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1. SUBJETIVIDADE DOMESTICADA Foucault, cerca de um século depois, responde de alguma maneira a mesma questao: como um sistema social se mantém? Como o modo de vida moderno se sustenta, se justifica? O olhar de Foucault é de quem está perto, de quem busca o detalhe. Suas respostas são as pequenas respostas, o poder que investiga para compreender a modernidade é o micro-poder. Que tipo de poder ocorre no cotidiano que aprisiona o indivíduo num dado modo de vida? Como ele se dá? Que tipo de homem aceita e colabora com um modo de produção dessa natureza? À resposta de Foucault é simples: corpos dóceis. Só corpos fabricados para esse sistema, criados para esse modo de vida, constituem, sustentam e fazem permanecer esse modo de vida. Foucault nos põe diante dos olhos os micro procedimentos físicos, materiais, empíricos e principalmente cotidianos de adestramento do corpo para que ele se torne o corpo moderno adequado para a vida moderna, para a vida regida pelo capitalismo. Evidencia, por meio do exame detalhado das práticas da vida moderna, como e quanto a subjetividade dos indivíduos foi forjada para a vida moderna, coerente com o modo de produção capitalista, corpo coerente com esse modo de vida. A docilidade, necessária ao novo habitat moderno, é conquistada por mecanismos materiais simples e bem determinados; é o resultado óbvio de uma teoria do adestramento praticada no homem moderno. Se assim não fosse, ele não estaria preparado para à vida no e pelo sistema capitalista de produção. O indivíduo precisa ser domesticado para isso. A subjetividade moderna é dócil, funcional, útil, fabricada para a conformação, para a repetição que aprimora movimentos, para a fragmentação que especializa, para os padrões estabelecidos, para a produção e reprodução de um dado modo de vida. Corpos adestrados, habituados, receptivos às idéias dominantes, receptivos ao poder e que compõem parte fundamental de elaborado sistema produtivo. Chamamos a atenção aqui, para uma das conclusões de Foucault, o poder moderno. Em sua obra ele nos dá mais, ele nos faz passear por outras épocas não modernas e conhecer o que se mantém do exercício do poder que culmina na modernidade. 2. OS MECANISMOS DE COERÇÃO Ao longo da história da humanidade vimos formas de docilização, normalmente por meio de punições como a mencionada no início da obra Vigiar e Punir. Tratava-se da docilização do outro, não do que sofria a punição; dava-se pelo exemplo a todos os que presenciavam uma punição. Servia de alerta e consequentemente de controle social. A modernidade cria e implanta técnicas do poder com efeito generalizado nos grupos sociais, que perdem as possibilidades de decisões mais simples em seu dia-a-dia, sobre seu próprio corpo e sobre seu ir e vir . O indivíduo moderno passa a não ter liberdade de se movimentar livremente no espaço (vive em clausura) e não controla seu tempo. O tempo, essencialmente subjetivo e individual, passa a ser objetivo e coletivizado. O indivíduo é disciplinar disciplinado, por meio, principalmente, do controle de seu espaço e de seu tempo. De forma sutil, sem necessidade de violência explícita sobre o corpo, cria-se uma violência implícita, invisível, muitas vezes, simbólica, que se inicia como coerção externa e termina em alto coerção. Ao longo das décadas a violência explícita, os suplícios como forma de controle social transformaram em práticas mais modernas de controle: mecanismos de adestramento dos corpos: distribuem-se os indivíduos em lugares milimetricamente calculados, onde o certo é permanecer cada indivíduo em seu lugar e em cada lugar um indivíduo. Mas, não só o espaço controlado retira a autonomia e disciplina; é preciso controlar o tempo do indivíduo. O adestramento se dá, principalmente pela imposição da rotina, do padrão, do mesmo, do dia-a-dia. O tempo é medido, pago, compensado, desperdiçado. Controle do tempo é um dos mais eficientes A vigilância hierárquica em todas as instâncias da vida do homem, o olhar disciplinar sempre presente, as regras a serem seguidas e as sanções normalizadoras para aqueles que não as seguem, a punição generalizada, o exame extensivo a toda a vida social somam-se e empreendem a destruição da subjetividade do indivíduo. Essa organização espacial estará presente onde o indivíduo estiver, até ele considera-la tão natural e tão normal que não consiga movimentar-se sem ela. 3. AS INSTITUIÇÕES O indivíduo precisa ser fabricado, inventado como ser social moderno, como sujeito moderno, deve-se sujeitar à modernidade. Para que isso ocorra é necessário que seja posto em locais que implantarão cotidianamente os hábitos e práticas modernas. Os colégios, fábricas, hospitais, a própria casa muitas vezes, reproduzem a estrutura prisional de maneira invejável. O indivíduo moderno é tratado como um infrator em potencial e é treinado (em qualquer das instituições) para a vida moderna, sob a égide da vigilância e da punição, exercidas por quem detém o saber, um saber que se traduz nas instituições em poder, saber-poder. Michel Foucault, em Vigiar e Punir, investiga esses mecanismos da disciplina e do exercício do poder em sua capilaridade, o poder exercido sobre os corpos por meio da disciplina. Neste sentido, para compreendermos nossa sociedade atual é esclarecedor tornar visíveis as técnicas e mecanismos disciplinares que organizam o sistema poder-submissão em sua versão micro, do dia a dia, nas pequenas relações. Às instituições escolares, hospitalares e de trabalho assumem na modernidade o papel de aplicar as técnicas de submissão e controle dos corpos tornando-os sociáveis. O que é descrito e detalhado nas prisões, hospícios, quartéis e escolas toma a forma social mais ampla de sofisticada e sutil tecnologia de submissão. 4. ALIENAÇÃO E SUBORDINAÇÃO A coerção que a disciplina e suas regras extensivas impõem sobre os indivíduos, de maneira ininterrupta, após um tempo de hábito de obediência, não precisa mais se externar para ser obedecida. Instala-se nele tal modo de não precisa mais se externar para ser, como coerção interna, capaz de conduzir os corpos à relação docilidade-utilidade. O próprio indivíduo domestica-se, disciplina e se pune para ser aceito socialmente. O poder sobre os Corpos, desta forma, atinge O ápice da submissão onde O corpo não distingue entre si mesmo e o olho do poder, passando a crer que o olho do poder é naturalmente Seu. O adestramento dos indivíduos é bem sucedido, a pressão social que fortalece os recursos é intensa e o indivíduo após certo tempo se habitua e se satisfaz com esse modo de vida, com esse habitat. As instituições, assim, organizam-se de forma a reproduzir a submissão e produzir os corpos dóceis que culminando na subordinação social, na dominação, na alienação e aceitação. 5. INDIVIDUOS SEQUESTRADOS Jeremy Benthan publicou em 1791 o Panopticon. Foucault considera esse projeto o modelo da prisão e, depois, o projeto de algumas das principais esferas espaciais da sociedade moderna. As instituições sequestrando os indivíduos mantendo os cativos em diversos momentos da sua vida. A fábrica, as cidades operárias, a escola, hospital, o quartel, as casas de repouso e os orfanatos vigiam disciplina que ordenam a vida do grupo dos indivíduos que lhe são subordinados. O indivíduo é fixado dentro do sistema de produção, construindo sua visão de mundo dentro das normas e saberes constituídos. Com o tempo, os indivíduos passa do desconforto produzido pelo cercamento de sua Liberdade para o desejo de estar lá e de agradar o seu algoz, defendendo suas intenções e práticas. Nesse estágio não vê como poderia viver sem estar sob tal domínio. 6. CONHECIMENTO É PODER Vemos, assim, que Foucault assume a premissa do conhecimento como grande invenção, ferramenta indispensável à legitimação de uma forma de poder, construídagraças às diversas modalidades de práticas sociais. O conhecimento seria apenas uma ferramenta do poder. Ele não nasceria de nossa amistosa, curiosa aproximação da realidade, mas seria, antes, produto de nossa ânsia de domínio. Conhecer é dominar, é ferramenta indispensável ao exercício e à manutenção de uma forma de poder. 7. LIBERTAÇÃO DOS CORPOS Foucault alerta para o fato de que o poder não é absoluto ou permanente, mas transitório e circular, permitindo a aparição das fissuras onde é possível a substituição da docilidade pela meta contínua e infindável da libertação dos corpos. Mudar se conta do desejo do mesmo, de se almejar a vida comum, do identificar a raiz das frustrações pode colocar o corpo em movimento, livre de início dos pequenos domínios que são as esferas em que se encerra o domínio propriamente dito, o indivíduo pode começar a se libertar dos pequenos poderes ganhando força para libertação plena de seus desejos.
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