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Dialogos_sobre_Historia_Antiga_e_Medieva

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Diálogos sobre História
Antiga e Medieval
Coletââneâ Diâálogos sobre Histoáriâ
Volume 02
Nâthâny A. W. Belmâiâ; Câssio H. S. Amâdor; Mâtheus
K. Frizzo; Guilherme N. Mirândâ; Heitor E. Henrique;
Renân B. Archer; Otâávio Luiz Vieirâ Pinto
(Orgânizâdores)
Diálogos sobre História 
Antiga e Medieval
1â. Edicçâão
Coletââneâ Diâálogos sobre Histoáriâ
Volume 02
Universidâde Federâl do Pârânâá
Setor de Cieânciâs Humânâs,
Curitibâ, 2022.
Diálogos sobre História Antiga e Medieval (Coletânea Diálogos sobre História,
volume 02) 1a. Edição
Arte da Capa: Matheus K. Frizzo; Nathany A. W. Belmaia
Diagramação e editoração: Nathany A. W. Belmaia; Cassio H. S. Amador
Organizadores: Nathany A. W. Belmaia; Cassio H. S. Amador; Matheus K.
Frizzo; Guilherme N. Miranda; Heitor E. Henrique; 
Renan B. Archer; Otávio L. V. Pinto
Comissão Editorial e Científica:
Cassio H. S. Amador (UTFPR, Campus Cornélio Procópio); Daniel N. F. Jr.
(UEM); Guilherme N. Miranda (UFPR); Heitor E. Henrique (UFPR);
Matheus K. Frizzo; (UFPR) Natália de M. Costa (UFPR); Nathany A. W.
Belmaia (UFPR); Otávio Luiz Vieira Pinto (UFPR); Renan Archer (UFPR)
Todos os conteúdos textuais e imagéticos contidos nessa coletânea são
de responsabilidade exclusiva dos(as) autores(as) de cada artigo. 
Catalogação na publicação 
Fernanda Emanoéla Nogueira – CRB 9ª/1607 
Biblioteca de Ciências Humanas – UFPR 
 
 
 
 D537 Diálogos sobre História Antiga e Medieval. [recurso eletrônico]. / 
organizadores: Nathany A. W. Belmaia [et. al.] ; arte da capa: 
Matheus K. Frizzo ; Nathany A. W. Belmaia ; Diagramação e 
editoração: Nathany A. W. Belmaia ; Cássio H. dos S. Amador. – 
Curitiba : Universidade Federal do Paraná. Setor de Ciências 
Humanas, 2022. (Coletânea Diálogos sobre História ; v.2). 
 
Disponível em: https://drive.google.com/drive/folders/1KzmgwMQ5ZSehpjMyzRlY1Z77JLt2xiFl 
ISBN 978-65-84565-49-4 
1. História antiga. 2. Idade Média - História. I. Belmaia, Nathany A. 
W. II. Frizzo, Matheus K. III.Amador, Cássio H. dos S. IV. Título. 
 
 CDD – 930 
Reitor 
Prof. Dr. Ricardo Marcelo Fonseca
Vice-Reitora
Profª. Drª. Graciela Inês Bolzón de Muniz
Pró-Reitor de Extensão e Cultura
Prof. Dr. Rodrigo Arantes Reis
Pró-Reitora de Graduação e Educação Profissional
Profª. Drª. Maria Josele Bucco Coelho
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação
Prof. Dr. Francisco de Assis Mendonça
Diretor do Setor de Ciências Humanas 
Prof. Dr. João Frederico Rickli 
Coordenadora do curso de História 
 Profª. Drª. Karina Kosicki Bellotti 
Vice-coordenadora do curso de História
 Profª. Drª. Priscila Piazentini Vieira 
Secretária 
 Luiza Rubini Soffiatti 
 
Coordenadora do curso de História e Imagem 
 Profª. Drª. Rosane Kaminski 
Vice-Coordenador do curso de História e Imagem 
Prof. Dr. Pedro Plaza Pinto
 
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em História
Profª. Dra. Ana Paula Vosne Martins 
Vice-Coordenador do Programa de Pós-Graduação em História 
Prof. Dr. Luiz Geraldo Santos da Silva
Secretária Administrativa do Programa de Pós-Graduação em
História 
Maria Cristina Parzwski
Sumário
___________________________________________________
Prefácio ......................................................................................................9
Parte 1: Diálogos sobre História Antiga
Humanidades Digitais: uma introdução à escrita egípcia através do 
aplicativo Fabricius ..................................................................................13
Jéssica Kotrik Reis Franco
As Representações das Personagens Femininas nas Heroides de 
Ovídio: o caso de Penélope e Helena de Troia....................................46
Letícia Schneider Ferreira
Cartago e a (re)construção simbólica dos espaços de espetáculo entre o
paganismo e o cristianismo (séc. II-III d.C.) .......................................71
Edjalma Nepomoceno Pina, Igor Pereira da Silva
A construção da Páscoa Cristã: de Pessach à Pascha .........................100
Nathany Andrea Wagenheimer Belmaia
Monges e Ascetas: O Monasticismo na Antiguidade .........................135
Nathany Andrea Wagenheimer Belmaia
Introdução ao Pensamento de Agostinho de Hipona .......................168
João Pedro da Luz Neto, Clodoaldo da Luz, Khae Lhucas Ferreira Pereira
Parte 2: Diálogos sobre História Medieval
Todas as estradas levam a Meca: a literatura de viagem árabe-
muçulmana medieval ...............................................................................204
Matheus Kochani Frizzo
As viagens medievais em perspectiva: debate sobre fontes de pesquisa 
......................................................................................................................229
Lucas Vieira dos Santos, Sofia Alves Cândido da Silva
O Neomedievalismo e o discurso historiográfico conservador da 
Reconquista Ibérica defendido pelo canal do Youtube “Brasil Paralelo” 
......................................................................................................................266
Éderson José de Vasconcelos, Guilherme Rodrigues Otoni Alcântara
Identidades Infernais: compreendendo a bruxa e o diabo na Idade 
Média ..........................................................................................................304
Rhayana Antunes Pimentel
O Uso da Ideia de "Idade Média" ao Longo da História 
Contemporânea ........................................................................................330
Lucas Silva de Oliveira, Giovanni Bruno Alves, Vinicius Tivo Soares
Uma história da arte escandinava medieval: dos estilos vikings ao gótico
......................................................................................................................371
Leandro Vilar Oliveira, Lorenzo Sterza
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 9
Prefácio
________________________________________________
Os artigos que compõem os capítulos do presente livro
são resultantes da segunda edição do evento Diálogos sobre
História, Ciclo de Minicursos Online da Universidade Federal
do Paraná, realizado no ano de 2021, sob a organização dos
discentes e docentes da Pós-Graduação de História da
Universidade Federal do Paraná, com o auxílio de membros da
Universidade Tecnológica do Paraná (Campus Cornélio
Procópio e Ponta Grossa) e outras instituições. Nesse prefácio,
gostaríamos, sobretudo, de destacar alguns elementos acerca
do surgimento do evento que originou esses textos, e também
do próprio contexto no qual ele foi produzido, que também é
parte intrínseca dessa produção. 
O nascimento da primeira edição do evento Diálogos
sobre História ocorreu em 2020, no contexto crescente do
famigerado Covid-19, que ceifou milhares de vidas, virou o
mundo de ponta-cabeça e mexeu com a rotina de todos nós.
Nesse período, a OMS (Organização Mundial de Saúde),
passou a ser órgão de autoridade máxima nos ditames da vida
diária. Todavia, mesmo com as exaustivas tentativas de
demonstração da racionalidade do saber científico na área
médica e biológica (como um conhecimento demonstrável e
reprodutível), a Ciência ganhou atributos religiosos, passando
a ser questão de crença ou fé, de acreditar, ou não. Enquanto
parte das pessoas morreram negando a existência do vírus (ou,
apostando nos milagres da Cloroquina ou da Ivermectina),
outra parte das pessoas torcia e aguardava ansiosamente que os
cientistas conseguissem desenvolver vacinas em tempo
recorde. Para além das querelas ideológicas, fato é que todos
nós, direta ou indiretamente, fomos afetados. Sofremos com as
perdas de vidas e também com todas as restrições de
distanciamento impostas pelas instâncias de poder locais.
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 10
Mesmo que a população tivesse opiniões divididas, no fundo, o
que unia a todos nós era uma palavra só: esperança.Na Antiguidade, Tales de Mileto já dizia que “A
esperança é o único bem comum a todos os homens; aqueles
que nada mais têm, ainda a possuem”. Seguindo o lema do
filme o “O Carteiro e o poeta”, de que a poesia não pertence a
quem a escreve mais do que àqueles que dela precisam,
tomamos a liberdade de surrupiar algumas palavras do poema
Esperança, de Augusto dos Anjos: 
A Esperança não murcha, ela não cansa, 
Também como ela não sucumbe a Crença, 
Vão-se sonhos nas asas da Descrença, 
Voltam sonhos nas asas da Esperança 
Diferentemente da primeira edição do evento Diálogos
sobre História, a segunda, realizada em 2021, aconteceu em
um contexto de esperanças renovadas devido às vacinas
Coronavac, Astrazeneca, Pfizer e Janssen, distribuídas em
grande parte pelos esforços do Instituto Fiocruz, no Rio de
Janeiro, do Instituto Butantã, em São Paulo, e da vasta rede de
Unidades de Saúde do SUS, o Sistema Único de Saúde
brasileiro. Embora nesse ínfimo espaço de quase dois anos já
tenhamos notícias de variantes do SARS-CoV-2 que quase
esgotam o alfabeto grego (como a variante Alfa, Beta, Gama,
Delta, Epsilon, Zeta, Kappa ou Ômicron), as estatísticas
demostram que a vacinação teve um impacto extremamente
positivo na diminuição de mortes e internações, fazendo com
que muitos levantassem as bandeiras “Viva a Ciência” e “Viva
o SUS”. Ou seja, foi preciso que o Estado interviesse,
estabelecesse medidas, adquirisse vacinas e organizasse a
distribuição delas para que vidas fossem poupadas, vidas
fossem salvas. 
Isso remete aos conceitos de biopolítica de Michel
Foucault. Se, para esse autor, o poder disciplinar conseguiu
criar um conjunto homogêneo de viventes, como organizá- los,
cuidar de seu bem-estar e saúde? A ação do Estado diretamente
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 11
nos corpos dos seus cidadãos se tornou fundamental para a
preservação do bem mais precioso do seres humanos: a vida.
Para vencer a “batalha” contra o vírus que causa a doença do
Covid-19, é preciso agir e intervir diretamente no corpo de
cada um de nós, aplicando vacinas, que são os imunizantes que
preparam o nosso organismo para a recepção do vírus sem que
o encontro nos seja fatal. Em grande parte devido à ação das
vacinas, as mortes e internações devido ao Covid-19 foram
quase a zero em alguns locais, voltando a subir devido ao surto
de gripe e da variante ômicron no Brasil. 
Ainda que tantos percalços tenham assolado o nosso
pequeno planeta azul, esperamos que essa coletânea possa ser a
testemunha de que, malgrado todos os pesares, existiram ideias
e iniciativas de contribuir, ainda que de forma milesimal e
ínfima, para a manutenção dos pilares da difusão e troca de
conhecimentos de uma forma que acompanhasse as mudanças
decorrentes do distanciamento social. Tivemos por intuito
organizar um ciclo de minicursos versados na área de História,
que pudesse ser realizado de forma inteiramente online, por
meio de uma plataforma que a maior parte das pessoas
pudessem acessar: o Youtube. Devido ao número de temáticas
contempladas e ao sucesso da primeira edição, o evento foi
novamente realizado em 2021. Atravessando grandes
distâncias, a última edição do evento somou quase oito mil
participantes (incluindo discentes do Ensino Médio) que
assistiram e enviaram atividades para os cursos, cobrindo todos
os estados brasileiros. Agradecemos a todas e todos que
fizeram parte dessa jornada, e se dispuseram a compartilhar
seus conhecimentos, seja em forma de vídeo ou de texto. 
Os ministrantes dos minicursos foram convidados para
escrever sobre os temas abordados no evento, resultando nos
capítulos reunidos nesta coletânea. Devido à diversidade dos
trabalhos submetidos, a obra foi dividida em três volumes
temáticos, intitulados “Diálogos sobre História no Brasil: arte,
política e cultura”, “Diálogos sobre História Antiga e
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 12
Medieval” e “Diálogos sobre historiografia, teoria,
metodologia e ensino”.
Neste segundo volume, concentramos pesquisas que
procuram compreender elementos e personagens simbólicos da
História Antiga e da História Medieval. 
Os trabalhos se debruçam com afinco em eventos de
um passado longínquo, tarefa que exige, muitas vezes, um
olhar dotado de criatividade para despertar o interesse do
presente. Sob o tema “Diálogos sobre História Antiga”
reúnem-se artigos que exploram o passado do mundo
começando pelo aprendizado atual da escrita egípcia, os
hieróglifos, chegando até as religiosidades, sobretudo a cristã,
bem como a mitologia grega e as representações de suas
personagens, reflexões que são importantes visões acerca de
elementos constitutivos da compreensão que o presente possui
sobre um passado distante. Tal enfoque não é feito sem o uso
de um olhar analítico, e os autores e autoras ricamente
abordam a conexão de seus objetos de estudo com outros,
também pertinentes, dentro de seu contexto específico. 
Já o tema “Diálogos sobre História Medieval” é
explorado sob a ótica do imenso imaginário que permeia o
nosso conhecimento sobre a Idade Média na Europa e no
Oriente Médio, bem como a sua conexão com a compreensão
do presente. As fantasias desse passado, a história dos
personagens e as expressões das imaginações artísticas e
mágicas encontram um chão firme sob olhares rigorosos em
um lastro histórico que lança esses elementos para longe do
senso-comum. Enfim, são trabalhos que, dedicadamente, se
debruçam sobre histórias permeadas de esquecimentos, para as
quais a luz do olhar atual sempre terá no que se deter e
descobrir. Desejamos uma boa leitura!
Nathany Andrea Wagenheimer Belmaia 
Renan Battisti Archer
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 13
Humanidades Digitais: uma introdução à
escrita egípcia através do aplicativo
Fabricius
Digital Humanities: an introduction to Egyptian
writing through the Fabricius app
Jéssica Kotrik Reis Franco1
________________________________________________
Resumo 
Este trabalho deriva do minicurso “Humanidades Digitais: uma
introdução à escrita egípcia através do aplicativo Fabricius”,
ministrado no II Diálogos sobre História: ciclo de minicursos
online da Universidade Federal do Paraná, no ano de 2021. Neste
minicurso tratou-se de aspectos gerais da escrita egípcia antiga
com o uso do aplicativo Fabricius desenvolvido a partir do
projeto The Hieroglyphics Initiative pelo British Museum em
parceria com a Ubisoft, Google, Macquarie University e a
empresa de software inglesa Psycle Interactive. O minicurso é
uma introdução ao egípcio clássico, que visa demonstrar a
utilização de uma ferramenta digital gratuita e disponível na
internet, a fim de abordar o campo das Humanidades Digitais e
demonstrar possibilidades de aprendizagem, ensino e pesquisa na
área junto à disciplina de Egiptologia.
Palavras-chave: Humanidades Digitais. Hieróglifos. Fabricius.
1 Mestranda pelo programa de pós-graduação em História da
Universidade Federal do Paraná, bolsista CAPES, e-mail:
jekotrik@gmail.com.
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 14
Abstract
This paper derives from the mini-course “Digital Humanities: an
introduction to Egyptian writing through the Fabricius
application”, given at the II Dialogues on History: online mini-
course cycle at the Federal University of Paraná, in the year 2021.
This mini-course was about general aspects of ancient Egyptian
writing using the Fabricius application developed from the project
The Hieroglyphics Initiative by the British Museum in
partnership withUbisoft, Google, Macquaire University and the
English software company Psycle Interactive. The short course is
an introductionto classical Egyptian, which aims to demonstrate
the use of a free digital tool available on the internet, in order to
approach the field of Digital Humanities and demonstrate
possibilities for learning, teaching and research in the area along
with the discipline of Egyptology.
Keywords: Digital Humanities. Hieroglyphics, Fabricius.
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 15
Humanidades Digitais: uma introdução à
escrita egípcia através do aplicativo
Fabricius
Jéssica Kotrik Reis Franco
________________________________________________
Introdução
O conteúdo programático deste minicurso foi
dividido em quatro aulas com duração de uma hora em
média cada. Assim, foram quatro aulas gravadas em formato
de vídeo sendo também utilizado slides explicativos durante
as gravações, além do próprio aplicativo Fabricius que pôde
ser baixado e acessado gratuitamente através da plataforma
Google Arts e Culture pelos alunos (as). Na primeira aula,
foi realizada uma introdução às Humanidades Digitais,
abordou-se no que consiste o campo, o que propõe a
disciplina, quais são seus principais teóricos e obras de
referência, além de algumas discussões a respeito do
impacto das tecnologias digitais na sociedade hoje. Na
segunda aula, partiu-se para uma breve contextualização da
História da escrita egípcia, desde seu surgimento até o uso
dos hieróglifos egípcios durante o Egito antigo. Já na
terceira aula, deu-se continuidade ao tema da escrita egípcia,
mas com uma introdução à conceitos básicos da escrita
egípcia clássica, desenvolvida e utilizada pelos antigos
egípcios entre 2100 AEC a 1300 AEC. Nessa aula, abordou-
se suas principais características e estruturas gramaticais. 
Portanto, apenas após tal aporte teórico e
contextualização histórica junto à instrumentalização
necessária para o entendimento de noções básicas da escrita
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 16
hieroglífica, partimos para a apresentação e exemplos de
utilizações do aplicativo Fabricius. Por fim, realizou-se a
explicação da atividade final para que os participantes
pudessem colocar em prática seus conhecimentos e
recebessem a certificação do minicurso. 
As Humanidades Digitais
Diante do contexto da chamada “virada digital”
após os processos de globalização, o que alguns autores
da cibercultura também denominam como sendo a
“globalização digital”, ocorrem fenômenos como o
surgimento da internet 2.0 e a popularização,
principalmente a partir dos anos oitenta e noventa, de
tecnologias digitais desenvolvidas durante a Segunda
Guerra e Guerra Fria2. Nesse sentido, a disciplina de
Humanidades Digitais corrobora-se uma vez que, “a
opção da sociedade pelo digital altera e questiona as
condições de produção e divulgação dos conhecimentos”
(NOIRET, 2015, p.30). Durante o The Humanites and
Technology Camp (THATCamp), ocorrido em Paris no
ano de 2010, e em Florença no ano de 2011, humanistas
digitais discutiram a internacionalização da disciplina e
refletiram sobre sua transdisciplinaridade com as
tradições epistemológicas e filológicas próprias da
história, tendo como base que a “cultura histórica
digital” é parte de uma “cultura digital” que se manifesta
através de diversas formas comunicativas:
Para nós, as humanidades digitais refe-
rem-se ao conjunto das ciências humanas
e sociais, às artes e às letras […] não ne-
2 Ler mais em JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. Aleph, São
Paulo, 2009.
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 17
gam o passado, apoiam-se, pelo contrário,
no conjunto dos paradigmas, savoir-faire
e conhecimentos próprios dessas discipli-
nas, mobilizando simultaneamente os ins-
trumentos e as perspectivas singulares do
mundo digital. As humanidades digitais
designam uma transdisciplina, portadora
dos métodos, dos dispositivos e das pers-
pectivas heurísticas ligadas ao digital no
domínio das ciências humanas e sociais
(DACOS apud NOIRET, 2015, pp. 30-
31).
Dessa forma, a disciplina das Humanidades Digitais
dialoga diretamente com a História Digital, definida como
“todo o complexo universo de produções e trocas sociais
tendo por objeto o conhecimento histórico, transferido
e/ou diretamente gerado e experimentado em ambientação
digital (pesquisa, organização, relações, difusão, uso
público e privado, fontes, livros, didática, desempenho e
assim por diante)” (MONINA apud NOIRET, 2015, p.
33). Portanto, a História Digital não está atrelada somente
à História que circula na internet, mas é aquela que,
sobretudo, se preocupa em tratar da História produzida e
veiculada sob meio digital:
Quase todas as problemáticas tradicionais
do ofício de historiador, da delimitação de
uma hipótese de pesquisa à descoberta, ao
acesso e à gestão dos documentos e das
fontes, até conseguir os fundamentos nar-
rativos e, sobretudo, até a comunicação da
história e dos resultados de pesquisa, e, fi-
nalmente, o ensino da história, passam
agora em parte ou no todo, pela tela do
computador (...) (NOIRET, 2015, p. 32).
Portanto, a História Digital, estabelecida através das
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 18
Humanidades Digitais, vem crescendo como meio de
análise e abordagem historiográfica na Academia,
principalmente diante dos fenômenos da globalização e de
um mundo cada vez mais digital. Além disso, ela se torna
cada vez mais necessária diante das próprias demandas do
presente – por exemplo, com o atual cenário em que
vivemos. Devido a pandemia da Covid-19, as áreas de
ensino e pesquisa, precisaram aprender a lidar mais de
perto, e a usar a seu favor, inúmeras ferramentas digitais.
Contudo, essa não é uma tendência atual, pois tais
fenômenos vem ocorrendo de forma significativa desde
meados dos anos noventa, com o surgimento da web 2.0.
Alguns exemplos para corroborar a relevância e fortalecer
a área da História Digital são fontes e acervos
digitalizados, a internet como campo de produzir e
compartilhar História, museus colocam à disposição visitas
virtuais de suas exposições, jogos de videogame sendo
produzidos com narrativas históricas, bancos de dados etc3.
Ainda, tendo em vista o amplo acesso que a cultura digital
permite à História produzida e veiculada, como por
exemplo, diante de narrativas virtuais e aplicativos digitais,
a historiografia digital atrela-se ao campo da História
Pública Digital, uma vez que:
O conhecimento de humanidades digitais,
da história digital, e de suas potencialida-
des, é parte integrante das novas forma-
3 Com o surgimento da web 2.0, a história e a memória não se
mantiveram mais prerrogativas apenas da comunidade científica
acadêmica. Por intermédio das práticas de escrita participativa ou
mesmo diretamente, qualquer pessoa pode se dedicar ao passado em
rede. O recurso a uma espécie de saber comunitário, à participação
pública na rede, que vem sendo comumente chamada crowdsourcing,
sob várias formas e com diversos tipos de conteúdos, trabalho
colaborativo e saberes, permitiu a gestão integrada dos conteúdos
digitais por parte de quem tenha a possibilidade e o conhecimento para
assim proceder (Cf. NOIRET, op. cit. p. 35).
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 19
ções necessárias dos programas de histó-
ria pública (...). Essas são formas naturais
e complementares de outras formações
para a gestão das fontes ou a interpretação
dos objetos nos museus – setor em pleno
desenvolvimento, o das mostras e dos per-
cursos em museus por meio da rede, que
requer a autoridade profissional dos histo-
riadores públicos digitais. Mais do que em
outrasdisciplinas, a web e o digital refor-
çaram, no campo da história pública,
práticas profissionais já consolidadas, ex-
pandindo-as ou abrindo-as para outros pú-
blicos, com novos instrumentos de difu-
são e de comunicação de conteúdos na era
digital. A virada digital e a rede foram as
primeiras a abrir, e logo a responder, às
necessidades prementes da sociedade de
proteger as identidades, a cultura e as me-
mórias coletivas locais e promovê-las glo-
balmente. Desse modo, a história digital
com frequência se tornou também vetor
de conhecimento “glocal”. Os fenômenos
de globalização atingem assim as identi-
dades locais para as quais as formas tradi-
cionais de narração da história não alcan-
çam um público global. Graças à história
digital, com a versatilidade da rede e das
tecnologias digitais que permitem promo-
ver globalmente um passado comunitário
local, a história pública nacional alcança
diversos tipos de públicos internacional-
mente (NOIRET, 2015, p. 42).
Sendo assim, grande parte das discussões sobre a
historiografia digital, são norteadas pelos estudos do
historiador, especialista em História Pública Digital,
Serge Noiret, que trata a respeito de fontes, métodos e do
papel do historiador diante das problemáticas da História
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 20
Digital, e aponta caminhos importantes a se refletir a
partir de alguns autores:
A história digital remodelou a documenta-
ção do historiador e os instrumentos usa-
dos para seu acesso, para armazená-la e
tratá-la, sem que, todavia, o uso crítico
desses instrumentos – que não são assépti-
cos na relação entre o historiador e as fon-
tes digitais (...) A história digital requer
reescrever e reinterpretar os métodos pro-
fissionais e dominar as novas práticas di-
gitalizadas (CLAVERT; NOIRET, 2013).
As mudanças quanto às práticas profissio-
nais dos historiadores são de tal ordem –
falou-se até de um novo historicismo –
(FICKERS, 2012) que devemos nos inter-
rogar sobre qual o impacto da história di-
gital sobre as formas tradicionais de nar-
ração do passado e sobre os tempos his-
tóricos (HARTOG, 2012; NORA, 2011).1
Podemos nos perguntar, à luz da difusão
pública das tecnologias, se não é o caso
de rever em profundidade até mesmo a re-
lação que temos com o passado, a memó-
ria e a história no presente (JOUTARD,
2013). (NOIRET, 2015, p. 29).
Por fim, trazer a discussão sobre as Humanidades
Digitais e a História Pública Digital neste minicurso
através da apresentação e exploração de um aplicativo
como o Fabricius, foi uma maneira de expandir o debate
acerca do uso e desenvolvimento de ferramentas digitais no
âmbito da pesquisa, ensino e divulgação do conhecimento
histórico. Além disso, tendo em vista a abertura do leque
de novas fontes para se produzir e pesquisar História,
sobretudo a partir das Escola dos Annale (1929-1989), este
minicurso visou reforçar que o digital deve ser objeto e
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 21
campo de interesse da História. Principalmente diante da
realidade em que vivemos, onde o digital existe e impõe-se
em diferentes níveis e de diferentes formas, seja em nossa
vida cotidiana ou nas esferas e estruturas de poder de nossa
sociedade. O conceito de Virtualidade que o intelectual
francês especialista em cibercultura, Pierre Lévy, elabora a
partir do conceito filosófico do virtual, nos mostra como o
“mundo virtual” termo emprestado para o “mundo digital”
não é por acaso, pois a virtualidade não se opõe à realidade
material, mas é uma extensão dela:
Já o virtual não se opõe ao real, mas sim
ao atual. Contrariamente ao possível, es-
tático e já constituído, o virtual é como o
complexo problemático, o nó de tendên-
cias ou de forças que acompanha uma si-
tuação, um acontecimento, um objeto ou
uma entidade qualquer, e que chama um
processo de resolução: a atualização
(LÉVY, 2011, p. 48).
Portanto, devemos reconhecer que o
desenvolvimento tecnológico é produto e parte do processo
da ação dos humanos no tempo, como alertará Marc
Bloch. Para além disso, percebemos que o ofício do
historiador também é atrelado aos diferentes paradigmas da
comunicação presentes por toda a História da Humanidade.
Pois pesquisar, ensinar, divulgar e produzir conhecimento
histórico, é em si, um ato de nos comunicarmos. 
 Introdução à História da escrita egípcia 
Nas duas seguintes aulas, parte dois e três deste
texto, utilizou-se como base a obra “Gramática
Fundamental de Egípcio Hieroglífico para o estudo do
estágio inicial da língua egípcia (de ca. 3000 – 1300 ac.)”
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 22
do egiptólogo Drº Ronaldo Guilherme Gurgel Pereira
(CHAM), publicada em 2016 pela Editora Chiado, e o
“Curso de Gramática Egípcia Clássica” ministrado também
pelo professor Ronaldo em conjunto com a egiptóloga Drª
Thaís Rocha da Silva (USP - University of Oxford). Tal
curso foi promovido pela Universidade Federal de Santa
Catarina e pelo GTHA (Grupo de Trabalhos em História
Antiga), a partir da Gramática Fundamental de Egípcio
Hieroglífico, escrita por Ronaldo Gurgel Pereira aqui já
citada. Primeiramente, pudemos perceber que a língua
egípcia trabalhada neste minicurso desenvolveu-se no
Delta do Nilo no Alto Egito e a partir de então, espalhou-se
por todo o território do Vale. Tal escrita tinha estreita
ligação com a religiosidade e visão cosmogônica egípcia,
sendo considerada uma escrita sagrada, no caso dos
Hieróglifos, que fora ensinada pelos deuses. 
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 23
FIGURA 1: M APA DO EGITO ANTIGO
FONTE: Wikipédia, autor André Koehne- Domínio Público.
A escrita e língua egípcia antiga nem sempre se
manteve a mesma, tendo ao longo de milhares de anos na
História, sofrido alterações significativas. Assim, temos
abaixo uma relação de seus estágios estabelecida a partir de
convenções pelos egiptólogos e filólogos:
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 24
FIGURA 2: ESTÁGIOS DA ESCRITA EGÍPCIA
FONTE: Autoria Jéssica Franco
 O estágio em destaque se refere ao Egípcio Médio
ou Egípcio Clássico, do qual tratamos neste minicurso.
Pois apesar das mudanças, ela se manteve até o fim da
História egípcia como cânone, principalmente nos textos
religiosos, e exerceu influência sobre todos os outros
estágios da escrita. Tal escrita tinha estreita ligação com a
religiosidade e visão cosmogônica egípcia, sendo
considerada uma escrita sagrada em sua própria etimologia
do grego hieros (sagrada) glyphos (escrita). Como vemos
na figura 2, além dos hieróglifos, foram desenvolvidos
outros tipos de escrita. O hieróglifo cursivo que surgiu no
Reino Antigo e se manteve até o período romano; o
hierático, desenvolvimento mais cursivo da escrita que
surgiu também no Reino Antigo e se manteve até a Época
Baixa; o demótico sendo ainda mais cursivo e surgindo a
partir do Período Saíta até o Egito greco-romano; e o copta,
considerado último estágio da língua que surgiu a partir do
século I e se manteve até o século XV, e que hoje é uma
escrita litúrgica dos egípcios cristãos.
No caso dos hieróglifos, a mitologia egípcia narrava
que essa escrita fora ensinada pelos deuses, por isso sua
conotação sagrada. A divindade associada à escrita egípcia
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 25
antiga era o deus Toth, este que também era considerado o
deus patrono dos escribas, aqueles que exerciam a função
da escrita. Mulheres não se tornavam escribas, contudo,
isso não significou que não houveram mulheres no Egito
antigo que aprenderam a ler e a escrever, sobretudo, nas
classes privilegiadas. A profissão de escriba era passada
praticamente de pai para filho e as crianças frequentavam
as “Escolas da Vida” nos templos egípcios para aprender
este árduo ofício desde a infância. Apesar das diferentes
estratificaçõesentre os próprios escribas, pois haviam
aqueles que trabalhavam nos templos, outros nos palácios,
e ainda havia aqueles que eram escribas do faraó, todos, de
certo modo, gozavam de prestígio e status social na antiga
sociedade egípcia, pois a grande maioria da sua população
era composta por camponeses analfabetos, assim, saber ler
e escrever era um privilégio para poucos. 
FIGURA 3: DEUS TOTH, DEUS DA ESCRITA
FONTE: Wikipédia, autor Jeff Dahl- Domínio Público.
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 26
Além disso, o princípio de Maat, deusa da ordem,
reverberava sobre à escrita e arte egípcia. Por enquanto,
tais procedimentos seguiam cânones rigorosos e a Lei da
Frontalidade era aplicada para que o máximo de
informação fosse passada através das cenas. Espaços em
branco nunca eram deixados, e muitas vezes o escriba
utilizava o complemento fonético no texto, do qual
falaremos na terceira parte deste trabalho, apenas para
atingir a harmonia estética. A ferramenta utilizada para a
escrita eram palhetas feitas de junco, que funcionavam
como um pincel ou lápis, e as tintas eram produzidas a
partir de minerais e elementos encontrados na natureza
como o cobre e o carvão mineral, dissolvidos com bases
feitas a partir da clara de ovos, por exemplo. As cores eram
diversas, cada uma com um significado a ser seguido a
partir do cânone, entre elas, o verde, azul, amarelo,
dourado, preto, e vermelho davam vida à iconografia e aos
textos. Os hieróglifos, portanto, podiam ser escritos,
pintados, esculpidos e entalhados em alto e baixo relevo.
Os suportes de escrita eram diversos, pois os hieróglifos
estavam presente em paredes de tumbas, templos e
palácios, em sarcófagos e ataúdes de madeira, pedra, ouro
ou cartonagem4 em estátuas de diversos tamanhos, estelas,
amuletos e até mesmo joias, mas principalmente, em
papiros e óstraco. Este último, se tratava de fragmentos de
cerâmicas reutilizadas e eram muito mais comuns que os
próprios papiros, pelo custo e praticidade. Por isso, jovens
escribas quando faziam suas lições ao aprender as técnicas
da escrita utilizavam óstracon, além disso, em anotações
do dia-a-dia, no comércio também utilizava-se este
material. Já o papiro, foi o ancestral do papel e era
confeccionado a partir da planta de mesmo nome. De nome
científico Cyperus Papyrus, é uma espécie endêmica da
4 Camadas de papiro, gesso e resina.
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 27
região do Oriente Médio. Já no Egito, era presente
principalmente nas regiões pantanosas do Delta. A planta
se transformava em papiro a partir de seu caule
descascado, cortado em lâminas, umedecido, entrelaçado e
prensado. Alguns textos ficaram muito populares no estudo
da literatura egípcia e foram fundamentais para entender
além da escrita, a vida e cosmovisão dos egípcios antigos.
Entre eles5, o “Texto das Pirâmides de Unas” descoberto
por Gaston Maspero em 1881 e datado do Reino Antigo,
por isso um dos mais antigos e importantes para a
compreensão do mito osiriano6, a “Sátira das Profissões”
ou “As instruções de Amenemate” datado do Reino Novo e
que traz ensinamentos para a profissão de escriba, seus
fragmentos encontram-se no Museu Britânico e no Museu
do Louvre, e o “Conto do Náufrago” ou “A Ilha da
Serpente” também datado do Reino Novo, e que narra a
história de um marinheiro egípcio que sobrevive à um
naufrágio numa ilha com uma serpente gigante que lhe
ajuda à retornar para casa cheio de riquezas, pesquisadores
apontam que este texto faz referência às viagens dos
egípcios ao Sinai em busca de ouro, mirra, madeira etc.
Além disso, ele é muito utilizado no aprendizado da escrita
pelos estudiosos contemporâneos. O papiro original
encontra-se no Museu de São Pushkin em Moscou.
A História da decifração dos hieróglifos, por
conseguinte, dos outros estágios desta escrita, iniciou-se já
no século IV com a obra Hieroglyphica de autoria do
sacerdote greco-egípcio Horapolo. Foi a primeira tentativa
que se têm registro da formação de um dicionário egípcio
escrito a partir do copta. Com o interesse pela Antiguidade
durante o período do Renascimento, esta obra começa a
circular durante o século XVI na Europa. Contudo, em
5 Ver datações na Figura 2.
6 Do deus Osíris. 
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 28
1798, Napoleão Bonaparte invade o Egito e leva consigo
uma equipe de estudiosos para fazer o registro dos artefatos
e do local. Desta expedição, surge a obra “A Descrição do
Egito” publicada em 1809, o que aguçou ainda mais o
interesse de leigos e especialistas pela língua morta. 
Com a descoberta da Pedra de Roseta pelos
franceses nesta mesma época, esta que fora transferida
como espólio de guerra para os ingleses que expulsaram
Napoleão e suas tropas do Egito, uma nova fase do estudo
da escrita iniciou-se. Com cópias do texto do artefato, o
qual se trata de um decreto em formato de estela do faraó
Ptolomeu V, através de seu conteúdo trilíngue: em
hieróglifo, demótico e grego, estudiosos obtiveram a chave
para entender a lógica da escrita egípcia através do texto
em grego, compreendido por muitos deles na época. Entre
eles, o inglês Thomas Young e o francês François
Champollion. Assim, após diversas cartas trocadas entre os
dois, e da tradução do cartucho com o nome de origem
grega, de Cleópatra, inscrito no Obelisco de Filas na
Inglaterra, listas gramaticais permitiram que Champollion
concluísse a decifração dos hieróglifos em 1822.
Introdução à Gramática básica do Egípcio 
Clássico (2055 AEC- 1550 AEC)
O conhecimento de algumas convenções
egiptológicas são essenciais para iniciar o estudo da escrita
egípcia, elas também foram elaboradas para que a
comunidade científica possa partir de pontos comuns para
debater e ampliar a compreensão sobre a tradução dos
textos em hieróglifos egípcios. Tratam-se, portanto, de
algumas regras das quais falaremos adiante.
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 29
Lista de Gardiner 
Elaborado por Sir Alan Gardiner, se trata de uma
classificação dos símbolos hieroglíficos em grupos
temáticos. Cada grupo temático corresponde à uma letra do
alfabeto latino. Por exemplo, abaixo vemos o grupo
temáticos das aves que corresponde à letra G.
FIGURA 4: LISTA DE GARDINER – GRUPO G - AVES
FONTE: App Dictonary 
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 30
Transliteração
A transliteração consiste em letras do alfabeto latino
equivalendo-se aos símbolos hieróglifos. Exemplo:
 Hieróglifo 
 Transliteração: Jmn
 Tradução: Amon
Muitas vezes os egiptólogos só publicam os textos
transliterados em seus trabalhos. A transliteração é feita
apenas com consoantes, mas as vogais são utilizadas para
que o texto transliterado possa ser pronunciado. Contudo,
não há como afirmar como era a pronuncia correta das
palavras e da língua egípcia antiga, já que se trata de uma
língua morta há milênios. Estudos fonéticos apontam
caminhos através da pronuncia do copta, último estágio da
língua, porém não há como chegar à pronuncia verdadeira.
Alfabeto 
Apesar da escrita egípcia clássica possuir uma
estrutura gramatical muito diferente da nossa língua, e os
egípcios antigos não terem desenvolvido um alfabeto, é
possível fazer alguma relação com o nosso alfabeto latino.
Para fins didáticos e de familiarização com a escrita,
existem diversas versões e elas podem ser encontradas
facilmente na internet como a da imagem abaixo:
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 31
FIGURA 5- ALFABETO LATINO E HIEROGLÍFICO
FONTE: Disponível em
<http://solangembona.blogspot.com/2009/10/traduza-seu-nome-para-
hieroglifo.html Acesso em: 01/12/21.>
Cartuchos
Os cartuchos, nomeados dessa forma por lembrarem
cartuchos de bala, são umacaracterística da escrita
hieroglífica e eram utilizados apenas para carregar o nome
de faraós e rainhas do Egito antigo.
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 32
FIGURA 6- CARTUCHO CONTENDO O NOME DO
FARAÓ TUTANKHAMON, À ESQUERDA DE
NASCIMENTO À DIREITA DE COROAÇÃO
FONTE: Wikipédia- Domínio Público.
Antecipação Honorífica
Ocorre quando o nome de uma divindade, ou do
faraó, considerada uma também, antecede-se na frase
mesmo que não faça completo sentido estar à frente. Para os
antigos egípcios este era um sinal de respeito e evidenciava
sua hierarquia social. 
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 33
Leitura
A leitura dos textos em hieróglifos pode ser feita em
colunas ou linhas, pois assim eram escritos. Já a direção de
leitura destas linhas e colunas, vai depender dos símbolos,
ou seja, em que direção eles estão dispostos. Uma dica, é
sempre observar as figuras de animais e pessoas no texto, se
elas olham em direção à esquerda do texto, então a leitura
começa da esquerda para a direita, e vice-versa. Contudo, os
textos em hieróglifos sempre devem ser lidos de cima para
baixo, nunca de baixo para cima.
FIGURA 7- EXEMPLOS DE HIERÓGLIFOS
FONTE: Wikipédia- Domínio Público.
Transcrição
Outras convenções egiptológicas dizem respeito ao
processo de transcrição do texto em hieróglifo para o texto
transliterado. Assim, os egiptólogos utilizam alguns sinais
para realizar este trabalho, pois nem sempre o texto original
está legível ou presente. São eles:
//////// - TEXTO DESTRUÍDO (não há como ler)
[...] – TEXTO DESTRUÍDO (mas egiptólogo propõe
complemento)
(...) – TEXTO ORIGINAL OMITE ALGUMA PALAVRA
(mas aparece na transliteração)
<...> - TEXTO ORIGINAL É CORRIGIDO (escriba errou)
{...} – PROPOSTA DE RESTAURAÇÃO DO TEXTO
DANIFICADO (não é definitiva, é uma proposta)
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 34
<---> - TEXTO ORIGINAL INCOMPLETO (deixado em
branco pelo escriba, razões diversas)
Pictograma, Fonograma e Ideograma
Quando o hieróglifo representa o próprio objeto ou
ser no texto ele é um pictograma. 
Exemplo: Leão Hieróglifo E23
Quando o hieróglifo representa um son no texto ele é
um fonograma. 
Exemplo: Sons: /r/ /rw/ / l /*
Quando o hieróglifo representa uma ideia presente
no texto ele é um fonograma. 
Exemplo: Significado: perigo, algo perigoso,
arriscado etc.
Fonogramas Uniliterais, Biliterais e 
Triliterais
Fonogramas uniliterais possuem apenas uma
consoante. 
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 35
FIGURA 7- PRINCIPAIS FONOGRAMAS UNILITERAIS 
FONTE: Disponível em <https://aegyptologus.com/gramatica-
egipcia-classica/ >
Acesso em: 01/12/21.
Fonogramas biliterais apresentam duas consoantes.
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 36
FIGURA 8- PRINCIPAIS FONOGRAMAS TRILITERAIS
FONTE: Disponível em <https://aegyptologus.com/gramatica-egipcia-
classica/ >
Acesso em: 01/12/21.
Fonogramas triliterais apresentam três consoantes.
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 37
FIGURA 9- PRINCIPAIS FONOGRAMAS TRILITERAIS
FONTE: Disponível em <https://aegyptologus.com/gramatica-egipcia-
classica/>
Acesso em: 01/12/21.
Determinativos
Os hieróglifos determinativos reforçam no texto uma
ideia ou ação, e determinam gênero e número. 
FIGURA 10- ALGUNS EXEMPLOS DE
DETERMINATIVOS
FONTE:
https://aegyptologus.com/gramatica-egipcia-classica/ , Acesso em:
01/12/21.
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 38
Vogais
A língua egípcia pertence à família afro-asiática
(antiga família camito-semítica). Entre as línguas afro-
asiáticas estão, por exemplo: berbere, semítico, chádico,
omótico, cuchítico. Como já mencionado, utilizamos
algumas vogais para conseguir pronunciar e dar certa
sonoridade à transliteração. Exemplos:
Aleph- A longo
Ayin- a breve
Yod- I (Y – E) “a” no início de nomes próprios
Waw- W (O – U)
e – entre consoantes muito difíceis de serem
pronunciadas 
Exemplo: dp.t / de-pet
Alguns estudos fonológicos utilizam as gramáticas
das línguas afro-asiáticas, línguas vernaculares, o copta, e a
escrita cuneiforme, que possuí vogais, como por exemplo as
cartas de Amarna, como forma de estudar a pronúncia dos
antigos egípcios. Mas como já reforçamos, são apenas
hipóteses.
Nomes Gregos
Muitos nomes e palavras que ouvimos falar sobre o
Egito antigo são, na realidade, de origem grega. Contudo, no
estudo dos textos egípcios eles também são mantidos. Por
exemplo:
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 39
FIGURA 11- NOME DO FARAÓ TUTEMÓSIS III
FONTE: Wikipédia- Domínio Público.
Hieróglifos e Tecnologia
O uso de tecnologias e ferramentas digitais para o
estudo e publicação dos hieróglifos egípcios pode ser
elencado a partir da elaboração do Manuel de Codage
(MdC) em 1988. Se trata de mais uma convenção
egiptológica para a digitação das transliterações e traduções
no computador. Assim, os egiptólogos podem enviar seus
trabalhos via e-mail, publicarem seus trabalhos
eletronicamente e trabalharem em seus computadores:
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 40
FIGURA 12- MANUEL DE CODAGE (MdC)
FONTE: https://aegyptologus.com/gramatica-egipcia-classica/
Acesso em: 01/12/21.
Já o aplicativo Fabricius teve origem a partir do
projeto The Hieroglyphics Initiative7. Em português “A
Iniciativa Hieróglifos”, é uma parceria entre a Ubisoft, o
British Museum, o Google, a Macquarie University e a
desenvolvedora inglesa de software Psycle Interactive.
Também houve a participação de filólogos e estudiosos em
línguas antigas de diversas nacionalidades. Este é um
exemplo de projeto em Humanidades Digitais e iniciou-se
em conjunto com o desenvolvimento do jogo Assassin’s
Creed Origins (2017) que se passa no Egito antigo, também
produzido pela Ubisoft. Sua proposta contempla os três
verbos: aprender, jogar e trabalhar. Portanto, o Fabricius foi
pensando para estudantes de diferentes níveis, pesquisadores
e o público geral. 
7 Vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=TfdWNY7priQ Acesso em
01/12/21.
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 41
Proposta de atividade com o Fabricius
A proposta de atividade abaixo foi explicada para os
alunos (as) deste minicurso no vídeo 4. Uma retificação com
algumas pequenas correções, foram feitas em um vídeo na
sequência. De qualquer forma, o arquivo abaixo com as
instruções da atividade a ser realizada, também foi
disponibilizado em um documento escrito com acesso via
link de nuvem postado na descrição do vídeo 4. É
importante ressaltar que, tal atividade só pode ser realizada
com o uso do aplicativo Fabricius em notebook ou
computador, pois o smartphone não suporta a função
“bancada de trabalho”, onde a proposta de atividade a seguir
deve ser executada.
ATIVIDADE:
1. Escolha uma das três imagens disponibilizadas e
faça o download dela em seu computador. 
2. Crie um Fac-símile na bancada de trabalho do
aplicativo Fabricius com a imagem escolhida.
3. Faça o download do Fac-símile, salve a imagem
com seu nome completo e o número do cartucho
no seu computador.
4. Exemplo: jéssica_franco_cartucho1
5. Crie um link de acesso para a imagem.
6. Copie e cole o link no formulário do Google para
envio da atividade à comissão organizadora do
evento.
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 42
7. No campo definido no mesmo formulário do
Google, escreva com suas palavras, e até atingir o
número de caracteres necessários, um feedback do
minicurso, com sugestões, críticas, elogios, além
de compartilhar conosco sua experiência de
aprendizado e com a ferramenta Fabricius.
ATENÇÃO!
• Não esqueça de colocar SEU NOME
COMPLETO no arquivo (imagem do Fac-
símile) quando fizer o download dele no seu
computador. Pois é através dele, que sua
atividade será computada como feita para o
recebimento do certificado. 
• A TRADUÇÃOdo cartucho não é obrigatória.
Mas a realização do Fac-símile sim.
• Dica: os cartuchos contêm nomes de faraós.
Lembra-se?
• Utilize o TUTORIAL do Fabricius para fazer o
Fac-símile. Além dele, a AULA 4 e o vídeo
ATIVIDADE deste minicurso também
mostraram como montar um Fac-símile.
• Não esqueça: é mexendo no aplicativo que se
aprende. Então, mãos à obra!
Observação:
Foram disponibilizadas três imagens contendo três
cartuchos com nomes de faraós para os alunos (as)
realizarem a atividade final. O exemplo a seguir é uma
delas:
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 43
FIGURA 13- IMAGEM DE CARTUCHO DO FARAÓ
RAMSSÉS 
FONTE: Acervo pessoal da autora.
FIGURA 14- FAC-SÍMILE DE CARTUCHO DO FARAÓ
RAMSSÉS FEITO NO APLICATIVO FABRICIUS 
FONTE: Acervo pessoal da autora.
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 44
Referências
ALLEN, James P. Middle Egyptian: an introduction to the 
language and culture of Hieroglyphs. Cambridge University 
Press, United Kingdom, 2014.
BERRY, David M. Understanding Digital Humanities. 
Palgrave MacMillan, London, 2012. 
FAULKNER, Raymond O. A Concise Dictonary of Midlle 
Egyptian. Modernized By Boris Jegorovic. Griffith Institute
Ashmolean Museum, Oxford, London, 2017. 
GARDINER, Alan. Gramatica Egipcia: una introduccion 
al studio de los jeroglifos. Griffith Institute, Oxford, 1993. 
GOLD, Matthew K. Debates in Digital Humanities. 
University of Minnesota Press, London, 2012.
JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. Tradução: 
Susana L. de Alexandria, 2ª edição, Editora Aleph, São 
Paulo, 2009. 
LÉVY, Pierre. O que é o virtual?. Tradução: Paulo Neves.
2ª edição, Editora 34, São Paulo, 2011. 
NOIRET, Serge. História Pública Digital. Liinc em 
Revista, v. 11, n.1, p. 28-51, Rio de Janeiro, 2015. 
PEREIRA, Ronaldo Guilherme Gurgel. Gramática 
Fundamental de Egípcio Hieroglífico: para o estudo do 
estágio inicial da língua egípcia (de ca 3000 a 1300 a.C). 
Chiado Editora, 2ª Edição, Lisboa, 2016.
 ______________Texto, Imagem e Retórica Visual na Arte 
Funerária Egípcia. Editora autografia. Rio de Janeiro, 2019.
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 45
Sites e Links: 
Texto colonialismo digital: 
https://outraspalavras.net/tecnologiaemdisputa/a-ameaca-
nada-sutil-do-colonialismo-digital/ Acesso em 01/12/21.
Vídeo algoritmos e racismo: 
https://www.uol.com.br/tilt/reportagens-especiais/como-os-
algoritmos-espalham-racismo/#page1 Acesso em 01/12/21.
Entrevistas Pierre Lévy:
https://www.youtube.com/watch?v=DzfKr2nUj8k&t=8s 
Acesso em 01/12/21
https://www.youtube.com/watch?v=zovtnO7da4I&t=0s 
Acesso em 01/12/21
https://www.youtube.com/watch?v=3PoGmCuG_kc&t=0s 
Acesso em 01/12/21
https://www.youtube.com/watch?v=ZYg70y6p3v8&t=20s 
Acesso em 01/12/21
https://brasil.elpais.com/eps/2021-07-01/pierre-levy-muitos-
nao-acreditam-mas-ja-eramos-muito-maus-antes-da-
internet.html Acesso em 01/12/21
Minicurso Humanidades Digitais: uma introdução à escrita 
egípcia através do aplicativo Fabricus: 
https://www.youtube.com/watch?
v=1Yy3Uj5kVRY&list=PL3XrNGdi9kDcHt4YdBmJCCol
QQB-BWHsC&index=1 Acesso em 01/12/21
Curso Egípcio Clássico Introdução: 
https://www.youtube.com/playlist?
list=PLI8rGh6UbR_vOBaIrALDQwiSHSgQ2TleQ Acesso 
em 01/12/21.
Curso Egípcio Clássico Avançado: 
https://www.youtube.com/playlist?
list=PLI8rGh6UbR_v6eR72IJklSXgOP4bbxnNM Acesso 
em 01/12/21.
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 46
As Representações das Personagens
Femininas nas Heroides de Ovídio: o caso
de Penélope e Helena de Troia
The Representations of the Female Characters in
the Heroids of Ovid: the case of Penelope and
Helen of Troy
Letícia Schneider Ferreira1
________________________________________________
Resumo 
O presente artigo tem por finalidade refletir sobre a temática de
gênero por meio da análise de duas personagens presentes na obra
Heroides de Públio Ovídio Naso: Helena de Troia e Penélope.
Ovídio foi um importante poeta elegíaco romano, que viveu entre
43 a.C. e 17 d.C e deixou uma farta obra que teve como ponto
central a temática do amor e dos jogos de sedução. As Heroides
são um conjunto de poemas em forma de epístolas e que tem
como eu lírico personagens femininas da mitologia ou literatura
greco-romana: heroínas como Dido, Medeia e Ariadne, narram
suas desventuras amorosas, apresentando sua versão sobre os
acontecimentos. As cartas se endereçam, em sua maioria, para
aqueles que as abandonaram e traduzem o sofrimento destas
personagens em sua solidão. Entretanto, há algumas exceções,
como a primeira missiva, de Penélope para Ulisses, em que esta
acusa sua ausência, mas apresenta-se em estado de espera e
expectativa do retorno do herói; também a carta XVII, dirigida
por Helena a Paris, é uma epístola que não condiz com o
sentimento de tristeza, ao contrário, a rainha espartana reflete
sobre as vantagens em seguir seu hóspede troiano para Ìlion, ou
1 Doutora em História pela UFRGS. Docente de História do IFRS 
Campus Bento Gonçalves. Email: leticia.ferreira@bento.ifrs.edu.br
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 47
manter-se fiel ao esposo. Assim, a análise destas personagens
icônicas na composição do ideário sobre o feminino, permite que
seja possível compreender as relações de gênero presentes na
narrativa, mas que estão estabelecidas no contexto em que o autor
viveu e escreveu. 
Palavras-chave: Ovídio. Helena de Troia. Penélope.
Abstract
This article aims to reflect on the theme of gender through the
analysis of two characters present in the work Heroides by Publio
Ovídio Naso: Helena de Troia and Penelope. Ovid was an
important Roman elegiac poet, who lived between 43 BC and 17
AD and left a rich work whose central point was the theme of
love and games of seduction. The Heroides are a set of poems in
the form of epistles and which have female characters from
Greek-Roman mythology or literature as a lyric: heroines such as
Dido, Medea and Ariadne, narrate their love misadventures,
presenting their version of the events. The letters are mostly
addressed to those who abandoned them and reflect the suffering
of these characters in their loneliness. However, there are some
exceptions, such as the first missive, from Penelope to Ulysses, in
which she acknowledges his absence, but presents himself in a
state of expectation and expectation of the hero's return; also
letter XVII, addressed by Helena to Paris, is an epistle that does
not match the feeling of sadness, on the contrary, the Spartan
queen reflects on the advantages of following her Trojan guest to
Ìlion, or remaining faithful to her husband. Thus, the analysis of
these iconic characters in the composition of the ideals about the
feminine allows it to be possible to understand the gender
relations present in the narrative, but which are established in the
context in which the author lived and wrote.
Keywords: Ovid. Helen of Troy. Penelope.
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 48
As Representações das Personagens
Femininas nas Heroides de Ovídio: o caso
de Penélope e Helena de Troia. 
Letícia Schneider Ferreira
_________________________________________
Introdução: reflexões sobre gênero, história e 
literatura
A abordagem das temáticas referentes de gênero é
não apenas desafiadora como necessária: a demonização das
questões relativas as relações entre papéis sociais
masculinos e feminino, à misoginia impregnada na
sociedade e o preconceito contra grupos de identidades
sexuais divergentes à heteronormatividade enraizado nas
práticas da coletividade requerem um constante debate em
prol da transformação deste cenário. O estudo da construção
dessas perspectivas por meio da observação das diferentes
narrativas e discursos relativos ao âmbito do sentir e das
práticas performativas de homens e mulheres podem
auxiliar na desnaturalização do feminino e masculinoenquanto elementos vinculados a um caráter inato e
influenciado por elementos biológicos, salientando os
processos de disputas de poder que estão envolvidos na
delimitação do que seria próprio a homens e mulheres. 
Assim, gênero, enquanto categoria analítica que
propicia que as relações entre homens e mulheres sejam
desveladas enquanto espaço conflituoso de disputas de
poder, pode ser mobilizado para compreender questões do
passado a partir de um olhar que parte do presente. O termo,
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 49
debatido em um texto canônico e ainda válido para as
reflexões sobre o feminino, é apresentado por Joan Scott, a
qual expõe que
Minha definição de gênero tem duas par-
tes e diversas subconjuntos, que estão in-
terrelacionados, mas devem ser analitica-
mente diferenciados. O núcleo da defini-
ção repousa numa conexão integral entre
duas proposições: (1) o gênero é um ele-
mento constitutivo de relações sociais ba-
seadas nas diferenças percebidas entre os
sexos e (2) o gênero é uma forma primária
de dar significado às relações de poder.
As mudanças na organização das relações
sociais correspondem sempre a mudanças
nas representações do poder, mas a mu-
dança não é unidirecional. (SCOTT, 1995,
p.86)
Os estudos de gênero podem contribuir para a
compreensão de uma série de questões socioeconômicas,
políticas e culturais de diferentes populações, uma vez que o
ideário de gênero, mesmo que não seja necessariamente o
centro de organização de determinados grupos sociais, pode
conformar formas de ser, de se expressar e agir no mundo.
Deste modo, apesar de ganhar fôlego a partir das décadas de
1980/90, os estudos de gênero se mantêm como um recurso
interessante e profícuo para a área do conhecimento
histórico. Segundo Andrade
Questão de gênero: masculino, feminino.
Isto envolve apropriação do corpo, formas
de interação social, formas de exercício
de poder, em uma palavra, tensões, nego-
ciações. Mas envolve também, como aliás
não poderia deixar de envolver, uma ex-
periência social do gênero, e um imaginá-
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 50
rio. A problematização de masculino e fe-
minino a partir da compreensão do gênero
- conceito relacional e socialmente produ-
zido – constitui um dos campos historio-
gráficos mais frutíferos nos últimos anos.
(ANDRADE, 1998, p.390-391)
O presente artigo tem por finalidade, a partir do
aparato teórico-metodológico propiciado pelas reflexões de
gênero, analisar a obra Heroides de Públio Ovídio Naso,
enfatizando o conteúdo das Epístolas I e XVII, procurando
observar de que modo o feminino é mobilizado a partir das
personagens Penélope e Helena de Troia. As personagens
selecionadas comportam uma série de elementos
comumente atribuídos ao feminino, tornando-se exemplares
de diferentes formas de acordo com as mensagens que se
deseja disseminar na sociedade: Penélope, fiel esposa que
por 20 anos aguarda seu esposo, a face da prudência e da
sensatez, e Helena, controversa, as vezes exaltada em sua
beleza física, em outras condenada por sua suposta
futilidade, ganância e imoralidade. Estas figuras femininas
serão exploradas mais adequadamente nas próximas
subseções, mas é necessário ressaltar que os elementos
associados ao feminino extrapolam a caracterização das
personagens, mas também revelam prescrições existentes
sobre as ações de mulheres e homens em uma determinada
temporalidade e local. 
O estudo do feminino na Antiguidade é, sem dúvida,
um desafio dado ao fato de que as fontes que chegaram até
os dias atuais são produzidas por homens, havendo,
portanto, a necessidade de atentar para o desafio da
filtragem desse olhar que parte de uma visão masculina
sobre as mulheres. Deste modo, mais que descobrir a
“verdade” sobre as experiências do feminino durante a
Antiguidade, é possível identificar os discursos e as
prescrições que se elaboravam sobre os modelos de
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 51
comportamento desejados para as mulheres e as impressões
destes escritores sobre o sentir e agir feminino. De fato, as
investigações sobre o feminino impõem dificuldades a
pesquisadores/as de diferentes períodos, uma vez que a
invisibilidade sobre o feminino não é algo exclusivo da
Antiguidade Clássica. Barbosa afirma que
O estudo das mulheres na Antiguidade
não difere muito dos estudos contemporâ-
neos. O registro primário do que elas fa-
zem ou dizem é mediatizado pelos crité-
rios de seleção dos escribas do poder. In-
diferentes à vida privada, eles dedicam-se
à vida pública, da qual elas não partici-
pam. Se elas a invadem, eles alarmam-se,
como se fora uma desordem [...]. (BAR-
BOSA, 2007, p. 354).
A escassez de fontes exige que haja a utilização de
diferentes vestígios materiais, iconográficos e escritos, no
intuito de constituir um olhar sobre o feminino, e a literatura
pode ser uma ferramenta essencial para observar os
discursos produzidos sobre as mulheres. A literatura,
enquanto construção narrativa, permite um diálogo
interessante com a História, uma vez que carrega uma série
de elementos que possibilitam referir seu contexto de
produção, os interesses envolvidos na construção de uma
obra ficcional e pensar sobre os valores presentes e
divulgados para o público que acessa seu conteúdo. A
história e a literatura aproximam-se em uma série de
características, uma vez que ambas buscam comunicar por
meio da escrita e associam-se a uma série de interpretações
da realidade. Contudo, estas afastam-se em outros pontos,
como a expectativa que ambas geram: enquanto a literatura
é observada muitas vezes como fonte de entretenimento e,
portanto, não necessariamente precisa pautar-se pela
veracidade dos eventos que narra, a narrativa histórica
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 52
deveria apresentar uma postura de fidelidade às fontes
utilizadas para sua elaboração. Pesavento reflete sobre esta
questão, explicitando que
(...) leitores de História, em princípio,
buscam saber como foi, ou mais ainda, a
verdade do que foi, mesmo porque, consa-
gradamente, pesa sobre o historiador o pa-
pel de desempenhar a fala autorizada so-
bre o passado. Mas, mesmo detendo esta
autoridade da fala, o historiador se vale
dos recursos da linguagem, do esforço re-
tórico do convencimento, das evidências
de pesquisa. Estas evidências são a exibi-
ção de referências bibliográficas, citações,
indicações de fontes e notas de rodapé
para mesmo provocar o leitor, como já foi
antes assinalado: se não acreditar ou não
estiver convencido, refaça meu caminho e
comprove por si mesmo (PESAVENTO,
2003, p. 38)
A literatura é um instrumento pedagógico de
considerável importância no período da Antiguidade,
apresentando saberes e valores que influenciavam o
pensamento e as atos dos integrantes das civilizações deste
período histórico. Tais histórias eram acessadas por meio da
oralidade, uma vez que estas obras contêm traços de uma
possível declamação dos versos, como repetições e
vocativos, o que permite inferir que mesmo aqueles e
aquelas que não eram alfabetizados entravam em contato
com os textos e seus personagens. O ideal heróico,
simbolizado na imagem do guerreiro, é propagado entre os
indivíduos, integrando o processo educativo na Antiguidade.
Souza e Pirateli observam que
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 53
A sociedade grega, na antiguidade, man-
teve uma ligação muito estrita com a arte
literária, fosse ela na poesia épica, lírica
ou coral. A literatura grega, independente
do gênero, acabou por influenciar o povo
em seus vários momentos históricos, ser-
vindo ao entretenimento, à religião, à edu-
cação e aos interesses dos setores domi-
nantes, sendo usada de diversas maneiras,
paraentreter, doutrinar, educar ou formar
o homem grego. Isso pode ser visto, num
primeiro momento, quando essa literatura
procurava manter viva a tradição familiar
gentílica e sua religião mítica com seus
deuses. Em um segundo momento, quan-
do buscava despertar as emoções e rea-
ções do público, do ouvinte, da plateia.
Ou ainda também quando exaltava a cul-
tura guerreira de um povo que tinha na fi-
gura do herói um ideal a ser seguido.
(SOUZA, PIRATELI, 2010, p.1-2)
Assim como Aquiles, Agamemnon, Menelau e
Heitor apresentavam modelos de comportamento e valores
sociais vinculados à esfera do masculino, as personagens
Penélope, Helena, entre outras, se relacionam com o
imaginário sobre o feminino. Deste modo, estas personagens
podem auxiliar na prática de descortinar elementos relativos
às expectativas referentes ao comportamento feminino e o
ideal sobre questões relativas ao âmbito doméstico, ao
casamento e maternidade2. Penélope e Helena serão, assim
2 Nogueira reflete sobre a apresentação das figuras femininas na 
literatura escrita por autores homens, salientando que estes apresentam 
seu olhar sobre o feminino e referindo que podemos sentirmo-nos 
próximas as experiências narradas por meio de tais figuras. A autora 
afirma que: “próximas de nós, as mulheres da literatura grega antiga, 
seja ela arcaica, clássica ou helenística, são fruto da liberdade poética de
seus autores. Podemos tentar descortinar informações sobre o mundo 
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 54
analisadas por meio inicialmente das obras em que são
citadas originalmente, ou seja, os poemas homéricos Ilíada e
Odisseia, para então serem contextualizadas na obra
Heroides de Ovídio.
Públio Ovídio Naso, poeta elegíaco nascido em 43
a.C. e falecido em 17 d.C. deixou como legado uma farta
obra poética e destacou-se no início do Império Romano,
durante o principado de Augusto. As Heroides são poesias
em forma epistolar, compostas no início de sua carreira e
que tem como elemento de destaque a opção por um eu
lírico feminino, na maioria das missivas. Assim, entre as 21
cartas, 18 tem como protagonistas personagens de destaque
da literatura e mitologia greco romana, as quais narram as
dores do abandono por seus amantes. Ovídio opta, desta
forma, por apresentar a visão destas mulheres que lastimam
sua situação e acusam os heróis pelos sofrimentos vividos.
As cartas que serão analisadas neste estudo, a epístola I,
relativa a Penélope e a missiva XVII, referente à Helena
rompem com essa lógica, pois a esposa de Ulisses não
parece se apresentar como uma mulher abandonada, mas
sim como alguém que reclama da ausência do esposo,
conjecturando os motivos que levam este a não ter retornado
após longos anos, enquanto Helena será aquela que
abandona e não a que sofre a rejeição de seu esposo. Deste
modo, a compreensão sobre a recepção de Penélope e
Helena requer um olhar mais detalhado sobre estas
personagens em seus contextos anteriores, para só então ser
possível identificar quais elementos relativos a estas figuras
e ao feminino são mobilizados por Ovídio nas Heroides.
real que o olhar masculino vai deixando transparecer nos seus escritos e 
esse mundo idealizado está mais próximo dos nossos sentimentos e 
vivências mais comuns. (NOGUEIRA, 2006, p.100)
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 55
Penélope: aquela que tece prudentes artimanhas.
Penélope é a personagem feminina de maior
destaque na obra Odisseia, atribuída ao aedo Homero, o qual
teria vivido em torno do século VIII a.C e compilado esta
epopeia que versa sobre o retorno do herói Odisseu após o
final da Guerra de Troia. Autor do estratagema do cavalo de
madeira, Odisseu é amaldiçoado e demora dez anos para
conseguir de fato retornar à Ítaca, precisando enfrentar uma
série e percalços e perigos que acarretam na morte de todos
os seus companheiros. Odisseu, entretanto, procura manter
sua memória e seu nome, o qual muitas vezes precisa
ocultar para sua própria sobrevivência, e reencontrar sua
esposa, da qual se mostra saudoso.
A filha de Icário encontra-se em uma situação
bastante desafiadora oriunda da longa ausência de seu
marido: como uma mulher nobre, cuja mão é desejada por
diversos aristocratas, espera-se que ela se case novamente;
entretanto, Penélope retarda qualquer decisão, na
expectativa de que Odisseu, cujo corpo não foi encontrado,
reencontre o caminho de casa. Penélope tem seu palácio
tomado por seus pretendentes, que invadem o espaço,
realizam banquetes, a assediam e dilapidam a herança de seu
filho, Telêmaco, já um jovem adulto, o qual precisou educar
sozinha e que agora busca sua afirmação pessoal em um
certo confronto com a figura materna. Assim, a relação de
Penélope com seu filho e suas ações as quais
constantemente performam sua angústia perante a incógnita
do paradeiro de Odisseu auxiliam a conformar a perspectiva
sobre o feminino presente nesta obra. 
 A compreensão sobre a Penélope homérica se faz
necessária uma vez que a epístola ovidiana, conforme será
observado posteriormente com maior ênfase, não promove
uma descrição da personagem ou permite uma análise de
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 56
maior fôlego por si só, talvez devido ao conhecimento que
seu público já possuísse previamente sobre a personagem e
os acontecimentos nos quais ela está envolvida. Portanto, é
fundamental observar a Penélope presente na Odisseia, uma
vez que a epístola I das Heroides retomará alguns eventos
ali descritos. 
Penélope é introduzida no início da Odisseia, nos
cantos denominados “Telemaquia”, uma vez que os
acontecimentos centram-se na figura do filho de Odisseu, o
qual, desejoso de saber notícias do pai e querendo evitar o
confronto com os pretendentes e visando manter o que
restava de sua herança, parte em busca de informações sobre
seu pai. Penélope é apresentada como uma esposa
inconsolável, que mantém sua privacidade, mantendo-se no
espaço de seu quarto, onde chora por seu esposo ausente,
sempre acompanhada de suas aias. Deste modo, Penélope é
apresentada como o modelo de comportamento para a
esposa nobre, a qual demonstra sua honra ao se manter
reclusa na maior parte do tempo e sempre que possível
acompanhada por criadas cuja reputação também deve ser
objeto de atenção. 
Entretanto, Penélope se coloca no espaço público
quando assim percebe como algo necessário: exemplo de tal
afirmação é o momento em que esta, em seu quarto, ouve
um trovador que narra as aventuras de Odisseu no salão em
que se encontram Telêmaco e os pretendentes. Afetada pela
narrativa, Penélope irrompe no salão com suas
acompanhantes no intuito de solicitar que o cantor
interrompa a história, pois trazia lembranças que a deixavam
entristecida. Assim, Penélope dirige-se ao cantor
Fêmio, canções diferentes tu sabes, que os
homens encantam gestas de heróis e de
deuses, que os vates gloriosos propagam.
Dessas, lhe canta qualquer, e que todos te
escutem silentes, vinho a beber. Não pros-
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 57
sigas, porém, nessa história tão triste, que
o coração se me aperta no peito ao ouvir-
te a cantiga, o que acontece des que a in-
comportável saudade me aflige, pela que-
rida cabeça, que sempre à memória me
ocorre, pelo varão cuja fama em toda a
Hélade e em Argos se estende. (HOME-
RO, 2003, p.37)
A cena é bastante instrutiva e paradoxal em relação
ao feminino: a atitude de Penélope revela que as mulheres
sentiam-se capazes de apresentarem-se no espaço público,
no qual estavam presentes majoritariamente homens e a um
deles se dirigir, tendo como motivação a afirmação de sua
condição de esposa fiel e saudosa, a qual sequer suporta
ouvir referências ao amado sem sofrer com as lembranças.
Assim, há a sustentação de um determinadopapel na fala de
Penélope, que expõe aos pretendentes espalhados no salão a
sua contrariedade em estar exposta a seu assédio e o desejo
de se manter intacta enquanto aguarda pelo retorno do
esposo, quiçá até a morte. Todavia, a sequência do episódio
mostra a interferência de Telêmaco que, ríspido, incita a mãe
a retornar ao seus aposentos, ressaltando que aquele não é
um local apropriado para uma mulher. 
Para teu quarto recolhe-te e cuida dos pró-
prios lavores, roca e tear, e às criadas so-
lícitas ordens transmite para que tudo exe-
cutem, que aos homens importa a palavra,
mormente a mim, a quem cumpre assumir
o comando da casa. Cheia de espanto, Pe-
nélope aos seus aposentos retorna pois lhe
calaram no peito as sensatas palavras do
filho. Acompanhada das servas, subiu
para os seus aposentos, para chorar pelo
caro marido, Odisseu, té que sono muito
tranquilo nos olhos lhe Palas Atena ver-
tesse. (HOMERO, 2003, p.38)
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 58
Essa interdição ao espaço público mostra-se
pedagógico, uma vez que o filho descreve inclusive quais as
funções da mulher nobre no espaço do lar, ou seja, dedicar-
se à tecelagem e a gestão das criadas em suas funções,
postura que parece surpreender Penélope não pela grosseria
de Telêmaco, mas pela observação de que este já seria um
homem adulto, do qual poderia se esperar não apenas que
lhe desse ordens, mas que expusesse a ordenação dos papeis
sociais de homens e mulheres e impedisse qualquer ruptura
neste sentido. A historiadora Mary Beard refere este trecho
como um exemplo do silenciamento ao qual as mulheres
estavam submetidas, em especial em um período histórico
no qual a oralidade é um elemento de destaque, em especial
o exercício da fala no âmbito público. 
Há algo um tanto ridículo nesse menino
recém-saído das fraldas calando a experi-
ente Penélope, de meia-idade. Mas é uma
demonstração de que, no ponto em que
começam as provas escritas da cultura
ocidental as vozes femininas não eram ou-
vidas em âmbito público. Mais que isso,
na visão de Homero, parte do amadureci-
mento, no caso do homem, é aprender a
assumir o controle do pronunciamento pú-
blico e silenciar a fêmea da espécie. (BE-
ARD, 2018, p.16)
Deste modo, a situação abordada pode ser
interpretada como a expressão de um rito de passagem, pois
a expressão da maioridade de Telêmaco, na ausência da
figura paterna, é o enfrentamento junto a esta figura
feminina, que deve ser domada e reinserida em seu local por
excelência: o espaço privado. Penélope parece aceitar as
instruções do filho e se dirige para o quarto, onde chorará
por saudades de Odisseu; no entanto, ao longo da obra, é
possível identificar passagens em que a personagem rompe
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 59
com os papéis atribuídos ao feminino, de modo sutil,
condizente com a associação de sua figura à sensatez.
Penélope carrega em si o contraditório do feminino, e é
especialmente difícil definir a personagem, pois a narrativa
destaca a ambiguidade de suas ações: mãe zelosa, que se
preocupa com a segurança de Telêmaco ameaçada pela
presença dos pretendentes, Penélope chora constantemente
pela falta de Odisseu. Contudo, a mesma personagem é
capaz de elaborar artimanhas que enganam os homens e os
submete àquilo que por ela fora planejado. André Malta
salienta as contradições presentes na personagem,
observando que
Penélope parece alternar entre uma e ou-
tra posição, ora débil, ora senhora de si,
ora vítima, ora condutora do destino, de
tal forma que não conseguimos apreen-
der, em definitivo, quem ela de fato é.
Essa indecisão é um dos mais brilhan-
tes efeitos criados pelo poema: por si
só, se bem manejada, ela pode contri-
buir para adensar qualquer personagem
literário, conferindo-lhe mais verdade;
atrelada, porém, a uma figura feminina,
com toda a sua carga de sexualidade e
poder de atração, essa indecisão parece
ser potencializada, porque recato e sedu-
ção simultaneamente se atraem e repelem.
O segredo de Penélope reside no modo
hesitante pelo qual a vemos, em certos
momentos, como refém dos acontecimen-
tos, e, em outros, como aquela que os do-
mina por completo. (MALTA, 2012, p.8)
Assim, é possível avaliar que Penélope é uma
personagem com um elevado grau de complexidade
desenhado pelo autor, o qual, ressaltando sua fragilidade em
alguns momentos, demonstra também sua astúcia, talvez
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 60
comparável à métis do esposo, em se valer, inclusive, de
aparatos oferecidos pela feminilidade, como o uso do tear,
para cumprir com seus desejos. Penélope, interessada em
evitar as novas bodas que sua condição social lhe impõe,
planeja uma tática para ludibriar os pretendentes: afirmando
ser necessário que termine de tecer a mortalha de seu sogro
antes de tomar a decisão sobre um novo casamento, a filha
de Icário produz o artefato durante o dia e à noite
desmancha o trabalho realizado, conseguindo ao longo de
três anos afastar-se da escolha de um novo consorte3. Tal
passagem, ponto de destaque no poema homérico. É um dos
pretendentes, Atínoo, que apresenta ao leitor esta questão,
explicitando que Penélope só é descoberta pela traição de
uma serva, o que pode revelar também a complexidade das
relações entre mulheres no âmbito do espaço doméstico. 
Passa ela, então, a tecer uma tela mui
grande, de dia: à luz dos fachos, porém,
pela noite destece o trabalho. Três anos
isso; com dolo consegue embair os Aqui-
vos. Mas quando o quarto chegou, das sa-
zões no decurso do estilo, fez-nos saber a
artimanha uma serva de tudo inteirada.
Dessa maneira a apanharmos, que o belo
tecido esfazia, tendo-se visto obrigada a
acabar o trabalho, por força. (HOMERO,
2003, p.44)
3 Em relação a esta questão, Lessa afirma que “não importando as 
razões que a move, a personagem de Homero consegue o controle por 
mais de três anos sobre o tempo. Poder esse assegurado pela sua métis e 
pela sua sophía acerca de uma atividade, conforme já mencionamos, 
essencialmente do universo das mulheres. Pela tecelagem as mulheres 
podiam se realizar e angariar o reconhecimento coletivo de uma de suas 
competências. A arte de tecer se constituía em uma das formas de 
garantia de acesso das mulheres à cultura, pois tecer é próprio da vida 
civilizada. A habilidade nas atividades manuais é tida como uma das 
principais virtudes que se esperam das mulheres.” (LESSA, 2011, p.153)
Diálogos sobre História Antiga e Medieval 61
O personagem reconhece a inteligência de Penélope,
a qual se refere como agraciada pela deusa Atena,
demonstrando que era plausível avaliar o feminino por meio
de outras perspectivas que não somente a beleza física e a
fragilidade: Penélope era uma personagem dotada de
perspicácia, de tal modo que conseguia analisar a conjuntura
que se lhe apresentava e quais os meios de que dispunha
para solucionar os problemas a contento. Entretanto, o
personagem procura mais uma vez, junto a Telêmaco, para
quem narra o ardil de Penélope, retomar a “normalidade”
das relações entre homens e mulheres: este solicita ao filho
de Odisseu que use sua autoridade masculina para ordenar
que Penélope escolha o futuro esposo.
Manda tua mãe do palácio sair e lhe dizer
que case com quem o pai ordenar e a
quem ela afeição não recuse. Se persistir,
desse modo, a enganar por mais tempo, os
Aquivos, muito orgulhosa dos dons com
que Atena abrindou a mancheias, não só
de méritos de alma, senão de perícia em
trabalhos, como de astúcia, por modo qual
nunca soubemos das outras que em pris-
cos tempos viveram (...) que não supor-
tam confronto com o senso da nobre Pe-
nélope. (HOMERO, 2003, p.45)
A partir da leitura das passagens selecionadas, é
possível verificar que Homero produziu uma personagem
que contém uma série de aspectos

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