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ZOONOSES AULA 3 Profª Mariana Forgati 2 CONVERSA INICIAL Em nossa aula, estudaremos as principais zoonoses com relevância epidemiológica causadas por bactérias: leptospirose, botulismo, brucelose, doença de Lyme e peste bubônica. As bactérias compõem um grupo extremamente diverso de organismos unicelulares e procariontes, ou seja, não possuem um núcleo compartimentado para abrigar seu DNA e estão organizadas em dois grandes reinos: Bacteria e Archaea. A maioria dos procariotos é pequena e simples, com morfologia esférica ou em forma de bastonete, normalmente revestida por uma parede celular. As células procarióticas ocupam uma grande variedade de nichos e apresentam a maior diversidade bioquímica entre todos os organismos vivos, com espécies organotróficas (que se alimentam de uma variedade de moléculas orgânicas), fototrótricas (realizam fotossíntese) e litotrótricas (realizam quimiossíntese) (Alberts et al., 2002). TEMA 1 – LEPTOSPIROSE Nesta seção, iniciaremos o estudo das zoonoses bacterianas com maior relevância epidemiológica, dentre as quais se destaca a leptospirose. A leptospirose tem como agente etiológico a bactéria espiralada Leptospira interrogans, que possui mais de 200 variantes sorológicas (sorovares – Australis, Autumnalis, Bataviae, Bratislava, Canicola, Copenhageni, Hardjo e Icterohaemorrhagiae, por exemplo). Essa infecção é mundialmente distribuída, com maior prevalência nos países tropicais, com elevado índice pluviométrico. A infecção é comum em roedores e outros mamíferos silvestres e domésticos (160 espécies de mamíferos já foram identificadas com a infecção). Cada sorovar tem seu hospedeiro preferido, embora cada espécie possa abrigar mais de um sorovar. O ser humano, por exemplo, é suscetível a vários sorovares. A transmissão para seres humanos ocorre em surtos esporádicos ou epidêmicos, de modo acidental, com a bactéria veiculada através da urina de animais contaminados, normalmente roedores sinantrópicos do ambiente urbano e rural. Após um período de incubação de 1 a 2 semanas, a leptospirose passa por duas fases. 3 • Leptospiremia (7 a 10 dias), em que as leptospiras multiplicam-se ativamente nos diferentes órgãos, caracterizando o quadro agudo da doença. Os sintomas dessa fase costumam ser febre, mialgia (principalmente na região das panturrilhas), conjuntivite, rigidez na nuca, náuseas e vômitos. • Leptospirúria (1 semana a meses), em que ocorre liberação das leptospiras pela urina. A evolução da doença varia de acordo com vários fatores, entre eles o sorovar, a carga bacteriana infetante, o estado de saúde do doente e a intervenção médica rápida. A maioria dos infectados desenvolve uma infecção inaparente, subclínica. Porém, de 5 a 10% desenvolve a doença de Weil, uma forma ictérica ou hepatonefrídica grave, com elevada taxa de mortalidade, cujos sintomas são (além das descritas na leptospiremia) petéquias na pele, hemorragias no trato gastrointestinal, proteinúria (eliminação de proteínas pela urina), hepatoesplenomegalia (aumento do volume do fígado e pâncreas), icterícia e insuficiência renal. O tratamento consiste na administração de antibióticos, como penicilina e amoxicilina. Veja o infográfico com as principais informações a respeito da leptospirose na Figura 1. 4 Figura 1 – Infográfico sobre principais formas de transmissão, sintomas e prevenção da leptospirose Crédito: Love You Stock/Shutterstock. Como a fase aguda da leptospirose pode ser confundida com outras enfermidades (como síndrome gripal, meningite, hepatite), é necessário realizar diagnóstico laboratorial, como isolamento do agente infeccioso a partir de cultura do sangue total, da urina ou até mesmo do líquido cefalorraquidiano. De forma complementar, pode-se investigar a presença de leptospiras no material biológico, num exame a fresco sob microscópio de luz de fundo escuro. Podem ser realizados, também, exames sorológicos, a partir da primeira semana de infecção (pesquisa de antígenos e ELISA, principalmente). A técnica molecular PCR é bastante sensível e com elevada especificidade, sendo um excelente método diagnóstico, porém com custo elevado, o que é inviável para a maioria das localidades (Acha; Szyfres, 2001). A leptospirose está relacionada a condições comportamentais (trabalhadores de arrozais, minas, esgotos, matadouros, cuidadores de animais e veterinários) e socioambientais, sendo recorrente em áreas pobres, com altos índices de desigualdade social e em países em desenvolvimento. Embora seja potencialmente letal, o impacto da leptospirose na saúde da população é bastante subestimado. Essa a doença tem pouca ou nenhuma 5 visibilidade, o que a torna marginalizada e desconhecida pelo público geral. Por se tratar de uma infecção prevalente em regiões pobres e que não desperta o interesse de grandes indústrias farmacêuticas e do poder público para garantir infraestrutura apropriada para a prevenção, tratamento e controle da enfermidade. A leptospirose foi classificada na literatura internacional como uma Doença Tropical Negligenciada (Martins; Spink, 2020). TEMA 2 – BOTULISMO O botulismo é causado pelo bacilo gram-positivo Clostridium botulinum (bacilo gram-positivo), uma bactéria anaeróbia obrigatória, cujo reservatório de é o solo, sedimento de rios e mares, vegetais e intestino de aves e mamíferos. Sob condições desfavoráveis, C. botulinum produz esporos, que são extremamente resistentes a calor de dessecação, sendo capazes de sobreviver por mais de 30 anos em meio líquido e, mais tempo ainda, em meio seco, além de tolerar temperatura elevadíssimas (como 100°C por horas). A germinação dos esporos ocorre quando C. botulinum encontra condições favoráveis, como condições anaeróbicas, pH superior a 4,5 e umidade. Essas condições são encontradas, por exemplo, em alimentos, principalmente em embutidos e conservas caseiras que não sofreram tratamento térmico adequado ou armazenados em condições inadequadas. Clostridium botulinum sintetiza uma das mais potentes neurotoxinas conhecidas, a toxina botulínica, responsável por quatro tipos de enfermidade em seres humanos extremamente graves, que devem ser considerados como emergência médica. • Botulismo alimentar: ingestão de alimentos contaminados pela toxina botulínica pré-formada. • Botulismo de feridas: toxina é produzida durante a infecção tecidual. Atualmente, essa infecção está associada a usuários de drogas injetadas. • Colonização intestinal em adultos: toxina é produzida e absorvida após colonização intestinal. • Botulismo infantil: comumente associado à Síndrome de Morte Súbita do Recém-Nascido. A microbiota imatura dos lactantes menores de um ano permite a germinação dos esporos e colonização do intestino do lactante por C. botulinum, seguido pela produção e absorção da toxina botulínica. 6 O consumo de mel contaminado é a principal causa do botulismo infantil, por isso recomenda-se não oferecer esse alimento a crianças menores de um ano (Cereser et al., 2008). A toxina botulínica age seletivamente no terminal nervoso periférico colinérgico, inibindo a liberação de acetilcolina na fenda sináptica da junção neuromuscular. Outros animais também podem ser infectados pelo botulismo, principalmente aves e bovinos que consomem ração, silagem e forragens contaminadas com toxina botulínica. Além de prejudicar os ganhos econômicos com os sistemas de produção, o botulismo nesses animais é potencialmente transmissível aos seres humanos. O período de incubação costuma durar de 18 a 36 horas, apesar dos sinais clínicos poderem ser manifestados após poucas horas da ingestão do alimento. Apesar do botulismo apresentar sete variantes antigênicas diferentes (A-G), os sinaisclínicos variam pouco (apesar de a variante A apresentar maior mortalidade), sendo comum a manifestação de sintomas gastrointestinais, como náuseas, vômitos e dores abdominais, seguida por sintomas neurológicos. As manifestações neurais são sempre simétricas, com paralisia descendente, sendo comum diplopia (visão dupla), disartria (fala lenta e sem articulação) e disfagia (dificuldade em engolir líquidos e alimentos sólidos). Devido à barreira hematoencefálica, a toxina não atinge o encéfalo, portanto, o paciente permanece consciente durante a evolução do quadro. É muito comum o quadro evoluir para uma parada respiratória e óbito, principalmente se a dose ingerida de toxina botulínica for alta. Nos pacientes que sobrevivem, a completa recuperação pode levar de 6 a 8 meses. Veja no infográfico da Figura 2 os principais sinais e sintomas do botulismo. 7 Figura 2 – Infográfico ilustrando os principais sinais e sintomas do botulismo Crédito: Designua/Shutterstock. O diagnóstico clínico do botulismo precisa ser confirmado pela presença da toxina botulínica no soro do paciente, bem como no estômago e nas fezes de pessoas que consumiram alimentos suspeitos de contaminação pela toxina botulínica. O sucesso do tratamento depende da precocidade com a qual o mesmo é iniciado e depende da dose de toxina botulínica consumida. A administração de antitoxinas (heptavalente e trivalente de origem equina) neutralizam as moléculas que ainda não se ligaram às terminações nervosas, sendo incapazes, no entanto, de reverter os danos já causados. 8 A prevenção do botulismo consiste, principalmente, no consumo de alimentos com boa procedência e, no caso de conserva e embutidos, que foram submetidos a temperatura de 120°C por 30 minutos e mantidos em solução salina com concentração de cloreto de sódio superior a 8%. Além disso, os alimentos enlatados, cujas latas estejam estufadas devem ser rejeitados e destruídos, já que apresentam indicativo de contaminação por C. botulinum (Acha; Szyfres, 2001). TEMA 3 – BRUCELOSE A brucelose é uma zoonose direta com distribuição geográfica mundial causada por bactérias do gênero Brucella, que são cocobacilos gram-negativos, com capacidade de formar esporos. A brucelose humana pode ser causada pelas seguintes espécies: Brucella melitensis (mais comum e mais invasiva), cujos reservatórios são as cabras, as ovelhas e os camelos; Brucella abortus, que causam a brucelose bovina; Brucella suis, que causam a brucelose suína; e a Brucella canis, a canina. O ser humano adquire brucelose ao entrar em contato direto com animais contaminados (fetos, envoltórios fetais e descargas vaginais ricos em brucelas), ao consumir alimentos de origem animal contaminados (leite não pasteurizado, carne malcozida ou crua) ou, em menor grau, pela inalação de aerossóis infectantes. O período de incubação é de uma a três semanas. A manifestação dos sintomas é repentina, sendo que a fase aguda da infecção se confunde com tantas outras enfermidades, causando febre, calafrios, sudorese, pronunciada astenia (sensação de fraqueza, cansaço), além de insônia, impotência sexual, constipação, anorexia e dores generalizadas. O sistema nervoso é bastante afetado pela infecção, sendo que podem ser observadas irritação, nervosismo e depressão, bem como maior volume nos gânglios periféricos e hepatoesplenomegalia. Em algumas pessoas, a brucelose se torna crônica, com sintomas persistindo por anos, mesmo na ausência de focos de infecção localizados. O diagnóstico da brucelose humana é baseado na sintomatologia e investigação epidemiológica. Entretanto, deve ser confirmado a partir de exames laboratoriais, que buscam isolamento e identificação do agente etiológico a partir de cultura de sangue, medula esternal e da crista ilíaca, bem como de abcessos 9 e líquido cefalorraquidiano. No caso de suspeita oriunda de local enzoótico e os exames anteriores atestarem negativo para brucelose, recomenda-se realizar uma contraprova sorológica, sendo a prova de soroaglutinação a mais sensível. O tratamento recomendado para a brucelose aguda é a administração de rifampicina e doxiciclina, por pelo menos 6 semanas. Essa terapêutica tem reduzido de forma considerável a duração da enfermidade, bem como as recaídas (Acha; Szyfres, 2001). A cada ano, meio milhão de casos de brucelose humana são registrados ao redor do mundo, sendo dependente do contato direto ou indireto e, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a verdadeira incidência da brucelose seria algo entre 5 a 10 vezes maior do que sugerem os números oficiais. Na América Latina, os países com maior número de casos de brucelose são Argentina, México e Peru. No ser humano, a infecção por brucelose depende da densidade do gado, nível de endemia animal, nível socioeconômico e hábitos alimentares. Sabe-se que os programas de controle e erradicação da brucelose bovina tem grande efeito na redução da infecção humana. A vacinação dos bovinos é recomendada para o controle da brucelose nas áreas enzoóticas. Recomenda-se a aplicação da cepa 19 ante B. abortus, que garante proteção a toda a vida útil do animal. Ações como pasteurização do leite e consumir carnes de boa procedência e bem cozidas ou assadas também são ações eficientes. Entretanto, a prevenção da infecção dos grupos ocupacionais, como veterinários e pessoal que trabalha diretamente com gado (especialmente funcionários dos matadouros), é mais difícil, sendo que se baseia em educação para a saúde, uso de equipamentos de proteção individual e supervisão médica (Acha; Szyfres, 2001). TEMA 4 – DOENÇA DE LYME: BORRELIOSE A doença de Lyme, ou borreliose, é uma enfermidade que acomete aves, mamíferos silvestres e domésticos e seres humanos, de forma acidental. Essa infecção é causada por Borrelia burgdorferi, pertencente à família Spirochaetacea, cujos representantes são bactérias helicoidais dotados de grande mobilidade. A borreliose foi também batizada de doença de Lyme, pois em 1977, na cidade estadunidense de Lyme, vários jovens passaram a apresentar artrite associada a lesões cutâneas típicas dessa infecção. 10 A borreliose é uma infecção associada à infestação por carrapatos do gênero Ixodes, no ciclo silvestre, e Amblyomma, no ciclo doméstico, que envolve seres humanos e animais domésticos. O Amblyomma cajennense é a espécie de carrapato de maior relevância médica no Brasil. As ninfas dessa espécie são popularmente chamadas de micuins e os adultos de carrapato-estrela. Os carrapatos se infectam ao realizar o repasto sanguíneo em animais portadores da B. burgdorferi. Os principais reservatórios são os cervos de cauda branca e os camundongos, nos Estados Unidos, apesar de terem sido encontrados títulos sorológicos elevados de anticorpos específicos para B. burgdorferi em gado bovino, caprino e em cães, sugerindo que esses animais também possam atuar como reservatórios (Santos et al., 2010). Após certo período de parasitismo, a região onde o carrapato se adere costumam apresentar eritema, edema e prurido. A infecção por B. burgdorferi, por sua vez, é caracterizada principalmente pelo eritema migratório recidivante (ECM), presente de 60 a 80% dos pacientes. As demais manifestações clínicas diferem de acordo com a região geográfica em questão, associado às características antigênicas de Borrelia spp. Na América do Norte, por exemplo, há predomínio de manifestações cutâneas e articulares; na Europa, manifestações cutâneas e neurológicas; na Ásia, a sintomatologia é, basicamente, cutânea (Fonseca et al., 2005). O ECM (Figura 3) aparece de 3 a 20 dias após a picada do carrapato. A lesão se inicia como uma pápula avermelhada, que aumenta progressivamente. Os bordos da lesão tornam-se, então, bem delimitados; a lesão central se empalidece.A lesão é recidivante porque é recorrente e aparece em outros locais do corpo, além daquele da região da picada. Além das lesões, podem ser observados febre, cefaleia, rigidez na nuca, mialgias, artralgias, linfoadenopatia (aumento nos linfonodos). 11 Figura 3 – Eritema Migratório Recidivante (EMR) típico da doença de Lyme (borreliose) Crédito: AnastasiaKopa/Shutterstock. Após semanas ou meses do surgimento dos primeiros sintomas, além do aumento das EMRs, alguns pacientes podem apresentar meningoencefalite, neuropatias, miocardites, taquicardia atrioventricular e paralisia de Bell (paralisia em um dos lados da face e artrite, que podem perdurar por anos, de forma crônica). Para o diagnóstico da borreliose, além dos sinais clínicos (principalmente presença de EMR), é necessário isolar o agente infeccioso por cultivo, realizar prova por imunofluorescência e ELISA. Porém, devido às reações cruzadas e à baixa sensibilidade, essas técnicas não são recomendadas para portadores assintomáticos. O tratamento da borreliose consiste na administração de doxiciclina ou ceftriaxona, caso haja alguma infecção neurológica (Acha; Szyfres, 2001). As medidas mais eficientes de controle da borreliose consiste em evitar áreas endêmicas e picadas de carrapato, bem como realizar o controle de carrapatos através do manejo da vegetação peridomiciliar, que atua como abrigo para diferentes estágios do ciclo de vida. A utilização de carrapaticidas também 12 pode ser uma medida de controle desses parasitos, seja no ambiente, seja para a aplicação ou ingestão pelos hospedeiros. TEMA 5 – PESTE BUBÔNICA A peste bubônica é uma parasitose causada pela bactéria Yersinia pestis, cuja principal transmissão é através da picada de pulgas do gênero Xenopsylla, que infesta principalmente roedores. O período de incubação é de 2 a 6 dias. Depois desse período, a infecção pode seguir três caminhos: bubônica clássica, septicêmica e pulmonar, mas que apresentam alguns sintomas comuns, como febre, calafrios, cefaleia, náusea, dor generalizada, diarreia ou constipação, toxemia, hipotensão e confusão mental. A peste bubônica clássica, além dos sintomas já descritos, é caracterizada por uma inflamação e inchaço dos gânglios linfáticos periféricos, popularmente chamados de bubões. Essa forma de manifestação apresenta letalidade de 25 a 60%. Na forma septicêmica, ocorrem manifestações de sintomas neurológicos de forma muito abrupta, sendo que a letalidade pode chegar a 100% dos casos. Por fim, a forma pulmonar pode ocorrer de forma secundária à bubônica clássica ou septicêmica, através da proliferação do patógeno via corrente sanguínea, ou primária, através da inalação de patógenos oriundos de outros seres humanos infectados, causando dispneia, expectoração (aquosa, espumosa ou hemorrágica). O diagnóstico precoce da peste bubônica é decisivo para a sobrevivência e recuperação do paciente. Para isso, recomenda-se realizar a punção dos líquidos do “bubões”, líquido cefalorraquidiano e edemas, seguida por cultivo celular e inoculação em animais de laboratório. Provas sorológicas podem ser realizadas, como hemoaglutinação e ELISA. Desde a era cristã, a peste bubônica foi responsável por três pandemias. A primeira ocorreu no ano 542, quando ficou conhecida por Peste de Justiniano. Essa enfermidade assolou Constantinopla, estendendo-se até Roma, sendo responsável por 100 milhões de mortos. As perdas humanas foram tão significativas que desencadearam a queda do Império Bizantino. A segunda, denominada peste negra, iniciou-se em 1348, durou três séculos e ocasionou a morte de um terço da população europeia, além de milhares de pessoas na Ásia. Ainda nessa época, não se conhecia o agente 13 causador dessa enfermidade, que era atribuída à inalação de ar contaminado por miasmas, supostas substâncias orgânicas presentes nos vapores eliminados durante a putrefação da matéria orgânica e seus odores fétidos. Esse era um dos motivos pelos quais os médicos dessa época utilizavam aquelas máscaras macabras, em formato de bico de ave (Figura 4). No interior da máscara, eram adicionados ervas e especiarias para purificar o ar e evitar que os miasmas atingissem as vias aéreas. Por fim, a última pandemia de peste bubônica iniciou-se em 1894 até a década de 1930. Nesse período, o bacteriólogo Alexandre Yersin descobriu o agente etiológico da peste bubônica e sua associação às pulgas de roedores (Gullot; Serpa, 2020). Figura 4 – Imagem de um médico portando máscara para proteção contra os miasmas, supostos causadores da peste bubônica no século XIX Crédito: illustrissima/Shutterstock. Apesar dessa doença estar controlada, atualmente, ainda é possível verificar surtos cíclicos da peste bubônica, isso porque alguns focos são considerados persistentes (Neves, 2016). Nos Estados Unidos, por exemplo, o foco da peste bubônica encontra-se no campo, graças à presença de roedores conhecidos como “cães da pradaria”, 14 cujas pulgas são reservatórios da Y. pestis. As transmissões ocorrem principalmente no verão, quando as pessoas visitam com mais frequências as áreas naturais, parques etc. Em 2015, por exemplo, foram registrados 15 casos de peste bubônica com 4 óbitos nos Estados Unidos. Cientistas no Centro Nacional de Saúde da Vida Selvagem dos Estados Unidos trabalham no desenvolvimento de vacinas cães-da-pradaria, o que abre a possibilidade de eliminar a doença nesses animais, ao menos nos parques nacionais mais visitados dos EUA (Soares; Avelar, 2017). No Brasil, a peste bubônica chegou pelo porto de Santos, em 1899. Desde então, surtos dessa infecção têm ocorrido, principalmente, em regiões silvestres do Piauí, Ceará, Pernambuco, Bahia, Alagoas, norte de Minas Gerais e Rio de Janeiro. Entre 1980 e 1993, 736 casos de peste bubônica foram notificados no país (Neves, 2016). Casos como esses de surtos de doenças anteriormente têm se tornado cada vez mais frequentes. Um dos motivos é a interferência do ser humano nos ambientes naturais, que causam desequilíbrios nas relações parasito- hospedeiro, moldadas ao longo de milhares de anos de seleção natural. NA PRÁTICA A proposta prática desta aula é a construção de uma tabela comparativa das cinco zoonoses bacterianas estudadas: leptospirose, botulismo, brucelose, doença de Lyme e peste bubônica, conforme sugerido na tabela a seguir. LEPTOSPIROSE BOTULISMO BRUCELOSE DOENÇA DE LYME PESTE BUBÔNICA Agente etiológico Outros animais infectados Distribuição geográfica Período de incubação Sintomas Tratamento Profilaxia Epidemiologia 15 FINALIZANDO Em nossa aula, vimos algumas das zoonoses causadas por bactérias com importância para a medicina humana. A leptospirose é uma enfermidade extremamente negligenciada. Trata-se de uma infecção potencialmente letal, transmitida pela urina de roedores, principalmente, contaminadas com L. interrogans. O botulismo é uma enfermidade causada pela bactéria C. botulinum, capaz de produzir esporos altamente resistentes, que germinam sob condições ambientais favoráveis, como as propiciadas por alimentos sem tratamento térmico e/ou conservantes. A enfermidade é decorrente da ação da toxina botulínica, que se liga ao neurotransmissor acetilcolina, causando paralisia e, normalmente, levando o paciente a óbito. A brucelose é uma enfermidade causada pela bactéria do gênero Brucella. O contato com animais infectados, principalmente com Brucella melitensis, bem como o consumo de leite não pasteurizado e carne malcozida ou crua, são os principais responsáveis pela infecção do ser humano. Os indivíduos mais suscetíveis à brucelose são os trabalhadores dos sistemas de produção de bovinos, como fazendeiros, operários dos matadouros e frigoríficos, além dosmédicos veterinários. A doença de Lyme, ou borreliose, é causada pela bactéria Borrelia burgdorferi, transmitida pela picada de carrapatos. Aqui no Brasil, a principal espécie envolvida é o carrapato-estrela A. cajennense. A doença de Lyme é caracterizada, principalmente, pelo eritema migratório recidivante e artrite, que pode perdurar por anos. Por fim, vimos sobre a peste bubônica, responsável por três grandes pandemias ao longo da história da humanidade. A peste bubônica é causada pela bactéria Y. pestis, transmitida pela picada de pulgas, do gênero Xenopsylla, presente em roedores. Apesar dessa enfermidade estar controlada, ainda se verificam surtos cíclicos, principalmente quando os ser humano entra em contato com os reservatórios naturais desse patógeno. 16 REFERÊNCIAS ACHA, P. N.; SZYFRES, B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales. 3. ed. Washington: OPAS, 2001. v. 1. CERESER, N. D. et al. Botulismo de origem alimentar. Ciência Rural. v. 38, n. 1, p. 280-287, 2008. FONSECA, A. H. F. et al. Borreliose de Lyme simile: uma doença emergente e relevante para a dermatologia no Brasil. Anais Brasileiros de Dermatologia. v. 80, n. 2, p. 171-178, 2005. GULLOT, C. C.; SERPA, G. R. Principales pandemias en la historia de la humanidade. Revista Cubana de Pediatria, v. 92, e1183, 2020. MARTINS, M. H. M.; SPINK, M. J. P. A leptospirose humana como doença duplamente negligenciada no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva. v. 25, n. 3, p. 919-928, 2020. NEVES, D. P. Parasitologia Humana. 16. ed. São Paulo: Atheneu, 2016. SANTOS, M. et al. Borreliose de Lyme. Anais Brasileiros de Dermatologia. v. 85, n. 6, 930-938, 2010. SOARES, A. C; AVELAR, D. M. Parasitologia Geral. Belo Horizonte: Anima, 2017. CONVERSA INICIAL TEMA 1 – LEPTOSPIROSE TEMA 2 – BOTULISMO TEMA 3 – BRUCELOSE TEMA 4 – DOENÇA DE LYME: BORRELIOSE TEMA 5 – PESTE BUBÔNICA NA PRÁTICA FINALIZANDO REFERÊNCIAS