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T E O R I A G E R A L D O P R O C E S S O

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T E O R I A G E R A L D O P R O C E S S O 
 AULA 1
 
1 - JURISDIÇÃO 
 
Noções gerais: 
O homem é, por sua natureza, um ser gregário, ou seja, não é “programado” para viver sozinho, mas com seus semelhantes. O homem precisa viver com outras pessoas, para satisfazer as suas necessidades sociais. Nesse cenário surge a importância do direito, que exerce uma função ordenadora na sociedade, de coordenação dos diversos interesses existentes, de modo a:
(i) organizar a cooperação entre as pessoas e
(ii) compor os conflitos que surgirem.
Sempre que as pessoas se relacionam entre si, instaurada está uma relação jurídica, que deverá observar as normas jurídicas, para que esta relação atinja o seu fim principal, que é a satisfação das pessoas envolvidas. 
Quando duas ou mais pessoas fazem um contrato de locação de imóvel, ou um contrato de compra e venda, está sendo instaurada uma relação jurídica material. Diz-se assim pois será regulamentada pelo direito material. Esta relação, portanto, iniciará e pode se desenvolver e se extinguir perfeitamente, sem qualquer intervenção direta do Estado. 
 
Porém, pode ser que nessa relação jurídica, as coisas não saiam naturalmente como se espera. Nesse caso, teremos um conflito, uma crise jurídica. Como resolvê-la? Hoje, se há algum conflito, o Direito impõe que se chame o Estado-juiz para solucioná-lo. Mas nem sempre foi assim. Antes inexistia um Estado forte para impor o Direito acima da vontade dos particulares. 
 
Dessa forma, em tempos primitivos, a solução dos conflitos partia das próprias partes, através de autotutela ou da autocomposição. 
A autotutela não garantia justiça, mas a vitória do mais forte ou do mais ousado. 
Já na autocomposição, uma das partes (ou ambas) abria mão do seu interesse, no todo ou em parte. Acontece que essas formas de solução de conflito eram/são parciais, pelo fato de depender da vontade de uma ou de ambas as partes envolvidas. 
Considerando as limitações de uma solução parcial, buscou-se uma forma de solução imparcial (que não é realizada e nem depende das partes), mais adequada (se não fosse obtida a autocomposição, por certo). 
 
Esta solução imparcial viria por meio de terceiros, a que chamamos de heterocomposição, não vinculados ao conflito, mas respeitados no grupo social, anciões, sacerdotes, padres, etc. 
Com a evolução da sociedade e do Estado, este passou a ser mais forte e a se impor aos particulares, em prol de segurança/estabilidade da coletividade. Com isso, surge a tendência estatal de absorver o poder de solucionar conflitos. De seu turno, para facilitar a imposição das decisões às partes, começa o Estado a criar, previamente à ocorrência do conflito, regras objetivas e vinculativas (direito positivo), a serem observadas na atividade estatal voltada para a composição dos conflitos. 
 
A esta forma de heterocomposição dos conflitos, em que o Estado substitui a vontade das partes e impõe a solução ao caso concreto, devendo ser respeitadas pelas partes, dá-se o nome de jurisdição. 
O CPC/15, em seu art. 3º, afirma que “não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”, mas enfatiza nos parágrafos deste dispositivo que “é permitida a arbitragem”, que “o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos”, que a “conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”. 
Chamando-se o estado para solucionar um conflito, outro tipo de relação será instaurada, dessa vez não apenas com os sujeitos envolvidos na relação jurídica material (que restou conflituosa), mas agora com o Estado, para resolver a crise. Essa nova relação jurídica é dita processual, pois será regulada pelo direito processual. 
 
Ao estudarmos o direito processual, buscamos compreender o complexo de normas e princípios que regem o exercício da jurisdição, buscando organizar o trâmite do processo (a relação jurídica processual). Neste curso, não temos como objetivo dissecar todo o direito processual, mas simplesmente absorver algumas noções, pois este é o conteúdo a ser cobrado conforme edital. 
 
Conceito de jurisdição: 
 
Surgindo um conflito entre pessoas, e sendo vedada, em regra, a autotutela, é possível ao interessado acionar o Estado para que este preste uma atividade que tenha como objetivo a composição dessa crise jurídica. A essa atividade, dá-se o nome de jurisdição. 
 
É uma atividade estatal (pois prestada pelo Estado) voltada para a composição (técnica heterocompositiva) de conflitos havidos entre os jurisdicionados (pessoas submetidas à jurisdição estatal). 
Pode ser compreendida como uma atividade (função), um poder, isto é, um poder do Estado de julgar imperativamente, impondo uma decisão, visando a pacificação social e, consequentemente, a reafirmação da autoridade estatal, incluindo aí o respeito ao ordenamento positivado. 
 
Jurisdição = juris (direito) + dição (dizer). A jurisdição é preponderantemente prestada pelo Poder Judiciário, através de autoridade devidamente investida no cargo (investidura) com aptidão para prestar esta atividade estatal. É possível que a jurisdição seja prestada por outros poderes estatais, em forma excepcional e quando admitido em lei (função atípica). 
 
Características (ou princípios) da jurisdição: 
 
a)	Imparcialidade: a jurisdição é prestada por terceiro imparcial (Estado), considerando este como sujeito desinteressado, no sentido de não ter interesse subjetivo no que é deduzido (não deve ter ligações com uma das partes, sequer interesse em quem vai ganhar, importando-lhe impor uma solução justa de acordo com o ordenamento). Deve ser dado tratamento paritários às partes. 
 
b)	Inércia: a jurisdição não atua se não for provocada. O Poder Judiciário precisa ser provocado para, só então, prestar a jurisdição. Isso é decorrência, até mesmo, da necessidade de se garantir a imparcialidade. Essa característica nos faz enxergar o princípio dispositivo, por meio do qual tem-se que “o processo começa por iniciativa da parte” (art. 2º CPC/15). 
Esse princípio confere às partes o poder de iniciação do processo, com a propositura da demanda, bem como de delimitação do objeto litigioso do processo (regra da adstrição ou congruência – arts. 141 e 492, por meio do qual o juiz, ao decidir, deve ficar limitado aquilo que foi expressamente requerido pelas partes). 
Este princípio não é absoluto, admitindo temperamentos, como nos casos dos chamados pedidos implícitos (art. 322 §1º e 323 CPC/15, por exemplo, juros legais, correção monetárias, honorários...). 
 
c)	Inafastável: nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser excluída da apreciação do Poder Judiciário (art. 3º CPC/15). O controle jurisdicional é inafastável por lei ou qualquer outro ato normativo ou poder estatal. Do mesmo modo, o juiz não pode se recusar a julgar (indeclinabilidade). 
 
d)	Substitutividade: se na autotutela e na autocomposição a solução é guiada pela vontade das partes, na jurisdição essa vontade das partes é substituída pela vontade da lei, pela atividade jurisdicional. Não se chega à uma solução por força da vontade das partes, mas sim pela imposição de uma decisão judicial, que é tida como a adequada para solucionar o impasse. 
 
e)	Imperatividade: de nada adiantaria o Estado substituir a vontade das partes se a solução importa não fosse imperativa. Por isso se diz que a jurisdição, enquanto emanação de um poder estatal, de ser imposta de forma autoritativa e coativa. Do mesmo modo, vislumbra-se a inevitabilidade, pois o Estado impõe a solução, independentemente da aceitação das partes. 
 
f)	Aderência: a jurisdição é exercida somente no território nacional. Art. 16 do CPC/15. 
 
g)	Juiz natural: a competência do órgão que vai exercer a jurisdição deve ser determinada antes da ocorrência do fato. Veda-se o chamado juízo ou tribunal de exceção. CF, art. 5º, XXXVII e LIII. 
 
Espécies de jurisdição (modalidades): 
 
Tendo porbase distintos critérios, a jurisdição pode ser classificada: 
 
a)	Jurisdição comum e jurisdição especial: a jurisdição especial é aquela que se destina a apreciar causas fundadas em ramos específicos do direito material. As justiças especiais são a trabalhista (CF, arts. 111 a 116), eleitoral (CF, arts. 118 a 121) e militar (arts. 122 a 124). 
Já a justiça comum é a que julga as causas remanescentes, ou seja, aquelas que não são submetidas à jurisdição especial. A justiça comum se subdivide em justiça federal (CF, arts. 106 a 110), responsável pelo julgamento de causas que envolve interesse da União, e em justiça estadual (CF, arts. 125 e 126), tendo competência residual. 
 
b)	Jurisdição penal e não penal (civil lato senso): a jurisdição penal é a que recai sobre pretensões punitivas, em causas estritamente penais (é exercida por todos os tipos de justiça, menos pela trabalhista). 
Já a jurisdição não penal (civil lato senso) é a que, por exclusão, se exerce sobre causas não penais (só a justiça militar não tem essa competência). 
 
c)	Jurisdição contenciosa e não contenciosa (voluntária): essa diferenciação é mais importante do que as outras. Vimos acima que, em essência, a provocação da jurisdição pressupõe a existência de um conflito de interesses. Porém, é importante saber que o Poder Judiciário também pode ser provocado a atuar em situações que, inexistindo conflito, a sua intervenção é indispensável, por força de lei, para validade de certos negócios jurídicos. Essa é a grande diferença entre jurisdição contenciosa e jurisdição não contenciosa. 
No primeiro caso, tem-se verdadeiro conflito a ser resolvido. As partes litigantes defendem interesses antagônicos, cabendo ao Judiciário a composição do conflito. Há lide, portanto, de modo que o contraditório é importante para que se estabeleça o devido processo legal. 
Já na jurisdição voluntária (ou não contenciosa), não há conflito a se resolver. O Estado-juiz exerce uma atividade meramente administrativa. Não há que se falar em partes do processo, portanto, mas sim interessados. O Poder Judiciário assume uma atividade de integração na formação de atos e negócios jurídicos que são de exclusivo interesse dos sujeitos. Como não há sujeitos antagônicos, não há o que se falar em contraditório. 
A regra geral é a jurisdição contenciosa, sendo a voluntária excepcional (há quem defenda que sequer teria natureza jurisdicional – mas sim administrativa). 
A jurisdição voluntária se justifica quando certos atos da vida dos particulares se revestem de importância que não se refreiam aos limites de sua esfera privada, interessando e repercutindo para toda a coletividade (exemplo: alteração de nome, divórcio, casamento, interdição etc.), pois isso que, para sua validade e eficácia, o legislador impõe a participação do poder público, que deve fiscalizar a integrar a vontade das partes na prática do ato. Por isso ela é necessária (havendo os que criticam ser chamada de voluntária, portanto). 
 
COMPETÊNCIA 
 
A competência pode ser compreendida como os limites legais impostos ao exercício válido e regular do poder jurisdicional pelos órgãos que o compõem. A competência legitima o exercício do poder jurisdicional, em um processo concretamente considerado 
 
São diversas as normas determinadoras de competência, e estão distribuídas nos mais diferentes diplomas legais: 
Constituição Federal (ex., arts. 102 e 105), 
Lei Federais (ex., Código de Processo Civil, Lei de Ação Civil Pública, Código de Defesa do Consumidor), 
Constituições Estaduais, 
Leis de Organização Judiciária, 
Regimentos Internos dos Tribunais 
 
A determinação da competência pode levar em consideração distintos critérios, a saber: 
i) em razão da matéria; 
ii) funcional;
iii) em razão da pessoa;
iv) em razão do valor da causa;
v) territorial. 
 
Inobservadas alguma das regras de determinação de competência num caso concreto, ter-se-á configurada a incompetência do juízo. Esta incompetência pode ser de dois graus distintos: absoluta ou relativa. 
 
A (in)competência absoluta ou relativa está ligada à espécie de norma determinadora violada. A ideia pode ser apresentada em linhas gerais, conforme quadro abaixo: 
 
 
CRITÉRIO DETERMINANTE 	TIPO DE (IN)COMPETÊNCIA 
Em razão da matéria 	Absoluta 
Funcional 	Absoluta 
Em razão da pessoa 	Absoluta 
Em razão do valor da causa 	Relativa. Exceção: art. 3º, 3º LJEF 
Territorial 	Relativa. Exceção: art. 47, § 2º 
NCPC 
 
 
QUADRO COMPARATIVO ENTRE (IN)COMPETÊNCIA ABSOLUTA E RELATIVA: 
 
ABSOLUTA 	RELATIVA 
As regras são criadas por razões de ordem pública (visam o bom funcionamento do Poder 
Judiciário) 	As regras são criadas baseadas em interesses particulares 
Estas regras têm natureza cogente, não admitindo flexibilização pela vontade das partes 	Estas regras têm natureza dispositiva, podendo ser 
flexibilizadas pelas partes 
A incompetência absoluta pode ser reconhecida de ofício pelo juiz 	A incompetência relativa não pode ser reconhecida de ofício pelo juiz. Deve ser suscitada pela parte interessada. OBS.: Art. 65, p. 
ú., prevê a possibilidade da incompetência relativa ser alegada pelo MP nas causas em que atuar 
Deve ser alegada em preliminar de contestação (NCPC, 64, caput) 	Deve ser alegada em preliminar de contestação (NCPC, 64, caput) 
Mas também pode ser alegada em qualquer tempo e grau de 
jurisdição (NCPC, 64, § 1º) 	Apenas 	em 	preliminar 	de 
contestação 
A sua não alegação não gera preclusão 	A sua não alegação no momento oportuno, gera preclusão. Prorroga-se a competência. Juiz inicialmente incompetente, tornase competente. 
A incompetência absoluta gera nulidade absoluta. Mesmo que o processo transite em julgado, o 	A incompetência relativa gera vício de nulidade relativa. Se não for alegada, convalesce 
vício pode ser alegado em ação 
rescisória. NCPC, 966, II 	(prorrogação de competência). Não é um vício que enseja interposição de ação rescisória. 
 
 
Passo a passo para definir o juízo competente 
 
1º passo: Analisar se é caso de competência de um órgão jurisdicional atípico (ex.: Senado Federal, CF, art. 52, I e II; Câmara dos Deputados, CF, art. 51, I). Se não for, a competência será do Poder Judiciário; 
 
2º passo: Analisar se é o caso de competência originária do Supremo Tribunal Federal (STF) (CF, 102, I) ou do Superior Tribunal de Justiça (STJ) (CF, 105, I); 
 
3º passo: Analisar se é o caso de competência da justiça especializada (Trabalhista: CF, art. 114; Eleitoral: CF, art. 121 + Código Eleitoral – Lei nº. 4.737/65; Militar: CF, art. 124 e Lei nº. 8.457); 
 
4º passo: Se não for competência da justiça especializada, então será de competência da justiça comum. Verificar, agora, se é competência da justiça federal ou estadual. A competência da justiça federal (de natureza absoluta) está prevista nos arts. 108 e 109. Se não for competência da justiça federal, será da justiça estadual (sua competência é residual); 
 
5º passo: verificar agora se o processo é de competência originária do Tribunal respectivo (TRF ou TJE) ou se do primeiro grau de jurisdição. OBS.: A competência originária dos TRF’s está disposta na CF, art. 108, I. Já a competência originária dos TJE’s, está disposta nas Constituições Estaduais; 
 
6º passo: se for caso de competência do primeiro grau de jurisdição, a análise deve seguir, identificando-se, agora, qual o foro competente (comarcar ou seção) – competência definida em razão do território (critério territorial). Ver NCPC, arts. 46 a 53. Também há regras de competência territorial estabelecidas em legislações especiais; 
 
7º passo: Identificado o foro competente (localidade), é o momento de se identificar o juízo competente, caso haja mais de um naquele foro, sempre observando a lei de organização judiciária respectiva. É possível que haja varas especializadas em razão da matéria, por exemplo (v. g., vara da família, vara da fazenda pública, etc.)

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