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W BA 01 85 _V 2. 0 DEFICIÊNCIA AUDITIVA E AEE 2 Gleidis Roberta Guerra São Paulo Platos Soluções Educacionais S.A 2021 DEFICIÊNCIA AUDITIVA E AEE 1ª edição 3 2021 Platos Soluções Educacionais S.A Alameda Santos, n° 960 – Cerqueira César CEP: 01418-002— São Paulo — SP Homepage: https://www.platosedu.com.br/ Diretor Presidente Platos Soluções Educacionais S.A Paulo de Tarso Pires de Moraes Conselho Acadêmico Carlos Roberto Pagani Junior Camila Turchetti Bacan Gabiatti Camila Braga de Oliveira Higa Giani Vendramel de Oliveira Gislaine Denisale Ferreira Henrique Salustiano Silva Mariana Gerardi Mello Nirse Ruscheinsky Breternitz Priscila Pereira Silva Tayra Carolina Nascimento Aleixo Coordenador Giani Vendramel de Oliveira Revisor Branca Monteiro Camargo Editorial Alessandra Cristina Fahl Beatriz Meloni Montefusco Carolina Yaly Mariana de Campos Barroso Paola Andressa Machado Leal Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)_____________________________________________________________________________________ Guerra, Gleidis Roberta G934d Deficiência auditiva e AEE / Gleidis Roberta Guerra, – São Paulo: Platos Soluções Educacionais S.A., 2021. 46 p. ISBN 978-65-89965-01-5 1. Deficiência. 2. Políticas. 3. Estratégias educacionais. I. Título. CDD 371.9 ____________________________________________________________________________________________ Evelyn Moraes – CRB 010289/O © 2021 por Platos Soluções Educacionais S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Platos Soluções Educacionais S.A. 4 SUMÁRIO O surdo e a surdez: conceitos e políticas públicas ____________ 05 Desenvolvimento e aprendizagem do aluno surdo: Estratégias educacionais e português como segunda língua _____________ 24 Atendimento Educacional Especializado para o aluno com surdez e intervenção educacional ____________________________ 40 O papel da Língua Brasileira de Sinais na educação dos surdos e práticas pedagógicas bilíngues _______________________________ 58 DEFICIÊNCIA AUDITIVA E AEE 5 O surdo e a surdez: conceitos e políticas públicas Autoria: Gleidis Roberta Guerra Leitura crítica: Branca Monteiro Camargo Objetivos O objetivo desta aula apresentar os conceitos referentes à deficiência auditiva/ surdez, bem como aspectos relativos à educação dos surdos: • Compreender a surdez e suas características. • Entender aspectos da história da educação dos surdos. • Conhecer as políticas públicas de inclusão para o surdo. 6 1. Conceituando a surdez A surdez é muito mais comum do que se pensa. Sabemos que a cada grupo de mil crianças nascidas vivas, três poderiam apresentar algum grau de perda auditiva. Assim, se esse grupo for relativo a crianças nascidas prematuras, a probabilidade passa a ser de seis crianças para cada mil nascidas vivas. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em seu Censo 2010, aponta que 5,8% da população brasileira possui algum grau de perda auditiva, o que equivalia, à época, mais de nove milhões de pessoas (BRASIL, 2010). As principais causas da surdez, como verificado acima, poderiam ser prevenidas, visto que estão ligadas a doenças que ocorrem durante o período de gestação (rubéola, toxoplasmose, entre outras) e doenças da infância (caxumba, sarampo etc.). Segundo o Comitê Brasileiro de Perdas Auditivas na Infância (CBPAI, 1999), são indicadores de risco para deficiência auditiva/surdez: • História familiar de deficiência auditiva congênita. • Infecções congênitas (sífilis, rubéola, toxoplasmose, herpes e citomegalovírus). • Anomalias craniofaciais (malformações de orelha). • Peso baixo ao nascimento (inferior a 1.500 gramas). • Hiperbilirrubinemia (necessitando de transfusão sanguínea). • Uso de medicação ototóxica. • Meningite bacteriana. 7 • Boletim Apgar 0 a 4, no primeiro minuto, ou 0 a 6, no quinto minuto. • Ventilação mecânica por mais de cino dias. • Síndromes associadas à deficiência auditiva. Avançando na compreensão da surdez/ deficiência auditiva, apresentamos os tipos de perda auditiva existentes, bem como os graus e suas consequências para o desenvolvimento de fala e escolar. A figura a seguir é uma representação da orelha humana e está dividida em três partes: orelha externa, orelha média e orelha interna. Figura 1–Estrutura da orelha humana Fonte: https://www2.ibb.unesp.br/Museu_Escola/2_qualidade_vida_humana/orelha/02_ ORELHA_MEDIA.htm. Acesso em: 13 jul. 2021. https://www2.ibb.unesp.br/Museu_Escola/2_qualidade_vida_humana/orelha/02_ORELHA_MEDIA.htm https://www2.ibb.unesp.br/Museu_Escola/2_qualidade_vida_humana/orelha/02_ORELHA_MEDIA.htm 8 A orelha externa é formada pelo pavilhão auricular (o que chamamos popularmente de orelha) e pelo conduto auditivo externo, responsável por conduzir as ondas sonoras até a membrana timpânica (tímpano). A orelha média é formada pela membrana timpânica e pelos três menores ossos do corpo humano (martelo, bigorna e estribo), que formam a cadeia ossicular. É neste momento que as ondas sonoras recebidas são transformadas em energia mecânica e transmitidas para a orelha interna. Já a orelha interna, é formada pela cóclea (principal órgão da audição humana). Assim, o som é transformado em energia elétrica e transmitido através das células ciliadas para o nervo auditivo para, então, chegar ao cérebro, onde é decodificado. Conhecendo as estruturas da orelha humana, pudemos entender como funciona a transmissão das ondas sonoras, desde sua entrada pelo pavilhão auricular até sua interpretação no cérebro: Desse modo, o som, ao ser captado pelo pavilhão auricular, caminha pelo conduto auditivo externo, chegando até à membrana timpânica. Ao chegar, faz com que ela vibre, movimentando a cadeia ossicular. Assim, o estribo (localizado dentro de um orifício denominado como janela oval), movimenta-se, movendo o líquido que ali está (endolinfa), que, por sua vez, estimula os cílios das células ciliadas (localizadas na cóclea), gerando energia elétrica, que será conduzida pelo nervo auditivo até o cérebro, local que o som será interpretado. A partir dessa noção geral das estruturas e funcionamento da orelha humana, apresentamos os tipos e graus de perda auditiva para, assim, entender melhor a surdez. Em relação aos tipos das perdas auditivas, podemos classificar em condutivas, neurossensoriais e mistas. 9 As perdas condutivas são relacionadas a problemas que ocorrem na orelha externa e/ou orelha média. São reversíveis, ou seja, podem ser tratados com procedimentos cirúrgicos e/ou medicamentos. Exemplos de perdas auditivas condutivas: excesso de cerúmen, lesão da membrana timpânica, otites (infecções de ouvido etc.). As perdas neurossensoriais são aquelas que acometem a orelha interna, portanto são irreversíveis, decorrendo de lesões na cóclea, principalmente, nas células ciliadas, ou mesmo problemas no nervo auditivo. Podem ser causadas por infecções congênitas ou doenças da infância. Além disso, existem algumas perdas auditivas que ocorrer pelo excesso de exposição a ruídos e que são chamadas de perdas auditivas induzidas pelo ruído (PAIR) e, geralmente, acometem pessoas que trabalham em locais ruidosos. O terceiro tipo de perda auditiva, a perda mista, acomete quando a pessoa possui uma somatória dos dois tipos de perdas auditivas apresentados anteriormente (perdas condutivas e neurossensoriais). Para compreendermos os graus das perdas auditivas, apresentaremos a medida do som, este medido em decibel (dB). Vamos entender a quanto equivale essa medida para, depois,entrarmos nos graus das perdas auditivas. Portanto, imaginaremos algumas situações do nosso dia para comparar com as medidas em decibéis. Veja a figura a seguir. Tendo esses valores em mente, veremos como dividimos as perdas: 10 Figura 2–Imagens versus decibéis Fonte: http://www.pmf.sc.gov.br/mobile/index.php?pagina=notpagina¬i=5964. Acesso em: 13 jul. 2021. Tendo como base as medidas acima, veremos como as perdas auditivas podem ser classificadas, considerando o grau medido em decibéis. Para isso, consideramos a classificação de Davis e Silverman (1970): • Audição normal: 0 a 25 dB. • Perda leve: 26 a 40 dB. • Perda moderada: 41 a 55 dB. • Perda moderadamente severa: 56 a 70 dB. • Perda severa: 71 a 90 dB. 11 • Perda profunda: acima de 91 dB. O valor em decibel apontado em cada grau de perda auditiva corresponde ao valor mínimo necessário para que a pessoa consiga ouvir, ou seja, uma pessoa com perda auditiva severa não é capaz de ouvir nenhum som que tenha menos do que 70 dB. Já uma pessoa com perda auditiva profunda, não escutará nada há menos do que 90 dB e, assim, consecutivamente. Mais do que conhecer sobre os graus das perdas auditivas, é importante que saibamos o que esperar auditiva e linguisticamente do sujeito surdo, como se desenvolve em relação à sua fala, compreensão, aprendizagem. As perdas auditivas leves são de difícil percepção. A criança apresentará uma dificuldade em compreender a fala a certa distância, mas, geralmente, fala corretamente, e na escola não apresentará muitas dificuldades. Pode, no entanto, ter algumas trocas de fonemas (fala) e de grafemas (escrita). No caso das perdas auditivas moderadas, a detecção precoce ainda é difícil. A criança pode demonstrar maior dificuldade em compreender a fala, pode olhar mais para o rosto de quem fala ou aumentar o volume da TV quando a está assistindo. Sua fala, geralmente, apresenta algumas omissões e substituições, e na escola pode se passar por uma criança desatenta, com aprendizado mais lento. Já as crianças com perdas auditivas moderadamente severas, podem ser detectadas mais facilmente pela família, levando a uma suspeita, pois será uma criança que terá dificuldade em escutar sons do dia a dia, necessitando sempre de um nível mais elevado de voz. Além disso, tende a apresentar distúrbio articulatório importante e, às vezes, não será possível compreender sua fala. Na escola, terá mais dificuldades e necessitará de apoio terapêutico para conseguir se desenvolver. 12 As perdas auditivas severas e profundas são as mais fáceis de serem detectadas, principalmente as perdas profundas, pois, geralmente, a família passa a suspeitar antes mesmo da criança completar um ano de idade, mas, ainda assim, o processo de diagnóstico pode levar mais tempo. Isso ocorre devido ao sistema de saúde, que não acolhe a queixa da família imediatamente, e gera dificuldades na marcação de consulta com especialistas e mesmo de exames de alta complexidade, como o BERA, que é necessário para este diagnóstico. As crianças com surdez severa ou profunda terão necessidade de apoio de pistas visuais para compensar a perda auditiva, apresentarão, provavelmente, importante atraso no desenvolvimento da linguagem e da fala, podendo chegar a não a desenvolver. Para poderem acompanhar a escola, necessitarão do uso de recursos e estratégias diferenciadas, e a intervenção precoce será importante para este desenvolvimento. Observe a figura a seguir que trata das manifestações dos diferentes graus de perda auditiva /surdez. Quadro 1–Grau de surdez e sua relação com o desenvolvimento Leve Moderada Muito severa Severa Profunda Suspeita. Geralmente, não é notada. Detecção precoce difícil. Dificuldade escolar leva à suspeita. Facilmente detectada. Facilmente detectada. Recepção. Dificuldade na fala a distância. Dificuldade na compreensão da fala. Escuta o que é dito em nível elevado. Atenção à pistas visuais, como compensação. Uso de pista visual. 13 Emissão. Desenvolve a fala normalmente. Apresenta distúrbio articulatório. Fala ininteligível. Atraso significativo na fala. Apresenta vocalizações. Escola. Acompanha a escola. Desatenção, aprendizado lento. Necessita acompanhamento terapêutico. Necessita recursos e estratégias diferenciadas. Necessita recursos e estratégias diferenciadas. Fonte: adaptado pelo autor. Antes de passarmos para a parte histórica, vejamos alguns conceitos terminológicos. No decorrer deste texto, utilizaremos os termos deficiência auditiva e surdez, mas será que eles têm o mesmo significado? Há duas maneiras de pensarmos essa questão terminológica. A primeira é do ponto de vista médico. Se assim pensarmos, usaremos o termo deficiência auditiva para os casos em que a pessoa consegue ouvir a voz, ou seja, para as perdas auditivas leves e moderadas, chegando à moderadamente severa se considerarmos o uso de aparelho auditivo, e surdo para aqueles que, mesmo com o uso de aparelho auditivo, não são capazes de perceber a voz, os severos e profundos. Por outro lado, se pensarmos do ponto de vista socioantropológico, entenderemos como surdo aquele que assim se define, por entender que faz parte de uma cultura, que tem uma língua diferente da dos ouvintes. Nesse caso, o grau da perda auditiva não é levado em consideração, mas sua participação nesta comunidade. Esse surdo faz parte de um povo e constrói sua identidade a partir da língua de sinais. Já que tratamos de terminologia, aproveitaremos para compreender o termo usado, séculos atrás, e que não deveria mais ser usado hoje: o termo surdo-mudo. O fato de uma pessoa ser surda não determina que também seja muda, o que seria outra deficiência. Podemos dizer 14 que uma pessoa é muda se não for capaz, por um problema nas pregas vocais, de produzir nenhum tipo de som. Não é o que ocorre com a maioria dos surdos. Assim, o surdo que se expressa oralmente deve ser denominado surdo oralizado, enquanto aquele que se comunica por meio da língua de sinais, é surdo não oralizado. Feitos esses esclarecimentos, a partir de agora, este texto adotará o termo surdo/ surdez, por ter um compromisso com a valorização da língua de sinais e da comunidade e cultura surda. 1.1 História da educação do surdo Já conhecemos um pouco sobre a surdez, suas causas, tipos e graus, seus conceitos e terminologia. Agora, nos debruçaremos na história, ou seja, entender o passado, que é um passo importante para compreendermos o presente. Começaremos esta nossa jornada pela Antiguidade. Honora (2009) relata que, nesse período, os surdos não tinham direito nem à vida, quanto mais à educação. As pessoas que nasciam com algum tipo de deficiência eram exterminadas, por ser consideradas um peso para a sociedade. Pereira (2011) conta que só podemos começar a falar acerca da educação do surdo a partir do século XVI. Nessa época, as famílias ricas que tinham filhos surdos contratavam tutores, que, geralmente, eram médicos ou padres, que iam até suas fazendas e desenvolviam um trabalho visando, principalmente, à fala. Isso ocorria, pois, nessa época, as pessoas que não falavam (e só utilizavam a língua de sinais) eram consideradas pessoas sem razão. Vivia-se sobre a máxima não fala, não pensa. Por este motivo, eram vistas como não humanos, essas pessoas também não tinham direito a vida cidadã. Não tinham direito à herança, à escritura, a nada. 15 Dentre esses tutores, destaca-se o abade Pedro Ponce de Leon, considerado o pai da educação dos surdos. Esse título foi dado por ter unido dois sistemas de sinais, os utilizados pelos monges beneditinos, que viviam sob voto de silêncio, e os sinais usados pela família Velasco, que, por possuir muitos surdos, também havia criado uma forma de comunicação. Assim, da união desses dois sistemas, nasceram os primórdios do que se tornaria depois a língua francesa de sinais, segundo Pereira (2011). As primeiras escolas para surdossó surgem no século XVIII. Na França, Charles Michel de L’epée criou o método que chamou de sinalização metódica, que utilizava a língua francesa de sinais. Seu método consistia em ensinar a leitura, a sinalização e o alfabeto digital. Embora não reconhecesse a língua de sinais como uma língua completa, divulgou-a e valorizou-a, mostrando que os surdos, mesmo sem falar, eram humanos. Ainda segundo a autora, na Alemanha havia uma escola para surdos, construída por Samuel Heinecke, que criou o método oral, e argumentava que utilizar a língua de sinais impediria a fala, defendendo que a única ferramenta que deveria ser utilizada na educação dos surdos era a fala. Já na Inglaterra, Thomas Braidwood criou um método que usava a escrita e o alfabeto digital. Aprendiam primeiro escrevendo, depois articulando letras e depois as palavras inteiras, segundo Pereira (2011). Depois desses, muitos outros apareceram, como Jean Itard e Auguste Bébian, cada um com sua metodologia e sua maneira de ensinar. Nos Estados Unidos, e no Brasil, as primeiras escolas para surdos surgiram no século XIX. É importante destacar que a língua de sinais foi se modificando conforme se espalhava pelo mundo e, em meados de 1870, uma grande polêmica em torno da educação do surdo surge, com o questionamento: o que é melhor para o surdo, a língua de sinais ou a fala? 16 Honora (2009) relata que, em 1880, aconteceu na cidade de Milão, na Itália, o II Congresso Internacional de Educação dos Surdos, que ficou conhecido popularmente como o Congresso de Milão. Esse congresso reuniu representantes da educação do surdo do mundo inteiro, com o objetivo de debater a educação dos surdos. Professores surdos foram proibidos de participar e os poucos que conseguiram ir, foram impedidos de votar. Assim, por uma decisão muito mais política e religiosa do que propriamente educacional, o congresso de Milão decidiu pela proibição da língua de sinais, e inicia-se o oralismo como única forma de educação de surdos em todo o mundo, com exceção dos Estados Unidos, que votou contra. 1.2 Correntes comunicativas Veremos a partir desse tópico as correntes comunicativas que fizeram parte da educação do surdo, começando pelo oralismo, que teve início após o Congresso de Milão, em 1880. O oralismo nasce da crença de que a única maneira de se educar o surdo deveria ser por meio da língua oral, proibindo a língua de sinais. Nessa perspectiva, a surdez era vista como uma doença, que precisava ser curada, e acreditava-se que a cura seria a fala. A educação passa a ter como principal objetivo dar ao aluno o que faltava: a fala. Esse período caracteriza-se pela ênfase na amplificação sonora e trabalho intensivo de estimulação da oralidade. Os pais têm papel fundamental nesse processo, sendo orientados a não deixar os filhos usarem sinais e não terem contato com outros surdos. A corrente do oralismo busca a normalização a partir da fala. Desmutizar, hominizar, transformar a criança surda em adulto ouvinte eram termos utilizados na época, que mantinham a ideia de que a falta da fala caracterizava a falta do pensamento, da inteligência. 17 Essa maneira de entender o surdo e sua língua começa a se modificar a partir da década de 1960. Willian Stokoe, linguista, estudou a língua americana de sinais e comprovou que essa é uma língua completa, com todos os componentes que possui uma língua oral, começando a modificar o que pensava sobre a educação do surdo. Por outro lado, estudos realizados com crianças surdas, filhas de pais surdos, que tinham a língua de sinais como língua materna, comprovaram que essas aprendiam com mais eficiência do que as filhas de pais ouvintes, que não podiam aprender essa língua. Assim, surge a segunda corrente comunicativa na educação do surdo, a comunicação total, alcançando o Brasil por volta da década de 1990. A comunicação total surge como uma filosofia que busca a efetividade da comunicação do surdo. A partir dela, o uso de sinais é liberado nas escolas. É uma corrente que reconhece as necessidades de comunicação das crianças surdas e trabalha com a estimulação de todas as modalidades sensoriais. Nas escolas, os professores que trabalhavam com comunicação total utilizavam sinais e fala simultaneamente, acreditando que isso garantiria a compreensão do aluno surdo. Entretanto, observou-se que, pelo fato de cada língua ter sua própria gramática, privilegiava-se a gramática da língua oral em detrimento da gramática da língua de sinais, o que a descaracteriza como língua e dificultava a compreensão da mensagem. Esse período também ficou conhecido como bimodalismo, e a língua de sinais utilizada conjuntamente com a língua portuguesa como português sinalizado. Com a percepção de que essa forma de educação não havia melhorado a qualidade do ensino para o surdo, por tratar a língua de sinais como apoio e ainda ter o foco na aquisição da fala, surge uma nova proposta, dessa vez nascida das comunidades surdas: o bilinguismo. 18 Na perspectiva do bilinguismo, o surdo aprende duas línguas, denominadas L1 e L2. A primeira língua (L1) deve ser sempre a de sinais, visto que essa é considerada a língua natural dos surdos, a que aprende espontaneamente e com mais facilidade. A segunda língua (L2) deve ser a língua escrita do seu país. Nessa visão, a surdez deixa de ser vista como uma doença, passando a ser considerada como uma diferença que deve ser respeitada. A fala é uma oportunidade e não mais uma obrigação. O surdo reivindica o seu direito a uma cultura própria, e o contato das crianças surdas com outros surdos é fundamental. A proposta de escolarização é de uma escola bilíngue, que respeite e valorize a diferença do surdo no aprender. É importante a presença de professores surdos, que sirvam de modelo para a criança, e que métodos e estratégias utilizadas levem em consideração o modo do surdo de pensar e se expressar. 1.3 Políticas públicas para o aluno surdo A inclusão começa a ser discutida com veemência na década de 1990, desencadeada por movimentos que aconteceram mundialmente e que trouxeram à tona a necessidade de rever a educação das pessoas com deficiência, que ocorriam em um sistema educacional à parte, segregadas em escolas especiais ou mesmo em classes especiais. Nasce da luta pelos direitos humanos, que considera que todas as pessoas têm o direito à escola, e podem se beneficiar de estar junto aos outros no processo de aprendizagem. A primeira grande conferência que debate as questões da inclusão ocorreu em 1990, na cidade de Jomtien, na Tailândia, e se denominou como Conferência Educação para Todos. O documento produzido a partir dessa conferência traz os principais pontos: 19 • A educação é um direito fundamental de todos, mulheres e homens, de todas as idades, do mundo todo. • A educação é um princípio fundamental para o desenvolvimento das pessoas e das sociedades, e é a partir desta que podemos construir um mundo melhor. Após essa primeira iniciativa, a segunda grande conferência mundial para discussão das questões da inclusão de todos nos processos educacionais, e que pode ser considerada o marco inicial de todo esse movimento, foi o documento chamado Declaração de Salamanca. Esse documento foi publicado após uma reunião com representantes da educação de vários países, que ocorreu na Espanha, na cidade de Salamanca, em 1994. A partir desse documento, os países signatários, entre eles, o Brasil, assumem compromissos para que a inclusão de fato ocorra em seu país. Por meio dessa Declaração, é reafirmado o compromisso antes estabelecido com a Educação para Todos, reconhecendo a necessidade e urgência de providenciar uma educação para as crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais1 dentro do sistema regular de ensino e reendossando a Estrutura de Ação em Educação Especial. Dentre os princípios fundamentais da Declaração de Salamanca, está que toda criança tem direito fundamental àeducação, e deve ser dada a oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem (UNESCO, 1994). 1 O termo necessidades educacionais especiais não é mais utilizado, mas era na época da publicação do docu- mento. 20 Dentro da perspectiva inclusiva, acredita-se que as escolas deveriam acomodar todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras. A Declaração de Salamanca também deixa claro que a inclusão não é apenas para as pessoas com deficiências, mas é de fato para todas as pessoas. (UNESCO, 1994). Sabemos que tais condições geram uma variedade de diferentes desafios aos sistemas escolares, desafios esses que devem ser enfrentados a partir da implementação de políticas públicas que garantam não apenas o acesso, mas a permanência e a qualidade da educação para todas as crianças. Nesse sentido, a educação especial é parte fundamental do processo de educação inclusiva. Devemos entender que, a partir da inclusão, a educação especial deixa de ser um lugar, e passa a ser um serviço, que atende às demandas das pessoas com deficiência ofertando apoio dentro e fora da sala de aula, por meio do atendimento educacional especializado, por exemplo, que veremos posteriormente. Ainda dentro dos princípios da inclusão, a diversidade humana passa a ser vista como enriquecedora, e fica claro que é a escola que deve adaptar-se ao aluno, e não mais o aluno que se adapta à escola, como ocorria no período de integração escolar (classes especiais dentro das escolas regulares). Nesse sentido, devemos ter uma pedagogia que é centrada na criança. Outra legislação importante foi a Política Nacional de Educação especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), que traz como objetivo assegurar o acesso, a participação e a aprendizagem dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/ superdotação nas escolas regulares, orientando os sistemas de ensino para promover respostas às necessidades educacionais. 21 As propostas da Política Nacional determinam que a educação especial deva trabalhar articulada com a proposta pedagógica da escola, fazendo parte dessa e, assim, promovendo o atendimento ao seu alunado público. O objetivo é o atendimento das necessidades dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/ superdotação. As diretrizes estabelecidas por essa política devem garantir a transversalidade da educação especial, que deve perpassar todos os níveis de escolaridade; o atendimento educacional especializado (AEE), que veremos mais detalhadamente em outro tema; a formação de professores para a educação inclusiva; e a continuidade dos estudos nos níveis mais elevados de escolaridade. No que diz respeito especificamente ao surdo, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) determina para a inclusão dos alunos surdos na escola comum a educação bilíngue. Essa deve contar com o serviço de profissionais tradutor e intérprete de Libras (TILS), desenvolver o ensino escolar na língua portuguesa e na Língua Brasileira de Sinais, sendo a língua portuguesa na modalidade escrita considerada como segunda língua para os surdos, e ainda ensinar Libras para toda a comunidade escolar. A Lei de Libras, Lei n. 10.436/2002, foi promulgada após muita luta das pessoas e comunidades surdas no Brasil. Essa lei, que reconhece a Língua Brasileira de Sinais como língua oficial da pessoa surda, é uma conquista que traz diversos impactos na vida social e política de todos os brasileiros, mas, principalmente, traz significado especial para os surdos. A partir dessa legislação, o surdo passa a ter direitos básicos e fundamentais de acesso à sua língua, pois prevê provimentos de formação de instrutores e tradutores e intérpretes, bem como a presença desses profissionais em locais públicos e sua inserção em 22 políticas que visam não apenas à educação, mas à saúde, ao trabalho, ao lazer, ao esporte e ao turismo (BRASIL, 2005). Além do reconhecimento da Libras como língua do surdo brasileiro, a lei também determina a obrigatoriedade dessa disciplina nos cursos que formam professores e nos cursos de fonoaudiologia, passando a ser optativa nos outros cursos de graduação. Para a regulamentação dessa lei, o decreto 5.626 é assinado em 22 de dezembro de 2005, e considera como pessoa surda aquela que, por ter uma perda auditiva, compreende e interage com o mundo a partir de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente através da Língua Brasileira de Sinais (BRASIL, 2005). Em 2015, tivemos a publicação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, que reúne em um só documento todos os direitos referentes a essa população. Em 30 de setembro de 2020 foi promulgada a Nova Política de Educação Especial, que propõe o retorno às classes e escolas especiais, deixando a família como responsável pela escolha, juntamente com a equipe multidisciplinar e a escola. O objetivo, segundo os autores, é flexibilizar o ensino, individualizar a escolha, vendo caso a caso e não um grupo. Muitas críticas vêm sendo feitas em relação à esta política, que parece incentivar o retorno à segregação. Outras críticas levantadas se referem à questão de as entidades ligadas às pessoas com deficiência não terem sido consultadas, e a política não deixar claro quem de fato vai para o ensino especial e quem fica no ensino regular. 23 Referências BRASIL. Ministério da Educação. Declaração de Salamanca: sobre princípios, políticas e práticas na área das necessidades educativas especiais. Espanha, 1994. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf. Acesso em: 12 jul. 2021. BRASIL. Ministério da Educação. Equipe da Secretaria de Educação Especial. Grupo de Trabalho da Política Nacional de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília, 2008. Disponível em: http:// portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf. Acesso em: 13 jul. 2021. BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2010. Disponível em: http://www. ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/. Acesso em: 13 jul. 2021. BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto n. 5626 ,de 22 de dezembro de 2005. Brasília, 2005. Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm. Acesso em: 13 jul. 2021. BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002. Brasília, 2002. Disponível em: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm. Acesso em: 13 jul. 2021. DAVIS, H; SILVERMAN, S. R. Hearing and hearing loss. 3.. ed. New York: Holt Rinehart e Winston, 1970. HONORA, M. et al. Livro Ilustrado de Língua Brasileira de Sinais: desvendando a comunicação usada pelas pessoas com surdez. São Paulo: Ciranda Cultural, 2009. PEREIRA, M. C. Libras, conhecimento além dos sinais. São Paulo: Person Prentice Hall, 2011.UNESCO. In: Conferência Mundial de Educação para Todos. Jomtien, 1990. http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/ http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/ http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm 24 Desenvolvimento e aprendizagem do aluno surdo: Estratégias educacionais e português como segunda língua Autoria: Gleidis Roberta Guerra Leituracrítica: Branca Monteiro Camargo Objetivos • Conhecer as características de aprendizagem do aluno surdo. • Conhecer estratégias educacionais diferenciadas e adaptações curriculares. • Compreender que a língua portuguesa é para o surdo sua segunda língua. 25 1. Desenvolvimento da criança surda Iniciamos este tema refletindo sobre a inclusão do surdo no sistema regular de ensino, que, hoje, é uma realidade, e que este aluno chega à escola com um grande desafio: aprender a gramática de uma língua que não é a dele, mas pela qual será alfabetizado. Precisamos ainda ter a clareza que, muitas vezes, esse aluno chega à escola sem uma língua definida: não aprendeu Libras, pois não foi dada a oportunidade; não aprendeu o português por esse ser inacessível a ele. Antes de falarmos do aprendizado escolar propriamente dito, vamos compreender o desenvolvimento dessa criança, desde seus primeiros anos de idade. A surdez na infância gera um atraso no desenvolvimento da linguagem. No Brasil, o diagnóstico da surdez é tardio, por volta dos três a quatro anos de idade, o que faz com que medidas de estimulação da linguagem e mesmo a aprendizagem da língua de sinais ocorra depois dessa época. A criança surda, filha de pais surdos, receberá estímulos em língua de sinais desde seu nascimento e se desenvolverá da mesma maneira que a criança ouvinte desenvolve a língua oral. Já a criança surda filha de pais ouvintes apresentará atraso no desenvolvimento de linguagem, no desenvolvimento social, psíquico e educacional. Além disso, sabemos que é necessário o desenvolvimento de uma língua de base que dê estrutura ao pensamento, sem a qual não conseguirá se desenvolver do ponto de vista cognitivo. Devemos ter claro que esta língua pode ser a língua de sinais; para o cérebro, não há diferença. Além da função de comunicação, a linguagem também é formadora do pensamento generalizante, ou seja, é por meio de uma língua estabelecida que organizaremos as informações que recebemos a partir de nossos sentidos, pois poderemos ordená-las, categorizá-las, bem como compreender conceitos. 26 Assim, podemos afirmar que a comunicação que a criança surda estabelecerá com o mundo que a cerca, e o desenvolvimento adequado de uma língua de base para o conhecimento será determinante para seu desenvolvimento. Devemos lembrar que é por meio desse canal, que valores, costumes, crenças e todo o conhecimento também será transmitido. Entendendo esse processo de desenvolvimento da criança surda, podemos, então, verificar sobre o desenvolvimento da leitura e da escrita. 1.1 Desenvolvimento da escrita pelo surdo Santana (2007) discute acerca do ensino de leitura e escrita para a criança surda. É preciso destacar, primeiramente, que não é possível ensinar a criança surda da mesma maneira que ensinamos a criança ouvinte, e que também não podemos comparar o desenvolvimento entre elas. Um exemplo disso seria se pensamos em um estrangeiro, falante de outra língua e que vem para o Brasil para ser alfabetizado. Podemos comparar seu desenvolvimento com o de uma criança falante nativa do português? Com a criança surda é a mesma coisa. A primeira coisa em que temos de pensar é que essa criança será alfabetizada em uma língua que não conhece, ou que conhece muito pouco. Se tiver acesso à língua de sinais, ainda será mais fácil; caso contrário, sua aprendizagem será muito mais difícil. Assim, o primeiro passo para pensarmos o aprendizado da criança surda é garantir que tenha uma língua de base, uma língua que permita acessar o conhecimento. No caso, a língua de sinais. A língua de sinais é considerada a única língua natural do surdo, visto que é a única que pode ser aprendida de maneira espontânea. Para 27 desenvolver a oralidade, uma criança surda passa cerca de dez anos em terapia fonoaudiológica e, mesmo assim, não há como garantir que falará satisfatoriamente, de maneira a ser compreendida pelos demais. Isso tendo, então, a língua de base, que deverá ser a mediadora do conhecimento, estar presente em todas as situações de aprendizagem da escrita. Atividades como ler para a criança, explicando o conteúdo em Libras, sensibilizá-la em relação à escrita por meio de atividades ricas e prazerosas e consolidar a língua de sinais, utilizando-a no dia a dia da escola e da família, são fundamentais para esse desenvolvimento. Para o aprendizado da criança surda, é fundamental que o professor conceba a escrita como uma atividade discursiva, não como um código que deva apenas ser decodificado, ou mesmo como uma mera transcrição da oralidade. Essa visão de escrita como código que transcreve a língua oral é um equívoco, e faz com que o surdo não compreenda a importância dela, visto que, na maioria das vezes, não é capaz de fazer essa relação fala- escrita, tão comum para as crianças ouvintes. Houve um tempo, segundo Santana (2007), em que se acreditava que os surdos deveriam aprender a falar para que conseguissem escrever. Essa é uma ideia ilusória, já que a escrita, no contexto da surdez, não se baseia na oralidade. Dessa forma, a melhor maneira de ensinarmos a leitura e a escrita para o aluno surdo é considerando que aprenderá essa como uma segunda língua e que, para isso, necessitará de metodologias diferenciadas, próprias do ensino da segunda língua, sendo importante que se valorize a formação dos professores dentro dessa outra perspectiva de alfabetização. 28 Se pensarmos como, geralmente, as crianças ouvintes são alfabetizadas, perceberemos que sempre há uma relação entre a letra impressa e o som que representa, ou ainda alfabetizamos por meio da compreensão das chamadas famílias silábicas. Será que para o surdo isso faz sentido? Quando relacionamos a letra impressa com o som da letra, ou mesmo utilizamos as sílabas como base da alfabetização, para o surdo, não haverá significado. Vamos entender melhor isso. Quando falo A de avião, ou mesmo coloco o alfabeto na sala de aula com a letra impressa, isso só faz sentido para a criança ouvinte. Para a criança surda, esta colocação não é significativa, visto que o uso de uma figura e a letra em Libras considera o processo de alfabetização do ouvinte, que é auditivo, e não do surdo. Avião em Libras, por exemplo, é feito a partir da letra Y, e em nenhum momento se relaciona com a letra A. No caso das famílias silábicas, fica ainda mais difícil para o surdo compreender. Sinal não tem sílaba, e auditivamente a maioria dos surdos não percebe a divisão silábica das palavras faladas. O surdo, ao ler uma palavra, atribuirá um significado em sua língua, a língua de sinais. Isso fará com que ler e escrever se torne significativo para ele. O professor terá de estabelecer entre a criança e a leitura e escrita uma relação de interlocução e, para isso, terá que se valer das experiências do construtivismo. O enfoque, então, do ensino deve ser textual. Lembre-se de que o surdo aprende a partir da visão e, quanto mais vir a palavra escrita, ou mesmo o texto, e puder relacionar com a língua que conhece, melhor se desenvolverá. A palavra, para esse aluno, não terá uma imagem acústica, um som, mas será como um desenho simbólico, uma imagem gráfica, visual. Essa espécie de desenho mental que memorizará se traduzirá em um símbolo mental e é assim que aprenderá. 29 Precisamos, ainda, pensar que os sistemas de representação do português e da Libras são diferentes. É como aprendermos os ideogramas chineses, em que não há letras, mas desenhos. Por isso, o uso de métodos arbitrários, que não consideram o fato da língua de sinais ser viso espacial e de o surdo ser visual na sua aprendizagem, provavelmente, não terá sucesso. Podemos, ainda, afirmar que o melhor ambiente para o aprendizado da criança surda é o ambiente bilíngue, ambiente esse em que as duas línguas, Libras e português, convivem em harmonia, e são utilizados para o acesso ao conhecimento. Nesse ambiente, precisamos ter professor ouvintes fluentesem língua de sinais, professores surdos que sirvam de modelo para o aluno, e uma proposta pedagógica que vá de encontro a essas necessidades. Se não tivermos esses cuidados, muito provavelmente, teremos crianças surdas que são excelentes copistas, mas que não produzem um texto espontaneamente e não têm a compreensão da leitura que realizam, ou ainda, alunos surdos que desenvolvem a escrita, mas não conseguem compreender e utilizar a gramática da língua portuguesa, escrevendo como se escrevessem em Libras. Para a aprendizagem da criança surda, a leitura deve ser a base do ensino, não a escrita. É a leitura que dará ao aluno surdo as informações que necessita para desenvolver a escrita, que poderá aparecer espontaneamente a partir dos estímulos adequados. Quando olhamos a escrita do aluno surdo, percebemos que os erros que comete estão muito mais relacionados à estrutura gramatical da Libras ou mesmo à imagem visual da palavra. Para uma criança ouvinte em fase de alfabetização, é comum que cometa erros como /MININU/ no lugar de menino, ou mesmo /FUMIGA/ 30 para escrever formiga. Esse tipo de erro mostra uma incorporação do auditivo, ou seja, a criança escreve da maneira que fala. Para a criança surda, o erro aparece de maneira diferente, tem características que são visuais. No caso da palavra menino, talvez escrevesse /NEMIMO/ ou para sapo pudesse grafar /PASO/, o que demonstra as características visuais da sua aprendizagem. Veja a figura a seguir, que apresenta uma criança surda em período de alfabetização. Figura 1 – Escrita de uma criança surda em processo de alfabetização Fonte: acervo da autora. Observem a escrita principalmente da palavra 3 e 4, que deixa nítida a troca visual realizada. No caso do jovem surdo, que já é capaz de produzir texto, muitas vezes, encontramos traços da gramática da Libras na sua escrita. Veja os exemplos: 31 Figura 2–Escrita de surdos adolescentes. • Tenho mais ou menos 200 meus amigos surdos, pois não sou oralista. Só uso Libras para dar alegre, unir mais amigos surdos para comunicar muito gostoso. • Acho que Libras é muito importante, porque meus pais nao me explica direito das noticias, porisso nao deu desenvolvimento, entao, eu e irmao sempre usamos Libras para entender perfeitamente, porisso eu ajudo de ensinar todos surdos sobre noticias que conseguem entender Fonte: acervo da autora. Observem que somos capazes de compreender o conteúdo, mas que a forma nos chama atenção. Guerra (2016) relata, em sua pesquisa, que o processo de aquisição de uma segunda língua, o português para o surdo ou uma língua estrangeira para o ouvinte, passa por diferentes estágios denominados interlíngua. No início da aprendizagem, o aluno surdo apresenta características que misturam a estrutura da primeira e da segunda língua. Ainda assim, a interlíngua não deve ser considerada como confusa ou desorganizada, mas como parte do processo de aprendizagem, e esse processo é evidente na aprendizagem de alunos surdos fluentes em língua de sinais. Brochado (2003) apresenta os diferentes níveis de interlíngua pelo qual a criança surda passa até chegar à escrita formal do português. Para a autora, o estágio denominado interlíngua I caracteriza-se pelo uso de estratégias da Língua de Sinais (L1) para a escrita do português (L2), havendo, por exemplo, uso de verbos no infinitivo, omissão de artigos, 32 preposições e outros conectivos, uso de construções de frases tipo tópico-comentário. No estágio Interlíngua II, observa-se que, embora ainda haja uma mescla das duas línguas, já é possível verificar alguns elementos da língua portuguesa, caracterizando uma justaposição entre L1 e L2. Já no estágio Interlíngua III, os alunos demonstram o uso predominante das estruturas da língua portuguesa (L2), estruturas frasais complexas, uso de artigos, preposições entre outros, segundo Brochado (2003). Compreendendo o processo de aquisição da escrita pelo surdo, a partir das características descritas acima, cabe ao professor estimular o aluno para que possa passar de um estágio ao outro e, assim, ser capaz de utilizar a escrita formal do português. Para isso, é importante o uso de recursos visuais e de recursos facilitadores do aprendizado. Precisamos entender que as pessoas surdas percebem o mundo de maneira diferente, utilizam-se da visão. Dessa experiência visual, surge sua forma diferente de ser, de se expressar, de conhecer o mundo, e que está relacionada à sua língua e sua cultura. Enquanto os ouvintes pensam por palavras, os surdos pensam por imagens. E isso não quer dizer ter uma forma de pensar superior ou inferior, mas apenas uma forma diferente de penas. Assim, a utilização de imagens (fotos, figuras) que representem o tema da aula facilita a compreensão do aluno. Resumo da temática na lousa e uso de computadores, vídeos, cartazes e toda forma visual de aprendizagem são facilitadores para o aluno surdo. Trazer recursos visuais para a sala de aula provoca uma mudança na dimensão afetiva, social e cognitiva do aluno surdo, auxiliando na aquisição e desenvolvimento de conceitos, na ampliação do vocabulário. 33 Os benefícios aparecem em um aluno que se torna mais independente e revela entusiasmo ao aprender. 1.3 Adaptações curriculares Começaremos este tópico compreendendo dois conceitos que serão importantes para o desenvolvimento da criança surda: adaptação e currículo. O que é adaptar? Será que no nosso dia a dia fazemos adaptações? Que adaptações são essas? Segundo o dicionário Houaiss (2001), adaptar se refere a ajustar uma coisa à outra, modificar algo e, assim, dar uma nova função, podendo também estar relacionado a sobreviver em um novo ambiente. Se observarmos, no nosso dia a dia, fazemos diversas adaptações, por diversos motivos. Adaptamos materiais, nosso espaço e tempo, adaptamos procedimentos e regras. Será que, então, podemos também adaptar o currículo? Antes de responder essa pergunta, é importante que pensemos o que é currículo. O que vem à sua cabeça quando ouvem essa palavra? Geralmente, quando ouvimos a palavra currículo, pensamos em matéria, disciplinas, conteúdos. Pensamos na forma de organizar a grade curricular, nos anos escolares, na distribuição dos conteúdos, mas será que currículo é apenas isso? Há outra maneira de entendermos currículo. Podemos vê-lo de maneira interdisciplinar, entendê-lo como a maneira de organizarmos os espaços e a rotina da sala de aula. Pensar o currículo de uma maneira interdisciplinar é pensá-lo como um instrumento que define o modo de organizar as práticas, o tempo e o 34 espaço da escola, pensar na organização da rotina, das experiências que serão propostas, nas linguagens que serão trabalhadas, enfim, a partir das concepções que temos de criança, de aprendizagem, de educação. É, ainda, organizar a sala de aula sempre de acordo com as necessidades das crianças e de uma prática pedagógica intencional e responsável. A terminologia adaptação curricular surge nos documentos brasileiros, oficialmente, a partir da Política Nacional de Educação Especial (1994), ano coincidente com a publicação do documento Declaração De Salamanca (1994), que é o marco inicial para as discussões em relação à educação inclusiva. Na Política Nacional de Educação Especial (1994), o termo adaptação curricular se refere às modificações que são necessárias realizar para atender à diversidade da sala de aula e dos alunos. Adiantando nosso tempo e chegando a 2003, o Ministério da Educação e Cultura (MEC), por meio da Secretaria de Educação Especial (SEESP), propõe adaptações curriculares que visam promover a aprendizagem dos alunos com deficiência nas escolas regulares, a partir da implementação de práticas pedagógicas inclusivas no sistema escolar (BRASIL, 2003). Entre essas propostas, podemos destacar algumas: • Atitude favorável da escola no sentido de atender às necessidades individuais. Isto deve ocorrer a partir da diversificaçãoe flexibilização do processo de ensino. • Para que as adaptações ocorram, é necessário que seja feita a identificação das necessidades de todos e de cada aluno para, assim, priorizar recursos e meios favoráveis para a aprendizagem. • A escola deve adotar currículos abertos e diversificados, ao invés da tradicional concepção uniforme e homogeneizadora. 35 • O funcionamento da escola também deve ser flexível para atender à demanda. • Por fim, o apoio de professores especializados em todo o processo educacional favorece o trabalho colaborativo e as práticas inclusivas na escola. As adaptações curriculares, portanto, têm como seu principal objetivo atender às necessidades de todos os alunos. Envolvem desde adaptações simples, feitas pelo professor na sala de aula, até adaptações complexas, que envolvem questões de acessibilidade e recursos financeiros. Podemos pensar ainda no uso dos termos adaptação curricular e flexibilização curricular. Será que significam a mesma coisa? Garcia (2007) faz uma reflexão sobre essas terminologias e infere que o termo adaptação está mais ligado à visão clínica da deficiência, ou seja, ao modelo médico. Esse modelo traz, em seus princípios a ideia de que a pessoa com deficiência precisa ser tratada, curada. Em outra visão, a visão socioantropológica da deficiência, a deficiência é vista como uma diferença, que deve ser respeitada, condizendo mais com a terminologia flexibilidade curricular. O termo flexibilidade curricular surge a partir dos anos 1990 e se refere a mudanças instrumentais, de conteúdos básicos e focados nas diferenças individuais. No Brasil, o termo flexibilidade curricular foi citado pela primeira vez em 2005, pela Secretaria Estadual de Educação Especial de São Paulo (SEESP), mas ainda ligada ao termo adaptações. 36 1.4 Currículo na Inclusão Agora que entendemos melhor os conceitos de adaptação, de currículo e, portanto, de adaptação curricular, pensaremos na construção do currículo na perspectiva da educação inclusiva. O currículo na perspectiva inclusiva começa a ser construído a partir do Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola. É nesse momento que a escola determinará as possibilidades de flexibilização, do uso de diferentes linguagens, do uso de recursos alternativos e contínuos. A inclusão subentende que o currículo será ajustado de forma progressiva, sempre em busca de dar respostas às necessidades de todos os alunos e, para isso, características como cooperação, dinamicidade, flexibilidade e avaliação contínua são fundamentais. Para Oliveira, Omote e Giroto (2008), a adaptação curricular pressupõe um diagnóstico inicial que envolve o contexto educacional, familiar e das necessidades individuais do aluno. Conheça o que os autores tratam sobre cada um destes aspectos. Do ponto de vista educacional, precisam ser analisados os aspectos referentes à instituição em que o aluno estuda, quais são seus pressupostos filosóficos, funcionais e estruturais. Precisam, ainda, ser vistos a ação pedagógica, o professor, a sala de aula, os recursos e metodologias utilizados por ele, as estratégias de avaliação geralmente usadas para verificação do desempenho do aluno. No que tange ao contexto familiar, muitas são as influências deste para o aprendizado e desenvolvimento do aluno. Precisamos conhecer suas condições de moradia, as relações afetivas que estabelece, a maneira como a comunicação ocorre entre os membros da família, principalmente, se o aluno é usuário predominante de Libras, pois, dependendo desses fatores, teremos uma ideia em relação às 37 oportunidades de desenvolvimento e de autonomia que essa criança possui. Finalmente, do ponto de vista individual, precisamos conhecer as características funcionais e as habilidades do aluno, bem como suas necessidades educativas. A partir desse diagnóstico inicial, poderemos reunir informações para estabelecermos as adaptações curriculares necessárias, que, a partir deste ponto, serão divididas em diferentes níveis. 1.5 Níveis de adaptações curriculares Como já vimos, as adaptações começam no Projeto Político Pedagógico e perpassam a sala de aula como um todo até chegar ao nível individual, de cada aluno. 1.5.1 Projeto Político Pedagógico O projeto político pedagógico deve garantir algumas possibilidades ao aluno surdo, como prever o uso da Libras como língua de instrução; prover os serviços pedagógicos de apoio, baseado na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva e nos Atendimentos Educacionais Especializados (AEE); contratar profissionais da área de tradução e interpretação de Libras, instrutores e professores interlocutores, conforme a necessidade; manter materiais e equipamentos específicos; e garantir o uso de recursos visuais como estratégia de ensino. 1.5.2 Sala de aula Para a sala de aula, algumas medidas podem ser tomadas pelo professor no sentido de facilitar a aprendizagem do aluno surdo: 38 • Falar sempre de frente para o aluno, o que facilita a compreensão e a leitura orofacial. • Utilizar recursos de comunicação e visuais. • Falar de forma clara, sem gritar. Sempre que possível, utilizar a Libras como língua de instrução. • Capacitar professores e alunos para o uso da Libras. • Organizar e planejar atividades específicas, com o apoio do professor do AEE. • Verificar a localização do aluno em sala de aula, de maneira que tenha uma boa visualização do professor e da turma. • Organizar o tempo de acordo com o ritmo de aprendizagem de cada um. • Avaliar, utilizando diferentes instrumentos, ser flexível em relação aos critérios e procedimentos. Estando a sala de aula e o PPP de acordo com as necessidades apontadas para o processo de inclusão do aluno surdo, verificaremos as adaptações de nível individual, para cada sujeito. 1.5.3 Individual O primeiro ponto a ser levado em consideração é o grau de dificuldade de comunicação do aluno, mesmo utilizando Libras. Sabemos que muitos alunos são privados da aprendizagem dessa língua por muito tempo e que, muitas vezes, não são fluentes, tendo dificuldade em compreender e se expressar adequadamente. Assim, é importante que o professor verifique sempre se o aluno compreendeu o que foi solicitado. 39 Estimular a comunicação é fundamental para o sucesso do desenvolvimento pedagógico do aluno surdo, e isso deve ser feito a partir de situações significativas, tanto em sinais como na escrita. Fazer um resumo dos principais pontos da aula na lousa facilita a aprendizagem de todos os alunos, mas especialmente da criança surda. Esse é um recurso simples, porém, muito eficiente. Além disso, deve-se utilizar de diversos recursos para o ensino, sempre valorizando os códigos visuais, tão importantes para a criança com surdez, e, na escrita, lembrar que a língua portuguesa e a Libras têm gramática diferentes, e é comum o aluno usar elementos da sua primeira língua (Libras) na escrita da segunda (língua portuguesa). Assim, terminamos este tópico com a consciência de que as adaptações curriculares são fundamentais para que o aluno surdo esteja de fato incluído, com as mesmas oportunidades de aprendizagem dos demais alunos. Referências BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial. Brasília, 1994. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/ arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf. Acesso em: 13 jul. 2021. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Saberes e práticas de inclusão–Estratégias para a educação de alunos com necessidades educacionais especiais. Brasília, 2003. Disponível em: http://www.dominiopublico. gov.br/download/texto/me000428.pdf. Acesso em: 13 jul. 2021. DICIONÁRIO HOUAISS da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. GARCIA, R. M. C. O conceito de flexibilidade curricular nas políticas públicas de inclusão educacional. In: BAPTISTA, C. R. Inclusão, práticas pedagógicas e trajetórias de pesquisa.p. 15-33. Porto Alegre: Mediação, 2007. GUERRA, G. R. Ensino do português como segunda língua para o aluno surdo. Araraquara: UNIARA, 2016. OLIVEIRA, A. A. S; OMOTE, S; GIROTO, C. R. M. Inclusão escolar: as contribuições da educação especial. Marília: Cultura Acadêmica, 2008. SANTANA, A. P. Surdez e linguagem: aspectos e implicações neurolinguísticas. São Paulo: Plexus, 2007. 40 Atendimento Educacional Especializado para o aluno com surdez e intervenção educacional Autoria: Gleidis Roberta Guerra Leitura crítica: Branca Monteiro Camargo Objetivos • Conhecer a legislação e políticas vigentes em relação ao Atendimento Educacional Especializado (AEE). • Compreender os objetivos deste atendimento. • Conhecer as especificidades do AEE para surdos. 41 1. Atendimento Educacional Especializado (AEE) e legislação Para tratarmos do Atendimento Educacional Especializado (AEE), iniciaremos conhecendo a legislação que o determina e que descreve a maneira como deve acontecer. A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, juntamente com o decreto 6571/2008, posteriormente substituído pelo decreto 7611/2011, tratará do atendimento educacional especializado, suas especificidades e formas de trabalho (BRASIL, 2008). Para essa política: A educação inclusiva constitui um paradigma educacional fundamentado na concepção de direitos humanos, que conjuga igualdade e diferença como valores indissociáveis, e que avança em relação à ideia de equidade formal ao contextualizar as circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e fora da escola. (BRASIL, 2008 p. 6) Compreender a educação inclusiva como direitos humanos, entender que igualdade e diferença são indissociáveis, é compreender de fato a escola inclusiva como um espaço enriquecedor para todos os alunos. Nesse sentido, a Política Nacional tem como objetivo acompanhar as lutas sociais, seus avanços e o conhecimento que trazem, no sentido de constituir políticas públicas que visam uma educação de qualidade para todos os alunos. Entretanto, a Política Nacional de Educação Especial, na Perspectiva da Educação Inclusiva, não atende todas as dificuldades da sala de aula, tendo um público-alvo identificado por alunos com deficiência, 42 transtornos globais do desenvolvimento (TGD) e altas habilidades/ superdotação. Para essa população, segundo ainda a política, devem ser dados o acesso, a participação e a aprendizagem nas escolas regulares, “orientando os sistemas de ensino para promover respostas às necessidades educacionais” dessas pessoas (BRASIL, 2008, p. 10). Sabendo que o público-alvo da Política Nacional é o mesmo do AEE, veremos agora o conceito aplicado a cada uma dessas condições: Pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental ou sensorial que, em interação com diversas barreiras, podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade. Alunos com Transtornos Globais do Desenvolvimento: são aqueles que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo (autismo, transtornos do espectro do autismo e psicose infantil). Estudantes com altas habilidades/ superdotação: são aqueles que demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes, além de apresentar grande criatividade, envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse. (BRASIL, 2008, p. 11) Com o intuito de promover a educação com qualidade a todos os alunos, implementando políticas públicas eficientes, a Política Nacional traz algumas garantias, a saber: transversalidade da educação especial; atendimento educacional especializado; continuidade da escolarização nos níveis mais elevados do ensino; formação de professores para a educação inclusiva; participação da família e da comunidade; acessibilidade física nas comunicações e informações; articulação intersetorial na implementação das políticas públicas (BRASIL, 2008). 43 Conheceremos um pouco mais sobre essa proposta e de que maneira a educação especial deve, a partir dela, interligar-se com a educação inclusiva. Na perspectiva da educação inclusiva, entendemos que a educação especial deve trabalhar de forma articulada com a escola regular, integrando uma única proposta pedagógica, promovendo, assim, o atendimento das necessidades dos alunos com deficiência, Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) e altas habilidades. A educação especial deve, ainda, direcionar suas ações para um atendimento voltado às especificidades desse alunado, atuando de maneira ampla, organizando e orientando redes de apoio, serviços de formação continuada, identificando os recursos e serviços necessários. O trabalho entre educação especial e escola comum deve acontecer de forma colaborativa. Deve, ainda, ficar claro que a educação especial perpassa todos os níveis de escolaridade: educação infantil, ensino fundamental, ensino médio, ensino superior e educação de jovens e adultos. Essa modalidade deixa de ser um lugar, que segregava, para ser um serviço, que apoia o ensino de qualidade para todas as pessoas. A Política Nacional de Educação Especial, na Perspectiva da Educação Inclusiva, trata do atendimento educacional especializado, conforme já apontado, e orienta seu funcionamento, atribuindo a ele a função de “identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas” (BRASIL, 2008 p. 11). Esse atendimento, ainda conforme a Política, deve ser organizado com atividades diferenciadas em relação à sala de aula, portanto, não substitutivo à essa. Deve ainda ser acompanhado de instrumentos adequados de avaliação do desempenho do aluno e apresentar 44 “atividades de enriquecimento curricular, o ensino das linguagens e códigos específicos de comunicação e sinalização e tecnologia assistiva” (BRASIL, 2007 p. 13), sempre articulado com a proposta pedagógica da sala regular. Em relação às crianças surdas, assume a política bilíngue de educação, entendendo por educação bilíngue aquela em que a língua portuguesa é ensinada para o surdo como segunda língua na modalidade escrita. Para isso, as escolas bilíngues contam com profissionais da área de tradução e interpretação, além de outros profissionais que, sendo fluentes em Libras, atuam de maneira a favorecer a harmonia entre as línguas. 1.1 Atendimento Educacional Especializado (AEE) O Atendimento Educacional Especializado (AEE), oferecido pela educação especial para a prática da educação inclusiva, tem como objetivo organizar os recursos e serviços necessários para eliminar barreiras e promover o acesso dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/ superdotação ao currículo, visando à promoção da independência na realização de tarefas e a construção da autonomia. Segundo a legislação, os sistemas escolares devem ofertar o AEE obrigatoriamente, sendo realizado sempre no contraturno da escola. Podem ocorrer na própria escola em que a criança está matriculada, ou ainda em outra escola da rede ou em centros especializado para esse fim. Uma dúvida da família, ou mesmo dos profissionais, é de que maneira a criança pode iniciar esse atendimento, fazer parte do AEE. O acesso é realizado a partir de uma avaliação feita pelo profissional do AEE, que observará as características do aluno, para, assim, poder traçar as estratégias pedagógicas que auxiliarão seu desenvolvimento. 45 A partir dessa avaliação inicial, o aluno poderá ser incluído nos atendimentos em sala de recurso multifuncional, que tem como objetivo o desenvolvimento das suas potencialidades, ou ainda fazer parte do chamado ensinocolaborativo. Mendes (2005) afirma que: O trabalho colaborativo é um modelo de prestação de serviço no qual um educador comum e um educador especializado dividem a responsabilidade de planejar, instruir e avaliar a um grupo heterogêneo de estudantes com objetivo de criar opções para aprender e prover apoio a todos os alunos na sala de aula da turma comum, combinando as habilidades do professor comum e do professor especialista. (MENDES, 2005, p. 107) Esse trabalho, realizado pelo professor de AEE em sistema de itinerância, traz um importante apoio ao professor da sala comum, levando, ainda, a refletir sobre sua prática docente, melhorando o trabalho com todo o grupo de alunos, inovando os saberes e as práticas inclusivas. Para que esse trabalho ocorra de maneira satisfatória, o planejamento em conjunto, a parceria estabelecida entre os professores da sala comum e professor especialista, deve ser estabelecida com vistas à troca de experiências, de saberes, enriquecendo ambos. 1.2 AEE–Pessoa com surdez Como já vimos, o aluno com surdez, em seu processo de inclusão escolar, terá um desafio diferente das demais crianças, com ou sem deficiências. Por estar privado da audição, um dos sentidos mais importantes para o desenvolvimento da fala e de acesso ao conhecimento, se não receber os estímulos adequados para a sua aprendizagem, terá muitas dificuldades. Considerando que a Libras é a língua materna do surdo, a única que pode aprender de maneira natural e espontânea, mais uma vez 46 destacamos a necessidade de todo o conhecimento ser mediado por esta língua. Alertamos, ainda, para o fato de muitas crianças não chegarem à escola com uma língua desenvolvida, nem Libras, nem o português, o que dificultará ainda mais seu desenvolvimento. Assim, o grande desafio da criança surda será aprender na escola uma língua que não é a sua, que não domina ou domina pouco e que é inacessível do ponto de vista auditivo. A educação inclusiva para o surdo deve estar pautada na educação bilíngue, caso contrário, poderá ainda estar excluindo ao invés de incluir. Skliar (1999 p. 18) alega que o “modelo excludente da Educação Especial está sendo substituído por outro, em nome da inclusão que não respeita a identidade surda, sua cultura, sua comunidade”. Nesse sentido, ainda há grande polêmica entre profissionais, surdos e familiares em relação ao processo educacional do aluno surdo. Sem a educação bilíngue, o respeito à identidade e cultura surda, a inclusão não ocorre de fato. Dentro dessa perspectiva inclusiva bilíngue, o AEE deve, juntamente com a sala de aula, prover meios para que o aluno surdo se desenvolva e adquira o português escrito e, para isso, os professores devem conhecer e usar a língua de sinais em todas as situações escolares. Deve estar claro que o uso da língua, embora fundamental, não basta para o aprendizado do aluno com surdez. Mais do que isso, a escola deve implementar ações que sejam significativas para os alunos em geral, mas que sejam compartilhadas pelas crianças surdas. Segundo o documento que trata do atendimento educacional especializado (AEE) para a pessoa com surdez (BRASIL, 2007), o surdo deve ser educado em ambiente bilíngue. Deve ter, no contraturno da escola, a garantia do AEE para complementar seu aprendizado. 47 Ainda, o documento determina que o AEE do educando com surdez seja dividido em três momentos didático-pedagógico: 1) momento do AEE em Libras na escola comum; 2) momento do AEE para o ensino de Libras; 3) momento do AEE para o ensino da língua portuguesa. 1.2.1 Momento didático-pedagógico: o atendimento educacional especializado em Libras na escola na escola comum Esse momento, também denominado de AEE em Libras, tem como principal objetivo favorecer a compreensão pelo aluno surdo dos conteúdos transmitidos em sala de aula. Nesse caso, os diferentes conhecimentos curriculares das disciplinas escolares devem ser trabalhados com o educando, em língua de sinais e, preferencialmente, por um professor surdo. A sala em que ocorrerá esse atendimento deve ser um espaço com recursos visuais dos mais diversos e com todo tipo de referência que possa auxiliar a compreensão do aluno. A língua de instrução é a Libras, que auxiliará todo o processo de aprendizagem, como meio eficiente de comunicação e interlocução. O planejamento das intervenções em AEE deve ser realizado pelo professor especialista, titular dessa sala, juntamente com o professor da sala comum e os professores de língua portuguesa, sendo que os conteúdos trabalhados serão os mesmos da classe comum. Nesse atendimento, “há explicações das ideias essenciais dos conteúdos estudados em sala de aula comum. Os professores utilizam imagens visuais e quando o conceito é muito abstrato recorrem a outros recursos, como o teatro” (BRASIL, 2007, p. 23). 48 1.2.2 Momento didático-pedagógico: o atendimento educacional especializado para o ensino de Libras Conforme já discutido anteriormente, muitas crianças chegam à escola sem o conhecimento da língua de sinais e, se a conhecem, muitas vezes, não dominam completamente por não terem contato com pessoas que são fluentes em Libras. Esse atendimento ocorre também no contraturno da escola e é realizado por professor/ instrutor de Libras, preferencialmente surdo, e deve ser planejado a partir de um diagnóstico do conhecimento que o aluno tem da Língua Brasileira de Sinais. Também é chamado de AEE de Libras. O objetivo é favorecer o conhecimento e a aquisição da Língua Brasileira de Sinais, principalmente os termos científicos utilizados na escola, de acordo com o estágio em que o aluno se encontra. Assim como no momento didático-pedagógico anterior, o espaço de aprendizado da Libras deve ser repleto de recursos visuais, imagens, figuras, maquetes, e todos os recursos necessários para o desenvolvimento e aprendizagem deste aluno. Os professores devem sempre estar atentos ao processo de aprendizagem dos educandos, realizando avaliações sempre que necessário para verificar a evolução conceitual do aluno em língua de sinais. A presença do professor com surdez, nesse espaço, oferece melhores oportunidades para os alunos surdos, pois pode se tornar um modelo não apenas linguístico, mas também em relação à identidade e cultura surda. 49 1.2.3 Momento didático-pedagógico: o atendimento educacional especializado em língua portuguesa O terceiro momento de atendimento educacional especializado será o AEE em língua portuguesa. Como sabemos, dentro da perspectiva bilíngue, o aluno surdo deve desenvolver os sinais como primeira língua e, depois, desenvolver a língua portuguesa na modalidade escrita. Por não ser a língua materna do surdo, a língua portuguesa deverá ser ensinada a ele como segunda língua e, para isso, é importante que o profissional que atua nesse atendimento, além de fluente em Libras, esteja habilitado para o ensino de segunda língua, ou seja, o melhor profissional para atuar nessa sala é o professor formado em Letras. Esse atendimento, realizado em sala de recursos multifuncional, tem como objetivo desenvolver no educando com surdez a competência gramática e linguística em português, do ponto de vista textual e discursivo da língua. Para isso, além dos recursos visuais diversificados, deve ainda ter um amplo acervo textual em língua portuguesa, que favoreça o contato do aluno surdo com a pluralidade de discursos existentes na língua. O professor deve ser dinâmico e criativo na preparação de exercícios, que trabalhem usos e contextos diferentes da língua portuguesa escrita. Esse atendimento deve ser planejado pelo professor de AEE juntamente com o professor da sala comum, tendo como base o desenvolvimento do aluno em língua portuguesa. As palavras e a escrita, de maneira geral, devem ser trabalhadas de maneira contextualizada, a partir do seu sentido, respeitando e explorando a estrutura gramatical do português. Pode ser trabalhado, com o aluno, um glossárioilustrado da língua, que auxiliará a estabelecer uma relação entre a língua mãe e a segunda língua. 50 É importante destacar que, embora comum, e parte do desenvolvimento, aos poucos o aluno deverá ser capaz de retirar de sua escrita as características da língua de sinais, e adotar uma escrita gramaticalmente e estruturalmente voltada à língua portuguesa. Esse trabalho deve ser iniciado na educação infantil, continua durante o processo de alfabetização e acompanha a criança surda até o final de seu processo de escolarização. 1.3. Intervenção educacional 1.3.1 Comunicação Alternativa e Ampliada A Comunicação Alternativa e Ampliada (CAA) é uma área específica da tecnologia assistiva, que se destina à ampliação das habilidades de comunicação. Destina-se às pessoas sem fala ou escrita funcional ou em defasagem em relação a estes aspectos. A Libras, enquanto língua, também é uma forma de comunicação alternativa. Embora, geralmente, utilizada por pessoas surdas, também pode ser adaptada em outros casos em que a comunicação oral esteja impossibilitada. Devemos lembrar que é o principal recurso para o desenvolvimento do aluno surdo, que é uma língua completa, que possui todos os elementos que qualquer outra língua oral possui, como fonologia, morfologia, sintaxe etc. Além disso, a Libras foi reconhecida como língua em nosso país por meio da Lei n. 10.436/2002, devendo ser utilizada como língua de instrução para os alunos surdos. 51 1.3.2 Recursos visuais Entendendo os recursos tecnológicos que podemos utilizar com o aluno surdo, e pensando que, mesmo com o uso de Aparelho de Amplificação Sonora Individual (AASI) ou Implante Coclear (IC), ainda há um limite auditivo, ou mesmo de compreensão da língua, vemos que o uso de recursos visuais auxiliará seu desenvolvimento, garantindo sua permanência em uma escola de qualidade. O professor pode e deve abusar da criatividade, no sentido de trazer para sala de aula materiais concretos, que podem ser vistos, manuseados, experimentados por todos os alunos. A apreensão, muitas vezes existente, de que, se houver preocupação com o aluno surdo, o restante da sala será deixado de lado, deve ser substituída pela certeza de que se houver melhorar da aula por causa deste aluno, todos os outros alunos também aprenderão melhor. Entender a diversidade como enriquecedora do processo de ensino- aprendizagem é passo fundamental para o sucesso de todos e de cada um. Dentre os recursos que podem ser utilizados, seguem algumas sugestões: Material didático, usando Libras; uso de imagens, figuras, fotos; vídeos com janela de Libras; uso do computador; data show; histórias; jornais; maquetes etc. Na perspectiva bilíngue de educação, todos aprendem Libras e língua portuguesa, as línguas convivem em harmonia e a aprendizagem se dá de maneira natural. 52 1.3.3 Pedagogia visual, pedagogia bilíngue, pedagogia surda Com o início do processo de inclusão, disparado, principalmente, após a Declaração de Salamanca, em 1994, as crianças com deficiência passaram a ser incluídas no ensino comum. Foi um processo lento, de muita resistência, principalmente por parte dos professores, mas também pelas famílias, que temiam o que poderia acontecer com seus filhos fora do ambiente protegido da educação especial. No caso dos alunos surdos, mais uma preocupação se somava às outras, a de que os alunos chegariam às escolas sem o domínio da língua majoritária, e que teriam de aprender a ler e escrever em uma língua que não era a sua. A escola comum, agora chamada de escola inclusiva, muitas vezes, foi marcada pelo fracasso escolar deste aluno, e acabava rotulando e excluindo aqueles que não conseguiam aprender. Além disso, essa escola (regular e inclusiva) tem uma metodologia toda baseada na oralidade, no ensino da língua portuguesa como primeira língua, e isso não combina com a necessidade do aluno surdo, nem garante seu acesso ao conhecimento. Manter o aluno surdo segregado na escola de surdos, também não parecia ser mais o caminho, visto que essa escola também apresentava características que não favoreciam o aprendizado da escrita da língua portuguesa e que dificultaria a integração desse aluno, posteriormente, por exemplo, no mercado de trabalho. A proposta que surge, então, de uma escola que tem uma metodologia que privilegia a diferença, e que alia conteúdos acadêmicos e experiências vividas, aparece como um novo caminho a ser seguido. Digiampietri e Matos (2013) relatam que a pedagogia bilíngue é aquela centrada no sujeito surdo, em sua língua, em sua cultura. Nessa escola, 53 as identidades, a língua de sinais, a história, as tradições, os valores e traços culturais do povo surdo são compreendidos pelo ponto de vista da diferença. Nessa visão, o surdo é entendido como um sujeito completo e complexo, e não visto a partir de sua deficiência. Isso quer dizer que o grau da perda auditiva não é o mais importante a ser considerado, embora não seja ignorado. O aluno será visto como parte de um grupo cultural e linguístico diferenciado. A pedagogia bilíngue valoriza o que o surdo possui, ou seja, sua cultura visual rica e sua língua viso espacial. Nesse contexto, a palavra surdo é grafada com letra maiúscula. Isso mesmo, Surdo com letra maiúscula, pois se refere não a uma patologia, mas a um povo. Ainda segundo as autoras, a principal perspectiva dessa pedagogia é o uso das tecnologias visuais a favor da aprendizagem do surdo, pois considera que essa é a forma que eles têm de compreender o mundo e se expressar. Assim, a pedagogia visual cria ferramentas e práticas pedagógicas próprias, que favoreçam o ensino da comunicação e da expressão visual. É, ainda, uma pedagogia centrada no modo de aprender do aluno surdo, buscando a elaboração de currículos, práticas, disciplinas e estratégias, que atendam à necessidade do surdo. É pautada em recursos visuais e espaciais, e, embora a língua de sinais seja a maior aliada do processo ensino e aprendizagem, não pode ser seu objetivo final. Isso quer dizer que o aluno surdo precisa aprender, na escola, os conteúdos curriculares que cabem a todos os alunos, incluindo a língua portuguesa em sua modalidade escrita. Não pode ser suficiente que aprenda apenas os sinais. 54 No Brasil, desde 2002, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) assume a abordagem bilíngue de educação para os surdos, e deixa claro que essa deve ser uma proposta que não privilegia uma língua, mas que dá condições para que o surdo se desenvolva em duas línguas, sendo sempre primeiro na língua de sinais. Sabemos ainda que a proposta bilíngue de educação não é apenas uma mudança na maneira de ensinar uma língua às crianças, mas na forma de compreender o surdo e a surdez, suas especificidades e capacidades. A escola bilíngue requer uma mudança de postura política, filosófica, ideológica, social e educacional. Não há como melhorar a escola para o surdo brasileiro se não melhorarmos a escola para todos os nossos alunos. O analfabetismo, a diferença na qualidade de ensino dada conforme a classe social e outras questões que coexistem com a nossa educação, precisam ser vistas por nossos políticos. É necessário pontuar que uma escola bilíngue deve contar, emo seu quadro de professores, com professores surdos, além de ter professores bilíngues para respaldar o aprendizado dos alunos em sala de aula. O professor surdo, de fundamental importância, será um modelo linguístico para o aluno surdo, e trará para dentro da escola um pouco da cultura surda e muito da sua língua. Entretanto, para assumir esse posto, precisa saber mais do que a língua de sinais. Esse professor deve ter uma formação sólida, do ponto de vista pedagógico, para que, de fato, contribua com a formação do educando. Em nossa realidade, onde o processo escolar das pessoas com surdez vem caminhando lentamente, o número de pessoas surdas com formação em nível superior ainda é muito pequeno. Vemos um ensino superior
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