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Apostila completa - Brasil Republicano

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Do Império à República
(1870-1889)
AUTORIA
Carlos Alberto Menarin
Olá, estudantes!
Abro a nossa disciplina com uma indagação:
Vamos mergulhar um pouco no início da república no Brasil, uma história de
rupturas, mas de muitas continuidades. A queda do império foi resultado de
um longo processo de transformações que teve por volta 1870 um momento de
in�exão extraordinário. Como o próprio título desta aula denota, trataremos da
instauração da República no Brasil, antes de tudo, como um processo
responsável por catalisar inúmeras forças que foram desestruturando a única
monarquia instalada na América.
“Proclamação da República”, de Benedito Calixto. Óleo sobre tela, 1893
Fonte: acesse o link disponível aqui
https://pt.wikipedia.org/wiki/Proclama%C3%A7%C3%A3o_da_Rep%C3%BAblica_(Benedito_Calixto)#/media/Ficheiro:Proclama%C3%A7%C3%A3o_da_Rep%C3%BAblica_by_Benedito_Calixto_1893.jpg
Transformações Econômicas,
Sociais e Políticas de Longo
Alcance
Não se pode explicar o �m da monarquia sem levar em conta as
especi�cidades das mudanças que construíram um contexto novo, no qual a
aposta republicana vingou. Tanto o republicanismo quanto as crises e tensões
políticas estiveram presentes no Brasil desde o período colonial e
acompanharam os embates em torno da Independência de 1822 e sua
consolidação, no entanto, foi no último quartel do século XIX que o império de
D. Pedro II perdeu sua legitimidade social e política (STARLING, 2018;
DOLHNIKOFF, 2017; BASILLE, 2016; CARVALHO, 2014). Algumas mudanças
podem ser arroladas para compreendermos melhor essa situação.
Um dos fatores foi a acelerada urbanização das últimas décadas do século XIX.
A economia seguia dominada pelo setor agrário-exportador, mas o
crescimento das cidades gerou também o aumento da população urbana e a
diversi�cação de suas atividades. Engenheiros, comerciários, pro�ssionais
liberais, funcionários públicos, operários, entre outros, adensavam a vida urbana
que experimentava a novidade do transporte em bondes, a iluminação por
lampião a gás e o telégrafo, símbolos de avanço tecnológico a caminho do
chamado progresso.
Ao mesmo tempo, havia a presença de negros escravizados e libertos, que
simbolizava, para muitos, o atraso, tanto do ponto de vista econômico da forma
de exploração do trabalho, mas, principalmente, do ponto de vista social que,
pelo enraizamento de teorias evolucionistas, como o Darwinismo Social,
atribuía-se ao negro e a mestiçagem um peso absurdamente negativo para a
formação da sociedade.
O crescimento das cidades também signi�cou o surgimento dos cortiços e
habitações precárias para um grande contingente de pobres que começava a
ser visto com preocupação para a segurança e saúde públicas. Esse novo
ambiente urbano foi palco de demandas que foram estimulando movimentos
sociais e políticos fortes, como o Abolicionismo e o Republicanismo.
PARA GABARITAR
Embora o republicanismo traga em si o paradigma iluminista de
defesa da igualdade e da liberdade, incontornáveis para a cidadania,
desde as chamadas revoluções atlânticas, como ocorreu nos Estados
Unidos, em 1776 e na França, em 1789, sempre se debateu quem
seriam os sujeitos que desfrutariam esses direitos: Homens livres?
Mulheres? Pobres? Em países de passado escravista, como os Estados
Unidos e o Brasil, por exemplo, a Abolição da Escravidão não
signi�cou o acesso direto às condições de igualdade e liberdade
efetivas. Emergiu, com força, a diferenciação social com base na ideia
de raça, atribuindo ao negro e aos nativos americanos (indígenas)
um lugar subalterno e tutelado, que o pressuposto de inferioridade
racial difundido pelas teorias pseudocientí�cas da época, os
colocavam em relação ao branco. Assim, o racismo se constitui,
sempre, como estrutural nessas sociedades e na própria experiência
histórica republicana, como ação coordenada pelo Estado e suas
instituições, responsáveis pela criação de mecanismos repressivos e
ideológicos que ainda hoje estruturam as desigualdades sociais,
econômicas, políticas e o autoritarismo, como no caso brasileiro
(ALMEIDA, 2020; SCHWARCZ, 2019; SCHWARCZ, 2012).
A revolta do Vintém:   Um exemplo que resume bem
essas mudanças na base social da monarquia foi a revolta
que eclodiu no Rio de Janeiro, nos primeiros dias de 1880,
conhecida como Revolta (ou Motim) do Vintém. Era um
protesto contra o aumento de um vintém na passagem do
bonde. Um dos líderes foi o médico e jornalista Lopes
Trovão, também defensor da causa republicana.
Amparado por centenas de pessoas, de trabalhadores
pobres moradores de cortiços, a pro�ssionais liberais e
funcionários públicos, marcharam em direção ao palácio
imperial para entregar uma petição ao imperador para
que fosse revogado o aumento. Recebidos pela cavalaria e
impedidos de se aproximar, essa manifestação simbolizou
o descompasso crescente da monarquia com as novas
aspirações da sociedade. Mesmo conquistando a
revogação do aumento no preço, já era nítido o
distanciamento da população com a monarquia.
Ilustração de Angelo Agostino sobre a Revolta do Vintém, 1880
Fonte: acesse o link disponível aqui
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/38/Revolta_do_Vint%C3%A9m_%28Angelo_Agostini%29.jpg
Abolicionismo, Monarquia e
República
A gestão da escravidão sempre foi uma questão tensa na política do império do
Brasil. Liberais e Conservadores, os dois partidos imperiais, conciliavam-se
quanto à manutenção do trabalho escravo. Mas os con�itos eram crescentes e
maiores, seja internamente, pelas revoltas e resistência negra, além de um
combativo movimento abolicionista que despontava em 1868, ou
internacionalmente, em particular, pela pressão inglesa contra o comércio de
escravos já na década de 1830 e cada vez mais incisiva, ao passo que o Brasil se
tornava a última nação escravista.   Com isso, a “questão servil”, como era
chamada, se tornou um ponto central das crises da monarquia.
O movimento Abolicionista acabou congregando intelectuais envolvidos
também em outros movimentos tais como liberais, republicanos, anticlericais e,
na década de 1880, muitos estudantes da faculdade de Direito e Engenharia –
re�etindo as mudanças sociais que o avanço da urbanização ia engendrando.
Nomes como André Rebouças, José do Patrocínio, Gustavo Romão e Joaquim
Serra ganhavam destaque, e, Joaquim Nabuco se notabilizou como o principal
teórico do movimento abolicionista (SKIDMORE, 2012; CARVALHO, 1998).
O movimento abolicionista demorou a se con�gurar no Brasil. Desde os
primórdios da colonização houve gente de inclinações antiescravistas, mas,
para organizar um movimento social é preciso mais. É fundamental se
materializar como mobilização coletiva, criar organizações e eventos público.
No Brasil, isso só foi possível no �nal da década de 1860, graças a pelo menos
duas mudanças: o cenário internacional que pressionava pelo �m do
escravismo no mundo, em particular, os efeitos da abolição nos EUA e em
Cuba. O Brasil �cava como o último grande país escravista.
Outra mudança foi a aceleração da urbanização que estimulou o surgimento
de um espaço público para a atuação de associações e debates que
penetraram na política institucionalizada. A partir de 1868, um movimento
abolicionista ganhava força no Brasil, estimulado por essa nova con�guração.
Não por acaso, em 1871 tivemos como fruto da pressão do movimento na
política, a Lei do Ventre Livre. (MAMIGONIAN, 2017; ALONSO, 2015).
Composto por segmentos heterogêneos da sociedade, o grupo que formou a
chamada Geração de 1870, estudado por Angela Alonso (2002) manifestava-se
contra o status quo imperial fragilizado e que já não atendia mais os interesses
da multiplicidade de grupos que pressionavam o imperador. Dessa maneira, o
cienti�cismo, o positivismo são recursos utilizados para criticar o império e as
obras produzidas, resultantes dos debates políticos desse grupo, são formas de
intervenção política a favor de reformas sem grandes abalos nas estruturas
sociais e econômicas, classi�cando-se,portanto, como um movimento
reformista.
Os reformistas enxergavam dois grandes elementos da herança colonial a
serem superados: o escravismo e a monarquia. No entanto, a superação legal
de ambas, em 1888 e 1889, pela via pactuada do elitismo reformista rea�rmou
as críticas que Nabuco �zera em 1883, projetando suas ideias para os
movimentos críticos da condição dos negros após a emancipação. A conclusão
de O Abolicionismo denunciava que a abolição, por não ter vindo
acompanhada de medidas que indicassem a responsabilidade social dos
brancos pela situação degradada dos negros, não trouxe consigo a
democratização da ordem social.
É importante ressaltar que nesse contexto, a obra de
Nabuco, O Abolicionismo, publicada originalmente em
1883, crítica do escravismo, distanciava-se do movimento
de 1870 por sua proximidade ao imperador e os valores
monarquistas.
Conforme analisou Angela Alonso (2002), o movimento promovido pela
geração de 1870, no Brasil, era reformista em sua essência, mas dentro de
parâmetros dados pelas especi�cidades locais. Assim, afastou-se de debates
intelectuais europeus do período, como a questão da classe trabalhadora e as
conexões com os ideais socialistas (marxista ou utópico), mas aderiu ao
repertório das teorias deterministas e evolucionistas, como o Darwinismo Social
que oferecia respostas à questão da massa de negros escravizados existentes
no país e de qual lugar ocupariam em seu projeto de país. Em outras palavras, o
movimento questionou a capacidade da elite imperial de efetivar um projeto
civilizatório, mas jamais abandonou a distinção entre povo e elite – seria a “nova
elite” a responsável por concretizar a construção do Estado e da Nação e a
modernização da econômica nacional (ALONSO, 2002, p. 334).
Essa concepção esteve na ordem do dia dos positivistas que encabeçaram a
transição para a República, e ressoou décadas à frente, no paternalismo estatal
do Estado Novo – o povo sempre visto com descon�ança, objeto de controle e
das “benesses” das elites, e não sujeitos de direito.
O Manifesto Republicano, lançado junto com o jornal A República, no Rio de
Janeiro, em dezembro de 1870 in�uenciou o surgimento de organizações
republicanas em outras províncias, sendo as mais fortes em São Paulo, Minas
Gerais e Rio Grande do Sul. Todas convergiam a favor da implementação da
República, reagindo contra o centralismo do Estado Imperial. As grandes
PARA GABARITAR
Nas palavras do sociólogo Fernando Henrique Cardoso, considerando
a importância da obra de Joaquim Nabuco, ressalta exatamente a
condição de desprovidos de recursos mínimos para o exercício da
cidadania em que os negros passaram da condição de cativos à
excluídos, sem oportunidades reais de inserção social e no mercado
de trabalho (CARDOSO, 2013, p. 19). Essa é uma condição histórica
fundamental para compreender a situação dos negros no Brasil atual,
de sua luta pelo acesso à cidadania, objeto privilegiado de inúmeras
re�exões no campo das ciências sociais e da historiogra�a brasileira
(SKIDMORE, 2012; SCHWARCZ, 2018; FERNANDES, 2008).
questões que levantavam estavam relacionadas a fraca representatividade dos
interesses políticos regionais e a grande corrupção eleitoral. Na verdade, o que
estava em tela era a mudança socioeconômica que a geogra�a do café
apontava, com o peso cada vez maior que São Paulo exercia na pauta
econômica do país e a sua sub-representação política na ordem imperial.
Assim, a palavra central desse movimento foi o federalismo, requerendo que o
Brasil fosse composto por uma federação de estados autônomos com relativa
independência do governo federal. Marcelo Basille (2016, p. 281), por exemplo,
Capa do jornal “A República” contendo o protesto
Fonte: acesse o link disponível aqui
https://pt.wikipedia.org/wiki/Manifesto_Republicano#/media/Ficheiro:A-republica-3-12-1870.jpg
defende que a República foi fruto muito mais da insatisfação gerada pela
incapacidade do Estado Imperial de articular as velhas e novas demandas –
portanto uma crise de legitimidade do regime – do que a crença geral e efetiva
nas vantagens republicanas.
Na província paulista, a cafeicultura avançava a passos largos para o interior e
consolidava São Paulo como o principal exportador de café. Começava a ser
gestado um sentimento de contestação dos fazendeiros paulistas para com a
sub-representação que a província tinha no governo, que alimentou, inclusive,
um movimento separatista – a pátria paulista – embora minoritário entre os
cafeicultores. A maioria aderiu ao movimento republicano e, em particular,
articulado à defesa do modelo federalista. Esses cafeicultores paulistas eram
estritamente defensores da causa oligárquica e avessos a qualquer medida de
reforma social e de ampliação de direitos civis e sociais. Eram defensores
ferrenhos da hierarquização que os bene�ciavam.
Terreiro de café de uma fazenda da região de Campinas, �nal do sec. XIX.
Fonte: acesse o link disponível aqui
https://www.unicamp.br/unicamp/ju/657/revolucao-tecnologica-abortada-da-cafeicultura-brasileira
Portanto, desde a década de 1870, a ideia de que o melhor regime para suprir
os vícios e omissões da monarquia no Brasil seria uma república crescia entre
as oligarquias das províncias mais ricas (como São Paulo, Rio Grande do Sul e
Minas Gerais), bem como entre outros setores urbanos. Outro grupo que nutria
crescente descontentamento com o império era o exército. Para aqueles
militares, mesmo valorizados simbolicamente pela nação brasileira como
vencedores da Guerra do Paraguai (1865-1870), sentiam-se desprestigiado como
corporação pelo governo. Havia setores militares abertamente antiescravistas
que começaram a participar do debate público abolicionista, e sofrer restrições
por isso.
Contudo, foi a entrada das ideias positivistas na corporação, principalmente
entre os jovens (a mocidade militar) que estimulou novas críticas e, sobretudo,
a adesão à alternativa republicana de �guras de peso, como Benjamin
Constant, ainda relutante (CASTRO, 2000). Entre 1884 e 1887 a situação se
tornou mais tensa e foi criada uma agremiação política, o Clube Militar (1887),
com o marechal Deodoro da Fonseca na che�a.
Aos poucos, as aspirações militares iam ao encontro das propostas
republicanas, e os republicanos, por sua vez, encontravam nos militares uma
aliança bastante oportuna, como admitia, em 1887, Quintino Bocaiúva, chefe
nacional do Partido Republicano. A escalada da crise militar aumentou com as
PARA GABARITAR
Assim como, a coincidência dos centros econômico e político tinha
favorecido a unidade e a concentração política no início do Segundo
Reinado, em 1840, agora, na década de 1880 o deslocamento do
centro econômico para São Paulo, afastando-se do centro político
que permanecia no Rio de Janeiro, signi�cou uma grande tensão. A
resolução disso foi a defesa enfática do federalismo. Mesmo que
alguns monarquistas propusessem reformas nessa direção, como o
próprio Nabuco, sua defesa já era indissociável da ação dos
republicanos. Para paulistas, assim, como para rio-grandenses e
mineiros, “a república era, sobretudo, federação” (CARVALHO, 2014, p.
24).
reformas propostas pelo Visconde de Ouro Preto, recém-empossado por D.
Pedro II, em particular, a nomeação para presidência do Rio Grande do Sul do
militar Silveira Martins, inimigo de Deodoro da Fonseca. O que parecia ser algo
facilmente resolvido em outro contexto, tornou-se o estopim para a derradeira
crise.
Vale observar que tudo caminhava para um problema estritamente militar, até
que, na tarde de 14 de novembro, foram ventilados boatos (hoje, as conhecidas
fake news) entre os jovens o�ciais sobre uma possível prisão de Deodoro e da
redução dos efetivos militares por Ouro Preto, em favor do fortalecimento da
Guarda Nacional e das polícias provinciais, e a prisão de líderes republicanos. Os
boatos geraram adesão. Os jovens militares e Benjamin Constant convenceram
Deodoro a agir, pois era um defensor da monarquia. A resposta veio nasprimeiras horas de 15 de novembro de 1889, quando Deodoro assumiu o
comando da tropa e marchou até o Ministério da Guerra com o objetivo de
dissolver o gabinete de Ouro Preto. O general Floriano Peixoto teria recusado as
ordens de combater os revoltosos liderados por Deodoro.
Quintino Bocaiúva e Afonso Celso de Assis Figueiredo, o Visconde de Ouro
Preto
Fonte: Wikipédia.
Havia uma grande incerteza no ar. À tarde, Benjamin Constant alertou os
republicanos civis que, a prevista chegada do imperador, que vinha de
Petrópolis, poderia conduzir o movimento para mais uma reforma ministerial; o
discurso de Deodoro indicava esse caminho, sem qualquer menção à
derrubada da monarquia e a instauração de uma república. José do Patrocínio,
reconhecido abolicionista e jovem vereador do Rio de Janeiro, antecipou-se e
lançou na câmara municipal vivas ao novo regime. Preparou uma edição
especial do jornal Cidade do Rio conclamando o povo a festejar a República – o
que se espalhou rapidamente para outras províncias, onde jornais começavam
a dar vivas à República, como celebrava A província de São Paulo. Contudo,
ainda não havia República instituída.
Benjamin Constant e Floriano Peixoto
Fonte: Wikipédia.
Na noite do dia 15, a mobilização ganhou o espaço público e a adesão de
Deodoro, que apareceu, entre salvas de tiros de militares e aplausos de
republicanos civis que tomavam a rua do Ouvidor. Patrocínio convoca uma
sessão extraordinária na Câmara Municipal do Rio de Janeiro para reconhecer
formalmente a composição provisória do novo governo. À família real coube o
exílio na França. D. Pedro II partiu já debilitado, relativamente magoado, mas
em paz. Faleceu em 05 de dezembro de 1891, em Paris.
Fonte: acesse o link disponível aqui
https://portalcruzaltense.com/noticia/214/veja-como-jornais-da-epoca-noticiaram-a-proclamacao-da-republica-em-1889.html
O velório de D. Pedro II e o funeral na capa de jornal francês
Fonte: Wikipédia.
CONECTE-SE
O Museu Imperial possui o principal acervo do país relativo ao
império brasileiro, em especial o chamado Segundo Reinado, período
governado por D. Pedro II. São cerca de 300 mil itens museológicos,
arquivísticos e bibliográ�cos à disposição de pesquisadores e demais
interessados em conhecer um pouco mais sobre o tema.
Fachada lateral do Museu Imperial, Petrópolis/RJ
Foto: acervo do autor.
https://go.eadstock.com.br/b0w
As Correntes Republicanas
O movimento republicano não era um bloco político e ideológico único e coeso.
A convergência se limitava à derrubada da monarquia, as características que a
República assumiria depois era assunto de intensos debates, e esse é um ponto
importante para compreender as características que o regime republicano
assumiu no Brasil.
Um exemplo foi a questão da centralização ou descentralização do governo.
Nesse quesito, as fortes elites das províncias de Minas Gerais, Rio Grande do Sul
e, principalmente, de São Paulo, �zeram valer seu poder e garantiram o modelo
federalista. A partir desse fortalecimento político das elites regionais, questões
de cunho mais transformador da ordem social e econômica foram deixadas de
lado. Por exemplo, a pauta da abolição, que não era efetivamente uma proposta
do movimento.
Outros temas proscritos foram a crítica ao predomínio agrário exportador e a
defesa da industrialização do país, de reformas sociais e de um Estado forte e
centralizado. Membros do republicanismo que defendiam medidas mais
radicais foram chamados de jacobinos (alusão à corrente mais radical da
Revolução Francesa, de 1789) e protagonizaram violentos embates até 1897,
quando foram derrotados.
Passados os primeiros anos de intensas disputas, com episódios dramáticos e
violentos, como a Revolta da Armada, prevaleceram os interesses dos setores
mais conservadores e oligárquicos, característica das primeiras décadas de
regime republicano brasileiro, conforme veremos na próxima aula.
Essa breve contextualização da passagem do Império para a República no
Brasil buscou enfatizar um conjunto bastante amplo de fatores que
convergiram para a queda da monarquia e a emergência da opção republicana.
Não foi meramente um golpe militar, articulado por um levante do exército,
muito menos um simples ato de proclamação. O projeto republicano, que
contava com uma longa trajetória e ganhou força como movimento organizado
a partir de 1870, foi a saída necessária diante da perda de legitimação do
Império. Mais que uma alternativa meramente institucional, ele respondia pela
ampliação importante do espaço público que vinha se adensando desde a
década de 1860 com importantes movimentos sociais, com o Abolicionista,
levando o debate e a ação política para fora da esfera parlamentar e do poder
monárquico.
A diversidade de projetos republicanos sucumbiu ao predomínio do
movimento mais conservador e oligárquico, defensor ferrenho do federalismo,
modelo que melhor atendia as aspirações das elites cafeiculturas, sobretudo
paulista. À escravidão e à monarquia recaíram a imagem de arcaísmo, de atraso
a ser urgentemente superado. À república ornou com a imagem do progresso e
a concepção de modernização, ainda que, na prática, foi instrumento para
assegurar o poder político nas mãos, agora, das oligarquias regionais. Não
houve uma ruptura no processo histórico brasileiro. As condições de vida dos
trabalhadores, sobretudo do meio rural, continuaram as mesmas; a massa de
ex-escravizados foi lançada à própria sorte, estigmatizados pelo racismo e pela
eugenia do início do século XX com consequências que chegam aos dias atuais.
O Domínio das Oligarquias
AUTORIA
Carlos Alberto Menarin
Após a transição para o regime republicano, a efetiva implementação da
República colocava em jogo os interesses múltiplos que atuaram no degaste da
monarquia. Aqui, novamente, temos algumas mudanças signi�cativas, e
muitas continuidades. Esse período �cou conhecido como Primeira República
(1889-1930) ou República Oligárquica. Embora a in�uência das oligarquias na
política brasileira ultrapasse, em muito, essa periodização, pois podendo
observá-las em toda a história do Brasil, foi no início da república que ela se fez
mais explícita.
Observaremos, nesta aula, algumas da característica desse intrincado domínio
oligárquicos nas primeiras décadas republicanas. Domínio, inclusive, que
passava pele controle dos símbolos desse novo regime. Foi no passado que se
buscou um herói republicano para a nação, o alferes Joaquim José da Silva
Xavier, o Tiradentes. Sua representação como mártir foi aproximada às feições
do Cristo, além disso, seu corpo esquartejado, dada a disposição dos pedaços,
remete ao mapa do Brasil. Com isso, Pedro Américo, em 1893, criava a imagem
do herói republicano e, ao mesmo tempo, simbolizava o domínio do projeto
oligárquico para a república brasileira.
“Tiradentes supliciado”, de Pedro Américo. Óleo sobre tela, 1893
Conforme estudamos na aula anterior, o federalismo foi um ponto central das
demandas republicanas. Era motivado, sobretudo, pelos interesses em
fortalecer não só economicamente, mas também politicamente os estados em
detrimento da união, garantindo assim, a retenção dos excedentes econômicos
nas áreas exportadoras por meio da reforma �scal.
Essa pauta foi bastante defendida por São Paulo, principal exportador de café, e
uma das bases do protagonismo que os cafeicultores paulistas desejavam
exercer com o �m da monarquia. Para alcançar isso era necessário acabar com
as instituições herdadas do Império. Uma nova constituição, que substituísse a
de 1824 e atendesse os interesses das oligarquias estava na ordem do dia.
Fonte: acesse o link disponível aqui
Por oligarquia, costuma-se de�nir “o governo de poucos”,
mais especi�camente, o governo exercido por um setor
restrito da sociedade que se mantem coeso em seus
interesses. Das características do regime oligárquico
brasileiro podemos destacar: a articulação política com
base no parentesco, a lealdade pessoal como critério de
recrutamentopolítico; a estabilidade gerada pela
manutenção da exclusão e contenção de oposicionistas, o
que gerava práticas autoritárias; ações à revelia das leis
para a manutenção dos privilégios do grupo no poder e
seus apoiadores. Com isso, conforme veremos, embora o
sistema funcionasse em bases constitucionais, o avanço
da cidadania e, consequentemente, da democracia, eram
bastante limitados.
A Constituição de 1891
https://pt.wikipedia.org/wiki/Tiradentes_esquartejado_(Pedro_Am%C3%A9rico)#/media/Ficheiro:Tiradentes_quartered_(Tiradentes_escuartejado)_by_Pedro_Am%C3%A9rico_1893.jpg
A Assembleia Constituinte de 1891 foi heterogênea, como era o movimento
republicano, mas ao �nal, aprovou uma Carta Magna condizente com os
anseios das oligarquias das regiões economicamente em ascensão.
A primeira Constituição republicana brasileira colocou �m ao poder moderador,
ao senado vitalício e ao Conselho de Estado, pauta “histórica” dos republicanos.
O peso das oligarquias regionais se fez valer na rati�cação do modelo
federalista, sobre os republicanos centralistas, como Benjamin Constant, e os
radicais jacobinos. As antigas províncias agora eram chamadas de Estados. A
mudança signi�cava, na prática, maior autonomia administrativa, em especial,
na gestão tributária que permitia aos governos estaduais �carem com as
rendas geradas pelas suas exportações. Nesse novo arranjo, é fácil percebermos
como São Paulo saiu favorecido como grande agroexportador.
“Juramento da Constituição”, tela de Aurélio de Figueiredo, c. 1891, mostra a
promulgação da a 1ª Constituição Republicana Brasileira, quando assumem o
poder os marechais Manuel Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto.
Fonte: acesse o link disponível aqui
https://pt.wikipedia.org/wiki/Constitui%C3%A7%C3%A3o_brasileira_de_1891#/media/Ficheiro:CF_-_1891.jpg
A nova constituição também modi�cou o sistema eleitoral. De�niu que o voto
seria direto, mas continuaria “descoberto”, ou seja, não era secreto. Analfabetos,
mendigos, soldados, mulheres e religiosos não podiam votar, nem ser votados.
Com esses critérios, durante toda a Primeira República, o percentual de
votantes �cou entre 2% e 5% da população. As mulheres conquistariam o direito
ao voto em 1932, e os analfabetos somente na constituição de 1988.
Outra importante mudança estabelecida por essa constituinte, sob in�uência
direta dos positivistas, foi a separação entre Igreja Católica e Estado. O Brasil
passava a ser um Estado laico, com registro civil de nascimentos, casamentos e
morte. Contudo, isso não restringiu a in�uência moral e política que a Igreja
Católica exercia no país, dando início, na verdade, a uma nova investida de
“romanização” com a expansão de dioceses e construção de grandes templos
promovendo um ajustamento com a nova tecitura política aberta pelo domínio
oligárquico (MENARIN, 2021).
Ao �nal do trabalho constituinte, a Assembleia se autotransformou em
Congresso Nacional, dividido entre Câmera e Senado. Deodoro da Fonseca foi
eleito pelos congressistas presidente constitucional, em fevereiro de 1891. Seu
governo não terminou o ano. Tinha pouco traquejo na lida política com o
congresso, baixa popularidade e ações autoritárias. A tentativa frustrada de
fechamento do congresso lhe revelou que nem apoio entre os militares sobrou.
Renunciou em 23 de novembro.
Deodoro da Fonseca, primeiro presidente do Brasil, em uma nota de 20 mil
réis (1925).
Fonte: acesse o link disponível aqui
https://pt.wikipedia.org/wiki/Deodoro_da_Fonseca#/media/Ficheiro:Deodoro_da_Fonseca_na_nota_de_20_mil_r%C3%A9is_de_1925.jpg
As expectativas do governo de seu vice, Marechal Floriano Peixoto eram
grandes. Enfrentou com mão de ferro as revoltas que ameaçavam a
estabilidade da jovem república, entre elas, a Revolta da Armada. A expectativa
positivista de um governo forte e centralizado foi logo dissipada. Por trás do
poder do “marechal de ferro” estava o apoio político da oligarquia paulista.
Garantida a estabilidade, as primeiras eleições diretas deram a vitória ao
primeiro presidente civil da república brasileira, o paulista Prudente de Morais,
que, entre 1894 e 1898, enfrentou a chamada “conspiração jacobina”, apoiada
pelo próprio vice, Manoel Vitorino e alguns setores militares. Após escapar ileso
de um atentado, em 1897, decretou estado de sítio e governou consolidando o
poder das elites civis, intervindo na Escola Militar e fechando o Clube Militar,
redutos positivistas e que, teoricamente, conspiravam em favor da volta de
Floriano ao poder.
Prudente de Morais, terceiro presidente do Brasil
Fonte: acesse o link disponível aqui
A Política dos Governadores
Campos Sales, também paulista ligado à cafeicultura, foi eleito para o cumprir o
mandato entre 1898 e 1902. Foi ele quem instituiu o que �cou conhecido na
historiogra�a como “política dos governadores”. Uma estratégia para acabar
com as tensões das oligarquias regionais em torno do poder federal. Em termos
práticos, signi�cava um acordo entre o governo federal e os grupos que
https://pt.wikipedia.org/wiki/Prudente_de_Morais#/media/Ficheiro:Prudentedemorais.jpg
estivessem no poder nos estados, independentemente de qualquer feição
partidária, garantindo apoio no Congresso para as iniciativas do governo. O
princípio era afastar cada vez mais os setores militares, positivistas e mais
radicais da política, garantindo os interesses de setores especí�cos.
Esse grande “acordo” entre o poder federal e os estados apaziguou as tensões
entre as elites regionais, desde que essas se mantivessem no poder dos
estados. A garantia dos resultados favoráveis para a manutenção dos mesmos
grupos políticos no poder passava, necessariamente, pela fraude eleitoral. O
símbolo desse período foi o chamado “voto de cabresto”, cuja característica era
ser “descoberto”, o que favorecia a pressão de todo tipo sobre o eleitor, exercida
pelas forças regionais e locais, como os chamados coronéis e seus jagunços. A
Campos Sales, quarto presidente da República
Fonte: acesse o link disponível aqui
https://pt.wikipedia.org/wiki/Campos_Sales#/media/Ficheiro:Campos_Sales.jpg
organização do pleito era local, o que favorecia desde a adulteração das atas
eleitorais até a utilização de nomes de cidadãos mortos (NAPOLITANO, 2016;
CARVALHO, 2004).
PARA GABARITAR
Na república, cada unidade (estado) possuía uma constituição
própria, harmonizadas com a Constituição federal, de 1891, mas
garantindo sua autonomia. A reorganização das agremiações
políticas nesse momento favoreceu que cada estado tivesse seu
próprio Partido Republicano (PR), facilitando a formação das
oligarquias. Assim, os líderes dos partidos eram indicados e
dominados por famílias abastadas ou pelos velhos coronéis, senhores
das grandes propriedades rurais. Havia duas prerrogativas
importantes do poder dos estados: os governos estaduais tinham
suas forças militares próprias e podia-se, também, realizar
empréstimos no exterior, independente da autorização do governo
federal, conseguindo assim, os governantes dos estados, força e
�nanciamento para seus projetos.
Nesse sentido, a República se mantinha distante do povo tanto quanto à
monarquia. Ou melhor, procurava atuar para manter as reivindicações
populares afastadas e suprir os interesses das elites. O povo pobre só seria
notado mediante as insurgências. Já nos primeiros anos da República
irrompiam as rebeliões populares de Canudos, na Bahia (1896- 1897), a Revolta
da Vacina (1904) e da Chibata (1910), de João Cândido, ambas no Rio de Janeiro,
e a do Contestado (1912) entre Paraná e Santa Catarina. Foram anos de intenso
embate e contenção das forças populares.
Eventualmente, se algum político “independente” dos
acordos oligárquicos lograsse ser eleito para o Congresso,
havia um recurso que �cou conhecido como “degola
política”. A con�rmação do resultado das eleições passava
pelo próprio Congresso, pela Comissão de Veri�cação –
não existia Justiça Eleitoral –, então, mesmo que eleito, o
político que não �zesse parte do jogode poder
estabelecido entre o governo federal e as oligarquias
estaduais, poderia não ser “con�rmado” como eleito e,
consequentemente, não tomar posse. Esse esquema, nas
suas linhas gerais, perdurou até 1930. Se o olhar sobre os
acordos das elites revela certa acomodação e
apaziguamento, a mudança de foco para a sociedade
revela um período extremamente tenso.
Barricada erguida por populares no bairro da Saúde (SP) durante a Revolta
da Vacina
Mo�mentos Sociais: Sertanejos
e Operários
No �nal de 1896 tivemos o con�ito armado de maior visibilidade do início da
República. A rebelião opôs, de um lado, a população de Canudos, arraial que
cresceu no interior da Bahia, e do outro, a recém-criada República. O caráter
messiânico do movimento e sua defesa de ideais monárquicos o tornou alvo
das ações militares dos republicanos. Massacrados pelas forças governistas, os
sertanejos de Canudos lutaram até suas últimas forças: “um velho, dois
homens-feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco
mil soldados”, conforme registrou Euclides da Cunha (1973, p. 392).
Cobrindo o con�ito para o jornal O Estado de S. Paulo, o engenheiro paulista
organizou o material em um relato que se tornou uma obra de relevância
incontestável no pensamento social brasileiro, Os sertões, lançada
originalmente em 1902. O livro converteu-se também em exemplo da
in�uência da arte, em especial, da literatura na política. De formação militar,
com ideias positivistas, cienti�cistas e republicano, Euclides da Cunha foi amigo
de Floriano Peixoto, que o promoveu a tenente, oferecendo o cargo de
engenheiro na estrada de ferro Central do Brasil.
Fotos dos últimos sertanejos de Canudos rendidos pela cavalaria do Exército
Fonte: acesse o link disponível aqui
https://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_de_Canudos#/media/Ficheiro:Pris%C3%A3o_de_jagun%C3%A7os_pela_cavalaria.jpg
Ilustração contemporânea de Os Sertões
Fonte: acesse o link disponível aqui
https://beduka.com/blog/materias/literatura/resumo-de-os-sertoes/
Os Sertões se apresentam como o resultado do “martírio secular da terra”, que
foi desgastada pela ação de agentes externos com o passar dos tempos; sol,
seca, chuvas excessivas, que resultam numa “natureza torturada”. Sobre o
homem, repousa o estudo mais complexo da obra, é o estudo do brasileiro,
fruto da mestiçagem. Focalizando na �gura do sertanejo, Euclides da Cunha
observa que é uma “subcategoria étnica já constituída”, e que apesar de “forte e
corajoso”, é também “atrasado e supersticioso”, pois parou no tempo, é fruto do
isolamento a que delegou o sertão. As características recolhidas da observação
do sertanejo foram depositadas na caracterização de Antônio Conselheiro, o
peregrino que formou a vila de Canudos, no sertão da Bahia.
Para Euclides da Cunha existia um abismo entre as regiões do país e se tornava
urgente que as elites intelectuais e políticas olhassem para o interior do país.
Conclui que o surgimento de Canudos não foi uma exceção, mas inseria-se na
longa história de exclusão e penúria que era submetido o sertanejo. Com essa
crítica, ele mira também nas discussões sobre a fundação da república e os
problemas e serem enfrentados pelo novo regime. Criticava, ainda, que o
PARA GABARITAR
Na construção da legitimidade do novo regime, rapidamente, nomes
e símbolos que remetiam ao Império precisavam ser substituídos ou
ressigni�cados. O Largo do Paço, passou a se chamar 15 de novembro;
a Estrada de Ferro Pedro II, passou a ser a Central do Brasil, o 21 de
abril passou a ser feriado nacional e Tiradentes um herói republicano,
e assim por diante. Outros símbolos, como a bandeira nacional
mesclou elementos antigos e novos. Houve a permanência das cores
principais com a retirada do brasão monárquico do centro.
Efetivamente, a cor verde referia-se a heráldica da Casa Real
Portuguesa dos Bragança, e amarela, da Casa Real Austríaca dos
Habsburgo. Apesar dos esforços, continuava enraizado na nação um
incômodo imaginário monárquico, presente até hoje, não só na
retórica da distinção, dos “reis” e “rainhas”, �guras de destaque em
algum segmento, mas na visão mais simplista sobre o papel do chefe
político como aquele depositário de esperanças que tudo resolveria,
como um monarca.
empenho militarista dos primeiros governos republicanos e a nova Constituição
estavam sendo violentados pelas elites civis por meio de fraudes e
manipulações eleitorais.
Outro espaço onde crescia o descontentamento social e a organização popular
e dos trabalhadores era o das cidades. A crescente urbanização registrada no
�nal do império foi adensada com a instalações de novas fábricas. Ampliava-se
o contingente de trabalhadores nas cidades, com isso, os operários começaram
a reagir às péssimas condições de trabalho que imperavam. Sem uma jornada
diária de�nida, lutavam pela criação de órgãos de representação, como
sindicatos, e por melhores salários.
Na virada para o século XX, teve especial importância a presença da mão de
obra imigrante europeia. Se inicialmente foram atraídos para as fazendas de
café, em 1900, por exemplo, 92% dos operários de fábricas em São Paulo eram
estrangeiros, sendo 81% de origem italiana. Sob in�uências anarquistas,
começaram a vicejar as primeiras greves operárias, por volta de 1903. Uma das
greves de ferroviários de maior expressão ocorreu em São Paulo, em 1906,
contra a redução de salários pelas empresas. No ano seguinte, foi anunciada a
primeira greve geral, também em São Paulo, pela defesa das oito horas diárias
de trabalho (SCHWARCZ, 2014, p. 57-58).
Entramos no século XX com o rearranjo de forças no campo da política e a
necessidade de a�rmação do novo regime, com uma agenda efervescente que
explicitou ainda mais a composição autoritária do pensamento e da atuação do
estado brasileiro. As batalhas travadas, seja contra movimentos sociais, ou na
forma de conceber o projeto de país para um grupo especí�co, lidaram com
novos e importantes atores e ideias. A Constituição Federal de 1891 organizou
institucionalmente s república, mas foi na prática e na tecitura dos interesses
regionais que a condução do país se assentou. O modelo oligárquico costurou
estratégias e acordos que, por meio da “política dos governadores”, fez valer os
interesses de poucos sobre as precárias condições de vida da maior parte da
Euclides da Cunha relativizou a sua posição diante da
República após os acontecimentos de Canudos. Para ele a
República não conseguiu compreender que as pregações
de Antônio Conselheiro não tinham sequer intenção
política. Assim observa Walnice Nogueira Galvão: “Após
uma guerra que se revelou ingloriamente como uma
chacina de pobres-diabos, �cou evidente que não houvera
conspiração alguma e que este bando de sertanejos
miseráveis não tinha qualquer ligação com os
monarquistas instituídos” (GALVÃO, 1999, p. 167).
população. Exemplos como o arraial de Canudos e a sua completa destruição
pelas forças governistas deram o tom de como o novo regime conservava
muito da estrutura mais arcaica dos tempos coloniais.
Modernização e
Modernidade em
Descompasso
AUTORIA
Carlos Alberto Menarin
Uma das premissas de justi�cação do regime republicano foi colocá-lo ao lado
do progresso, em oposição ao Império, simbolizado pelo atraso. Essa
construção buscava calibrar o novo regime como portador da modernidade e
da modernização do país, diante do século que se iniciava.
Assim, nesta aula, vamos observar, mesmo que brevemente, algumas dessas
investidas em que o governo republicano, por meio de intervenções
urbanísticas na capital federal, buscou moldar a visão sobre o próprio regime
que se consolidava.
Teatro Municipal do Rio de Janeiro e Avenida Central, atual Rio Branco,
Cinelândia/RJ (Marc Ferrez, 1910). Teatro inaugurado em 1909, como parte do
conjunto arquitetônico das obras de reurbanização da Cidade do Rio de
Janeiro, durante a prefeitura de Pereira Passos.
Fonte: Instituto Moreira Sales. Acesse o link disponível aqui
https://acervos.ims.com.br/portals/#/detailpage/76226O descompasso entre modernidade e modernização, no caso da república
brasileira, expõe um propósito: bene�cia a classe dominante. O não
cumprimento das ideias e expressões da modernidade pela modernização
explicita uma situação de característica do domínio oligárquico da república
brasileira, mantendo afastada a maior parte da população dos avanços
modernizantes.
A seguir, vamos estudar como esse desencontro se materializou em projetos de
reforma urbana e de ações violentas e autoritárias contra setores da população
carioca, a cabo dos governos na capital federal.
Ao lado de progresso, os termos modernização e
modernidade estiveram em evidência durante a
consolidação da república. Por modernização, podemos
entender como sendo as transformações desencadeadas
pela passagem do predomínio do rural para o mundo
urbano e industrial, com seus desdobramentos e
abrangências; já a modernidade aparece como um
conjunto de expressões e valores desejados e associados à
modernização. Segundo Néstor García Canclini (2013), o
grande desa�o é que, principalmente na América Latina,
esses termos quase nunca se encontram presentes,
simultaneamente, num mesmo contexto histórico. Ou
seja, podemos cultivar na sociedade valores e expressões
modernas, inerentes à modernidade, mas sem signi�car
que ocorreu o alcance da efetiva modernização,
coabitando, portanto, com forças do arcaísmo e da
tradição.
Uma Capital dos Sonhos para a
República
A república se consolidava sob as bases do federalismo. As disputas pelo
controle do governo federal pareciam ter encontrado uma fórmula satisfatória
de gestão dos interesses na “política de governadores”, de Campos Sales (1898 –
1902). Se a força política da república residia no acordo com os estados, ou seja,
era nos estados que se concentravam o poder, na capital federal se construíam
os vínculos que garantiria a harmonização dos interesses com o governo
federal. Nesse sentido, Campos Sales buscou revalidar uma função
tradicionalmente exercida pelo Rio de Janeiro, desde a chegada da corte
portuguesa, em 1808: ser o centro de socialização das elites. Contudo, essa
cidade tinha toda uma história urbana que remetia ao império. Consolidar a
república passava, também, por remodelar a capital.
O objetivo ia além de torná-la arejada ao estilo das reformas parisienses,
aprazível aos olhos europeus, mas de exercer um maior controle sobre uma
cidade que foi palco de inúmeras mobilizações populares. Para Campos Sales, a
capital federal estava tomada pela anarquia. As reformas começaram com
ações policiais afastando das ruas os indesejados do sistema.
Contudo, foi o sucessor de Sales, Rodrigues Alves, que ocupou a presidência
entre 1902 e 1906, quem deu andamento às reformas desejadas por seu
antecessor para construir a “capital dos sonhos” para a República. Pereira
Passos, prefeito da cidade, recebeu plenos poderes para o encargo de colocar
em andamento as obras. Segundo Marly Motta (2004, p. 29), tratava-se de um
processo de reiteração, pela república, do papel de vitrine e espelho da nação
que costumava caber às cidades-capitais.
Com esses objetivos, os principais investimentos da chamada Reforma Passos
foram orientados na direção transformar a infraestrutura, com a abertura de
avenidas interligando áreas, como a Avenida Central (futura Avenida Rio
Branco), a ampliação do porto – uma demanda para a crescente exportação
agrícola – a regulamentação de acesso e dos costumes no espaço público,
desde a permissão, ou não, de vendedores ambulantes, às proibições de cuspir
e urinar na rua, e por �m, ações de saneamento e saúde pública contra focos de
doenças que se alastravam pela precariedade dos cortiços. Nas palavras do
historiador Nicolau Sevcenko (2012, p. 29), “a avenida passou a ser não só o
esteio da vida social e cultural da capital, mas o principal modelo do imaginário
modernizador da República”.
A então Avenida Central (1906)
Fonte: acesse o link disponível aqui
https://brasilianafotografica.bn.gov.br/brasiliana/handle/20.500.12156.1/2549
Atual Avenida Rio Branco (RJ)
Fonte: acesse o link disponível aqui
Contudo, a ânsia modernizadora das novas elites no poder
desconsiderava a complexa realidade social brasileira,
singularizada pelas mazelas herdadas de séculos de
colonialismo e da escravidão, e tensionava, ainda mais, a
relação com as classes pobres pela imposição de projetos
pouco afeitos à realidade brasileira.
http://www.rio.rj.gov.br/web/guest/exibeconteudo?id=5851030
Ação e Reação
As ações começaram com um foco: dizia-se que, os casarões da área central do
Rio de Janeiro atrapalhavam o acesso ao porto, comprometiam a segurança
sanitária e bloqueavam o �uxo indispensável para a circulação numa cidade
moderna. Era preciso demolir. Além do mais, esses casarões eram habitados
por um signi�cativo contingente de população pobre, abertamente
indesejáveis pela administração local e federal. A imprensa noticiou a
demolição como a grande “regeneração” do Rio. Aos que sofreram com a
política do “bota-abaixo” restou recolher o possível e buscar um lugar para
reconstruir um teto. Sem qualquer indenização, essas pessoas se puseram a
montar barracos nas encostas íngremes dos morros que cercam a cidade,
disseminando as chamadas favelas.
Sob as bandeiras do saneamento e de saúde pública outras regiões sofriam
intervenções, quase sempre com a expulsão dos moradores. Um surto de
varíola levou quase 2 mil pessoas à internação no �nal de 1904. Com o risco de
se tornar uma epidemia, o governo chamou o médico sanitarista Oswaldo Cruz
para conduzir uma campanha de vacinação em massa. A desinformação e o
contexto marcado por ações autoritárias do governo contra a população
elevaram a tensão ao ponto de de�agração de uma violenta reação popular, a
chamada Revolta da Vacina, uma das mais violentas a acontecer no espaço
urbano naquele início de república.
As camadas populares dos arredores da capital cariocas rejeitavam a vacina,
que era fabricada com o líquido de pústulas de vacas doentes. A�nal, na época,
era esquisita a ideia de ser inoculado com esse líquido, e ainda corria o boato de
que quem se vacinava �cava com feições bovinas. No Brasil, o uso de vacina
contra a varíola foi declarado obrigatório para crianças em 1837 e para adultos
em 1846. Mas essa resolução não era cumprida, até porque a produção da
vacina em escala industrial no Rio só começou em 1884. Então, em junho de
1904, Oswaldo Cruz motivou o governo a enviar ao Congresso um projeto para
reinstaurar a obrigatoriedade da vacinação em todo o território nacional.
Apenas os indivíduos que comprovassem ser vacinados conseguiriam contratos
de trabalho, matrículas em escolas, certidões de casamento, autorização para
viagens etc.
Oswaldo Cruz e charge publicada na revista O Malho (1904)
Fonte: Wikipédia.
Tendo como alvo as áreas populares onde predominava condições insalubres,
foram criados os “batalhões de visitadores” que, acompanhados da força
policial, invadiam as casas a pretexto de vistoria e da vacinação dos residentes.
Se constatassem sinais de risco sanitário, o que naquelas condições era quase
inevitável, tinham autorização para mandar evacuar a moradia, fosse casa,
cortiço ou barraco, sujeita a eventual demolição sem direito a indenização.
Como analisou Nicolau Sevcenko (2012; 2010), foi a gota d’água para uma
população pobre, despejada e humilhada.
Em uma ação espontânea, massas de cidadãos se voltaram contra os
visitadores e a força policial. Marcharam em direção ao centro da cidade.
Aproveitando as obras da reforma urbana em curso, entrincheiraram-se entre
valas abertas, tomando ferramentas e materiais de construção como armas. Foi
preciso convocar a Guarda Nacional para enfrentar os revoltosos que crescia em
número rapidamente. O presidente Rodrigues Alves assumiu o comando da
repressão enviando tropas do exército. Em vão. As ruas do centro do Rio
CONECTE-SE
Leia mais sobre a Revolta da Vacina:
Aproveitee explore o site da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz),
vinculada ao Ministério da Saúde, e a mais destacada instituição de
ciência e tecnologia em saúde da América Latina:
https://go.eadstock.com.br/b0y
https://go.eadstock.com.br/b0z
continuavam sob controle dos revoltosos. Além da Marinha, foi preciso auxílio
de tropas de estados vizinhos de São Paulo e Minas Gerais. A revolta durou dez
dias.
Foi o início de uma dura repressão contra os debelados. O chefe da polícia da
capital deu ordens para que toda e qualquer pessoa abordada no centro da
cidade que não pudesse comprovar emprego e residência fosse detida. Os
detidos eram levados para a ilha das Cobras, complexo militar na baía de
Guanabara controlado pela Marinha, onde eram despidos e espancado, para
então ser amontoados nos porões de vapores com destino à Amazônia, como
mão de obra para a extração do látex das seringueiras. Era uma viagem sem
volta.
PARA GABARITAR
Pesa sobre essa revolta olhares apressados que reproduzem a
incompreensão do próprio governo da época. Em geral, trataram-se
os revoltosos como ignorantes por não admitirem a vacina. Assim,
seria uma revolta marcada pela irracionalidade. Sob essa ideia
simples, encontrava-se um olhar enviesado para as teorias eugenistas
da época, que construíam o estigma sobre as populações mestiças e
pobres como propensas a violência e ao crime. Por outro lado, a
historiogra�a demonstrou a profunda racionalidade do con�ito
marcado como reação de uma parcela da população cada vez mais
marginalizada e perseguida pelas forças da modernização.
Um Ímpeto Demolidor Paulista
No estado de São Paulo, operou-se um fenômeno particular. A produção
cafeeira gerou uma elite com per�l distinto das de outras regiões
agroexportadoras, principalmente no que diz respeito a diversi�cação no
emprego de capitais. As características da expansão do café para o interior do
estado, para as regiões de Campinas e Ribeirão Preto, entre outras, atraiu e
formou uma diversidade de fazendeiros que logo se distinguiu dos tradicionais
cafeicultores �uminense e do Vale do Paraíba paulista.
No contexto dessa expansão, entre 1860 e 1890, a transição para a mão de obra
livre, com a imigração europeia e a Abolição da escravidão, colocaram em
evidência o binômio “progresso e civilização” que o Partido Republicano
Paulista encampou. Sob essa perspectiva, a imigração europeia cumpria um
papel “civilizacional”. Aos ex-escravizados, coube o preconceito e a
marginalização como “negros” e “homens de cor”, tratados como sinônimo do
atraso a ser superado e esquecido (SALLES, 1986). Com esse novo per�l, o
capitais do café logo a�uíam para a capital do estado. São Paulo passava por
um intenso processo de transformação com a urbanização acelerada e a
industrialização.
O federalismo da república assegurou o aumento signi�cativo da retenção de
capitais da exportação para o estado paulista. Assim como o governo federal
encampara as reformas modernizantes do Rio de Janeiro, como grande vitrine
de um Brasil que, supostamente, se tornava moderno sob a república, a elite
paulista e paulistana ampli�cou um processo de urbanização que São Paulo
vinha passando desde 1890. Nas palavras do sociólogo José de Souza Martins
(2011, p. 71), “um ímpeto modernizante e demolidor tomou conta da
mentalidade paulista”.
Nas primeiras décadas do século XX, muito rapidamente, quase todo do centro
da capital paulista veio abaixo. A nova cidade ganhou estilo eclético nas novas
construções, marca do estado laico instituído pela República, sobressaindo as
obras de Ramos de Azevedo. Um dos grandes símbolos que retratava a entrada
de São Paulo na modernidade era a ferrovia. Em particular, a reinauguração da
Estação da Luz, toda remodelada entre 1895 e 1901, com projeto do arquiteto
britânico Charles Henry Driver.
A expansão demográ�ca na ocupação do interior do estado, em função da
cafeicultura e seus desdobramentos, também levou a criação de medidas
sanitárias. Nessa perspectiva, em 1898 foi criada a Escola de Farmácia e, em 1901
o Instituto Butantan, voltado para a produção de vacinas para várias doenças,
em particular o soro antiofídico em face ao crescente número de acidentes
com picadas de cobras nas áreas rurais e de expansão agrícola.
Estação da Luz ontem e hoje
Fonte: acesse o link disponível aqui
https://history.uol.com.br/historia-geral/estacao-da-luz-fascinante-historia-de-um-marco-de-sao-paulo
O serpentário do Instituto Butantan na década de 1910
Fonte: acesse o link disponível aqui
CONECTE-SE
O Instituto Butantan é o principal produtor de imunobiológicos do
Brasil, responsável por grande porcentagem da produção de soros
hiperimunes e grande volume da produção nacional de antígenos
vacinais, que compõem as vacinas utilizadas no PNI (Programa
Nacional de Imunizações) do Ministério da Saúde.
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/57/Serpentario.jpg
https://go.eadstock.com.br/b0x
Contudo, o processo revelou-se doloroso e traumático para vários setores. As
mudanças abruptas se colocam numa relação de descompasso entre o
compreendido e os fatos em si, a crua realidade da vida. Ou seja, a rapidez do
desenvolvimento econômico de São Paulo, ao longo da primeira metade do
século XX, e a lenta atualização de valores e concepções da maioria criaram um
estado de espírito pautado pela nostalgia de um passado idílico e um
romantismo rural que alimentou produções artísticas ligadas à chamada
cultura caipira, entre elas, a própria música.
Do ponto de vista da população pobre, diga-se de passagem, crescia
vertiginosamente nas ruas da capital do café. Ex-excravizados, imigrantes que
deixavam o campo para buscar nova vida na capital, ambulantes,
desempregados, operários, entre outros, formavam uma massa de difícil
controle. Assim como o governo do Rio de Janeiro, as reformas urbanas em São
Paulo colocavam em questão a retirada e o controle desses indesejados do
sistema.
A pobreza era a sombra que a modernidade queria
esconder. As políticas modernizantes, como vimos, não se
puseram a pensar na condição de grande parte da
população pobre e sua inclusão nas transformações
socioeconômicas que o Brasil passava. Ao contrário,
mantiveram �rma uma prática secular de preconceito e
exclusão. Eram sumariamente expulsos das áreas que
habitavam, ou mesmo detidos e enviados
compulsoriamente para outras regiões. As ideias de
modernidade alimentavam o desejo republicano, mas,
seletivamente, as práticas modernizantes revelaram – e
rea�rmavam – o per�l elitista que o domínio oligárquico
imprimia no cotidiano.
Os Excluídos da Terra:
Negros e Indígenas no
Início da República
AUTORIA
Carlos Alberto Menarin
Olá, estudantes!
Dando continuidade às observações da aula anterior sobre os descompassos
do projeto republicano no Brasil, vamos tratar dos excluídos da terra. Esse tema
inicia a discussão sobre quem era considerado povo no país, e qual seu papel
na construção nacional. A exclusão de indígenas e negros, além dos
analfabetos, mulheres e pobres, dos direitos sociais e políticos foi uma das
marcas desse período, ancorada na circulação e adoção de ideias evolucionistas
pelo estado brasileiro.
Fonte: acesse o link disponível aqui
Reorganização Conservadora da
Terra e do Trabalho na República
O novo regime instalado no Brasil a partir do 15 de novembro de 1889 havia sido
viabilizado, conforme vimos, pela convergência de amplos setores e
movimentos em um momento crucial de crise de legitimidade da monarquia,
sobretudo, após a Abolição da Escravidão, em 1888. Setores econômicos mais
dinâmicos, como os cafeicultores do interior paulista, �zeram valer sua
crescente in�uência e prestígio para enterrar as discussões que colocavam em
pauta, ainda durante o Império, a indenização dos fazendeiros após o �m da
https://lisa.fflch.usp.br/node/10311
escravidão, defendido principalmente por produtores do vale do Paraíba
�uminense e Zona da Mata mineira – áreas de relativo declínio emrelação à
pujante produção cafeeira do interior de São Paulo.
A estabilidade e a consolidação da República passavam pelo �no controle
policial do potencial de insurgência das camadas pobres dos centros urbanos,
em particular, do Rio de Janeiro, mas também da manutenção de uma
estrutura agrária secularmente concentrada e excludente, os chamados
latifúndios. O desenho oligárquico, que se formou pelo esquadro do
federalismo, chegou a esboçar um projeto modernizante de desenvolvimento
agrário e industrial que romperia com a herança não só imperial, mas,
sobretudo, colonial, com a proposta de Ruy Barbosa para a constituição de um
cadastro geral de terras, possibilitando um real conhecimento das propriedades
rurais e a sua taxação.
A possibilidade de um cadastro das propriedades rurais e da criação de um
imposto rural foi prontamente combatido e gerou apreensão sobre o rumo que
a República poderia seguir. Pairava no ar o medo de uma reforma fundiária.
Segundo Linhares eTeixeira e Silva (1999, p. 74), a pronta reação do setor
indicava que não iriam aceitar qualquer encaminhamento que propusesse a
distribuição de lotes para libertos, pobres ou imigrantes. O fechamento do
acesso dos pobres à terra era garantia fundamental do domínio da elite agrária.
A desigualdade na propriedade deveria ser a base para a pretensa igualdade
política, apregoada pela constituição e organizada pela política dos
governadores.
Sob o governo Campos Sales, a partir da chamada política de governadores, a
gestão das tensões fez surgir um leque de ações em outra direção. Contemplou
os setores agrários com o acesso facilitado a créditos, a redução de impostos de
exportação, além de obras de infraestrutura, como ferrovias e portos para
facilitar o escoamento da produção. Ao invés de medidas que tocassem o cerne
da estrutura agrária brasileira, o governo republicano rati�cou o poder dos
latifundiários, com acenos, afagos e benesses.
Inclusive, essa cisão no setor cafeicultor teria contribuído
para a adesão de�nitiva dos produtores paulistas à causa
republicana, quando notaram que as reformas do
Gabinete de Ouro Preto, de julho de 1889, consistiam,
basicamente, em manobra para viabilizar empréstimos
aos cafeicultores �uminenses em franco declínio (LESSA,
2015; LINHARES; SILVA, 1999).
A Constituição Federal de 1891, em seu artigo 64, garantia a transferência das
terras públicas para o patrimônio dos estados da federação, dando-lhes a
prerrogativa de legislar sobre o tema. Assim, abria-se ao poder local, oligárquico
O jurista Ruy Barbosa e o governante Campos Sales
Fonte: Wikimedia.
PARA GABARITAR
O novo regime não dava qualquer passo em direção à liquidação do
passado colonial, com sua �leira de injustiças, como ainda acumulava
outras mais. Os 723.419 escravizados existentes em 1888 não foram
objeto de qualquer ação de indenização, seja direta (em forma de
dinheiro), seja indiretamente (como a doação de um lote de terra). A
lei da abolição se manteve um passo atrás do debate capitaneado
pelo movimento Abolicionista e por �guras como Ruy Barbosa, que
cobravam a doação de terras aos ex-escravizados.
e coronelista, a possibilidade de legitimar suas ações de controle fundiário. A
política geral da República foi, nesse sentido, extremamente conservadora e
legitimava a arbitrariedade dos grandes fazendeiros na apropriação de terras.
Ao contrário do que ocorreu no México, no período das reformas liberais, na
segunda metade do século XIX, ou da França, no estabelecimento da Terceira
República, depois de 1871, a República no Brasil con�rma as desigualdades
herdadas do Império (LINHARES; SILVA, 1999, p. 77).
Deu-se, assim, uma perfeita conjunção do ideário liberal
com as condições preconizadas pelo conservadorismo
tradicional brasileiro na consolidação de uma ordem
agrário-conservadora. Os pressupostos clássicos do
liberalismo – constitucionalismo, representação, divisão de
poderes, alternância política e, inclusive, o federalismo –
são formalmente adotados. Entretanto, reforça-se a
dominação sobre os grupos sociais subordinados e
consolidam-se os instrumentos de exploração da grande
massa de trabalhadores, dominantemente agrários, do
país. A elite política brasileira foi capaz de sustentar, por
quase quarenta anos, até 1930, um e�ciente pacto de
governação oligárquico, estritamente conservador,
expresso na política dos governadores e no coronelismo
local (LESSA, 2015).
As Práticas de Exclusão
Os abolicionistas, de modo geral, desde monarquistas, como Joaquim Nabuco
e José do Patrocínio, a republicanos como Ruy Barbosa, concordavam que o
�m do cativeiro era um passo fundamental em direção à liberdade e à
conquista da cidadania, mas seria apenas um passo, se essa medida não fosse
complementada por um conjunto de ações que buscasse efetivamente a
integração dos negros na sociedade brasileira. Aventavam-se a necessidade da
universalização da educação e o acesso à terra para os libertos. Alguns, como
Luís Gama, viam como necessária a “refundação” da sociedade, sob bases
republicanas, que assumisse a mestiçagem como um valor de integração para
a superação do preconceito racial vigente. Preconceito que se tornou mais
intenso, explícito e articulado durante os primeiros anos da república.
Ao �m do escravismo, em 1888, já se havia constituído uma imagem social
dominante do negro, construída e veiculada por inúmeros meios, como a
imprensa e a literatura, de uma pessoa ameaçadora, rude, �sicamente forte, de
mentalidade ignorante, atrasada e supersticiosa, que pendia para a depravação
e ao culto às forças demoníacas. Ou seja, desenhava-se com traços fortes tudo
aquilo que não era bem-vindo ao regime que prometia a modernização, a
ordem e o progresso.
As ideias racistas que permeavam a sociedade da época e sustentavam a
segregação dos negros, seguiam, em larga medida, o pensamento dominante
europeu que, baseado em supostas teorias cientí�cas, considerava a raça um
fator biológico e preponderante para explicar as desigualdades entre os seres
humanos. Desigualdade que, diga-se de passagem, colocava em um estrato
superior os brancos europeus e norte-americanos, em relação aos povos
africanos, asiáticos, polinésios, aborígenes, indígenas e mestiços de toda sorte.
Não é coincidência que essas teorias racistas tenham se difundido em tamanha
extensão na virada do século XIX. Era o momento de expansão imperialista
europeia para o neocolonialismo sobre a África e Ásia e, no Brasil, o �m da
escravidão exigiu uma resolução para como continuar mantendo segregado
esse contingente de negros, agora libertos.
No Brasil, as ideias racistas adquiriram uma variante própria: a teoria do
branqueamento. De acordo com as teorias racistas europeias, o Brasil estava
fadado ao fracasso. O sangue negro havia contaminado a população, tornando-
a inferior, sujeita que estaria à lascívia, à preguiça, à ignorância e à rudeza. Do
ponto de vista da elite brasileira, branca, essa formulação era bastante
incômoda, pois inviabilizava toda a premissa de modernização e progresso que
a república representaria. A saída encontrada foi sua reformulação a partir da
experiência local da mestiçagem, agora vista como um trunfo. Teria sido por
meio da mestiçagem com o indígena e o negro, que o branco pudera se
adaptar e superar as di�culdades do meio tropical hostil e levar adiante a
colonização, responsável por erigir aqui um grande país. Segundo essa teoria
do branqueamento, a miscigenação, em longo prazo, diluiria os sangues negros
e indígenas (considerados inferiores), onde predominaria o branco.
Com a República, a população afro-brasileira passou a sofrer, sistematicamente,
a exclusão social, econômica, política e civil, sem que, contudo, essa exclusão
fosse formalizada em leis segregacionistas, como ocorreu nos Estados Unidos,
logo após a abolição de 1865, as Leis Jim Crow, derrubadas pela longa luta do
movimento negro estadunidense, somente na década de 1960.
As tensões sociais foram uma constante durante aPrimeira República. É
famosa a frase atribuída a Washington Luís, último presidente do período, em
1926, de que “a questão social é caso de polícia”. E era mesmo. Um outro
PARA GABARITAR
O estímulo à imigração europeia em massa para o Brasil cumpria
atender não somente às demandas por mão de obra, mas
promoveria a aceleração do processo de branqueamento da
sociedade. Entre 1884 e 1913, cerca de 2,7 milhões de europeus
entraram no país, em sua maioria, portugueses, italianos, espanhóis e
alemães. Em 1911, no Congresso Internacional das Raças, realizado em
Londres, o representante brasileiro, Batista Lacerda, previa que os
negros desapareceriam e os mestiços �cariam reduzidos a uma
parcela insigni�cante da população brasileira no início do século XXI.
Uma das primeiras medidas do governo provisório
republicano, em 1890, sob pretexto de manter a ordem
pública, foi a proibição da capoeira e a repressão aos
capoeiristas no Rio de Janeiro que, em sua maioria, eram
negros e mestiços. Não havia formalidades legais. Uma vez
detidos, eram sumariamente jogados em porões de navios
e “deportados” para a ilha de Fernando de Noronha ou
localidades no norte do país. O próprio líder abolicionista,
político e jornalista José do Patrocínio foi preso e enviado
para Amazônia, só conseguindo retornar ao Rio de Janeiro,
em 1894.
exemplo ocorreu no próprio seio militar, na Marinha de Guerra, atravessada
pelas relações raciais e pelas marcas da ainda recente escravidão.
A República havia abolido o uso da chibata como forma de punição e de
manutenção da disciplina entre os marinheiros. Contudo, pressionado pelo alto
comando da Marinha, o governo restabelecera seu uso como forma de castigo.
Em novembro de 1910, marinheiros amotinados, liderados pelo negro João
Cândido, que ganhou o apelido de Almirante Negro, se levantaram contra essa
prática que remetia, obviamente, aos castigos sob o escravismo. O estopim foi a
ordem para a punição do marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes, com 250
chibatadas, pelo Comandante João Batista das Neves, conhecido por desfrutar
da aplicação dos castigos.
Durante a revolta que tomou o navio, o comandante foi morto. Ameaçando
bombardear o Rio de Janeiro, o governo atendeu à reivindicação e aboliu a
chibada. Contudo, sob pressão da Marinha, João Cândido e outros
companheiros foram detidos e colocados em um cárcere sem ventilação. Em
seguida, jogaram cal na tentativa de sufocá-los. Apenas João Cândido e outro
marinheiro conseguiram escapar. Os demais morreram as�xiados. O Almirante
Negro, como era conhecido, nunca foi anistiado pela Marinha. Morreu pobre,
em 1969.
Nos quase dois anos em que �cou preso, João Cândido costumava passar o
tempo bordando.
Fonte: acesse o link disponível aqui
http://34.bienal.org.br/enunciados/9058
CONECTE-SE
Em 1974, João Cândido foi homenageado com uma canção de João
Bosco e Aldir Blanc, que se chamaria “O Almirante Negro”. Devido à
censura da ditadura militar foi intitulada “O mestre-sala dos mares”.
Na letra original, onde havia a expressão “Almirante Negro” foi
substituída por “navegante negro”. A canção é facilmente encontrada
em plataformas na internet. Para conhecer mais a história de João
Cândido e de outros personagens que tiveram suas vidas silenciadas,
esquecidas ou não reconhecidas durante a república, homens e
mulheres marcados pela condição racial e de gênero, foi criado o site
“Personagens do pós-Abolição”.
A Tutela dos Nativos
Desde a independência, a presença de indígenas no território brasileiro foi
sendo restringida. Durante todo o império a imagem do nativo foi alçada como
símbolo da jovem nação dos trópicos. Na literatura, criou-se até uma corrente, o
indianismo. E foi com a obra O Guarani, de 1857, que José de Alencar contribuiu
para a segmentação de um mito perene, a do sacrifício do indígena Peri em
prol da nação brasileira. Era o lugar reservado aos nativos que a elite imperial
de�niu. Havia, portanto, a representação simbólica do nativo que se civiliza aos
moldes europeus e, com bravura e honraria, se sacri�ca pela nação. Entretanto,
os indígenas de carne e osso, reais, continuavam perseguidos e expulsos de
suas terras. A república não alterou essa prática, mas a conduziu em novos
moldes.
https://go.eadstock.com.br/b2t
A Constituição de 1891 não tratou da questão. Nas primeiras décadas
republicanas, a situação dos indígenas era tensa. Foi o momento do avanço de
frentes de expansão agrícola, ainda mais para o interior do país, colocando em
situação de guerra contra os nativos pela posse das terras. No interior de São
Paulo, entre 1907 e 1910, à frente de expansão da cafeicultura e da ferrovia em
direção ao oeste colocou em con�ito os Kaingang, fazendeiros e trabalhadores
da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Foram promovidas chacinas de tribos
inteiras.
Os engenheiros da ferrovia contratavam bugreiros e incitavam os próprios
trabalhadores contra os indígenas (FABRI; CURY, 2021, p. 155). Um episódio de
denúncia de que colonos alemães estariam dizimando os Botocudos, em Santa
Catarina, provocou uma onda de indignação. Nem tanto humanitária, mas
nacionalista. Pressionado, o governo brasileiro criou, pelo decreto n.º 8.072, de
20 de julho de 1910, o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) que, basicamente,
atribuía ao Estado a função de assegurar aos indígenas o seu próprio território e
a liberdade de professar suas crenças. Esse órgão teve um papel fundamental
na questão indigenista durante sua existência, em que pese as inúmeras
críticas da sua atuação quase missionária, enfatizando a introjeção de valores e
costumes ocidentais aos nativos para sua incorporação à civilização. Foi com a
atuação do SPI que o massacre sobre os Kaingang no interior paulista foi
interrompido.
A política de controle dos indígenas pelo Estado republicano foi formalizada no
Código Civil de 1916 e na lei n.º 5.484, de 27 de junho de 1928, que
estabeleceram sua relativa incapacidade jurídica e o poder de tutela ao SPI.
Esses dispositivos legais, entretanto, partiam de uma noção genérica de “Índio”,
não muito distante do que o senso comum ainda hoje estabelece: só é índio se
viver na �oresta, nu, sem contato com nada da cultura ocidental. A diversidade
étnica levaria décadas para ser reconhecida.
CONECTE-SE
O tema Povos Indígenas no Brasil, do Instituto Socioambiental (ISA) é
referência nacional na produção, análise e difusão de informações
quali�cadas sobre os povos indígenas no Brasil.
O Museu Histórico e Pedagógico Índia Vanuíre, em Tupã, SP, é uma
das principais instituições museológicas do país em acervo
etnográ�co, nele encontramos as principais referências sobre os
Kaingang no interior paulista, sua história e sua resistência.
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O SPI extinguiu-se melancolicamente em 1966, em meio a
acusações de corrupção e foi substituído, em 1967, pela
Fundação Nacional do Índio, a FUNAI. A política
indigenista continuava atrelada ao estado e às suas
prioridades. Na década de 1970, os grandes projetos da
Ditadura Militar para a região norte envolviam
infraestrutura e mineração, tivemos a Transamazônica, as
barragens de Tucuruí e Balbina e o projeto Grande Carajás.
Os nativos não deixavam de ser vistos como empecilhos
aos desenvolvimentos. Eram combatidos e “empurrados”
para os rincões da �oresta, quando não morriam nas mãos
de agentes que deveriam protegê-los (VALENTE, 2017;
CUNHA, 2012).
Concluindo
O lugar dos indígenas e dos negros na sociedade brasileira é, até hoje, motivo
de debate. No início da república, esses dois grupos, que foram duramente
marginalizados e explorados durante todo o império, continuaram sofrendo
com as práticas de exclusão que foram se ajustando ao novo regime,
assegurando o privilégio de setores já estabelecidos. As teorias raciais
ganharam terreno fértil na sociedade brasileira do pós-Abolição. Nas premissas
de progresso e modernização que a república encarnaria não havia espaço para
aqueles grupos sociaisque passaram a ser vistos como sinônimo de
degeneração, atraso, violência e ignorância. Costurou-se uma política de
branqueamento pela via da imigração, ao mesmo tempo em que se perseguia
e prendiam negros sob retórica da manutenção à segurança pública.
Negros e indígenas constituem dois dos grupos dos excluídos do regime
republicano. Os re�exos dessa história ainda se fazem presentes no racismo
estrutural que nos envolve e nos ataques incessantes e desavergonhados, que
políticos e agentes do agronegócio promovem contra os direitos e à terra dos
povos indígenas.
Do Pensamento à Ação:
Crítica e Crise nos Anos
1920
AUTORIA
Carlos Alberto Menarin
A década de 1920 foi um momento de tensão no campo político oligárquico. A
gestão dos interesses sob a política de governadores, criada por Campos Sales,
já não era su�ciente para sustentar a hegemonia paulista. O cenário
internacional, pós- Grande Guerra (1914-1918) e Revolução Russa, de 1917, fez
emergir uma grave crise, acompanhada de duras críticas ao liberalismo e, por
outro lado, alçou a experiência de uma revolução socialista como possível e
desejável aos corações e mentes dos trabalhadores do mundo, tornando
paradigmática para a organização dos movimentos de esquerda ao longo do
século XX.
Internamente, debatia-se o fracasso oligárquico e as alternativas que se
apresentavam para “corrigir” o caminho da república no Brasil. Ganhavam o
espaço público ideias e ações múltiplas, bem como um pensamento
nacionalista autoritário, calcado ainda nas teorias evolucionistas e raciais, e um
movimento de esquerda que amalgamava os ideais das lutas operárias de
sindicalistas, anarquistas e socialistas.
Fonte: acesse o link disponível aqui
A Crise Oligárquica dos Anos
1920
https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos20/CrisePolitica/MovimentoTenentista
O cafeicultor e político paulista Martinho Prado da Silva Júnior, �gura dileta da
elite de São Paulo, reconhecia a passagem para a república, antes de tudo,
como uma obra militar, diante das fragilidades e disputas internas que
minavam o movimento republicano civil. Para ele, já em 1898, aquela não era a
república dos meus sonhos (CARVALHO, 2007, p. 52). No entanto, a família
Prado, assim como muitos outros cafeicultores do interior paulista, logrou
grande riqueza com o café, o que possibilitou a atuação em tantos outros
ramos de investimento na capital paulista.
O peso da cafeicultura na pauta de exportação brasileira era gigantesco, e foi
também o motivo de sua fragilidade. As crises de superprodução, desde 1896, já
assinalavam o risco. O contexto da Grande Guerra (1914-1918) fez despencar as
exportações e quase inviabilizar as importações de muitos produtos das quais o
país dependia. Era o contexto de uma crise econômica aguda. A carestia pesava
sobre a população. O descontentamento ganhava as ruas e os quartéis. Estava
em xeque a hegemonia das oligarquias do sudeste, em particular a paulista e a
mineira, diante da oposição levantada por outros estados, como o Rio Grande
do Sul.
PARA GABARITAR
Movimento Tenentista. No começo dos anos 1920, a situação era
desalentadora no Exército. Faltava de tudo: armamento, cavalos,
medicamentos, instrução para a tropa. Essa situação afetava
particularmente os tenentes. Eclodiram diversos levantes militares,
com a presença signi�cativa de tenentes, dando origem ao termo
"tenentismo". O principal objetivo era derrubar o governo. Mas não
havia uma proposta política para o depois. Re�etiam, vagamente, o
debate de ideias da época, marcado pelo avanço do nacionalismo e
da centralização política. Nesse ponto, eles se aproximavam das
oligarquias regionais que se opunham ao predomínio de São Paulo e
Minas Gerais. Entre outras reformas, defendiam o voto secreto, a
independência do Poder Judiciário e um Estado mais forte.
Ainda, nos anos 1920, houve uma manifestação maciça dos tenentes em todo o
país, que declaravam seu ódio às oligarquias. Em 1924, uniram-se às colunas de
tenentes vindos de São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, que estavam
decididos a percorrer o Brasil propagando as ideias de revolução, causando o
levante popular contra as oligarquias dominantes. Dessa forma, nasce a Coluna
Prestes, liderada pelo capitão Luís Carlos Prestes. A Coluna Prestes percorreu
mais de 24 mil quilômetros pelo interior do país. As revoltas tenentistas se
dirigiam contra o que chamavam de “vinte feudos”, que tinham por senhores
aqueles que eram escolhidos pela política dominante.
O descontentamento dos militares com o caminho que a
república tomara era evidente. Na eleição de março de
1922, o candidato da situação, Artur Bernardes, saiu
vitorioso. Com a estrutura eleitoral marcada pelo
coronelismo, os resultados eram previsíveis e as acusações
de fraude eram constantes. O Clube Militar questionou,
formalmente, propondo a criação de um Tribunal para a
recontagem dos votos. O Congresso Nacional,
majoritariamente ligado ao presidente e seu sucessor,
recusou a proposta. Epitácio Pessoa, ainda na presidência,
tratou logo de fechar o Clube Militar e ordenar a prisão de
Hermes da Fonseca, em julho de 1922. A reação militar
ganhou corpo com o boato de que, ao assumir, Bernardes
acabaria com o Exército. Em 5 de julho, dia da posse do
novo presidente, guarnições do Rio de Janeiro se
amotinaram no Forte de Copacabana. Dos envolvidos, 17
militares e 1 civil decidiram marchar em direção ao palácio
do Catete (sede do governo). Na avenida Atlântica, os “18
do forte” como �caram conhecidos, encontraram as forças
governistas. O levante foi facilmente derrotado, alguns
abatidos a tiros, os demais presos. O evento entrou para
memória militar como o início do Tenentismo.
Buscando respostas para a crise econômica, que era vista, também, como uma
crise política, registrou-se um momento de intenso debate de ideias e
propostas que gravitavam em torno do autoritarismo de cunho nacionalista, os
movimentos e os pensamentos de esquerda, e subjacente, o debate em torno
do povo e da identidade nacional. Essa amálgama fez dos efervescentes anos
de 1920, a base para uma nova rodada de formulações, projetos e críticas do
pensamento social e político brasileiro que re�etiria, em particular, sobre o
papel do Estado.
Prestes com seus apoiadores no início dos anos 1930 e no Tribunal de
Segurança, sete anos depois
Fonte: Wikipédia.
O Pensamento Autoritário
Com as oligarquias à frente da república, dominando o jogo político pela
política de governadores, ganhou corpo no espaço público, o chamado
pensamento autoritário, sintomaticamente, um registro avesso ao efervescente
crescimento das massas na ordem social e da relação dos partidos, dominados
pelas elites agrárias, com o Estado. Esse fato trouxe à tona, para o âmbito do
debate político, questões sobre o passado brasileiro, indagações sobre etnia,
raça, cultura e nacionalidade.
Um marco na formulação desses ideais autoritários apareceu com o intelectual
republicano Alberto Torres. Com a publicação de O problema nacional
brasileiro, em 1912, e A organização nacional, de 1914, pautou o debate em
torno da enfática defesa do Estado forte e interventor, capaz de mediar os
con�itos sociais, e subordinar os interesses regionais oligárquicos em prol da
nação. Era o Estado o construtor da nação. Subjacente, estava também a visão
de submissão e controle e de dependência da sociedade em relação ao Estado.
Torres, recusou a ideia, bastante em voga na época, da mestiçagem como fator
de degeneração do brasileiro. Contudo, manteve �rme a defesa no rígido
controle sobre os trabalhadores. Antiliberal convicto, lutava de maneira ferrenha
contra os ideais socialistas. Seu descontentamento com os rumos da república
era evidente. O projeto político que apresentou de maneira sistemática em seus
livros passou a nortear cada vez mais grupos militares também descontentes
com o domínio das oligarquias.
Na década de 1920, vicejou a crítica ao liberalismo republicano. Originou-se
uma interpretação baseada

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