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Capa 2 Kathryn Kuhlman Uma Biografia Autorizada por Jamie Buckingham Danprewan Editora 3 Publicado originalmente sob o título Daughter of destiny: the only authorized biography, por Bridge-Logos Publishers, Gainesville, FL 32614. Copyright © 1999. Tradução: Valéria Lamim Delgado Fernandes Revisão: Josemar de Souza Pinto e Segisfredo Wanderley Capa: Ronan Pereira Editoração Eletrônica e Projeto Gráfico: Futura Coordenação de Produção Editorial: Jorge Wanderley Os textos bíblicos citados são da NVI [Nova Versão Internacional] da Sociedade Bíblica Internacional, publicada pela Editora Vida. Primeira reimpressão: dezembro de 2005 CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ B936k Buckingham, Jamie Kathryn Kuhlman: uma biografia autorizada / Kathryn Kuhlman ; tradução de Valéria Lamim Delgado Fernandes. - Rio de Janeiro: Danprewan, 2005. 271p. :il. Tradução de: Daughter of destiny: the only authorized biography ISBN 85-85685-93-X 1. Kuhlman, Kathryn. 2. Evangelizadores - Biografia. - Estados Unidos - Biografia. I.TÍtulo. 05-0998. CDD 922.273 CDU 929:266 31.03.05 05.04.05 009668 Publicado no Brasil com a devida autorização e com todos os direitos reservados pela: Danprewan Editora Ltda. E-mail: danprewaneditora@terra.com.br Site: www.danprewan.com.br Digitalizado por sssuca 4 Primeira Aba No final de sua vida, Kathryn Kuhlman percebendo que sua obra estava chegando ao fim e querendo que toda a sua história fosse contada, ela, sem hesitação, escolheu Jamie Buckingham para escrever sua biografia. Suas recomendações para ele foram muito simples: "Conte tudo, Jamie; conte tudo!". Jamie cumpriu os desejos de Kathryn, e, ao "contar tudo", fez com que este livro revelasse a natureza humana de Kathryn, junto com sua profunda espiritualidade. Tive o privilégio de estar presente em vários cultos de milagres da senhorita Kuhlman. Toda vez que curas milagrosas aconteciam em suas reuniões, ela sempre tinha o cuidado de atribuir a glória a Deus. Ela percebia que seu chamado não estava baseado em suas próprias habilidades. Ela gostava de repetir: "Deus escolhe as coisas loucas deste mundo para confundir os sábios". Segunda Aba O Reverendo Hummel, um evangelista batista, estava em Concórdia para um encontro de avivamento de duas semanas na pequena igreja metodista. Kathryn, que havia acabado de fazer 14 anos, participara de todos os cultos daquela semana. Às vezes ela se sentava ao lado da mãe, mas, quase sempre, se sentava com um grupo de garotas risonhas de sua idade. Na manhã de domingo, ao lado da mãe no encerramento do culto, quando o pastor fez o convite, Kathryn começou a chorar. Foi só anos mais tarde, quando pôde avaliar aquela experiência pela perspectiva do tempo e de outras experiências, que ela pôde entender que havia sido tocada pelo Espírito Santo. Os soluços eram tão fortes que ela começou a tremer. Emma observava sua filha alta e magra de 14 anos, mas não podia dar-lhe nenhum tipo de encorajamento. Como muitos na igreja, seu relacionamento com Deus era um relacionamento social. Estava limitado a bazares, reuniões sociais com missionários, tardes de chá (quando estava adequadamente vestida, é claro) e reuniões da igreja. Mas nunca tinha havido qualquer ensino de como responder a um dinâmico encontro com o Espírito Santo. Kathryn colocou seu hinário na prateleira na parte de trás do banco envernizado da frente e foi cambaleando para o corredor. Suas colegas, duas fileiras à frente, olhavam, de olhos arregalados, enquanto ela descia correndo o corredor e caía no primeiro banco. Com as mãos na cabeça, ela soluçava tão alto que podia ser ouvida por toda a igreja. 5 SUMÁRIO Introdução .............................................................................................................. 6 Prefácio do editor americano ................................................................................. 8 1. Mistérios na Faixa Vermelha ............................................................................ 10 2. Não Posso Voltar para Casa ............................................................................. 14 3. Tendas e Galinheiros ........................................................................................ 28 4. Pregue e Nunca Pare ........................................................................................ 42 5. O Assassinato do Egípcio ................................................................................. 57 6. A Sarça Arde ..................................................................................................... 64 7. Pittsburgh ......................................................................................................... 79 8. Tendas e Templos ............................................................................................ 88 9. Por Trás das Portas Fechadas .......................................................................... 98 10. A Sabedoria na Espera .................................................................................. 110 11. Olá! Você Estava Esperando por Mim? ........................................................ 120 12. Histórias Não Contadas ................................................................................ 126 13. Adorando no Santuário ................................................................................ 135 14. O Culto de Milagres ...................................................................................... 146 15. Sempre Dando - Jamais Vazia ...................................................................... 166 16. Traída! ........................................................................................................... 179 17. O Trauma Final ............................................................................................. 190 18. Uma Última Unção ....................................................................................... 201 19. Epílogo: Além do que Vemos ........................................................................ 210 Fotos ................................................................................................................... 212 Contracapa ......................................................................................................... 218 6 Introdução A tarefa de escrever uma biografia é como fazer uma necropsia. O biógrafo pode, num frio exercício profissional, simplesmente reunir os fatos, conversar com pessoas, ler o que os outros disseram e tirar suas próprias conclusões impessoais. Entretanto, um processo desse tipo com Kathryn Kuhlman, a quem o próprio Deus ungiu, seria totalmente inadequado! A tarefa tinha de ser feita por alguém que não só conhecesse Kathryn, mas também o Deus dela; alguém que falasse a verdade, como fizeram os autores da Bíblia sobre o adultério de Davi, a insegurança de Elias e o mau humor de Paulo. Não obstante, precisava ser realizada por alguém que destacasse mais as partes saudáveis do que as doentias. Escrever a história de Kathryn Kuhlman é literalmente tocar na ungida de Deus. Portanto, a tarefa tinha de ser feita, verdadeiramente, com lágrimas nos olhos; porém, muito mais do que isso: com amor. Tendo trabalhado próximo a Kathryn Kuhlman e escrito oito de seus nove livros, eu já havia tirado muitas conclusões positivas sobre sua vida. Após sua morte, entretanto, quando conversei com seus críticos — que eram muitos —, minha própria atitude passou a ser áspera e crítica. Eu me ouvia discutindo sua vida e ministério, concentrando-me em alguma falha de caráter, alguma sombra de seu passado ou do mistério que cercava sua morte — e não no bem que ela fizera. Ao fazer eu mesmo a necropsia da história dela, estava me tornando como o patologista que se refere ao corpo de uma pessoa como um "ataquecardíaco" ou um "câncer de mama", enquanto o marido, angustiado, agüenta firme e diz: "Ela não era um 'câncer de mama'. Foi minha esposa por quarenta anos". O amor faz a diferença. Duas noites antes de me isolar para rascunhar o final deste livro, tive um sonho. No sonho, eu estava com Kathryn. Sentia amor por ela, e me sentia também amado. Não tinha conotação sexual; era um sincero relacionamento pessoal. Ela estava como eu me lembrava dela antes de sua morte — frágil e envelhecida, sem traços de beleza. Contudo, enquanto andávamos por um campo, caminhávamos de mãos dadas por uma travessa sombreada por árvores e permanecíamos em um profundo abraço, eu não só a amava, mas estava apaixonado por ela. Fazia quatro meses que ela havia falecido, e o sonho me assustou. Não era natural. Na noite seguinte, sonhei novamente. Dessa vez, eu usava roupas de um delegado. Kathryn estava comigo, sob certo tipo de prisão preventiva. Então, de algum lugar, outros delegados apareceram, todos uniformizados. Mas, em vez de me ajudarem, eles ridicularizavam Ka- thryn, imitando sua voz e maneirismos. Zombavam dela. Ela ficava sen- tada em silêncio o tempo todo em um pequeno banco ao lado da estrada de terra, de cabeça baixa, engolindo a vergonha, mas sem fazer nenhum 7 movimento em sua própria defesa. Nervoso e frustrado, eu me levantei para protegê-la. Compartilhei os dois sonhos com minha esposa e dois amigos próximos. Todos concordaram dizendo que Deus me havia dado os sonhos para que eu tivesse um componente completamente necessário para escrever e interpretar a vida de Kathryn Kuhlman: amor. 8 Prefácio do editor americano No final de sua vida, Kathryn Kuhlman, percebendo que sua obra estava chegando ao fim e querendo que toda a sua história fosse contada, escolheu, sem hesitação Jamie Buckingham para escrever sua biografia. Suas recomendações foram muito simples: "Conte tudo, Jamie; conte tudo!". Jamie cumpriu os desejos de Kathryn e, ao "contar tudo", fez com que este livro revelasse a natureza humana de Kathryn, junto com sua profunda espiritualidade. Tive o privilégio de estar presente em vários cultos de milagres da senhorita Kuhlman. Toda vez que curas milagrosas aconteciam em suas reuniões, ela sempre tinha o cuidado de atribuir a glória a Deus. Percebia que seu chamado não estava baseado em suas próprias habilidades. Ela gostava de repetir: "Deus escolhe as coisas loucas deste mundo para confundir os sábios". Antes de cada culto, ela orava: "Não retires o teu Santo Espírito de mim", e é esta abordagem que ajuda a explicar o fenômeno Kathryn Kuhlman e as maravilhas sobrenaturais que marcaram seu ministério. Ouvi-la falar, vê-la orar pelos enfermos e ministrar o amor de Deus a lei- gos e clérigos era perceber-se na presença de Deus. Na Convenção Internacional da ADHONEP (Associação dos Homens de Negócios do Evangelho Pleno), em Washington, D.C., no ano de 1969, por exemplo, vi quando Kathryn chamou à frente os pastores e sacerdotes que estavam presentes. Centenas de homens responderam ao seu chamado, representando muitas tradições religiosas: ministros protestantes, padres da Igreja Católica Romana, clérigos da Igreja Ortodoxa Grega e rabinos judeus. A senhorita Kuhlman foi até cada um deles, olhou bem dentro de seus olhos e disse: "Irmão, você tem fome de Deus". Enquanto Kathryn tocava na fronte desses homens e orava em seu favor, eles "caíam sob o poder", conscientes somente de Deus e de seu grande amor. A impressão que se tinha era que cada um deles voltaria para sua congregação com um zelo e um compromisso renovados. O primeiro editor desta obra escreveu: "Este livro é uma história fiel e amorosa sobre a vida de Kathryn como nós a conhecíamos. Fala de uma mulher que foi ridicularizada por alguns, venerada de fato por outros e que, certamente, tem um lugar no Hall da Fama de Deus". Embora proponha muitas perguntas, este relato biográfico também oferece respostas claras sobre a motivação e o poder que estavam por trás do ministério singularmente abençoado de Kathryn Kuhlman. Cremos que este livro ministrará à sua vida, ao mesmo tempo que lhe oferecerá novas percepções e informações objetivas sobre a vida e o ministério de Kathryn Kuhlman. Oramos para que a unção especial que 9 esteve sobre a vida de Kathryn continue a fluir das páginas deste livro, tocando e curando vidas com o poder e o amor de Deus. Lloyd B. Hildebrand 10 Capítulo 1 Mistérios na Faixa Vermelha Na morte como na vida, Kathryn Kuhlman permaneceu envolvida em mistério. Aparecia nas telas de nossa televisão e em púlpitos distantes como uma figura imaginária — audaciosa em sua pregação, porém compassiva a ponto de chegar às lágrimas enquanto proclamava cura às multidões de enfermos. O mundo, desde o das modelos de moda da Quinta Avenida, em Nova York, passando pelo das estrelas de Hollywood, ao das mulheres de capacete que trabalhavam em fábricas em Pittsburgh, era inundado por seus cultos de milagres. Em um planeta assolado por enfermidades e trevas espirituais, ela representava aquele ingrediente único sem o qual a raça humana está condenada — a esperança. Muitos eram curados. Outros, ao vir nela a glória de Deus, entregavam a vida ao Cristo que ela proclamava. Em sua pregação e estilo de vida, parecia encarnar a saúde, o amor e a prosperidade do Deus a quem tão reverentemente servia. Para muitos, ela parecia quase imortal. Na realidade, Maggie Hartner, secretária pessoal e amiga íntima de Kathryn, certa vez me disse: "Kathryn Kuhlman jamais morrerá. Ela estará bem aqui até Jesus voltar". No entanto, ela morreu em 20 de fevereiro de 1976, em um estranho hospital, em uma estranha cidade, cercada de pessoas que ela mal conhecia, tendo um homem, a quem certa vez desprezou, à espreita, pronto para pregar em seu funeral. A mulher a quem uma revista chamou de "verdadeiro Santuário de Lourdes" morreu aos 68 anos de idade. Quando ela morreu, havia mais de cinqüenta convites sobre sua mesa em Pittsburgh que lhe imploravam para realizar cultos de milagres em comunidades por todo o mundo. Um oficial do Exército dos Estados Unidos na Tailândia lhe havia escrito para convidá-la a visitar o Extremo Oriente. Ali estavam um convite da Nova Zelândia, dois da Austrália, cinco da Europa e inúmeros convites representando as principais cidades dos Estados Unidos. O mais comovente era o da primeira-dama de Wyoming, a senhora Ed Herscher — uma vítima de esclerose múltipla —, pedindo-lhe que fosse a Cheyenne. A morte de Kathryn cancelou todos aqueles convites, mas aumentou o mistério e a intriga que cercaram sua vida. Nem tudo estava bem. Por cerca de quatro meses, Kathryn fora quase prisioneira de dois hospitais, um em Los Angeles e outro emTulsa. D. B. "Tink" Wilkerson,um revendedor de carros de Tulsa e membro do 11 conselho da Universidade Oral Roberts, havia entrado misteriosamente em sua vida havia oito meses. Quase desconhecidos antes disso, ele e a esposa, Sue, abandonaram os negócios, a casa e a família para viajar constantemente com Kathryn. Em sua debilitada condição, ela não con- fiava em mais ninguém. Os Wilkersons cuidavam de todas as suas neces- sidades pessoais, incluindo suas finanças. No dia seguinte à sua morte, Wilkerson, sua esposa e o guarda- costas pessoal de Oral Roberts acompanharam seu corpo de Tulsa a Los Angeles. Às 10 horas, no domingo, os Wilkersons e o guarda-costas, sr. Johnson, chegaram ao cemitério de Forest Lawn com as roupas e o estojo de maquiagem de Kathryn. Deram ordens estritas para que "ninguém, absolutamente ninguém" visse o corpo. O Forest Lawn, cercando o fune- ral com uma "faixa vermelha", pôs o corpo de Kathryn no segundo andar, em uma sala com uma entrada e janelas que ficaram trancadas e interditadas. O sr. Johnson ficou sentado do lado de fora, no corredor, vigiando a entrada. Ninguém, nem mesmo Maggie Hartner ou outras amigas íntimasde Kathryn, pôde ver seu corpo. Somente os Wilkersons. Após o funeral, foi revelado que, dois meses antes de morrer, Kathryn havia feito outro testamento. Embora tivesse deixado US$267.500 para serem divididos entre vinte funcionários e três parentes, o restante de seus mais de 2 milhões de dólares em bens pessoais deveria ficar com os Wilkersons. Reportagens na primeira página dos jornais por todo o país diziam: "Kathryn Kuhlman, a evangelista que solicitava de seus seguidores milhões de dólares em contribuições, não deixou nenhum de seus bens para sua fundação ou para a igreja". Os seguidores de Kathryn ficaram magoados e irritados. Mas a mudança no testamento de Kathryn era só a ponta do iceberg. A cada dia que se passava depois de sua morte, fatos novos e inquietantes vinham à tona.Telefonei para Gene Martin, um ex-associado de Kathryn que havia expandido sua missão. Ele estava participando de uma convenção das Assembléias de Deus em San Diego, mas concordou em se encontrar comigo se eu viajasse de avião para a Califórnia. Nós nos encontraríamos no saguão do Hotel El Cortez, no dia 22 de abril, às 14h30. Quando cheguei, depois de um vôo que atravessou toda a Flórida e de haver alugado um carro para ir de Los Angeles a San Diego, o que encontrei foi só um recado na recepção do hotel. Martin havia mudado misteriosamente de idéia e agora se recusava a conversar. Voltei de avião para Tulsa, onde a trama se complicou. Oral Roberts, que havia falado de modo tão admirável de Kathryn em seu funeral (organizado por Tink Wilkerson), não quis me ver. Vazara a notícia do Hillcrest Hospital, em Tulsa, de que todas aquelas notas divulgadas por Tink Wilkerson antes da morte de Kathryn, dizendo que o estado dela estava melhorando, eram falsas. As enfermeiras atestaram a gravidade de seu estado pós-cirúrgico no final de dezembro, como também disseram que ela quase morrera em três ocasiões. Agora, 12 descobri, havia pressão de fontes "fora do hospital", e as enfermeiras foram proibidas de falar. A conspiração do silêncio aumentava o mistério. O enigma aumentou ainda mais quando inúmeras pessoas de Tulsa falaram-me de um sonho que haviam tido na noite anterior à morte de Kathryn, dizendo que haviam sonhado que não era a hora de Kathryn morrer. Deixei Tulsa curioso por saber a razão por que todos se recusavam a falar, bem como descobrir quem estava dizendo a eles que fechassem a boca. De volta a Pittsburgh, David Verzilli, pastor auxiliar de Kathryn durante vinte e dois anos em Youngstown, Ohio, um homem que fora (nas palavras de sua esposa em uma carta sarcástica a Maggie Hartner) "privado de toda confiança em si mesmo" por conta do domínio de mulheres em sua vida e em seu ministério, também se recusou a con- versar comigo. Entrei em contato com Dino Kartsonakis, antigo pianista de Kathryn. Um ano antes, quando as denúncias públicas que fez contra ela apareceram na primeira página dos jornais do país, ele me dissera que estava disposto a "expor" Kathryn. Agora, no entanto, não abria a boca. De todos os envolvidos na trama, além da equipe leal de Kathryn, só Tink Wilkerson, um homem calmo e agradável, porém astuto, se propôs a falar. Passei mais de três horas com ele na outrora bela casa de Kathryn, no subúrbio de Fox Chapel, em Pittsburgh. A casa agora se achava cercada de seguranças armados. Tink estava acompanhado de dois seguranças. A transportadora estava limpando a casa, retirando todos os quadros e antigüidades inestimáveis, para colocá-los em um depósito. Tink disse que me estava dizendo a verdade, e eu realmente queria acreditar nele. Contudo, algumas das coisas que ele me disse eram difíceis de engolir. Entre elas, sua alegação de que, segundo o desejo de Kathryn, ele só ficaria com 40 mil dólares da herança dela. Afirmou que ficou "tão surpreso quanto qualquer outra pessoa ficaria" quando descobriu que Kathryn havia manifestado um novo desejo e o nomeara como o principal beneficiário do testamento dela — embora tenha sido o advogado dele, de Tulsa, seguindo suas instruções, que foi de avião para Los Angeles acolher e registrar em documento a mudança no testamento de Kathryn, que favorecia a Wilkerson, para ela assinar, enquanto jazia no leito, gravemente enferma. O que estava sendo ocultado? Que estranhos poderes essas pessoas — que haviam entrado na vida de Kathryn no seu último ano de vida — tinham sobre ela? Por que tantas pessoas estavam escondendo a verdade? Haveria algum tipo de sujeira, como muitos suspeitavam? Teria Deus, como alguns têm sugerido, levado Kathryn desta terra como fez com Moisés — porque seu ministério havia chegado ao fim?! Ou seria (e isso é o mais intrigante, porque era a coisa que Kathryn mais temia) o caso de o Espírito Santo ter se retirado dela, deixando-a sem poder para continuar até com a própria vida? Qual foi a verdade em sua morte? 13 As respostas para todas essas perguntas pareciam estar na própria Kathryn, e não naqueles que a cercavam. Para obter as respostas, eu sabia que teria de voltar ao início, às raízes de sua herança, e começar ali. 14 Capítulo 2 Não Posso Voltar para Casa Nas terras do Missouri central, quando o inverno chicoteia as pradarias com tempestades de neve e granizo que uivam como lobos e fustigam como urtigas, dizem que a única coisa que separa Concórdia do Pólo Norte é uma cerca de arame farpado — e até isso chega a cair. Os verões são igualmente difíceis, pois não há lugar em toda a terra tão quente quanto o Missouri em agosto — exceto o Kansas em julho. Mas, entre o inverno e o verão, quando a terra floresce vistosa e verde na primavera, os pés de milho impactam; e depois ficam cercados de abóboras amarelas no outono. Missouri pode ser o lugar mais lindo de toda a terra. Kathryn nasceu ali, 8 quilômetros ao sul de Concórdia, em uma fazenda de 160 acres, em 9 de maio de 1907. Sua idade — até o dia de sua morte — foi um dos segredos mais bem guardados do mundo. Não inte- ressa a ninguém, só a mim", Kathryn dizia ao dr. Carl Zabia no St. John Hospital, em Los Angeles, quando ele entrou em seu quarto para per- guntar sua idade. — Coloque aí "mais de 50". — Sinto muito — disse, sorrindo, o médico judeu —, mas preciso saber sua idade certa para prescrever a dosagem precisa do remédio. — Ninguém — disse ela, num sussurro, examinando o médico de sua posição no leito —, ninguém sabe a minha idade. Mas, querido doutor, se o senhor me passar um pedacinho de papel, eu a escrevo. — E, dando uma risada, acrescentou: — Mas não ouse sussurrá-la a uma vivalma. Kathryn estava quase certa. Algumas pessoas sabiam sua idade. Maggie Hartner era uma delas. Mas, quando tentei arrancar a informação de Maggie, ela me lançou o mesmo olhar que Kathryn uma vez me lançara e disse: — Ora, eu também não revelaria minha idade. Que mulher faria isso? Incapaz de combater aquele tipo de vaidade feminina, decidi esperar até poder pôr as mãos no passaporte de Kathryn ou checar os registros em Concórdia. Kathryn gostava de deixar as pessoas adivinharem. Ela disse ao jornalista canadense Alien Spraggett, em 1966, que tinha 84 anos — e, então, ficou indignada ao ver que ele havia feito menção dela em seu livro 15 The unexplained [O inexplicado]. Quando ela morreu, a manchete de pri- meira página do Los Angeles Times no final da manhã foi: "Kathryn Kuhlman Morre aos 66". Eles diminuíram dois anos. Ela deve ter dado risada no céu. Adorava colocar coisas na imprensa. E ter apelado ao prestigioso Los Angeles Times foi um de seus maiores erros — principal- mente quando foi descoberto que o jornal havia obtido suas informações com os funcionários do hospital. Ela havia, mesmo morrendo, mentido para o médico sobre sua idade. Sua vaidade prevaleceu, mesmo no fim, e, junto com ela, seu senso de humor e a satisfação de ter levado para o túmulo sua idade em segredo. Sem dúvida, os registros em Concórdia deram a data verdadeirae, ao mesmo tempo, esclareceram outro mistério: seu local de nascimento. Kathryn sempre sustentou a idéia de que havia nascido no casarão de dois andares na 1018 St. Louis Street, em Concórdia, uma pequena comunidade de 1.200 habitantes ao longo da estrada de ferro que ligava St. Louis à cidade de Kansas. Exatamente por que ela insistia que havia nascido na cidade, e não na fazenda, ninguém parece saber ao certo. Em uma entrevista comigo, gravada em fita, ela disse: "Quando papai se casou com mamãe, ele prometeu-lhe que, se ela se mudasse com ele para o campo até a fazenda ser paga, construiria para ela a maior casa de Concórdia. Depois de lavar a louça do jantar, mamãe fazia um desenho do casarão que papai sempre lhe prometia quando a fazenda estivesse paga. Bem, o dia chegou. A fazenda foi paga. Papai construiu para mamãe o tipo de casa que ela queria. Cheguei juntamente com a casa. Era uma casa grande. E sabe de uma coisa? Desde o momento em que nasci naquela casa até o dia de hoje, tudo tem de ser grande. Eu não tinha complexo de inferioridade, pois sabia que era amada. Sabia que era uma criança desejada. É muito tranqüilizador para uma criança ter essa certeza. Eu sempre soube disso. Não tinha dúvida de que era a menina- dos-olhos do papai". Ninguém questionava isso. Mas todos contestavam o fato de ela ter nascido no casarão em Concórdia. Joseph A. Kuhlman era um fazendeiro alto, de cabelos cacheados e descendência alemã — como eram quase todas as pessoas em Concórdia, uma pequena comunidade de fazendeiros luteranos, cerca de 100 quilômetros a leste da cidade de Kansas. Ele tinha 25 anos quando se casou com Emma Walkenhorst, com apenas 17 anos na época. Eles imediatamente se mudaram para a fazenda de Kuhlman, uma grande extensão de terra, cerca de 8 quilômetros ao sul de Concórdia, no Condado de Johnson. A irmã mais velha de Kathryn, Myrtle, nasceu ali, bem como seu irmão mais velho, Earl. Myrtle tinha 15 anos, e Earl, 10 anos, quando Emma Kuhlman deu à luz seu terceiro filho. Tia Gusty (Augusta Pauline Kuhlman Burrow), a irmã mais velha de Joe Kuhlman, chegou naquela mesma tarde. Era quinta-feira, por volta das 16 horas. Ela vinha puxada por uma égua amarrada ao balancim de 16 uma charrete. Assim que amarrou as rédeas em um poste de madeira ao lado da casa de dois andares, que ficava no meio dos 40 acres ao norte da fazenda, ela subiu ao quarto onde Emma amamentava a recém-nascida. Gusty, que tinha quatro filhos, era uma mulher de fala mansa que nunca havia interferido nos assuntos de seu irmão, Joe. Mas, dessa vez, se o que havia ouvido de Fanita, sua filha de 12 anos, era verdade, achava que estava na hora de deitar o verbo. — Emma, fiquei sabendo que você vai chamar a menina de Kathryn. — É isso mesmo. Pouco antes de sua mãe morrer, Joe e eu conversamos com ela. Dissemos-lhe que colocaríamos o nome dela em nosso bebê, caso fosse uma menina — apenas vamos mudar a grafia. (Katherine Marie Borgstedt nascera na província de Westphalia, Alemanha, em 1827. Casara-se com Johannes Heinrich Kuhlman em 1851, e o jovem casal emigrara para os Estados Unidos dois anos depois, estabelecendo-se na comunidade de língua alemã de Concórdia, Missouri. Ela morreu aos 80 anos, três meses antes de sua nora dar à luz sua xará.) — É um lindo nome alemão — Gusty disse em voz baixa —, mas você precisa se lembrar de que nenhuma das meninas de mamãe se chamou Katherine. — Então chegou a hora de uma das netas levar o nome. — Você não entende? — continuou Gusty. — O nome não soa bem em Missouri. Toda mula no Estado se chama Kate. A mula que deu coices em Jason, filho de nossa irmã Mary Magdalana, até ele morrer, se chamava Kate. Um nome assim será uma desgraça para toda a família Kuhlman. Emma ficou indignada. — Bem, o nome não será uma desgraça para a família Wallenhorst. Além disso, o nome dela não é Kate, mas Kathryn Johanna — Johanna conforme o nome de minha mãe. E ela também não será uma desgraça para os Kuhlmans. Isso eu prometo. Foi uma promessa que, nos anos vindouros, Emma Kuhlman muitas vezes temeu não poder cumprir. Mas nada iria demovê-la de sua teimosa idéia alemã. Virando-se para Myrtle, com 15 anos, que estava em pé do outro lado do quarto, Emma disse: — Kathryn Kuhlman. Acho que esse nome soa bem. Você não acha, Myrtle? Myrtle balançou a cabeça com vigor, e encerrou-se a discussão. Gusty não disse mais nada. Afagou a pequena criança que estava acomodada novamente no seio de Emma e, então, se retirou, descendo as escadas em direção à charrete. 17 — Já vai ser terrível crescer de cabelo vermelho — disse para sua égua enquanto a desamarrava — e ainda ter de passar a vida com um nome como Kate é mais do que qualquer criança deveria suportar. Dois anos haviam passado quando Joe Kuhlman, com sua fazenda paga e dinheiro no bolso, aproximou-se de William H. Petering, o carteiro local, e fechou um negócio adquirindo um grande terreno na St. Louis Street, em Concórdia. A compra foi feita em 23 de fevereiro de 1909, e o valor de 650 dólares foi devidamente registrado no Fórum do Condado de Lafayette. A construção começou no ano seguinte, mas foi só em 1911 que os Kuhlmans — Joe e Emma — e seus três filhos, Myrtle, Earl (que era chamado Kooley) e Kathryn, de 4 anos, se mudaram. Por que Kathryn sempre sustentou que havia nascido no casarão branco de dois andares é mais um dos muitos mistérios que envolvem sua vida. Contudo, ela nunca abriu mão do mito. Em 1972, logo depois que Kathryn Kuhlman recebeu um título de doutorado honorário na Universidade Oral Roberts, em Tulsa, Oklahoma, Rudi Plaut, um fiel admirador dela em Concórdia, iniciou uma campanha local para que fosse erigido um marco histórico permanente em sua homenagem. O marco diria, em parte: "O local de nascimento de Kathryn Kuhlman; ela foi membro da Igreja Batista, uma ministra ordenada da Evangelical Church Alliance, conhecida por sua fé no Espírito Santo." A população não gostou da idéia. A cidade natal de Kathryn não partilhava do entusiasmo geral para com ela. Circulavam boatos de que Kathryn Kuhlman era muito rica. Parece que muitas das ligações tele- fônicas de Kathryn para a mãe, enquanto Emma ainda era viva, foram monitoradas pela telefonista local. Quando Kathryn alardeava para a mãe o volume de uma oferta específica ou o número de pessoas que compa- reciam à reunião, isso imediatamente se tornava público na pequena cidade. Uma vez que grande parte das pessoas em Concórdia pertencia a um grupo de renda média e baixa, havia uma opinião geral de que alguém que estivesse além disso, principalmente caso se tratasse de pessoa envolvida com religião, deveria ser desprezado. Alguns dos membros da igreja batista local achavam que Kathryn deveria tê-los ajudado em seu programa de construção, uma vez que ela nunca se tornou membro de outra igreja. Havia outros fatores que levavam a pequena comunidade conservadora a não considerar com tanta amabilidade sua mais famosa cidadã: sabia-se que se associava aos pentecostais. Ela praticava a cura divina e se recusou uma vez a dar uma audiência a um velho amigo de escola quando veio para a cidade de Kansas para um culto de milagres. Tudo isso serviu para levantar suspeita por parte de alguns cidadãos. Então, quando um pequeno grupo, liderado por Rudi Plaut, propôs o marco histórico, afirmando que Kathryn havia nascido em Concórdia (quando todos os moradores mais antigos sabiam que ela havia nascido na fazenda do Condado de Johnson), isso foi a gota d'água. 18 Em 31 de julho de 1972, Kathryn escreveu para Harry R.Voight, um historiador local e professor da Faculdade de St. Paul, em Concórdia: "Esta carta dá permissão ao senhor para colocar o sinal proposto na estrada, afirmando que Concórdia é o local de nascimento de Kathryn Kuhlman". Um grupo de cidadãos enraivecidos convocou uma reunião dos moradores da cidade marcada por muita discussão e gritaria.Infelizmente, o povo de Concórdia havia se esquecido de que o nome de sua pequena cidade significava harmonia. Gary Beizzenhen, editor do jornal local The Concordian, decidiu resolver a questão. Ele escreveu para Kathryn pedindo-lhe que informasse a data e o local específicos de seu nascimento. É claro que Kathryn ignorou o primeiro pedido, mas, quanto ao local de seu nascimento, escreveu: "Esteja certo de que me sinto muito honrada em receber a homenagem do povo de minha cidade natal ao erigir um marco histórico apontando Concórdia como meu local de nascimento! "Sempre tive orgulho do fato de ter nascido em Concórdia, onde as pessoas ainda são 'as melhores do mundo' e continuam a ser o sal da terra..." Quando a carta veio a público em Concórdia, o sal da terra perdeu seu sabor. As pessoas a quem Kathryn considerou "as melhores do mundo" se irritaram e se recusaram a deixar que o marco fosse colocado na estrada. Se tivesse de haver um sinal em algum lugar, seria fora da State Road 23, no Condado de Johnson. Havia algumas coisas das quais Concórdia poderia ter orgulho, mas esta "serva do Senhor" não era uma delas. Embora o povo de Concórdia quisesse renegar Kathryn depois que ela ficou famosa, ela nunca expressou outra coisa, senão bondade e gra- tidão, pela cidade onde havia sido criada. Joe Kuhlman montou uma empresa de frete, operando um estábulo de aluguel e dirigindo um negócio de entregas. Ele era conhecido como a pessoa mais abastada na comunidade. Por mais que fosse um batista rebelde que detestava todos os pregadores, se elegeu prefeito em uma cidade em que 90% das pessoas eram luteranas. Kathryn só tinha 6 anos quando sua irmã mais velha, Myrtle, casou-se com um jovem estudante e evangelista, Everett B. Parrott, e se mudou para Chicago. Isso aconteceu três anos antes de Emma dar à luz o último filho dos Kuhlmans, Geneva. Mas, nesse ínterim, Kathryn e seu irmão conseguiam fazer o que queriam com o pai. O pai lhes dava tudo o que queriam - e deixava a disciplina nas mãos da mãe. Era uma situação 19 desajustada que afetaria a personalidade de Kathryn pelo resto de sua vida. Quando, aos 16 anos, Kooley (a quem a família Kuhlman chamava de "Garoto") teve uma crise de apendicite enquanto a família estava reunida na casa do vovô Walkenhorst para a ceia de Natal, Joe quase perdeu a cabeça por causa da ansiedade. A mãe de Emma morrera muito nova por causa de uma apendicite, o que era considerado algo quase fatal no início do século 20. Joe transformou um dos cômodos do casarão na St. Louis Street em um quarto hospitalar, trouxe um médico e duas enfer- meiras da cidade de Kansas e gastou uma pequena fortuna para restabe- lecer a saúde do Garoto. Em uma tarde, ele fez as duas enfermeiras levan- tarem o Garoto da cama e o ajudarem a ir até a janela para que pudesse ver o novo brinquedo que lhe havia comprado. Era um Dusenberg, um carro de corrida de alta velocidade novinho em folha — o mesmo tipo que estava sendo usado nas pistas de Indianápolis. Após a recuperação de Kooley, o pai também lhe comprou um avião, que ele aprendeu a pilotar, viajando por todo o Meio-Oeste fazendo acrobacias. Quando não estava voando, ele estava correndo com seu carro em feiras do condado. A mãe não aprovava a idéia, mas o coração do pai era mole e generoso. Kooley tinha tudo o que pedia. De acordo com aqueles que o conheciam, ele era "travesso". Um relato diz que ele pertencia à "Midnight Tire Company", um grupo de homens que perambulavam pelo campo à noite, roubando pneus para revenda. Mais tarde, ele se casou com Agnes Wharton, a quem o povo de Concórdia descreveu como uma "mulher maravilhosa", que contribuiu para dar um jeito em seu modo mimado. Ele foi trabalhar para Heinie Walkenhorst (que não tinha nenhum parentesco com sua mãe) como mecânico de automóveis. Kathryn idolatrava o pai. Ele ficava sentado em silêncio, enquanto ela penteava seus cabelos cacheados ou passava o pente em seu bigode espesso. Muitas vezes, mesmo após ter-se tornado uma adolescente com pernas compridas, ele a colocava no colo e a deixava reclinar sua cabeça em seu ombro."Papai viveu e morreu sem nunca ter me castigado uma única vez", ela me disse."Ele nunca pôs as mãos em mim. Nunca. Era mamãe quem me castigava. Eu descia para o porão a fim de que os vizinhos não me ouvissem gritar. Então, quando papai chegava em casa, eu corria para os braços dele, sentava-me no seu colo, e ele levava embora toda a dor. "Não me lembro, quando era criança, de mamãe ter demonstrado alguma afeição por mim. Nunca. Mamãe era uma disciplinadora perfeita. Ela nunca disse que sentia orgulho de mim nem que eu me saía bem. Jamais. Era papai que me dava amor e afeição." Depois que Kathryn ficou famosa, costumava pegar o telefone à noite, ligar para a mãe em Concórdia, conversando por horas a fio. De acordo com a telefonista, Kathryn estava sempre tentando provar para a mãe que havia alcançado o sucesso."Ela dava risadinhas sem parar", disse-me a ex-telefonista, "e, é claro que ficávamos ouvindo-as e rindo também. Depois, ela contava para 20 a mãe tudo o que havia conseguido. 'Mamãe, montei a maior árvore de natal da cidade. É muito alta e tem mais de 5 mil lâmpadas.' Falava sobre o volume de ofertas em seus cultos de milagres como se estivesse tentando convencer a mãe de que ela era um sucesso". Parece que há uma ampla evidência de que Kathryn merecia todas as surras que levava quando criança. Quando visitou o vovô Walkenhorst em sua fazenda, ele lhe mostrou seu pomar de melancias, explicando que, mesmo que estivessem verdes do lado de fora, as melancias eram sempre vermelhas por dentro. Kathryn, até o dia em que morreu, não gostava de acreditar no que os outros diziam. Sua natureza curiosa exigia que ela mesma conferisse tudo. Assim, depois que o vovô Walkenhorst voltou para casa, Kathryn, com 9 anos, pegou uma faca de açougueiro e cortou todas as melancias do pomar — mais de cem delas — só para ter certeza de que eram todas vermelhas por dentro. Quando Kathryn chegou em casa, a mãe já esperava por ela no primeiro degrau do porão. O aniversário de sua mãe era no dia 28 de agosto. Quando Kathryn tinha 9 anos, coincidentemente ele caiu em uma segunda-feira. Esse era o dia de Emma Kuhlman lavar roupa. Era, como Kathryn disse mais tarde, "parte de sua teologia". Ela lavava roupa na segunda e a passava na terça — assim como ia à igreja no domingo. Kathryn achou que a coisa mais simpática que poderia fazer para a mãe, que sempre a surrava, era preparar-lhe uma festa surpresa de aniversário. Sabia como a mãe gostava de receber visitas. Ela adorava usar seu vestido longo de gola alta, mangas compridas e laços nos punhos, arrumar os cabelos puxando-os bem para trás, usar seu chapéu com um veuzinho e servir chá para aos metodistas da classe da Escola Bíblica Dominical ou aos membros do "King's Herald" — uma organização missionária da igreja. Ninguém, ao que parece, havia visto jamais a senhora Kuhlman em trajes informais ou com bóbis no cabelo. Kathryn, mais tarde, disse: "Não me lembro de ter visto minha mãe sentada à mesa do café da manhã usando um roupão. Quando mamãe descia para tomar café, sempre estava totalmente vestida. Ela queria estar preparada, caso chegasse uma visita em casa". Mas o dia de lavar roupa era diferente. Nesse dia, mamãe trancava a porta e passava o dia trabalhando e suando sobre banheiras de água quente. Usando uma tábua de lavar roupa reforçada, ela pegava as roupas e esfregava, enxaguava em uma banheira galvanizada, passava pela centrífuga manual que ficava presa do lado de outra banheira e, por fim, as pendurava no varal atrás da casa. Como disse Kathryn, lavar roupas na segunda-feira fazia parte da teologia de sua mãe. Mesmo naqueles dias escaldantes de agosto, quando os girassóis ao longo da cerca desfaleciam ao sol, Emma Kuhlman se inclinava sobre as tinas cheias de vapor, esfre- gando roupas. A pequenaKathryn não levou isso em consideração ao se preparar, na semana anterior, para surpreender a mãe no seu aniversário de 60 anos. Ela saiu de casa em casa pela comunidade e convidou 30 das 21 cidadãs mais importantes da cidade para virem a uma festa surpresa de aniversário para sua mãe. Seria na segunda-feira, às 14 horas. Mantendo estrito sigilo, pediu a cada uma das mulheres que levasse um bolo. Após o almoço no dia 28 de agosto, Emma disse a Kathryn que estava exausta. "Vou subir por alguns minutos para descansar antes de terminar de lavar a roupa." Kathryn correu para a varanda a fim de esperar as convidadas. Às 14 horas em ponto, ouviu-se uma batida na porta da frente. Emma, que havia cochilado, saltou da cama. Esquecendo-se das roupas que estava usando, desceu correndo as escadas. Seu cabelo, pelo menos aquela parte que não estava enrolada naqueles bóbis estranhos, caía sobre seu rosto, todo desarrumado. Seu vestido longo estava amarrotado por causa do vapor e salpicado de água. Seu rosto, vermelho por ter ficado debruçada sobre a água escaldante. As mangas de seu vestido estavam enroladas até o cotovelo. Ela estava usando sapatos velhos, largos nos tornozelos, sem meias. A senhora Kuhlman ficou horrorizada quando viu duas convidadas à porta.Ao perceber como estava vestida, se virou e começou a subir cor- rendo as escadas. Mas já era muito tarde. Assim, já a haviam visto pela porta de tela. Não teve outra escolha senão deixá-las entrar. — Feliz aniversário, Emma — disse a senhora Lohoefener. Emma Kuhlman ficou parada em pé na porta, pasma. Ali estavam a senhora Lohoefener e o senhor Heerwald, dois dos líderes sociais da cidade, vestidos como se tivessem acabado de sair de um livro. Ambos seguravam, cada um, um bolo branco de várias camadas, maravilhosamente decorado. Emma os fez entrar e, mal tendo fechado a porta de tela, ouviu mais passos na varanda de madeira. Ali estavam a senhora Tieman, a senhora Shryman e Hilda Schroeder — todas com bolos — e todas vestidas como na manhã do Domingo de PáscoaA essa altura, as senhoras estavam chegando tão rapidamente que Emma nem tinha tempo de fechar a porta. Simplesmente ficou em pé ali enquanto as visitas chegavam copiosamente. Mas, em meio às senhoras, Emma dava uma olhada para o rosto sardento de sorriso largo da travessa filha ruiva, à espreita pelas samambaias que enchiam uma grande jardineira de barro que ficava em um estrado branco próximo às escadas da varanda. Emma cerrava os dentes. "Espere só, mocinha", ela murmurou."Espere só". Emma Kuhlman tinha o resto da tarde para planejar o castigo da filha. No entanto, teve de pensar enquanto, agitada, dava um jeito de tirar os vasilhames do forno, preparar a água para o chá e servir aos socialites — que pareciam estar adorando a festa. Mas, naquela noite, assim que a última mulher foi embora, a mãe de Kathryn pegou a culpada pelo braço e a fez descer as escadas do porão. Kathryn, mais tarde, disse que, mesmo tendo bolo suficiente para duas semanas, ela teve de comer muito, tama- nha a fúria de sua mãe. 22 Joe Kuhlman nunca entendeu o tratamento disciplinar de Emma. O Garoto, para escapar, já havia saído de casa. Myrtle estava casada. Quando Joe tentava interferir nas surras e críticas negativas que Emma fazia ao comportamento de Kathryn, ela partia para cima dele. Conseqüentemente, ele também começou a passar um tempo cada vez maior fora de casa. Arrumou um pequeno quarto nos fundos do estábulo, onde muitas vezes passava a noite. Quando estava em casa, Joe Kuhlman passava o tempo com Kathryn, procurando e recebendo o amor que não sentia na mulher. Em contrapartida, Kathryn desenvolveu uma grande afeição pelo pai, que beirava a idolatria. Era tão forte que, toda vez que ela falava nele — mesmo depois de ele ter morrido trinta e cinco anos atrás —, seus olhos se enchiam de lágrimas. Seu pai começou a levá-la com ele quando ia receber contas. Os comerciantes estavam acostumados a ver Kathryn. Eles a chamavam de "Pequeno Joe". Mais tarde, ela pegou gosto pela responsabilidade de ir a lugares como o Brockman's Poultry Produce, Rummer's Grocery Store, a farmácia, a loja de departamentos, o mercado de carne, e receber, sozinha, contas de frete para o pai. Joe era um homem de negócios competente e havia ensinado a Kathryn muita coisa sobre importantes princípios empresariais, lições nas quais ela se basearia nos anos seguintes. Na realidade, mesmo depois de a Fundação Kathryn Kuhlman estar bem estabelecida, Kathryn muitas vezes se referia a algum princípio empresarial que havia aprendido com o pai. Ela raramente errava. A despeito de todo o tempo que eles passavam juntos, Joe Kuhlman, no entanto, nunca entendeu de fato sua filha travessa de cabelos avermelhados. Era mais fácil dar dinheiro, ou roupas, a ela do que tentar orientá-la em seus problemas. Seu fracasso em entender a profundidade do espírito da filha ficou patente no modo em que ele respondeu à profunda experiência espiritual que ela teve na igreja metodista — a igreja onde Emma encontrava grande parte de sua satisfação pessoal. Joe Kuhlman não era religioso. Desprezava pregadores, dizendo que todos só estavam envolvidos nessa atividade "por causa do dinheiro". Ele ficou muito preocupado quando Myrtle deixou a cidade para casar-se com um evangelista itinerante, prevendo que o casamento não duraria. (Ele estava certo.) As poucas vezes em que comparecia aos cultos na igreja batista, à qual pertencia, eram no Natal ou quando Kathryn dava um recital ou fazia uma preleção. Fora isso, ele não tinha fama de quem orava, lia a Bíblia ou expressava sentimentos religiosos de alguma maneira. Não obstante, talvez tivesse mais entendimento do que as pes- soas da igreja imaginavam. Às vezes, os não-religiosos podem ver coisas por uma perspectiva muito mais clara, porque sua mente não está atra- vancada com as picuinhas da religiosidade convencional. Kathryn parecia pensar assim. E, em toda a sua vida, teve uma forte inclinação por pessoas como seu pai, que estavam desencantadas com a religião organizada, mas com fome de Deus. 23 O reverendo Hummel, um evangelista batista, estava em Concórdia para um encontro de avivamento de duas semanas na pequena igreja metodista. Havia certo entusiasmo nas reuniões. Uma das mais animadas da cidade, a Vovó Kresse, que participava de todas as reuniões de reavivamento em todas as igrejas, fora extremamente ativa nesse encontro. Embora os luteranos e as pessoas da Igreja Unida de Cristo olhassem com desdém sua atividade entusiasta, os metodistas, que tinham uma tradição muito mais reavivalista no início do século 20, não achavam incomum uma pessoa subir e descer pelos corredores da igreja "à procura dos perdidos" durante os tradicionais apelos feitos do púlpito. Vovó Kresse tinha este dom. E, assim que o evangelista concluía sua pregação, ela, que sentava na primeira fila, subia o corredor, conversando com as crianças, encorajando-as a "ir à frente" e buscar o Senhor no altar. Kathryn, que havia acabado de completar 14 anos, participara de todos os cultos daquela semana. Às vezes, ela se sentava ao lado da mãe, mas, quase sempre, sentava-se com um grupo de garotas risonhas de sua idade. Ao longo da semana, ela havia observado Vovó Kresse subir e des- cer os corredores da igreja. A princípio, as adolescentes riam dela. Mas, à medida que a semana passava, e elas viam alguns de seus amigos responderem ao apelo feito do púlpito, começavam a ficar com medo. O que aconteceria se Vovó Kresse as pegasse?! Mas não foi Vovó Kresse que pegou Kathryn. Na manhã de domingo, ao lado da mãe no encerramento do culto, quando o pastor fez o apelo, Kathryn começou a chorar. Somente anos mais tarde, ao avaliar aquela experiência pela perspectiva do tempo e de outras experiências, ela iria entender que havia sido tocada pelo Espírito Santo. Seus soluços eram tão fortes que ela começou a tremer. Emma observavaa filha alta e magra de 14 anos, mas não podia dar-lhe nenhum tipo de encorajamento. Como muitos na igreja, seu relacionamento com Deus era um relacionamento social. Estava limitado a bazares, reuniões sociais com missionários, tardes de chá (quando estava adequadamente vestida, é claro) e reuniões da igreja. Mas nunca havia recebido qualquer ensino de como responder a um dinâmico encontro com o Espírito Santo. Na verdade, não tinha lembranças de alguém que tivesse experimentado um encontro dinâmico — pelo menos, não com esses resultados. Emma voltou os olhos para o seu hinário, fixando-os nas palavras e notas, incapaz de compreender o impacto do que estava acontecendo do seu lado. Kathryn colocou seu hinário na prateleira da parte de trás do banco envernizado da frente e foi cambaleando para o corredor. Suas colegas, duas fileiras à frente, olhavam, de olhos arregalados, enquanto ela percorreu rapidamente o corredor e sentou-se no primeiro banco. Com as mãos na cabeça, soluçava tão alto que podia ser ouvida por toda a igreja. Martha Johannssen, uma senhora portadora de deficiência física que, como Vovó Kresse, era considerada "muito religiosa" por acreditar 24 em um inferno literal, curvou-se sobre o encosto do banco e entregou um lenço a Kathryn. — Não chore, Kathryn. Você sempre foi uma boa menina — disse- lhe. Até as pessoas "religiosas", ao que parecia, eram incapazes de entender o poder de persuasão do Espírito Santo quando Ele descia soberanamente sobre uma jovem. Contudo, a experiência de Kathryn não foi muito diferente daquelas descritas na Bíblia. Samuel, Isaías, Paulo, Maria, a mãe de Jesus, e muitas outras personalidades bíblicas tiveram encontros com Deus que foram extremamente emotivos, muitas vezes eventos inquietadores. E, como nos tempos bíblicos, em Concórdia, no ano de 1921, ninguém parecia entender. Pelo resto de sua vida, Kathryn gostava de contar o que acontecera naquela manhã após o culto. "Ao voltar para casa com mamãe, senti que o mundo todo havia mudado. Eu estava ciente das flores que cresciam ao longo da estrada. Nunca as percebera antes. E o céu era azul-celeste, com nuvens felpudas e brancas que pareciam cachos de cabelos de anjos. O senhor Kroenoke tinha pintado sua casa. Mas a casa não havia mudado! Era Kathryn Kuhlman que havia mudado. Era a mesma cor, a mesma rua, a mesma cidade. Mas eu não era a mesma. Eu estava diferente. Uma brisa suave soprava no meu rosto e passava por entre os meus cabelos. Acho que Kathryn Kuhlman flutuou o caminho todo de volta para casa naquele domingo." Seu pai estava em pé na cozinha quando Emma e Kathryn passaram pela porta da frente. Kathryn correu em sua direção, lançando seus braços em volta da cintura dele. — Papai, algo aconteceu comigo. Jesus entrou no meu coração. Joe Kuhlman olhou para baixo, fitando bem os olhos da filha. O rosto dele não expressava nenhuma emoção. — Estou feliz — ele disse. Foi tudo. Depois se virou e saiu. Kathryn, mais tarde, disse: "Se ele entendeu ou não, eu nunca soube". De uma coisa, porém, Kathryn tinha certeza: sua vida havia assumido uma nova dimensão. A mudança não foi instantânea, mas a compreensão de que podia ter acesso a Deus por meio de Jesus Cristo produziria uma transformação. Mas até essa mudança acontecer, as coisas continuaram como eram — até mesmo se tornaram piores. Na reunião de reavivamento da noite seguinte, o evangelista pediu que todos os jovens que haviam feito sua profissão de fé durante a reunião — e havia vários — fossem à frente. — Agora, digam às pessoas o que vocês pretendem fazer com suas vidas — ele disse. Sem mudar a expressão de seu rosto, Kathryn respondeu: 25 — Vou encontrar um pregador vistoso e me casar com ele. Então ela fez a casa vir abaixo ao virar-se para o reverendo Hummel, que era solteiro, e piscar os olhos para ele. Todos se lembraram de que sua irmã mais velha, Myrtle, havia se casado com um jovem evangelista que dirigiu uma reunião de reavivamento naquela mesma igreja oito anos atrás. Mas Emma Kuhlman não sorria. Ela sabia que Kathryn gostava de paquerar. Sabia também que, se Kathryn quisesse algum homem, qual- quer homem, conseguiria conquistá-lo. Via a igreja como a única espe- rança de Kathryn. Assim, começou a incentivá-la a se tornar membro da igreja e envolver-se em suas organizações. Kathryn, no entanto, optou por tornar-se membro da igreja batista do pai, em vez de pertencer à igreja metodista da mãe. Tinha suas próprias opiniões. — Não sei o que fazer com Kathryn — disse Emma Kuhlman a uma amiga íntima quando Kathryn tinha 16 anos. — Foi reprovada em mate- mática no ano passado e teve de arcar com as conseqüências. Ela é como o Garoto. Parece que não consigo controlá-la. Uma vez que o pai achava que Kathryn não causava dano algum, Emma não tinha a quem recorrer, senão à irmã mais velha de Kathryn, Myrtle, que estava passando alguns dias em casa no começo do verão. Era o ano de 1923, e o liberalismo feminino estava varrendo a nação. Bebida alcoólica era ilegal, mas, ao que parecia, toda fazenda no Condado de Lafayette escondia um alambique. Os pontos de venda clandestinos no condado estavam a todo vapor. Os jovens dançavam o charleston1, subindo e descendo a lamacenta rua Principal em carros esporte, com assentos traseiros, gritando "vinte e três já era" e consumindo bebidas ilegais. Emma sabia que, a menos que algo acontecesse para mudar Kathryn, a filha não teria forças para resistir às tentações da época. O ensino médio em Concórdia terminava no segundo ano. Aos 16 anos, Kathryn tinha toda a formação acadêmica disponível, a menos que entrasse no colégio luterano. Myrtle pediu à mãe que deixasse Kathryn ir com ela e Everett para uma série de acampamentos no noroeste. Ela e o marido ficariam com Kathryn no verão e a deixariam voltar no outono. Era uma solução ideal, mas Emma hesitou. Myrtle havia se casado com Everett Parrott, que viera tempos atrás a Concórdia para pregar em um culto de reavivamento na igreja metodista. Ele estava concluindo seus estudos no Moody Bible Institute, em Chicago, e era jovem e de boa aparência. Uma semana após o encerramento do reavivamento, escrevera para Myrtle, perguntando se ela poderia ir à cidade vizinha de Sedalia, 1 Charleston - Dança popular muito animada, em compasso quaternário, surgida na década de 1920 nos Estados Unidos. Um tipo de foxtrote (dança de salão) em que cada dançarino executa movimentos agitados de braços e pernas, e passos que aproximam e afastam os joelhos (N.T.). 26 onde ele morava, para tocar piano em uma reunião no fim de semana. Ela poderia ficar com os pais dele. Nem Emma nem Joe eram a favor desta idéia. Emma não queria ver sua filha sair com um jovem estranho. Não desejava vê-la sair com um pregador. Por fim, consentiram, e os Parrotts enviaram uma carruagem para levar Myrtle a Sedalia, a 40 quilômetros de Concórdia. Ela nunca tocou o piano. Everett só queria que seus pais a conhecessem. Escreveu para ela todos os dias durante as três semanas seguintes, e, então, foram casados pelo superintendente do distrito da Igreja Metodista em Sedalia, em 6 de outubro de 1913 — Mais tarde, Myrtle confessou que nunca amara seu marido, mas, como a maioria das moças que vivem em uma pequena comunidade, imaginou que seria melhor aceitar a primeira oferta que aparecesse para sair da cidade. Afinal, talvez não tivesse outra chance. Foi um casamento tempestuoso, cheio de problemas desde o início. Após uma breve estada em Chicago, o jovem casal pôs-se a caminho do circuito evangelístico — passeando, como eles costumavam dizer, pela "estrada de serragem". Parrott tinha uma tenda. Eles viajavam de cidade em cidade, grande parte no Meio-Oeste, realizando reavivamentos em tendas. De vez em quando, era Myrtle quem pregava. Na maior parte, no entanto, ela atuava como gerente e coordenadora das atividadesdo marido. Quando chegou a notícia de que o dr. Charles Price, professor e evangelista com um maravilhoso ministério de cura, havia chegado do Canadá e estava realizando cultos em Albany Oregon, os Parrotts fizeram uma viagem especial ao extremo oeste para participar de sua ministração. Diferente do ministério de muitos evangelistas que realizavam acampamentos pelo Oeste, o ministério do dr. Price era relativamente reservado. Ele passou grande parte do tempo ministrando sobre o poder de Deus. Também falou sobre uma experiência que ia além da salvação, chamada "o batismo no Espírito Santo". Uma vez em Albany, ele chamou Everett Parrott de lado e passou várias horas ensinando-lhe os textos bíblicos sobre este assunto em particular. Parrott ouviu com atenção. No entanto, nem a ministração de Price gerou a mudança necessária. A despeito da adoção de uma garotinha, Virgínia, anos mais tarde, o casamento, finalmente, acabou em divórcio. No entanto, antes de acontecerem os últimos problemas que culminaram com seu divórcio, Myrtle voltou para Concórdia a fim de fazer uma rápida visita aos pais. — Mamãe, tenho de partir depois de amanhã. Deixe-me levar Kathryn para passar o verão comigo. Eu a mandarei de volta, caso você queira que ela vá à escola no outono. — Seu pai e eu já conversamos sobre isso — disse Emma, com o semblante sério. — Vamos examinar e decidir tão logo seja possível. 27 Myrtle orou a noite toda. De algum modo, parecia necessário que Kathryn a acompanhasse. Na manhã seguinte, logo cedo, ela encurralou a mãe: — Já decidiram? Emma virou o rosto, para não olhar diretamente para a filha adulta. — Ela é muito nova, Myrtle. Só tem 16 anos. — Mamãe — a voz de Myrtle tinha um toque de desespero —, ela precisa ir. Eu sei que esta é a vontade de Deus. Você quer impedir a vontade de Deus? — Como pode ter tanta certeza? Como é que você sabe o que Deus tem reservado para Kathryn? — Eu simplesmente sei — disse Myrtle, desabando a chorar. — Eu sei. — Seu pai e eu conversaremos novamente sobre o assunto no almoço — disse Emma. — Você terá a resposta hoje mesmo. Eram exatamente 16 horas. Myrtle se lembraria porque ouviu o relógio soar na parede da sala de estar. Emma desceu as escadas, com o semblante sério. Myrtle estava em pé perto da banqueta na sala da frente, polindo a armação de seus óculos. — Decidimos — disse Emma devagar — deixá-la ir. Mas é com muita relutância de minha parte. De algum modo, Emma Kuhlman suspeitava que, se Kathryn partisse, nunca mais voltaria. E ela estava certa. Na tarde seguinte, Joe e Emma colocaram as duas filhas no trem para a cidade de Kansas. Kathryn estava compenetrada. Ela também suspeitava de que outras forças estavam agindo em sua vida. Forças opostas, que lutavam entre si. Uma força a encorajava a ficar, a "desfrutar" de sua liberdade. A outra força a puxava para cima e a incentivava a partir. Ela havia tentado — Deus sabia quanto havia tentado — fugir daquele chamado do "alto". Mas, toda vez, Ele a fazia voltar ao lugar do arrependimento. Cada vez que ela pecava — e não lhe faltara oportunidade durante as últimas duas semanas —, se via de volta ao lado de sua cama, de joelhos, pedindo a Deus que a perdoasse. Agora Deus estava fazendo mais uma coisa. E ela teve a sensação, enquanto o trem deixava a plataforma, que seria um erro pensar em olhar para trás por sobre os ombros. Ela acenou um adeus para seus pais através da janela empoeirada do trem. Em seguida, acomodou-se no assento — olhando para a frente. Como sua mãe, ela sabia que Concórdia nunca mais seria seu lar. 28 Capítulo 3 Tendas e Galinheiros A convicção de que fora Deus quem a havia chamado a sair de Concórdia ficou mais forte depois que Kathryn chegou em Oregon. Ainda assim, se sentia culpada por ter se intrometido no casamento instável de sua irmã. Para compensar sua culpa, ela não aceitava nenhum tipo de favor. Insistia em dormir no chão da sala de estar do apartamento e passava, pelo menos, dois dias da semana lavando roupas — lavava roupas na segunda e as passava na terça. Foi sua primeira experiência com os trabalhos domésticos regulares. Essa experiência ajudou a con- vencê-la de que, embora a companhia de um homem pudesse ser emo- cionante, ter de cuidar de um marido que esperava que a mulher cozi- nhasse para ele e lavasse suas roupas sujas era suficiente para levá-la a reconsiderar o casamento como uma vocação. Os dois exemplos que ela melhor conhecia, o de sua mãe e o de Myrtle, não eram muito atraentes. Nessa época, as segundas-feiras transcorreram sobre uma tábua de esfregar roupa, com os braços mergulhados na água escaldante, enquanto eles se mudavam de apartamento para apartamento, seguindo a estrada de serragem. As terças-feiras eram dias reservados para passar roupas.As camisas brancas bem engomadas de Parrott eram suficientes para testar a lealdade de qualquer esposa — e certamente eram demais para uma cunhada ainda criança. Kathryn havia observado a mãe e já sabia como era o processo. Aquecer o ferro de metal pesado sobre as chamas do fogão a gás. Enquanto isso, borrifar com água a camisa engomada e enrolá-la frouxamente para que ficasse inteira e levemente umedecida. Pôr a tábua de passar roupa sobre a mesa da cozinha e estender bem a camisa. Segurar a alça de metal do ferro usando algo acolchoado para não queimar a mão. Molhar um dos dedos e tocá-lo rapidamente na base do ferro. Se fizesse um barulho de vapor, estava suficientemente quente para ser usado. Mas era preciso mantê-lo em movimento. Sem dinheiro para comprar camisas extras, uma marca de queimado significaria que Parrott não poderia tirar o paletó durante o sermão, por mais calor que fizesse sob a tenda de lona, para não exibir um buraco em sua camisa. Nem tudo se resumiu em lavar e passar roupas. O noroeste durante o verão de 1923 foi agradável. Myrtle e Kathryn olharam muito as vitrinas quando passaram pelas lojas nas pequenas cidades de Washington e Oregon, onde Parrott montou sua tenda. Myrtle precisava da presença alegre de Kathryn, que, por sua vez, necessitava da maturidade austera e da bondade fraterna que Myrtle lhe provinha. Era uma boa combinação. 29 À noite, elas participavam dos cultos de reavivamento nos quais Kathryn teve sua primeira experiência com pregações em tendas. Everett Parrott não tinha outra mensagem senão esta: "Arrependam-se e sejam salvos". Ele era um homem eloqüente no púlpito. Pregava sua única mensagem repetidas vezes, usando diversos textos. Quase no final do verão, Kathryn já havia ouvido todos os seus sermões várias vezes e estava começando a entender por que Myrtle relutava em comparecer aos cultos, embora seu marido insistisse, às vezes nervoso, dizendo que precisava dela ali para ajudar a recolher as ofertas e tocar piano. O espírito independente de Parrott incomodava Kathryn. Ela questionava Myrtle, querendo saber por que ele se recusava a cooperar com as igrejas locais. Parecia melhor, ela pensava, trabalhar com as igrejas e os pastores, em vez de chegar à cidade, montar sua tenda e começar a pregar. Cansada, Myrtle olhava para Kathryn. — Querida, já fazemos isso assim há anos. Tentamos, no começo, trabalhar com os pastores. Mas eles tinham medo de nós. Os batistas queriam saber se éramos batizados. Os metodistas faziam-nos perguntas sobre a santificação. E os nazarenos queriam saber se pregávamos a santidade. Parecia que todos estavam edificando seu próprio reino, e, de algum modo, não nos encaixamos. Por isso, Everett decidiu edificar seu próprio reino — centrado naquela tenda. E ele me tem arrastado de cidade em cidade até o ponto de eu me cansar e não conseguir suportar mais isso. — Mas não seria mais fácil — Kathryn insistiu em sua ingenuidade — chegar em uma cidade e estabelecer um centro de reavivamento. Vocês não precisariam ter um rol de membros que ameaçasse os pastores, mas apenas pregariam a salvação. Levariamas pessoas à salvação, e, se elas quisessem fazer parte das igrejas locais, que fizessem. Eu faria assim. Myrtle deu um sorriso triste e disse: — Você não entende, irmã. Para Everett, sua missão é evangelizar — acender a chama da salvação no coração dos perdidos. A missão das igrejas é manter essa chama acesa depois de nossa partida. Se nos estabelecermos em algum lugar, simplesmente nos tornaremos mais uma igreja. As igrejas criticam-nos o tempo todo agora porque recolhemos ofertas. Elas não se alegram com as pessoas que ganhamos para Jesus. Na verdade, muitas das pessoas que são salvas em nossa tenda tentam participar das igrejas locais depois que partimos, e não são aceitas. As únicas que realmente apreciam nosso ministério são as pequenas igrejas missionárias nas periferias. Kathryn estava descobrindo, rapidamente, as maquinações interiores do "reino". Ela também começou a entender por que seu pai sempre se sentia mais à vontade em casa no domingo. Contudo, lá no fundo, antes de dormir à noite em seu colchão de palha na sala de estar, ela ficava acordada e imaginava uma sociedade em que as pessoas de 30 todas as denominações se reuniriam, sem brigas, mas louvando a Deus em harmonia e unidade — lutando lado a lado contra as trevas do mundo."Eu sei que isso é possível", pensava."Eu sei que é assim que Deus quer que seja — como era no livro de Atos, quando todos estavam em comum acordo em um lugar. Aposto que, se isso acontecer, teremos outro Pentecostes na terra." Não havia como Kathryn saber, ainda tão jovem, que os sonhos e as visões que estava tendo eram parte do plano de Deus para derramar o Espírito Santo sobre uma serva que viria a ser uma Joana D'Arc espiritual, conduzindo o exército do Senhor a uma nova liberdade e a um novo poder, uma vez que o mundo se aproximava do final da era. De vez em quando, Kathryn e Myrtle cantavam ou às vezes faziam um dueto ao piano. Por duas vezes naquele verão, Parrott pediu à ruiva de 16 anos que subisse ao púlpito e desse um "testemunho" da sua conversão na pequena igreja metodista em Concórdia. Nas duas vezes, ela encerrou o testemunho recitando um longo poema, com gestos dramáticos. As pes- soas reagiram animadamente. Elas adoraram seu drama e o modo como pronunciara as palavras. Parrott logo concluiu que, se não fosse reprimi- da, Kathryn poderia vir a ser para ele o que Davi foi para Saul. (Você se lembra de como as mulheres cantavam:"Saul abateu seus milhares, e Davi suas dezenas de milhares", levando Saul à inveja?) Contudo, ele também sabia que, se deixasse Kathryn ajudar na coleta logo depois de a cunhada falar, as pessoas ofertariam com mais generosidade. — Se você resolver ficar com os Reavivamentos em Tendas dos Parrotts — ele a provocou —, eu a deixarei assumir parte da pregação. Aquilo entusiasmou Kathryn. Ela já vinha nas suas horas "a sós", quando lia a Bíblia, preparando esboços de sermões — só para estar preparada. Mas a hora nunca parecia chegar. À medida que o fim do verão se aproximava, e os Parrotts começavam a fazer seus planos para o outo- no, Kathryn viu que não fazia parte desses planos. O pai de Kathryn enviou dinheiro para sua viagem de volta, e Everett foi à estação de trem em Portland, Oregon, verificar os horários disponíveis para a viagem de volta para Concórdia. Ele comprou a passagem para Kathryn. Na sexta-feira antes do Dia do Trabalho, Myrtle ajudou Kathryn a arrumar suas roupas. A velha mala surrada estava sobre o aquecedor no pequeno apartamento. Tudo estava primorosamente dobrado. Só faltava fechar a mala. Myrtle estava em pé no meio da sala, observando tudo com tristeza. Kathryn, enquanto arrumava sua última peça de roupa, de costas para a irmã, começou a chorar. — Eu não quero voltar — ela soluçava. — Você não precisa voltar! 31 Myrtle levou um susto. Era Everett Parrott quem falava. Ele acabara de entrar na sala. Era bom demais para ser verdade. — E a passagem de trem? — Myrtle gaguejou. — Podemos recuperar o dinheiro — Parrott disse calmamente. — Certifiquei-me disso ontem quando comprei a passagem. Imaginei que ela iria querer ficar, mas deixei a decisão nas mãos dela. Ela pode ser de grande ajuda no ministério. Os dois continuaram a conversar, mas Kathryn não ouviu nada. Estava muito sufocada com as lágrimas de felicidade e alívio. Anos depois, ela disse que muitas vezes sonhou com aquela mala e o aquecedor. "Às vezes, enquanto durmo", ela me disse, "ainda a vejo. Vejo cada peça de roupa e aquele seu fecho torto. Isso me assusta, pois foi uma grande reviravolta em minha vida. Se tivesse voltado para Concórdia, teria ficado presa lá. Sem falar no que teria acontecido. Mas, ainda assim, o Espírito Santo estava operando em minha vida, dirigindo meus passos. A partir daquele momento, eu estava no ministério — e nunca me arrependi". Aqueles primeiros anos foram difíceis, viajando com Myrtle e seu marido, parando de comunidade em comunidade. Eles chegavam na cidade, encontravam um terreno vazio e montavam a tenda. Então, Kathryn e Myrtle percorriam a cidade, tocando um sino de mão, con- vidando as pessoas para o culto naquela noite. Nos cultos à noite, Kathryn ocupava um lugar na primeira fileira de bancos, enquanto Myrtle muitas vezes se juntava ao marido no púlpito. Myrtle sempre advertia Kathryn sobre coisas que desgraçariam "o ministério". — Kathryn, não cruze suas pernas assim. Suas pernas são tão compridas qtie todos notam. Cruze só os tornozelos — e lembre-se de manter os joelhos juntos. A influência de Myrtle era boa. Embora fosse austera e inflexível como a mãe, ainda era uma irmã, e não uma mãe. Os cinco anos seguintes, embora difíceis, foram os melhores anos da juventude de Kathryn. Durante esse tempo, Parrott recrutou os serviços da pianista do dr. Price, uma extraordinária tecladista chamada Helen Gulliford. Embora Helen fosse onze anos mais velha que Kathryn, logo se tornaram amigas. Muitas pessoas pensavam que eram irmãs, de tanto que se pareciam. Embora Helen, com 1,68m, fosse 5 centímetros mais baixa que sua jovem e esbelta amiga, as duas podiam usar as mesmas roupas. Gostavam de estar uma com a outra. Aos poucos, as afeições de Kathryn para com sua irmã passaram para esta mulher solteira que desempenharia um papel profundo em sua vida. Ela era a mulher que ficaria entre Kathryn e um desastroso desgosto, embora se achasse incapaz de impedir a teimosa e jovem evangelista de destruir, por fim, seu ministério. As coisas não iam bem com a equipe do Reavivamento em Tendas dos Parrotts. Myrtle e Everett brigavam a maior parte do tempo. Ela o 32 acusava de passar tempo com outras mulheres, tornando-se cada vez mais parecida com a mãe, difícil e inflexível. Assim que chegaram a Boise, Idaho, as coisas foram de mal a pior. Parrott nem apareceu na reunião, preferindo pegar sua tenda e viajar para Dakota do Sul. Em Boise, os cultos eram realizados no Clube de Mulheres, e era Myrtle quem pregava. As ofertas eram tão baixas que nem cobriam as despesas com o aluguel do prédio — muito menos pagavam o aluguel de seu pequeno apartamento. Por duas semanas, as refeições consistiram em pão e atum enlatado. Uma vez que Parrott controlava as finanças, a única esperança de Myrtle era juntar-se a ele em Dakota do Sul. Hellen recusou-se a ir. Para ela, era o fim da linha. Como uma concertista, nunca se sentiu à vontade tocando pianos de estanho em pequenas comunidades para quinze ou vinte pessoas. Kathryn, também, estava muito desiludida. Apesar de gostar de ajudar na pregação, não conseguia ver nenhuma esperança para o futuro se ficasse com os Parrotts. Após o último culto, na noite em que haviam programado partir — Myrtle voltar para seu marido, e Helen e Kathryn ficarem, ainda por decidir o que fazer —, um pastor nazareno aproximou-se delas do lado de fora do Clube de Mulheres. — Não partam — ele disse a Myrtle. — Eu sei que as coisas estão muito ruins, mas precisamosde vocês aqui. Myrtle balançou a cabeça. — Não podemos ficar. Não temos dinheiro. — Bem, então deixe as meninas ficarem — ele propôs. — Sou pastor de uma pequena igreja missionária perto daqui. Elas podem participar dos cultos e, pelo menos, tocar piano e cantar. Myrtle examinou Helen e Kathryn, que vinham acompanhando a conversa. Ambas balançaram a cabeça. — Tudo bem — Myrtle disse num tom de resignação. — Kathryn quer pregar de qualquer jeito. Por que não dar a ela uma chance e ver o que pode fazer? — Ótimo — disse o pastor, radiante. — Elas podem começar amanhã à noite. E foi assim que tudo começou. Foi o primeiro sermão de Kathryn sozinha, em uma pequena igreja missionária malcuidada, outrora um salão de bilhar, em uma área pobre de Boise. Algumas cadeiras velhas foram juntadas, e o piano, que pertencia a um menino vizinho, fora transportado sobre rodas pela porta dos fundos, ocupando um lugar próximo ao púlpito desconjuntado no canto da sala. Como último pedido, Kathryn solicitou a Myrtle que lhe emprestasse 10 dólares. — Quero comprar um vestido amarelo novo para meu primeiro sermão. 33 — Kathryn — disse Myrtle, balançando a cabeça e parecendo exatamente com a sua mãe —, você não pode comprar o tipo de vestido que deseja por apenas 10 dólares. Custará o dobro desse valor. Além disso, não tenho esse dinheiro. Nem sei se temos 10 dólares na conta bancária do Reavivamento em Tendas dos Parrotts na cidade de Sioux. — Você ainda tem um dos cheques assinados por Everett? — perguntou Kathryn. Myrtle balançou a cabeça. — Então passe-me um deles. Faça um cheque no valor de 10 dólares. Não o descontarei até ter certeza de que você terá dinheiro suficiente para cobri-lo. — Mas você ainda não conseguirá comprar o tipo de vestido que quer por 10 dólares. — Myrtle argumentou. — Você nunca se contenta com roupas baratas. Sempre quer o melhor. — Tenho tudo planejado — disse Kathryn. — Posso não comprá-lo a tempo para o primeiro culto, mas irei tê-lo antes de deixar a cidade. Comprarei o tecido por 10 dólares. Depois o levarei a uma costureira e lhe pedirei que faça o vestido para mim. Sei exatamente como quero o vestido. Então, depois de receber minha primeira oferta na missão, paga- rei a costureira. O que acha? Myrtle balançou a cabeça. — Eu jamais faria isso. Nunca! Myrtle preencheu o cheque e o entregou a Kathryn. Antes de terminar a semana, Kathryn já estava com seu vestido — um vestido amarelo com mangas bufantes e uma bainha que chegava aos tornozelos. Não foi só isso. Ela havia convencido o comerciante da loja onde comprara o tecido a deixá-la pagar depois de receber sua primeira oferta. Ela convencera a costureira a fazer o vestido de graça — um "ministério para o Senhor". Kathryn guardou o cheque por três meses e, por fim, o descontou na cidade de Sioux, Iowa, quando fez uma rápida visita a Myrtle para vê-la e assegurar-lhe de que poderia "se virar" sozinha. E foi o que aconteceu. Em um dia frio, Kathryn e Helen chegaram a Pocatello, Idaho. O único salão disponível para seus cultos era um velho teatro. O local estava há tanto tempo sem uso que havia dúvidas de que ficaria de pé após uma limpeza. A sujeira parecia ser o alicerce do teatro. Mas era preciso mais do que uma sujeira para esfriar o duplo fervor de Kathryn e Helen, que se anunciavam como as "Garotas de Deus". "Mesmo assim", Kathryn me diria tempos depois,"eu sabia o que Deus poderia fazer se somente o evangelho — em sua simplicidade — fosse pregado". Antes de as duas jovens partirem da cidade, após seis semanas de cultos que muitas vezes passavam da meia-noite, o piso principal e as duas galerias estavam lotados. 34 A recepção dada às duas em Twin Falls, Idaho, foi tão intensa quanto o clima frio no dia de sua chegada em janeiro. Na segunda noite, quando Kathryn saía do prédio, após o culto de pregação, ela escorregou no gelo e fraturou a perna. Helen levou-a a um médico que tinha um con- sultório próximo ao salão municipal onde os cultos eram realizados. Ele engessou a perna de Kathryn e disse-lhe que ficasse com o gesso por, pelo menos, duas semanas. O médico, no entanto, não fazia idéia da terrível determinação da jovem mulher que estava começando a perceber seu rumo na vida. Não era uma perna quebrada que a impediria de realizar o que Deus lhe havia chamado a fazer. Ela nunca perdeu um único culto, pregando pelo resto do mês — todas as noites — e apoiando-se em muletas com sua perna engessada. Uma enfermeira diplomada, veterana da Primeira Guerra Mundial, que freqüentava os cultos, escreveu uma carta ao editor do jornal de Twin Falls, dizendo: "Vi coragem e determinação nos campos de batalha da França. Vi essa mesma coragem e determinação na noite passada em uma jovem que se levantou no púlpito, pregando a salvação". Seus críticos, e ela estava começando a reuni-los logo no início da década de 1930, diziam que Kathryn estava vendendo uma mistura de "sexo e salvação". De certo modo, eles estavam certos. As duas mulheres solteiras eram muito atraentes, e parte de sua atração estava no seu modo singular de apresentar o evangelho. Elas demoravam após os cultos toda vez que alguém precisava de ajuda. Muitas vezes, aqueles necessitados eram homens solitários incapazes de distinguir entre o amor de um Pai celestial e a atração sexual de uma jovem mulher que era totalmente desinibida na atenção que dava, de igual modo, a homens e mulheres. Felizmente, Helen Gulliford era muito mais conservadora do que Kathryn, e muitas vezes advertia a amiga quando ela era extremamente amigável com algum dos admiradores que se aglomeravam no altar em busca de suas orações. Kathryn parecia estar mais cuidadosa do que nos primeiros dias de seu ministério e, graças às constantes advertências de Helen, esforçava-se para continuar discreta — mesmo quando percebia que ficaria até altas horas da madrugada ajudando algum favelado a "orar" até alcançar a salvação. Foi em uma dessas "reuniões após os cultos" que ela teve sua primeira experiência com o fenômeno de falar em línguas. Kathryn e Helen haviam vindo a Joliet, Illinois, para três meses de cultos no segundo andar de uma antiga loja. (Foi aqui, a propósito, que um grupo conhecido como Aliança da Igreja Evangélica convenceu a jovem evangelista de que precisava ser ordenada. Ela concordou. Foi a única autorização eclesiástica que teve.) A única mensagem de Kathryn era a de salvação, e ela naquela noite foi simples e objetiva. A multidão, que chegava às centenas, se fora, e Kathryn ficou com meia dúzia de pessoas que ainda estavam de joelhos no altar. Uma delas era Isabel Drake, uma professora que viajava de Joliet para Chicago diariamente. 35 Kathryn estava sentada com a mãe de Isabel em um dos bancos da frente enquanto a jovem professora encolhia-se no altar, às vezes soluçando, outras vezes orando. De repente, Isabel se colocou de joelhos, com o rosto voltado para o teto, e começou a cantar. Kathryn disse: "Eu nunca ouvira tal música. Era a música mais linda, com a mais bela voz que já ouvi. Ela estava cantando em uma língua que eu nunca tinha ouvido, mas era algo tão etéreo, tão belo, que senti os pêlos de minha pele começarem a arrepiar. "Sua mãe, que estava sentada ao meu lado, agarrou minha mão e quase quebrou meus dedos. Não é a minha filha que está cantando', disse com a voz ofegante. Isabel nem consegue ficar no tom. Minha filha não sabe sequer cantar uma nota'." Kathryn disse que a mãe estava quase histérica. Tudo o que podia fazer era impedir a mulher de sair pulando e correndo pela sala. Em vez disso, elas ficaram sentadas em silêncio, ouvindo a bela música e o fluir sobrenatural de palavras que saíam da boca da jovem professora. Às vezes, sua voz alcançava um dó alto e, então, oscilava em um acorde menor, e acabava em um sussurro antes de voltar novamente ao tema. Embora as palavras soassem como algum canto grego ou fenício antigo,
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