustenta que os direitos fundamentais e os seus limites imanentes consistem em um só objeto. Os limites imanentes de um direito fundamental são fixados, a priori, por um processo interno (daí o nome teoria interna), através da interpretação do próprio direito fundamental (e não dos outros direitos fundamentais envolvidos). Ou seja, assim como a teoria absoluta do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, a teoria interna no tocante as limitações sustenta que é através da interpretação, pura e simplesmente, que se fixa os limites imanentes ao direito fundamental. Não há uma ponderação de direitos. Neste processo, como são fixados os limites precisos através de uma interpretação, é extraída uma regra. Portanto, todo direito fundamental constitui uma regra. Consequentemente, é aplicada a lógica do tudo ou nada: inexiste colisão ou ponderação entre direitos fundamentais. → Exemplo de aplicação da teoria interna: ADI 3.510/DF (voto Min. Ayres Britto): O Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da vida humana ou o preciso instante em que ela começa. Não faz de todo e qualquer estádio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva (teoria “natalista”, em contraposição às teorias “concepcionista” ou da “personalidade condicional”). E quando se reporta a “direitos da pessoa humana” e até dos “direitos e garantias individuais” como cláusula pétrea está falando de direitos e garantias do indivíduo-pessoa, que se faz destinatário dos direitos fundamentais “à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, entre outros direitos e garantias igualmente distinguidos com o timbre da fundamentalidade (como direito à saúde e ao planejamento familiar) (…) O Direito infraconstitucional protege por modo variado cada etapa do desenvolvimento biológico do ser humano. Os momentos da vida humana anteriores ao nascimento devem ser objeto de proteção pelo direito comum. O embrião pré-implanto é um bem a ser protegido, mas não uma pessoa no sentido biográfico a que se refere a Constituição. Obs1. Toda esta “ginástica” é feita para dizer que não há uma colisão entre a inviolabilidade do direito à vida do embrião e o direito à vida das pessoas que podem ser salvas através das pesquisas com células-tronco embrionárias. Para isso, ele diz que não há colisão porque a CF não consagra a vida do embrião como um bem jurídico tutelado, sendo isso protegido pelo direito comum. Por isso, a lei não é inconstitucional por não violar nenhum dispositivo da CF, que apenas protege a vida da pessoa e não do indivíduo que não nasceu. Obs2. Veja-se que, se utilizarmos esta teoria a própria criminalização do aborto é inconstitucional, pois ao impedir a mulher de abortar estamos subjugando diversos direitos de índole constitucional (v.g. direitos à privacidade e ao próprio corpo) para proteger um direito (direito do embrião) que não está na CF/88. 8.1.2. Teoria externa Obs. A teoria dos princípios de Robert Alexy somente é compatível com a teoria relativa (quanto a determinação) e a teoria externa (quanto às restrições). A teoria externa parte da premissa de que há dois objetos distintos: o direito fundamental em si e suas restrições. São coisas distintas porque as restrições não são determinadas através de um processo interno de interpretação do direito, mas sim identificáveis a partir de uma perspectiva externa, consistente na análise dos outros direitos fundamentais consagrados pela Constituição. Portanto, para se chegar à delimitação precisa do direito fundamental há duas etapas a serem observadas: 1ª etapa: Identificação do conteúdo inicialmente protegido da forma mais ampla possível. Aqui há um direito “prima facie” (provisório). Exemplo: liberdade de manifestação do pensamento: qualquer manifestação, mesmo que ofenda a honra de alguém, em princípio está protegida pelo direito à liberdade de manifestação do pensamento. 2ª etapa: São definidos os limites externos do direito, através da ponderação prima facie entre o direito analisado e entre os demais direitos consagrados pela Constituição. Comoresultado desta ponderação temos o direito definitivo que deve ser observado. → Exemplo de aplicação da teoria externa: ADI 3.510/DF (voto Min. Celso de Mello): Como se sabe, a superação dos antagonismos existentes entre princípios constitucionais – como aqueles concernentes à inviolabilidade do direito à vida, à plenitude da liberdade de pesquisa científica (cujo desenvolvimento propicie a cura e a recuperação de pessoas afetadas por patologias graves e irreversíveis) e ao respeito à dignidade da pessoa humana – há de resultar da utilização, pelo Poder Judiciário, de critérios que lhe permitam ponderar e avaliar, “hic et nunc” (desde logo), em função de determinado contexto e sob uma perspectiva axiológica concreta, qual deva ser o direito a preponderar no caso. [...] A questão pertinente ao direito à vida admite a possibilidade de, ele próprio, constituir objeto de ponderação por parte do Estado, considerada a relevantíssima circunstância (ocorrente na espécie) de que se põem em relação de conflito, com esse mesmo direito, interesses existenciais titularizados por milhões de pessoas afetadas por patologias graves e irreversíveis, cuja superação pode ser conseguida com a liberação – que se impõe como uma exigência de ordem ética e de caráter jurídico – das pesquisas científicas com células-tronco embrionárias. Obs. Aqui o Ministro disse, em suma, que na colisão entre a inviolabilidade do direito à vida do embrião e o direito à saúde de milhões de pessoas que podem ser salvas pelas pesquisas com células-tronco, deve prevalecer o direito destas pessoas, especialmente porque tais embriões seriam descartados. 9. LIMITES DOS LIMITES A expressão “limites dos limites” foi cunhada por Karl August Betterman, em 1964, para fazer referência ao paradoxo das restrições aos direitos fundamentais: os direitos fundamentais foram consagrados nas constituições para proteger os indivíduos do arbítrio do estado (direitos fundamentais de primeira dimensão). Porém, esses mesmos direitos fundamentais que atuam como limites à atuação do Estado podem ser limitados pelo próprio Estado. Essas limitações do próprio Estado precisam observar determinados limites (por isso “limites dos limites”). Em outras palavras, quando se fala em “limites dos limites” está se falando nos requisitos que uma lei restritiva aos direitos fundamentais deve observar. São eles: · Princípio da legalidade (CF, art. 5º, II): qualquer restrição a um direito fundamental somente será válida se veiculada por lei. Portanto, um ato infralegal (v.g. decreto) não pode restringir um direito fundamental; Obs. Marcelo Novelino entende que não é adequado falar em princípio da reserva legal (que exige lei em sentido estrito) neste caso, pois uma restrição a um direito fundamental, no Brasil, não precisa necessariamente ser feita por uma lei ordinária ou complementar. O art. 62 da CF admite, por exemplo, que medida provisória (que é uma lei em sentido amplo) pode tratar de direitos individuais. · Princípio da não retroatividade (CF, art. 5º, XXXVI): uma restrição a direito fundamental não pode prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Assim, uma restrição a direito fundamental não pode ocorrer de forma retroativa; · Princípios da generalidade e abstração (+ princípio da isonomia): somente uma norma geral e abstrata pode restringir um direito fundamental. A norma deve ser geral e abstrata em razão do princípio da isonomia, para que todos sejam tratados da mesma maneira; · Princípio da salvaguarda do conteúdo essencial: a lei restritiva não pode violar o conteúdo essencial de um direito fundamental. Se adotarmos a teoria relativa (quanto a forma de determinação), significa que uma lei deve passar pelo crivo do princípio da proporcionalidade. Se adotarmos a teoria absoluta (quanto a forma de determinação), a salvaguarda do conteúdo essencial será analisada através da interpretação. De toda forma, adotando-se a teoria absoluta ou relativa, uma lei restritiva a um direito fundamental não pode violar o conteúdo essencial deste direito. 10. POSTULADO DA PROPORCIONALIDADE 10.1. Nomenclatura Na doutrina, são utilizadas diferentes denominações: “princípio da proporcionalidade”, “postulado da proporcionalidade”, “máxima da proporcionalidade”. Tradicionalmente, a proporcionalidade é referida como um princípio. No entanto, considerando a distinção realizada por Robert Alexy entre princípio e regra, a proporcionalidade não é um princípio, pois ela não é ponderada frente a algo diverso. O princípio da proporcionalidade trrata-se, portanto, de uma condição de possibilidade do raciocínio com princípios: ao analisar a aplicação de princípios é empregada, como critério formal, a proporcionalidade. A proporcionalidade não tem um conteúdo próprio (como tem, p.ex., os direitos à vida e à liberdade), despontando como uma forma de se raciocinar com princípios. Obs1. Humberto Ávila diferencia regra, princípio e postulado. Postulado seria uma metanorma ou uma norma de segundo grau, isto é, uma norma que trata da estrutura de aplicação e de modos de raciocínio em relação a outras normas. Já Robert Alexy utiliza a expressão “máxima” da proporcionalidade (no mesmo sentido adotado por Humberto Ávila). Obs2. Os termos “proporcionalidade” e “razoabilidade” costumam ser empregados por parcela da doutrina como sinônimos. Na própria jurisprudência do STF são encontrados julgados onde “proporcionalidade” e “razoabilidade” são tratadas como equivalentes. Parte da doutrina, no entanto, realiza uma distinção entre os dois (v.g. Virgílio Afonso da Silva e Humberto Ávila). * Sobre o tema, ver artigos disponibilizados no fórum de constitucional como “material complementar”: - O proporcional e o razoável (Virgílio Afonso da Silva) - A distinção entre princípio e regra e o dever de proporcionalidade (Humberto Ávila) 10.2. Consagração Implícita → Pergunta: De onde é extraída a proporcionalidade? Há três entendimentos na doutrina sobre a origem da proporcionalidade: (A) “Cláusula do devido processo legal substantivo” Segundo este entendimento, a proporcionalidade seria extraída da “cláusula do devido processo legal substantivo” (CF, art. 5º, LIV e LV). É o entendimento adotado nos EUA e em alguns julgados mais antigos do STF. (B) Princípio do Estado de Direito (CF, art. 1º) Na Alemanha, a proporcionalidade costuma ser deduzida do princípio do Estado de Direito. Pauta-se no fato de que em um Estado de Direito é inadmissível a conduta dos Poderes Públicos que seja arbitrária ou desproporcional. É o sentido atualmente adotado no STF. (C) Sistema de direitos fundamentais (Canotilho) Conforme este entendimento, a proporcionalidade pode ser deduzida do sistema de direitos fundamentais. A Constituição ao consagrar um sistema de direitos fundamentais, por consequência veda-se qualquer tipo de arbitrariedade por parte do Estado. 10.3. Máximas Parciais As três máximas da proporcionalidade são: (i) adequação; (ii) necessidade (ou exigibilidade, ou princípio da menor ingerência possível); e (iii) proporcionalidade em sentido estrito. As três máximas parciais possuem a estrutura de regra e, portanto, não são ponderadas. Assim, uma medida estatal restritiva de direitos fundamentais só será proporcional se for adequada ao fim a que se destina, se for necessária e se for proporcional em sentido estrito. (A) Adequação A adequação envolve uma relação entre meio e fim: as medidas adotadas pelos Poderes Públicos devem ser aptas para fomentar (promover em tese) os objetivos almejados. Deste modo, uma medida só será proporcional se ela tiver a aptidão para alcançar a finalidade, a qual se destina. Se há um meio utilizado para atingir um fim, mas este meio não é adequado para este fim, significa que a medida é desproporcional. → Exemplo de aplicação1: uma lei na Alemanha exigiu que a pessoa tivesse habilidades em armas de fogo para realizar a falcoaria, que consiste em uma caça realizada com falcões, que não utiliza armas de fogo. A Suprema Corte alemã entendeu queesta lei não proporcional, pela perspectiva da adequação, em razão de que o meio consistente em obrigar as pessoas que realizavam a caça a ter habilidades com armas de fogo, não era adequada para o fim consistente em ordenar e organizar a caça na Alemanha. Logo, essa lei estava restringindo de forma injustificada o direito fundamental de quem queria praticar este tipo de caça. → Exemplo de aplicação2: RE 603.583/RS (voto Min. Luiz Fux): Com efeito, trata-se de medida adequada à finalidade a que se destina, qual seja, a aferição da qualificação técnica necessária ao exercício da advocacia em caráter preventivo, com vistas a evitar que a atuação do profissional inepto cause prejuízo à sociedade. → O objetivo almejado pela lei é aferir a qualificação técnica necessária ao exercício da advocacia em caráter preventivo, evitando-se que as pessoas sejam patrocinadas por pessoas desqualificadas. O meio do exame de ordem é adequado a este objetivo. Obs. Alguns autores colocam “objetivo legítimo” e “meio legítimo” como se fossem dois de cinco passos (e não três – adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito) do princípio da proporcionalidade: i. Objetivo legítimo: para a medida ser adequada, o objetivo almejado por ela deve ser legítimo. É necessário questionar: (a) Qual o objetivo perseguido com a interferência?; (b) Esse objetivo se identifica exatamente com a situação fática?; (c) Esse objetivo é juridicamente admissível? Exemplo: programa de incentivos fiscais para empresas se instalarem no sul do país é legítimo? Não, pois criar incentivos para aumentar o desenvolvimento para uma região do país que é uma das mais desenvolvidas só aumentaria as desigualdades regionais. Se fossem programar para o Norte e Nordeste (v.g. Sudam e Sudene) beleza, mas nesse caso a região já é uma das mais desenvolvidas, não sendo o objetivo legítimo em face da CF/88. ii. Meio legítimo: para o meio ser legítimo, o meio empregado deve ser precisamente designado e juridicamente avaliado. Exemplo: reduzir os custos de uma execução penal é um objetivo legítimo, mas se para isso adotarmos a pena de morte, certamente não há um meio legítimo em razão de que a CF proíbe a pena de morte, salvo em caso de guerra declarada. (B) Necessidade (ou exigibilidade, ou princípio da menor ingerência possível) A necessidade significa que, havendo dois ou mais meios similarmente eficazes, deve-se optar pelo menos oneroso possível, para que não cause uma ingerência indevida no direito fundamental. Se uma norma estabelece uma medida restritiva a um direito, para analisarmos se ela é proporcional ou não, devemos saber se existem outras medidas que possam ter a mesma eficácia que ela e sejam menos gravosas. → Exemplo de aplicação1: uma lei na Alemanha proibiu a venda de determinado alimento em flocos que era semelhante a um chocolate, cujo objetivo era evitar que os consumidores se confundissem na hora de comprar o produto adquirindo o doce achando que era chocolate quando na verdade não era. O Tribunal alemão considerou que a lei era desproporcional e, por conseguinte, inconstitucional. O meio utilizado era adequado, pois de fato evitava que os consumidores se confundissem na hora de comprar o alimento, porém o meio não era necessário, pois existem outros meios similarmente eficazes mas menos gravosos que esse, por exemplo colocar uma advertência na embalagem. → Exemplo de aplicação2: RE 603.583/RS (voto Min. Luiz Fux): (…) o Exame de Ordem também atende ao subprincípio da necessidade ou exigibilidade, traduzindo-se no meio menos gravoso de atingir o resultado pretendido. Afinal, cuida-se de exame realizado com periodicidade quadrimestral, de modo que o bacharel em direito dispõe de três oportunidades anuais para o prestar. O exame é objetivo, impessoal, padronizado (…) → Como uma pessoa pode tentar fazer o exame três vezes por ano, até passar, esse mecanismo já é o menos gravoso, passando pelo critério da necessidade. (C) Proporcionalidade em sentido estrito A proporcionalidade em sentido estrito corresponde à ponderação, ou seja, o grau de satisfação do princípio constitucional fomentado deve ser suficientemente forte para justificar a restrição do princípio constitucional ofendido. Se há uma lei que está restringindo determinado princípio para promover outro princípio, é necessário analisar se o grau de promoção ou de fomento do segundo princípio é suficientemente forte para justificar o grau de afetação do primeiro princípio. Se a medida não puder ser justificada pela promoção do segundo princípio em relação a restrição do primeiro princípio, significa que a lei não é proporcional. Obs. Lei material de sopesamento: Robert Alexy diz que “quanto maior for o grau de não-satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior terá que ser a importância da satisfação do outro”. É uma análise na qual se leva em consideração os princípios que são fomentados por uma medida e os que são restringidos por ela. → Exemplo de aplicação: RE 603.583/RS (voto Min. Luiz Fux): (…) Atendimento do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito, na medida em que os benefícios gerados superam as restrições impostas. De fato, uma limitação ao exercício de atividade profissional que será superável em qualquer tempo pelo indivíduo que lograr aprovação no Exame de Ordem é muito reduzida diante do evidente ganho da sociedade (…) → Ou seja, se analisarmos o custo x benefício do Exame de Ordem, a restrição do princípio da liberdade profissional é justificada em relação à promoção da proteção da sociedade. Obs. Há duas situações distintas: Em um caso concreto analisa-se se uma lei é ou não proporcional. Nesse caso, este ato deve passar pelo crivo da proporcionalidade para vermos se ele é adequado, necessário ou proporcional em sentido estrito. Neste caso, a ponderação é apenas a etapa final. Porém, existem situações nas quais não há uma norma restritiva a um direito fundamental, mas sim a colisão entre dois direitos fundamentais (v.g. liberdade de informação e privacidade). Quando não há norma restritiva, não analisa-se pela proporcionalidade, faz-se a ponderação diretamente, que seria a proporcionalidade em sentido estrito. Ou seja, a ponderação (correspondente à proporcionalidade em sentido estrito diretamente) se faz quando há colisão de princípios ab initio. Porém, quando a colisão está em uma lei que promove um princípio em detrimento de outros devemos passar pelo crivo da proporcionalidade em seus três aspectos: necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito. 10.4. Princípio da Proibição de Proteção Deficiente (ou Insuficiente) O princípio da proporcionalidade geralmente é utilizado no sentido de proibição de excesso, o qual tem por finalidade evitar cargas coativas excessivas na esfera jurídica dos particulares. No sentido da proporcionalidade em relação à proibição do excesso busca-se a “menor ingerência possível”, evitando que os Poderes Públicos adotem medidas excessivamente gravosas. Ela atua quando os Poderes Públicos vão além do desejável. Todavia, há outra faceta do princípio da proporcionalidade, que no sentido inverso, trata-se da proibição de proteção insuficiente, a qual exige dos órgãos estatais o dever de tutelar de forma adequada e suficiente determinados direitos fundamentais consagrados na Constituição. Ela atua quando os Poderes Públicos vão aquém do desejável. Exemplo: o direito da inviolabilidade do direito à vida precisa ser protegido por outras normas, como, por exemplo, de uma lei criminalizando o homicídio. Em mesmo passo, se fosse imposta uma pena restritiva de direitos como preceito secundário do crime de homicídio, essa seria uma proteção insuficiente do direito à vida. Obs. Toda vez que a CF expressa um mandamento de criminalização, a proteção feita pelo legislador àquele bem jurídico deve ser adequada. Se a pena para o crime for muito pequena, ela será insuficiente. → Precedente: RE 778.889/PE: 1. A licença maternidade prevista no artigo 7º, XVIII, da Constituição abrange tanto a licença gestantequanto a licença adotante, ambas asseguradas pelo prazo mínimo de 120 dias. Interpretação sistemática da Constituição à luz da dignidade da pessoa humana, da igualdade entre filhos biológicos e adotados, da doutrina da proteção integral, do princípio da prioridade e do interesse superior do menor. 2. As crianças adotadas constituem grupo vulnerável e fragilizado. Demandam esforço adicional da família para sua adaptação, para a criação de laços de afeto e para a superação de traumas. Impossibilidade de se lhes conferir proteção inferior àquela dispensada aos filhos biológicos, que se encontram em condição menos gravosa. Violação do princípio da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente. 3. Quanto mais velha a criança e quanto maior o tempo de internação compulsória em instituições, maior tende a ser a dificuldade de adaptação à família adotiva. Maior é, ainda, a dificuldade de viabilizar sua adoção, já que predomina no imaginário das famílias adotantes o desejo de reproduzir a paternidade biológica e adotar bebês. Impossibilidade de conferir proteção inferior às crianças mais velhas. Violação do princípio da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente. → Ou seja, o legislador conceder prazos diferentes no caso de adoção de crianças com idade mais avançada, seria uma violação à proteção deficiente, pois as crianças mais velhas também precisam se adaptar ao novo lar, possuindo as vezes até mais dificuldades para isso.