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DIÁLOGOS URBANOS E PAISAGÍSTICOS (FUNDAMENTOS DE URBANISMO) AULA 5 Profª Daniela Tahira Munhoz da Rocha 2 CONVERSA INICIAL Nesta etapa, vamos dar início ao conceito de planejamento urbano e urbanismo, falaremos sobre alguns instrumentos do planejamento urbano e, por fim, daremos ênfase à questão da participação popular. CONTEXTUALIZANDO Como vimos em conteúdos anteriores, as cidades surgiram como assentamentos humanos e foram crescendo, aumentando seu território, assim como sua população. Já vimos algumas nomenclaturas utilizadas nesse processo histórico de formação das cidades e alguns termos utilizados até o período modernista. Nesta etapa, vamos estudar sobre o planejamento urbano, destacando sua diferença em relação ao urbanismo. Iniciaremos com o conceito, suas características e suas etapas, sempre tentando apresentar exemplos práticos. TEMA 1 – PLANEJAMENTO URBANO E URBANISMO 1.1 Conceito O prefeito de Curitiba Rafael Greca, em 2020, referiu que planejamento é o terreno fértil que faz florescer no espaço urbano os frutos da cidade melhor, aquela que atende aos cidadãos em suas necessidades. E não há como falar de planejamento sem falar do espaço urbano e da cidade. Milton Santos (2005) considera o espaço como uma instância da sociedade, da mesma forma que a economia e a cultura. Para ele, a organização atual do espaço e a hierarquia entre lugares se deve a seus papéis no sistema produtivo, associando produção, circulação, distribuição e consumo como elementos construtores da cidade. Já a cidade é elemento vivo, volátil e dinâmico, em constante estado de evolução; é o local onde as pessoas moram, vivem e constroem sua história (Hayakawa; Rocha, 2020). Ao considerar as cidades sob o ponto de vista de sua organização e das diferentes formas de crescimento e ciclos de desenvolvimento, nota-se que elas buscam constantemente ser eficientes, exercer suas funções de centralidade, evidenciar forças econômicas, fortalecer 3 relacionamentos culturais e sociais e, ao mesmo tempo, enfrentam limitações que acabam por exigir novas formas de se trabalhar estratégias e interesses. Com base nisso, destacamos que: • urbanismo é inovação, inventividade. É o livre pensar sobre o que poderia ser a cidade ideal, sua forma e comportamento, suas prioridades, seu marco conceitual; a ideia que norteia e sustenta o planejamento (Reinert, 2008); • planejamento urbano é a “arte de fazer cidade”. O conjunto de instrumentos que nos permite determinar a forma desejada para a cidade que vivemos hoje e a do futuro. É operacional, marcado por projetos e programas, monitoramento e gerência que consolidam o conceito proposto pelo urbanismo. Um pacto regulador que assegura o desenvolvimento e administra o cotidiano. Lida com os processos de produção, estruturação e apropriação do espaço urbano. É a organização e o desenho dos assentamentos humanos com o objetivo de melhorar o viver (Reinert, 2008). 1.2 Planejamento urbano – etapas Existem várias classificações das etapas que compõem o planejamento urbano. Para este curso, seguiremos a classificação adotada por Fábio Duarte (2012), para quem o planejamento urbano é dividido em quatro etapas: diagnóstico, prognóstico, propostas e gestão pública: • diagnóstico – é a análise de uma situação, compondo um cenário da realidade existente. Desse modo, toda análise depende de dados disponíveis ou a serem coletados. Um procedimento utilizado para a realização do diagnóstico é o quadro de Condicionantes, Potencialidades e Deficiências (CPD). Esse esquema CPD é bastante eficaz, pois dirige os procedimentos de coleta e análise de uma situação para propostas e para a gestão, como mostra a Figura 1, a seguir. É importante chegarmos ao final do diagnóstico conhecendo com segurança como a cidade está hoje e como ela chegou a esse ponto. Aí devem estar incluídos aspectos demográficos, físico-territoriais, legais, sociais e econômicos; 4 Quadro 1 – Quadro CDP Planos Regionais de Curitiba Fonte: IPPUC, 2018 • prognóstico – não se trata de futurologia ou achismos, é a etapa do planejamento que considera a situação atual, a história e as tendências, e se nada for feito, como essa cidade será amanhã? Essa etapa do planejamento é chamada de prognóstico. Por ser um organismo vivo, a cidade provoca suas próprias transformações internas e recebe transformações externas de diferentes escalas. Algumas delas podem acontecer de forma imprevisível e afetam muito a cidade, como, por exemplo, a situação da pandemia de Covid-19 enfrentada em 2020. Nem por isso podemos eliminar essa etapa do planejamento, que trabalha a base segura do diagnóstico para se prever a realidade com a qual se deve trabalhar e o resultado que se quer alcançar; 5 • propostas – as propostas partem do resultado de um processo de planejamento urbano e transformam um futuro previsível em um futuro possível. Nessas propostas entram aspectos de obras de infraestrutura, mudanças nas leis, assim como a criação de formas alternativas de participação do cidadão no dia a dia da cidade; • gestão urbana – segundo Acioly e Forbes Davidson, Gestão Urbana “é um conjunto de instrumentos, atividades, tarefas e funções que visam a assegurar o bom funcionamento de uma cidade”. São fundamentais para essa etapa do planejamento: leis que regulamentam o plano diretor, a clareza do provimento de recursos necessários, o corpo técnico capacitado para implementar e gerenciar as propostas e envolvimento da sociedade civil organizada. Nas palavras e Turbay e Cassilha, “As políticas urbanas são criadas para resolver questões efetivas da sociedade, e para que se convertam em efeitos reais, são necessárias regulamentações e orientações que serão desdobradas em planos e instrumentos”. A seguir, teremos uma visão mais detalhada de dois importantes instrumentos de planejamento urbano, que são o plano diretor e o plano de uso do solo. TEMA 2 – INSTRUMENTO DO PLANEJAMENTO URBANO – PLANO DIRETOR A obrigatoriedade do plano diretor foi prevista no art. 182 da CF/88, tendo sido, posteriormente, regulamentado pela Lei n. 10.257, de 2001, conhecida como Estatuto da Cidade. O plano diretor, que deve ser revisado a cada 10 anos, certamente é um dos mais importantes instrumentos na elaboração de políticas públicas e planejamento urbano, eis que é o responsável por delimitar os parâmetros urbanísticos de todo o município, servindo de base para a aplicação de diversos outros instrumentos, definindo os requisitos para identificação da função social da propriedade em diferentes áreas da cidade etc. Os arts. 39 e 40 do Estatuto da Cidade preveem: Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao 6 desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta Lei. Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana. § 1º O plano diretor é parte integrante do processo de planejamento municipal, devendo o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas. § 2º O plano diretor deverá englobar o território do Município como um todo. § 3º A lei que instituir o plano diretor deverá ser revista, pelo menos, a cada dez anos. O plano diretor é obrigatório para municípios com mais de 20 mil habitantes, sendo importante lembrar que, para municípios com mais de 500 mil habitantes também é obrigatório implementar um Plano Integrado de Transportes. Esse instrumento é de fundamental importância para a adoçãoe o planejamento de políticas públicas, por isso deve ser elaborado com a participação de diversos segmentos da sociedade, desde técnicos urbanistas, políticos, organizações da sociedade civil até a população em geral. Nesse sentido, Fábio Duarte (2012) entende que a responsabilidade pela elaboração e implantação com sucesso do plano diretor é de toda a sociedade, defendendo que “uma vez que todos têm direito à participação nas audiências públicas, o sucesso da elaboração, implantação e fiscalização do plano diretor tornou-se responsabilidade de todos os cidadãos”. A visão multilateral é fundamental para a elaboração de um plano diretor de qualidade e efetivo: diretrizes básicas do plano diretor são propostas por um corpo técnico formado por urbanistas, engenheiros, médicos, agrônomos, economistas, enfim, profissionais de diferentes áreas – diversidade que tende a tornar o plano mais bem estruturado. [...] Essa participação externa à prefeitura geralmente traz visões diferentes daquelas dos que estão em contato cotidiano com os problemas da cidade. (Duarte, 2012) Para que se garanta a efetiva participação de todos os segmentos da sociedade acima mencionados, são de fundamental importância as audiências públicas, que permitem o contato direto entre os agentes públicos e os integrantes da sociedade civil. Esse contato, via de regra, traz aperfeiçoamentos e visões diferentes para o gestor público, sendo igualmente importante para que o cidadão também possa compreender as razões que levam a determinados projetos, trazendo benefícios para todos os envolvidos. A importância da transparência e participação popular é tão grande que o Estatuto da Cidade, em seu art. 40, parágrafo 4º, prevê expressamente que: 7 Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana. [...] § 4º No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão: I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade; II – a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos; III – o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos. A elaboração e aplicação de um plano diretor segue uma série de etapas que são imprescindíveis para sua qualidade e efetividade. Nas palavras de Fábio Duarte (2012): Há etapas na elaboração do plano diretor, não importa a dimensão da cidade, que são comuns. Em alguns municípios algumas dessas etapas merecem mais ou menos atenção. Porém, todas elas são fundamentais para o sucesso de um plano diretor, principalmente quando, desde a primeira etapa (o diagnóstico) até a última (gerenciamento e atualizações), todas estejam presentes na consciência dos envolvidos na elaboração do plano – dos técnicos à população e aos políticos. Tão importante quanto a elaboração do plano diretor é sua implementação. De nada adianta a elaboração do mais perfeito plano diretor se este não for aplicado na prática. Para isso, são fundamentais disciplina e atenção do gestor público e fiscalização constante por parte da sociedade. Não se pode perder de vista que o plano diretor não é algo estático que se imobiliza no momento de sua aprovação, sendo, ao reverso, em “ser vivo” que necessita de cuidado e adaptações nos dez anos previstos em lei para sua revisão. Em suma, o plano diretor é o instrumento pelo qual o bom gestor público fixa as diretrizes para o estabelecimento das políticas públicas dos próximos anos, já antevendo e preparando a cidade para os problemas e o desenvolvimento das próximas décadas. TEMA 3 – INSTRUMENTO DO PLANEJAMENTO URBANO – LEI DE USO E OCUPAÇÃO DO SOLO A definição das regras para uso e ocupação do solo é de fundamental importância, visto que incide na forma da utilização das propriedades urbanas. Nas palavras de Turbay e Cassilha, o uso e a ocupação do solo devem “ser 8 articulados juntamente com o zoneamento, ambos por meio de leis municipais definidas no plano diretor”. Os autores pontuam ainda que: O uso e ocupação do solo definem o desenvolvimento socioeconômico municipal por meio da determinação do valor da terra para cada zona municipal, principalmente pelas densidades estipuladas. Por isso é muito importante considerar a participação de toda a comunidade quando da elaboração dos planos diretores, para que o espaço seja pensado visando o bem comunitário, evitando quaisquer privilégios para uma minoria. (Turbay; Cassilha) O uso do solo urbano está ligado à atividade que será desenvolvida, que é definida pelo planejador urbano, devendo atender às necessidades atuais do município e, sobretudo, prever demandas futuras para que a cidade se antecipe e esteja sempre preparada. Turbay e Cassilha referem que essas atividades são [...] normalmente divididas em permitidas, permissíveis, toleradas e proibidas. O uso permitido orienta o que o planejamento urbano deseja e entende como compatível àquela determinada zona. O uso tolerado direciona a possibilidade de exercício da referida atividade, desde que em acordo com certos critérios e orientações específicas. O uso tolerado, que muitas vezes se relaciona com usos existentes que conflitam com uma nova orientação da lei de uso e ocupação do solo, indica um tipo de uso não prioritário para aquela zona urbana, mas que se capacita mediante especificidades. O uso proibido indica atividades que seriam incompatíveis com a área em questão ou mesmo com seu entorno, com potencial geração de prejuízos à sociedade e ao ambiente. De modo geral, as atividades urbanas normalmente estão distribuídas em atividade residencial, comercial, industrial, institucional e lazer. Para Turbay e Cassilha Também é importante observar que dentro dos usos observados, detalham-se tipologias específicas, a atividade residencial pode ser abrigada por casas unifamiliares, ou por edifícios de habitação coletiva. O comércio e os serviços variam entre um serviço vicinal, próprio da vizinhança, como uma pequena lavanderia, uma mercearia, serviços de bairro como mercados, galerias ou centros comerciais, ou serviços setoriais como hipermercados e shopping centers. Usos industriais também podem variar em porte e potencial de impactos indesejáveis, como poluição atmosféricas e trânsito de veículos de grande porte, neste sentido é importante distinguir as atividades secundárias, ou de transformação. Deve-se diferenciar ainda uso e ocupação do solo. Enquanto o uso do solo se detém às atividades urbanas, a ocupação do solo se refere a orientações de como utilizar os lotes e as áreas urbanas, muitas vezes por meio de medidas geométricas lineares, de área e volume representativas do potencial construtivo e da relação com o entorno do lote, seja a via, sejam lotes vizinhos. A ocupação 9 tem como base de cálculo a densidade, seja demográfica, construída, pretendida para uma determinada zona urbana. De acordo com Turbay e Cassilha, os parâmetros de ocupação do solo mais comumente utilizados são os seguintes: • lote mínimo – o lote mínimo deve variar de acordo com o uso principal de uma determinada zona urbana; lotes industriais devem minimamente permitir a manobra de veículos de carga, garantir certo afastamento em relação a lotes vizinhos e certo recuo em relação às vias para o plano em exercício de atividades correlatas ao uso industrial; • coeficiente de aproveitamento (potencial construtivo) – este é o índice que indica a metragem quadrada máxima que pode ser construída em um lote, sendo que esta metragem pode ser dividida em quantos pavimentos forem necessários, ou ainda permitidos na zona em questão; • taxa de ocupação – a taxa de ocupação de um lote é definida pela projeção da edificação no terreno emque haverá a construção. Determinada por um percentual, ela representa a porção do lote sobre o qual existe alguma construção, determinando consequentemente a superfície permeável que será mantida; • altura máxima – a relação entre taxa de ocupação (TO) e coeficiente de aproveitamento (CA) pode resultar na altura do edifício, em uma situação convencional como quando o CA é igual a 1 e o TO é definido como 50% do lote. A altura da edificação, ao ocupar e aproveitar o potencial total do lote, define uma edificação de dois pavimentos; • recuos obrigatórios em relação à via ou ao espaço público – o recuo mínimo obrigatório pode variar dependendo de condicionantes da área ou de acordo com o uso do solo da zona urbana – em sítios históricos, onde o conjunto arquitetônico está no alinhamento predial, e em áreas consolidadas, onde não se prevê novas intervenções urbanas que impactem o alinhamento predial. Em áreas residenciais de baixa à média densidade, é muito comum que os recuos obrigatórios sejam de 5,0 metros, porém em áreas industriais, especialmente localizadas em rodovias ou grandes infraestruturas pela circulação de veículos e carga de grande porte, inclusive para o atendimento das faixas de domínio dos eixos rodoviários, o recuo comumente é de 15,0 metros; 10 • taxa de permeabilidade – a taxa de permeabilidade se refere a uma porção do lote que deve permitir a permeabilidade do solo às águas pluviais como uma forma de reduzir o volume e retardar a velocidade de escoamento das águas chuvas para as galerias de drenagem pluvial. A taxa de permeabilidade também funciona para mitigar os impactos sobre o clima. É importante que novas ferramentas urbanas e parâmetros inovadores sejam exigidos no sentido de mitigar os efeitos da urbanização sobre o meio ambiente. Outro exemplo que se pode citar é o zoneamento, que, para Turbay e Cassilha: é um instrumento presente nos planos diretores municipais utilizado para garantir a organização do território, enquadrando-o em porções chamadas de zonas e setores. As atividades possíveis de serem instaladas e desenvolvidas em cada zona são descritas através de diretrizes e índices urbanísticos, estabelecidos com vistas a minimizar possíveis impactos negativos da urbanização, além da busca por otimizar as relações urbanas sob os aspectos econômico e social. Por meio do zoneamento, é possível realizar o uso e a ocupação do solo para cada região de acordo com as características relevantes existentes, como: sistema viário, topografia e infraestrutura. As zonas e os setores possuem ocupações e adensamentos distintos, sendo geralmente delimitados fisicamente por vias ou elementos topográficos. Como destacado por Turbay e Cassilha: Os zoneamentos possibilitam diversas categorias de ocupação dentro do município, como, por exemplo, zonas residenciais, comerciais ou industriais, cada uma com subcategorias e especificidades de adensamento, porte ou capacidade de construção, determinando características gerais, socioespaciais e paisagens distintas para cada localidade do município. O zoneamento tem alguns objetivos, como: controlar o crescimento urbano, proteger áreas inaptas à ocupação (como encostas e áreas de proteção ambiental), minimizar possíveis conflitos de uso do solo, controle do tráfego (através de diretrizes do sistema viário). TEMA 4 – MAIS INSTRUMENTOS DO PLANEJAMENTO URBANO O planejador urbano deve demandar em diferentes escalas, o que, por óbvio, leva à necessidade de instrumentos que se adaptem a essas diferentes necessidades. Assim, os planos regionais são um dos instrumentos previstos no Estatuto da Cidade e que atendem a um planejamento em escalas macro. Para Turbay e Cassilha: 11 Os planos regionais devem ser elaborados com a participação de diversas áreas de conhecimento e de diversos setores da sociedade de modo a abordar a multiplicidade de elementos e temas característicos dos estudos territoriais, e, também, garantir que os setores envolvidos participem das tomadas de decisão que afetam suas vidas. O território dos planos regionais pode ser definido por uma bacia hidrográfica, por um setor econômico, pela relação entre polarização e influência entre territórios, como no caso os municípios de uma região metropolitana, entre outras possíveis associações a depender de critérios específicos. No outro extremo do espectro encontram-se os planos complementares, que detalham os planos setoriais e os planos regionais, conforme destacado por Turbay e Cassilha: um município apresenta diversas realidades territoriais que merecem um olhar no que chamamos de microescala no planejamento urbano, que se detém a núcleos urbanos específicos. Além de decretos, portaria e outras forças de lei comumente complementarem as orientações dos PDMs, planos específicos devem ser desenvolvidos neste sentido de corroborar a política e o planejamento urbano, rumo à sua efetivação em melhoria de qualidade de vida e bem-estar. Os instrumentos que podem variar de escala de acordo com a temática de um determinado tema/objeto são os planos setoriais, podendo-se citar como exemplos: planos de mobilidade, habitação, controle ambiental, segurança etc. TEMA 5 – CENÁRIO DO URBANISMO NO SÉCULO XXI Para que possamos compreender o cenário do urbanismo no século XXI, é necessário que façamos uma breve análise de sua evolução nas últimas décadas. Para Turbay e Cassilha, “A história do urbanismo no século XX foi baseada no crescimento global da industrialização, especialmente na segunda metade do século”. De fato, no último século, o mundo assistiu, ainda que em diferentes escalas e espaço de tempo, uma alteração radical do modelo econômico e social, com a transição das sociedades predominantemente agrícolas para as sociedades industriais. Essa alteração do paradigma econômico ocasionou um grande êxodo das populações que antes viviam na zorna rural e que migraram em grande escala para as zonas urbanas. É evidente que essa mudança de perfil influenciou diretamente o urbanismo, trazendo novos e diferentes desafios ao planejador urbano. Para Reinert (2008), em uma sociedade que se “urbaniza” rapidamente, o planejamento tem sido usado muito mais como ferramenta com a qual se estabelece um “diagnóstico” e um “tratamento” do que como instrumento do 12 pensamento. Essa metáfora implica que os planejadores, quase que naturalmente, olhem para o sítio a ser planejado como um organismo “doente”, carente de “alopatias” cada vez mais poderosas e eficazes, capazes de permitir uma sobrevida a este ser agonizante a que chamamos cidade. Ou a tratem com medidas preventivas, supondo que, em algum momento, ela estará “doente”. Segundo Le Corbusier, “fazer um plano é fixar ideias. Para isto é preciso ter tido ideias e a partir daí, ordenar estas ideias para que se tornem compreensíveis, possíveis e transmissíveis”. Para Reinert (2008), o urbanismo inovação, inventividade, livre pensar é posto de lado. No entanto, quase tudo que se pratica atualmente e que é confundido com planejamento urbano nada mais é do que um conjunto de estudos com visão setorial e perspectiva específica, dissociado do que acreditamos que seja o planejamento urbano e, mais ainda, do que seja urbanismo. Cada vez mais os planos de transporte, infraestrutura, habitação, mobilidade, meio ambiente se tornam o próprio planejamento. Estudos e planos que não “se falam”. Estudos e planos que se justificam por sua própria existência. Estudos e planos em que o componente humano, a razão desse planejar, é colocado à margem, dando lugar, novamente, à visão parcial: no transporte, o debate é o modal; na habitação, a área disponível para assentamentos; no meio ambiente, a proibição de uso em prol de uma preservação quantitativa e não qualitativa. A crítica acima é, especialmente, válida nos dias de hoje, visto que, comoveremos adiante, vivenciamos atualmente, sobretudo após o início do século XXI, uma nova mudança de paradigma, passando de uma sociedade industrial para uma sociedade tecnológica, que rompe com os modelos tradicionais de produção, distribuição e serviços. Com efeito, o avanço dos sistemas de comunicação e o desenvolvimento tecnológico promovem, cada vez mais, pouquíssimas restrições quanto à localização das atividades produtivas, de habitação, de lazer. Isso gera um sistema disperso que extrapola as barreiras político-administrativas e que precisa de um olhar mais amplo e, principalmente, um horizonte temporal muito superior à maioria dos planos diretores. O fenômeno da evolução tecnológica, que avança em ritmo sem precedentes na história humana, torna obsoleto hoje o negócio que era dominante poucos anos atrás. Exemplos desse fenômeno são abundantes, 13 como o negócio de videolocadoras, TV por assinatura, livrarias e bancas de revistas etc. E essa nova realidade acrescenta novos desafios ao planejador urbano. A expansão urbana coloca as cidades, de maneira geral, em dois grandes grupos de características distintas: o modelo da cidade contínua de crescimento ilimitado, estruturada segundo a lógica do transporte e dos corredores de infraestrutura, e o modelo policêntrico, que propõe as cidades-jardim, com sua forte determinação de limitar o tamanho do urbano. As cidades, sejam elas contínuas ou policêntricas, entretanto, não conseguem impedir o surgimento do subúrbio, da “franja marginal” que não se quer, mas que aparentemente não se consegue evitar. A explicação para esse fenômeno pode estar no fato de que, historicamente, qualquer que seja a corrente de pensamento, o aglomerado urbano é sempre dividido entre “a cidade” e “seus bairros”. E o que é cidade? Qual o limite perceptível dessa transição? O que caracteriza a cidade? Quais as diferenças entre a cidade e o bairro? Essas mesmas dúvidas persistem na escala regional. Qual a cidade de fato em contraponto à cidade de direito? Hoje, com a globalização, não competem somente países, competem e cooperam muito mais as cidades. O planejamento e os mecanismos de gestão precisam evoluir, a fim de superar a rigidez derivada da complexidade burocrática que, frequentemente, limita a capacidade de resposta da sociedade. Além disso, a transformação econômico-social permanente e cada vez mais acelerada que atinge a sociedade põe à mostra a grande fragilidade dos planos diretores, normalmente muito ligados a fatores locais e demasiadamente rígidos para se adaptarem a essas mudanças. TROCANDO IDEIAS Após os conceitos apresentados, seguem abaixo algumas considerações para reflexão e discussão: • interdisciplinaridade – o planejamento urbano não pode ser restrito a uma disciplina específica, nesse sentido, o campo se abre para conhecimentos e metodologias que abrangem aspectos da sociologia, da economia, da geografia, da engenharia, do direito e da administração (Duarte, 2012). 14 Figura 1 – Interdisciplinaridade no planejamento urbano Fonte: Hayakawa; Rocha, 2020. • exequibilidade – Jaime Lerner comenta que nada do planejamento vale a pena se não puder ser implementado, e Paranhos complementa que se não tiver certeza de poder controlar a qualidade de implementação, então é melhor nem começar, porque pior do que não fazer é fazer malfeito (citados por Hayakawa; Rocha, 2020); • visão global – Alberto Paranhos (citado por Hayakawa; Rocha, 2020) diz que há um equívoco quando se fala em planejamento urbano: Tem muitos casos em que a pessoa fala de planejamento e considera que acaba quando terminou de ser desenhado no papel. Pelo contrário, é aí que começa. A fase da discussão antes de desenhar é planejamento, como também a implementação. Porque ter uma mala cheia de papel desenhado não é, necessariamente, planejamento. NA PRÁTICA Que tal você dar uma olhadinha no site do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC) (www.ippuc.org.br). Lá vai encontrar diversos temas que apresentamos nesta etapa. É interessante observar que dentro do plano diretor temos alguns subtemas, como planos, programas, projetos, lei de zoneamento, sistema de monitoramento, gestão e orçamento. 15 Gostaria de destacar aqui um exemplo de instrumento urbanístico, que é a transferência do potencial construtivo de asas históricas e áreas verdes. Figura 2 – Transferência de potencial construtivo de casas históricas e áreas verdes Fonte: Hayakawa; Rocha, 2020. Em 1982, Curitiba criou a figura do direito de construção virtual, inicialmente com o objetivo de preservar edifícios históricos. É possível o aumento do potencial construtivo de unidades habitacionais mediante a transferência de potencial construtivo de unidades de interesse de preservação. Depois foram desenvolvidos instrumentos urbanísticos de transferência de potencial construtivo para promover a produção de habitação de interesse social e para a preservação de áreas verdes. Essa é uma das soluções inteligentes que a capital paranaense desenvolveu e que foi incorporada no Estatuto da Cidade. 16 FINALIZANDO Por fim, o gestor público deve ter sempre em vista o fato de que todos os instrumentos do planejamento urbano devem ser utilizados de forma harmônica e orgânica, permitindo que se busque sempre atingir a maior eficiência e efetividade. Para Turbay e Cassilha, “É função do planejador urbano, em conjunto com equipes multidisciplinares, com a população local e setores sociais, promover o convívio harmonioso entre ambiente e sociedade”. 17 REFERÊNCIAS BRASIL. Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm>. Acesso em: 29 jun. 2023. BRASIL. Constituição (1988). Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 29 jun. 2023. CURITIBA. Planos regionais 2021 – Regional Bairro Novo. Disponível em: <https://www.ippuc.org.br/planos-regionais>. Acesso em: 29 jun. 2023. DUARTE, F. Planejamento urbano. Curitiba: Intersaberes, 2012. HAYAKAWA, I. F.; ROCHA, D. T. M. Traços de Curitiba: 50 anos de planejamento urbano. Curitiba, 2020. HAYAKAWA, I.; ROCHA, D. Traços de Curitiba: 50 anos de planejamento urbano. Curitiba: Edição do autor, 2020. MACEDO, R. Espaço urbano. Revista do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba, n. 13, dez. 2020. REINERT, R. Urbanismo e planejamento urbano: ciclo de capacitação em planejamento urbano. Curitiba, 2008. SANTOS, M. Por uma geografia nova. São Paulo: Hucitec; Edusp, 2005. SCOPEL, V. Estudo da cidade. Porto Alegre: SAGAH, 2020. Conversa inicial contextualizando TEMA 1 – PLANEJAMENTO URBANO E URBANISMO 1.1 Conceito 1.2 Planejamento urbano – etapas TEMA 2 – instrumento do planejamento urbano – plano diretor TEMA 3 – instrumento do planejamento urbano – lei de uso e ocupação do solo TEMA 4 – mais instrumentos do planejamento urbano TEMA 5 – CENÁRIO DO URBANISMO NO SÉCULO XXI Trocando ideias Na prática FINALIZANDO REFERÊNCIAS
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