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Demências e Doença de Alzheimer SUMÁRIO 1. Introdução ..................................................................................................................... 3 2. Fisiopatologia ............................................................................................................... 4 3. Manifestações Clínicas ............................................................................................... 7 4. Exames complementares ............................................................................................ 9 5. Tratamento ................................................................................................................. 12 Referências bibliográficas ................................................................................................15 Demências e doença de Alzheimer 3 1. INTRODUÇÃO Com o aumento da expectativa de vida e, consequentemente, o envelhecimento da população, os casos de doenças da senilidade estão aumentando. Estima-se que existem 40 milhões de pacientes demenciados no mundo. Demência ou transtorno neurocognitivo maior é uma doença neurológica pro- gressiva que cursa com alteração cognitiva persistente e leva a prejuízo funcional, interferindo nas atividades profissionais e sociais dos portadores, sem que haja al- terações no nível de consciência. De acordo com a etiologia, podem ser reversíveis ou irreversíveis. Para estabelecer o diagnóstico de um transtorno neurocognitivo maior, é necessá- rio que o paciente apresente declínio em pelo menos duas funções da cognição (me- mória, linguagem, praxias, gnosias e funções executivas). Dessa forma, o declínio exclusivo da mémoria não é suficiente para estabelecer o diagnóstico sindrômico de demência. Se liga! Naturalmente com o envelhecimento a função cognitiva muda e se torna mais lentificada, sem que isso seja considerado patológico. Entre as alterações cognitivas do envelhecer normal e a demência existe o com- prometimento cognitivo leve (CCL) ou transtorno neurocognitivo menor, onde existe um déficit cognitivo leve sem alteração na funcionalidade. Ou seja, os pacientes apresentam um declínio cognitivo maior do que o esperado para a idade, mas são in- dependentes. Como a demência é uma doença progressiva, todos os pacientes que possuem diagnóstico de demência passaram pelo CCL, exceto, é claro, em quadros agudos como trauma cranioencefálico ou AVC. A prevalência do CCL vária entre 1 e 6% no mundo. Assim como a demência, a prevalência costuma aumentar com a idade, sendo que cerca de 20% dos indivídu- os entre 80 e 90 anos possuem CCL, aumentando para 40% entre os maiores de 90 anos. Os pacientes com CCL têm maior possibilidade de evolução para doença de Alzheimer do que a população geral, sendo a taxa de conversão ao redor de 10 a 15% ao ano, comparado a 1 a 2% na população geral. A cognição é a função mental relacionada com a capacidade de aquisição de conhecimento e engloba atenção, percepção, processamento, memória, raciocí- nio, visualização, planificação, resolução de problemas, execução e expressão de informação. Demências e doença de Alzheimer 4 Se liga! A cognição é a função mental relacionada à aquisição de conhecimento enquanto a funcionalidade é a habilidade de exercer tarefas que permitem viver de forma independente. O conceito de funcionalidade determina a habilidade do indivíduo de realizar as atividades que permitem o auto-cuidado e uma vida independente. Está diretamente relacionado com a qualidade de vida. Prejuízo funcional é a perda da capacidade de realizar atividades que previamente eram realizadas. A avaliação do prejuízo cognitivo é realizada através na análise de atividades instrumentais (atividades mais elaboradas) e atividades básicas. Saiba mais! O delirium é uma síndrome clínica caracterizada por um declínio global das funções cognitivas associado à alteração de consciên- cia que se desenvolve em um curto período de tempo e apresenta flutuações durante o dia. Portanto, se diferencia das demências, pois neste a consciência está inalterada e a apresentação é progressiva e persistente. 2. FISIOPATOLOGIA Existem diversas etiologias que cursam com CCL ou demência, dentre elas pode- mos destacar doença de Lewy, doença de Parkinson, demência vascular, HIV e trau- ma cranioencefálico. Dentre as causas, a mais prevalente é a doença de Alzheimer (DA), sendo responsável por cerca de 50% dos casos de demência. As demências são divididas em dois grandes grupos: demências com comprome- timento estrutural do sistema nervoso central (SNC) e demências sem comprometi- mento do SNC. O segundo grupo ocorre de forma secundária a doenças sistêmicas (como doenças cardiovasculares e endócrinas) ou ao uso de drogas (como hipnóti- cos, antipsicóticos e antidepressivos). Como foi dito, o paciente com CCL tem maior possibilidade de desenvolver de- mência e existem alguns fatores de risco que aumentam a taxa dessa conversão, como sedentarismo, baixa escolaridade, atividade intelectual empobrecida, pouco contato social, idade avançada, passado de AVC, hipertensão arterial sistêmica e tabagismo. Demências e doença de Alzheimer 5 Fatores de risco para demência em pacientes com CCL Fatores de risco para demência em pacientes com CCL Sedentarismo Baixa escolaridade Idade avançada Hipertensão arterial AVC passado Atividade intelectual empobrecida Pouco contato social Viver sozinho Tabagismo Em 95% dos pacientes, a DA acontece de forma esporádica, sendo uma associa- ção entre fatores genéticos e ambientais. Mais de 20 loci genéticos foram relaciona- dos à manifestação de DA, sendo que o principal fator genético é a presença do alelo 4 da apolipoproteína E (APOE4). A doença de Alzheimer é causada pelo acúmulo progressivo de beta amiloide e proteína tau no cérebro. Os principais fatores de risco para DA são idade, história fa- miliar e presença de apolipoproteína E. Figura 1: Esquema apresentando emaranhados neurofibrilares e placas amiloides. Fonte: Designua/Shutterstock.com Demências e doença de Alzheimer 6 O paciente apresenta um acúmulo de proteína beta amiloide no espaço extracelu- lar em placas amiloides, encontradas principalmente no hipocampo, na amígdala e no neocortex. Ocorre também acúmulo de proteína tau, formando os emaranhados neurofibrilares, estruturas intracelulares encontradas principalmente hipocampo, amigdala e núcleos da base. A formação dessas estruturas leva à perda da ligação sináptica e atrofia cerebral. O cérebro passa a ter um aumento de ventrículos e de sulcos, com diminuição do peso do encéfalo. As placas amiloides e os emaranhados neurofibrilares começam a surgir cerca de 20 anos da instauração da DA. Figura 2: Micrografia microscópica de luz de uma placa senil, corada com um método de prata. Eles são depósitos extracelulares de beta amilóide que aparecem em grande número na doença de Alzheimer. Fonte: Jose Luis Calvo/Shutterstock.com Demências e doença de Alzheimer 7 3. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Conforme sua etiologia, o transtorno neurocognitivo maior vai apresentar um qua- dro clínico diferenciado. Demência x Principal alteração cognitiva Demência Principal alteração cognitiva Alzheimer Memória e aprendizado Doença de Lewy Alucinações e delírios Vascular Sinais neurológicos Parkinson Movimento Afasia progressiva primária Linguagem Frontotemporal Conduta e planejamento Na investigação de uma demência, é necessário avaliar a história clínica do pa- ciente e associar à percepção do acompanhante, pois muitas vezes o indivíduo não tem crítica de doença e não percebe que está perdendo função cognitiva. Para o diagnóstico de Alzheimer, é necessário que o paciente apresente declínio em duas formas de cognição, sendo que uma delas obrigatoriamente é a memória. A perda de memória costuma ser o primeiro sintoma a ser observado e geralmente a memória de curto prazo é a mais afetada, fazendo com que o paciente perca a ca- pacidadede reter novas informações. A memória de trabalho e a memória de cunho afetivo costumam estar preservadas. MAPA MENTAL FISIOPATOLOGIA Doença de Alzheimer IntracelularExtracelular Placas amiloides Acúmulo de beta amiloide Acúmulo de proteína tau Início 20 anos antes das manifestações clínicas Emaranhados neurofibrilares Demências e doença de Alzheimer 8 Além da alteração de memória, outros déficits cognitivos costumam ocorrer. O paciente evolui com um discurso empobrecido, usando muitas palavras para explicar algo. Ocorre perda de pragmatismo e funcionalidade, fazendo com que o paciente perca primeiramente a habilidade de realizar atividades instrumentais e progressiva- mente as atividades básicas, chegando até a perda do autocuidado. Podem cursar com alterações visuais, perdendo as funções visuais altas. O paciente passa a não reconhecer alguns ambientes, podendo se perder na rua ou não reconhecer a própria casa. Os sintomas cognitivos se apresentam de forma insidiosa e progressiva. É inco- mum que apareçam alterações de equilíbrio, marcha e força muscular, sendo estas queixas limitadas aos estágios finais da doença. Além dos sintomas cognitivos, o paciente experimenta também sintomas não cognitivos, como apatia, depressão, sun dowing, agitação e sintomas psicóticos. O sun dowing é caracterizado por uma agitação durante o período de fim de tarde, que costuma ocorrer em estágios mais avançados da doença. Saiba mais! A depressão deve ser investigada em todo paciente com quadro de demência, pois, principalmente em idosos, pode se apresentar com um quadro de déficit cognitivo conhecido como pseudodemência da de- pressão, que é completamente revertido com o tratamento adequado. MAPA MENTAL CLÍNICA Doença de Alzheimer Persistente e progressiva Declínio da memória + outra função cognitiva Discurso empobrecido Perda de funcionalidade Agitação Apatia Delírio Dificuldade de reconhecer ambientes Demências e doença de Alzheimer 9 4. EXAMES COMPLEMENTARES Além dos dados qualitativos obtidos na anamnese, é importante realizar uma avaliação clínica quantificada, que engloba o rastreio cognitivo e a avaliação neuropsicológica. O rastreio cognitivo é um conjunto de testes aplicados no consultório que auxiliam na percepção da quantidade de perda cognitiva do paciente. Possuem alta sensibili- dade e baixa especificidade, sendo então excelentes para rastreio durante a consulta. Os principais testes utilizados são o Mini Exame do Estado Mental (MEEM), fluência verbal, teste do desenho do relógio e Montreal Cognitive Assesment (MoCA). Esses testes permitem avaliar o possível quadro demencial com suficiente segurança. O MEEM é um teste simples, bem estruturado, de fácil aplicação que avalia a atenção, a orientação temporal-espacial, a memória, a escrita, a função executiva, a linguagem, o cálculo e a habilidade viso-construtiva. O escore varia entre zero e trinta pontos, com notas maiores simbolizando melhor desempenho. O valor obtido no tes- te depende da escolaridade, portanto as notas de corte variam conforme os anos de estudo. Se liga! É importante reduzir o número de medicações dos pacientes com CCL para evitar possíveis efeitos colaterais cognitivos. Particularmente, o uso de benzodiazepínicos, antidepressivos tricíclicos e ou- tras medicações com efeito anticolinérgico não devem ser utilizados. Demências e doença de Alzheimer 10 Figura 3: Mini Exame do Estado mental. Fonte: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-21002009000500007 Testes mais simples como a fluência verbal que contabiliza o número de animais falados em um minuto e o teste do desenho do relógio ocupam pouco tempo duran- te a consulta médica e permitem aumentar a acurácia do diagnóstico de demência e complementar a avaliação do teste do MEEM. O MoCA é um teste mais elaborado utilizado para pacientes com alta cognição que funciona como um método rápido, com duração de cerca de 10 minutos, e fácil para distinção entre CCL e declínio cognitivo normal, através da avaliação de 8 fun- ções da cognição. A avaliação neuropsicológica é o padrão-ouro para avaliação da cognição. É um teste realizado por psicólogos especializados em neuropsicologia que investiga o funcionamento cerebral a partir do estudo comportamental, estabelecendo a presen- ça ou não de disfunção cognitiva, além do seu estágio. A avaliação funcional também deve ser realizada durante a anamnese, questio- nando o paciente e o acompanhante sobre possíveis déficits cognitivos que estejam intervindo nas atividades de vida diária. O Questionário de Atividades de Vida Diária Demências e doença de Alzheimer 11 de Lawton e Brody é utilizado para avaliar a execução de atividades instrumentais pe- lo paciente. A Escala de Independência em Atividades de Vida Diária de Katz é usada para avaliar a execução de atividades básicas. Tomografia computadorizada cerebral é solicitada para excluir possíveis causas reversíveis de demências, como um tumor cerebral ou um sangramento. Devem ser solicitados exames de função tireoidiana, vitamina b12, ácido fólico, sífilis e HIV para detectar causar reversíveis de demências. Além disso, deve-se ava- liar o humor do paciente para detectar um possível quadro de depressão, que pode cursar com um quadro de pseudodemência. A ressonância magnética no paciente com DA mostra uma hipotrofia cortical da região temporoparietal e do hipocampal, com diminuição da volumetria hipocampal, evidenciando a neurodegeneração causada pelo acúmulo de proteína beta amiloide e de proteína tau. Evidencia também dilatação dos ventrículos laterais e alargamento dos sulcos corticais nas regiões temporais. Pode apresentar também alterações vas- culares como hiperintensidades, microsangramentos e lacunas. Figura 4: Ressonância magnética representando a escala da involução pela DA. Fonte: Atthapon Raksthaput/Shutterstock.com A coleta de líquor na DA evidencia diminuição da proteína beta amiloide por acú- mulo no espaço extracelular e aumento da proteína tau por morte neuronal. A rela- ção entre a beta amiloide e a proteína tau costuma estar diminuída e este achado tem alto valor preditivo negativo. Demências e doença de Alzheimer 12 5. TRATAMENTO É importante que o médico consiga perceber os sinais de CCL precocemente e identifique os fatores de risco de evolução para demência, para poder atuar sobre eles e conseguir diminuir a taxa de conversão ou retardar o início de um quadro de- mencial, fazendo com que o paciente mantenha sua funcionalidade por um período maior de tempo. Ainda não existe medicamento comprovado para o tratamento do CCL. Apesar disso, existe uma combinação de vitaminas e minerais que mostram algum impacto na progressão em alguns estudos, mas que precisam de mais dados para serem am- plamente recomendados. Os medicamentos usados para tratar demência não estão indicados para tratar CCL. Sendo assim, a principal linha de tratamento para CCL é baseada no controle de comorbidades, principalmente cardiovasculares e distúrbios de sono. Além de tera- pias de estimulação cognitiva e exercício físico. MAPA MENTAL EXAMES COMPLEMENTARES Doença de Alzheimer Padrão-ouro Hipotrofia cortical no hipocampo RM Escala de Lawton e Brody Função tireoidiana Fluência verbal Sífilis MEEM TC Escala de Katz Vitamina B12 Desenho do relógio HIV MoCA Bioquímica Avaliação neuropsicológica Avaliação funcional Imagem Rastreio cognitivo Demências e doença de Alzheimer 13 Se liga! É importante reduzir o número de medicações dos pacientes com CCL para evitar possíveis efeitos colaterais cognitivos. Particularmente, o uso de benzodiazepínicos, antidepressivos tricíclicos e ou- tras medicações com efeito anticolinérgico não devem ser utilizados. Nos pacientes que já evoluíram com DA, está indicado o uso de inibidores da ace- tilcolinesterase, drogas que inibem a enzima acetilcolinesterase responsável pela degradação da acetilcolinana fenda sináptica, pois pacientes com DA apresentam redução da concentração de acetilcolina em núcleos subcorticais, sendo este déficit responsável por parte das alterações cognitivas encontradas nos pacientes. As opções nessa classe de medicamentos são: galantamina 16-24 mg/dia em 2 doses, rivastigmina 6-12 mg/dia em 2 doses e donepezila 5-10 mg/dia em 1 dose. São indicadas em casos leves e moderados e não são capazes de reestabelecer a função cognitiva já degradada, tem como objetivo retardar a evolução da doença. Em casos mais avançados, pode-se utilizar a memantina 10-20 mg/dia, que é um agonista do NMDA, que retarda a progressão da doença e melhora os sintomas comportamentais. Existem evidências que o uso de vitamina E em altas doses (2000UI/dia em 2 do- ses) é capaz de retardar a progressão da doença. MAPA MENTAL TRATAMENTO Doença de Alzheimer Inibidores da acetilcolinesterase Vitamina E Controle de comorbidadesRetardar progresso de CCL Farmacológico Demências e doença de Alzheimer 14 MAPA MENTAL GERAL Doença de Alzheimer Vitamina E RM Vitamina B12 HIV Inibidores da acetilcolinesterase TC Sífilis Função tireoidiana Emaranhados neurofibrilares Controle de comorbidades ImagemDeclínio da memória + outra função cognitiva BioquímicaApatia Avaliação neuropsicológica Agitação Placas amiloides Farmacológico Avaliação funcionalDiscurso empobreido Rastreio cognitivoDelírio Perda de funcionalidade Fisiopatologia Tratamento Clinica Exames Acúmulo de beta amiloide e proteína tau Demências e doença de Alzheimer 15 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS American Psychiatric Association (APA). Manual diagnóstico e estatístico de trans- tornos mentais: DSM-5. Porto Alegre: ArtMed; 2015. Brasil Neto JP, Takayanagui OM. Tratado de neurologia da Academia Brasileira de Neu rologia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. 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