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A pesquisa etnográfica

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DESCRIÇÃO
Reflexão sobre o papel da etnografia como área e metodologia de pesquisa e sua aplicação
prática na pesquisa acadêmica e no mundo dos negócios.
PROPÓSITO
Apresentar o conceito de etnografia, que pode ser tanto uma área de conhecimento como uma
metodologia de pesquisa usada por diversas áreas. Compreender como as mudanças impostas
pela internet modificaram a etnografia, levando à emergência da netnografia. Discutir seus usos
práticos, sobretudo como ferramenta de determinação de tendências de mercado e de tomada
de decisões nas empresas.
PREPARAÇÃO
Antes de iniciar o conteúdo, certifique-se de ter papel e lápis por perto para acompanhar e fazer
anotações quando precisar.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Reconhecer as principais características da etnografia e sua metodologia
MÓDULO 2
Contrastar a etnografia tradicional com a netnografia
MÓDULO 3
Identificar as aplicações práticas da etnografia na tomada de decisões empresariais
INTRODUÇÃO
Neste conteúdo, vamos trabalhar o conceito de etnografia, entendendo seu surgimento e a
importância dessa área do conhecimento. Também vamos explorar sua aplicação como
metodologia qualitativa, marcada pelo trabalho de campo. Falaremos um pouco de seus
métodos e de questões éticas neste tipo de pesquisa.
Em seguida, vamos entender como a digitalização do mundo impactou a etnografia, levando à
criação da netnografia, que pode ser entendida como um método de pesquisa que visa
entender como as relações sociais e a cultura se desenvolvem no meio on-line. Por fim, vamos
explorar as aplicações práticas da etnografia, e como ela vem sendo utilizada pelas empresas.
MÓDULO 1
 Reconhecer as principais características da etnografia e sua metodologia
ETNOGRAFIA: CONCEITO E ORIGEM
Você sabe o que significa a palavra etnografia?
Significa, literalmente, descrição de um povo. Sua proposta é entender fenômenos culturais a
partir da perspectiva dos grupos estudados, dentro de uma situação social.
O papel do pesquisador é entender práticas sociais a partir das perspectivas dos grupos
envolvidos, que podem estar organizados em sociedades ou grupos menores, como as
comunidades locais.
SOCIEDADES
Conjuntos de pessoas submetidas às mesmas leis ou aos mesmos preceitos.
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Foto: stock.adobe.com
SOCIEDADE DE UM PAÍS

Foto: stock.adobe.com
GRUPO DE AFINIDADE
A etnografia é um ramo da antropologia.
Como ela surgiu?
No fim do século XIX, quando antropólogos como Bronislaw Malinowski e Franz Boas
passaram a estudar diferentes culturas in loco (no local, no campo) , a partir do processo de
observação participante.
No início, a pesquisa etnográfica tinha como foco sociedades que fugissem dos padrões
ocidentais, sobretudo padrões norte-americanos e europeus.
Foto: stock.adobe.com
Exemplo:
Os indígenas do continente americano ou as sociedades do Pacífico, que eram caracterizadas
por terem práticas culturais e comportamentais diferentes daquelas observadas nos países de
origem dos pesquisadores.
 SAIBA MAIS
Entre os estudos etnográficos clássicos mais famosos podemos destacar o trabalho de
Bronislaw Malinowski, no livro Argonautas do pacífico ocidental (1922), que explicou o sistema
de trocas circulares nas Ilhas Trobriand, um arquipélago próximo à Nova Guiné. Também
famoso é o livro Tristes trópicos (1955), de Claude Lévi-Strauss, sobre algumas comunidades
indígenas brasileiras.
Contudo, como ressaltado por Tureta e Alcadipani (2011), hoje a etnografia ganhou espaço
para fora destas comunidades denominadas “tradicionais”.
Assim, é possível que a pesquisa etnográfica seja utilizada para explorar não só uma cultura
totalmente estranha ao pesquisador, mas também uma subcultura dentro de seu ambiente
social, ou seja, grupos que vivem na mesma cultura do pesquisador, mas têm alguns hábitos
diferentes.
Com isso, atualmente a pesquisa etnográfica vem sendo largamente utilizada para analisar
grupos em culturas familiares à cultura do pesquisador, mas que diferem de alguma forma,
como, por exemplo, devido a características sociodemográficas (como idade ou classe social)
ou por gostos.
Ao olhar padrões de comportamento em certas circunstâncias, a pesquisa etnográfica vem
sendo muito utilizada para entender como se comportam alunos nas escolas, funcionários
dentro de uma cultura organizacional e até mesmo grupos de consumidores.
Como exemplo disso, podemos citar o trabalho de Karina Biondi, intitulado Junto e misturado:
uma etnografia do PCC, no qual a autora aborda o funcionamento de uma das maiores facções
criminosas: o primeiro comando da capital e o artigo de Schouten e Mc Alexander sobre
identidades e padrões de consumo dos donos da Harley-Davidson. Portanto, de forma mais
geral, podemos entender etnografia como:
A ARTE E A CIÊNCIA DE DESCREVER UM GRUPO
HUMANO — SUAS INSTITUIÇÕES, SEUS
COMPORTAMENTOS INTERPESSOAIS, SUAS
PRODUÇÕES MATERIAIS E SUAS CRENÇAS.
(ANGROSINO, 2009, p. 30)
O MÉTODO ETNOGRÁFICO
Na seção anterior, falamos que a etnografia é uma área da antropologia caracterizada pela
observação in loco e de longo prazo de diferentes grupos, com o objetivo de descrevê-los e
compreender suas práticas culturais e seu modo de vida.
Contudo, quando buscamos no Google trabalhos de etnografia, é possível achar trabalhos
típicos de antropologia, assim como encontramos trabalhos de outras áreas como marketing,
educação ou geografia.
Por que isso acontece?
Porque além de ser uma área da antropologia, a etnografia também é utilizada como um
método de pesquisa qualitativa por outras ciências sociais.
Essas disciplinas fazem uso do que chamamos de método etnográfico, que é utilizado
quando se busca entender comportamentos sociais que ainda não são claros para o
pesquisador, para a ciência. Assim, os pesquisadores usam ferramentas típicas da etnografia,
como o trabalho de campo e a observação a longo prazo, para entender melhor a realidade
que se quer analisar.
EXEMPLO
Dentro do mundo do marketing, um caso famoso foi o de uma pesquisa sobre ioga
encomendada pela Adidas em 2003.
A marca é identificada por produzir produtos para esportes de alta performance e usou a
pesquisa etnográfica junto a praticantes de ioga para entender se a prática era realmente um
esporte ou uma atividade mais ligada ao bem-estar.
Foto: Tobias Arhelger - stock.adobe.com
Ao entender melhor esses consumidores, a Adidas pôde tomar não apenas a decisão de
produzir uma linha específica para ioga, mas também definir como deveriam ser os produtos.
Outro uso comum da etnografia como método é quando alguma disciplina quer entender uma
subcultura a partir das perspectivas de certa comunidade, que podem diferir da visão mais
geral.
SUBCULTURA
Grupo de pessoas, geralmente minoritário, com um conjunto de características próprias,
como comportamentos e crenças, que representam uma subdivisão dentro de uma
cultura dominante da sua comunidade.
 EXEMPLO
Em 2014, o fenômeno dos rolezinhos inspirou diversos estudos sobre o consumo, que
buscavam entender por que os shoppings brasileiros ficavam lotados de jovens de regiões
periféricas das grandes cidades. Usando metodologias etnográficas, diversos pesquisadores se
debruçaram sobre o tema, com o objetivo de explicar que existem visões plurais para os papéis
dos shoppings centers entre os diferentes grupos e faixas etárias.
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É fundamental entender as principais características da metodologia etnográfica:
1
BASEADA NA PESQUISA DE CAMPO:
Uma característica central que diferencia a etnografia de outros métodos qualitativos é a
centralidade da pesquisa de campo. Ou seja, é preciso que o pesquisador esteja presente e
imerso na realidade dos grupos sociais analisados a fim de observar as práticas culturais como
ocorrem no dia a dia, em seu ambiente natural.
PERSONALIZADA:
Diferentemente de outros métodos que buscam aplicar ou testar teorias ou procedimentos
preestabelecidos, a análise etnográfica é conduzida pelos pesquisadores no dia adia, sendo
adaptada às limitações e às novas informações que aparecem.
2
3
MULTIFATORIAL:
Como metodologia de coleta e análise de dados, a etnografia conta com métodos variados de
coleta de informações, como observação, entrevistas em profundidade e análise de
documentos históricos da comunidade de interesse.
A LONGO PRAZO:
Quando se usa a etnografia como metodologia, é fundamental ter tempo disponível, já que para
observar pequenos detalhes da cultura o pesquisador precisa de tempo para perceber essas
práticas. É comum que pesquisas etnográficas levem anos para serem concluídas.
4
5
PROCESSO INDUTIVO:
É comum que um pesquisador de outras áreas comece sua pesquisa com certa hipótese ou
ideia do que pode encontrar, baseado em sua experiência de vida ou em teorias anteriores. Na
etnografia, o processo é diferente: o pesquisador começa sua pesquisa com o objetivo de
acumular dados e percepções para só depois chegar a alguma conclusão sobre o grupo
estudado.
DIALÓGICA:
Quando pensamos em um pesquisador, é comum formarmos a ideia de alguém que vai a
campo buscar respostas e olhar o outro, como um entrevistador em um programa de TV.
Porém, na etnografia existe um diálogo constante entre as comunidades de interesse e o
pesquisador, de forma que o resultado é fruto das percepções das duas partes. Ainda assim,
apesar de ser baseada no diálogo e na escuta do outro, a pesquisa etnográfica não está isenta
de vieses de pesquisa, como o etnocentrismo.
6
7
HOLÍSTICA:
Em geral, pesquisas visam olhar certos aspectos sobre os grupos de interesse, talvez suas
práticas religiosas ou seus hábitos de consumo. De forma diferente, o método etnográfico é
holístico e tem por objetivo obter um retrato completo do grupo estudado, levando em conta
diversas práticas culturais, sua história, geografia, clima etc.
Veja um exemplo do uso da metodologia etnográfica:
Foto: monticellllo - stock.adobe.com
O projeto ON/OFF proposto pela Motorola em 2002. Com duração de um ano, o objetivo do
projeto era explorar e documentar como as tecnologias afetavam as relações entre os
indivíduos. Sendo assim, foi um projeto de longa duração que buscava entender
comportamentos amplos.
Com essa finalidade, pesquisadores foram enviados às casas de consumidores de quatro
diferentes cidades (Chicago, Londres, Recife e Xangai), para uma imersão. Eles foram a
campo e tiveram que se adaptar e entender as particularidades das famílias e culturas
nacionais.
As informações do projeto foram coletadas por meio de observação, entrevistas e filmagens
dos hábitos dos participantes, de forma interativa. Ou seja, a percepção dos participantes era
fundamental para as conclusões de pesquisa.
OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE E NÃO
PARTICIPANTE
Como comentamos anteriormente, a presença constante do pesquisador no local onde habita o
grupo de interesse é um aspecto central para qualquer pesquisa etnográfica. A presença do
pesquisador pode ser realizada de duas formas:
OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE
OBSERVAÇÃO NÃO PARTICIPANTE
OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE
Nesse caso, existe a participação real e ativa do pesquisador como membro da comunidade
estudada. Assim, ele assume até certo ponto o papel de membro do grupo. Um exemplo de
observação participante está na pesquisa feita pela antropóloga Hilaine Yaccoub sobre os
furtos de energia nas periferias brasileiras. A pesquisadora alugou uma casa em uma favela
carioca, onde viveu por oito meses interagindo com os moradores.
OBSERVAÇÃO NÃO PARTICIPANTE
O pesquisador toma contato com a comunidade estudada, mas não participa de suas ações, de
forma a tentar não influenciar comportamentos e práticas. O pesquisador age como espectador.
Muitos trabalhos que observam práticas de profissionais de saúde junto a seus pacientes
utilizam a prática de observação não participante para não atrapalhar o atendimento médico.
Como exemplo, podemos citar o trabalho de Silva e colaboradores (2013) sobre tratamentos
paliativos em UTIs.
VIESES DO PESQUISADOR
A pesquisa qualitativa é sempre vulnerável ao viés do pesquisador, já que ele não só controla o
desenho da pesquisa, mas também a coleta e a interpretação dos dados. Na etnografia, isso
não é diferente, visto que muitas vezes o pesquisador é tentado a analisar práticas de um
grupo a partir de sua visão de mundo.
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VIÉS
Que tende a seguir certo caminho ou a agir de determinada maneira; tendência.
Um dos principais vieses da pesquisa etnográfica é o chamado etnocentrismo, que pode ser
entendido como perceber nosso grupo (étnico ou nacional) como superior aos outros.
 EXEMPLO
Um clássico exemplo de etnocentrismo ocorreu na colonização do continente americano,
quando os europeus consideravam sua cultura mais desenvolvida e os nativos como
selvagens.
Para diminuir o efeito dos vieses, a triangulação de informações, com o uso de diferentes
fontes, é fundamental. Dessa maneira, além da observação (participante ou não), o
pesquisador normalmente lança mão de técnicas como entrevistas em profundidade, análise de
documentos e pesquisas anteriores, a fim de fazer com que suas percepções não sejam
predominantes nos resultados.
PRINCIPAIS MÉTODOS DA ETNOGRAFIA
Neste vídeo, falaremos sobre os principais métodos de coleta de dados utilizados na
etnografia, como a observação, a entrevista em profundidade, os grupos de foco e a análise
documental.
QUANDO USAMOS A ETNOGRAFIA?
A etnografia é um método de pesquisa em profundidade, que depende do acesso do
pesquisador à comunidade de interesse, de uma profunda imersão no campo e de tempo. Por
isso, fazer pesquisa etnográfica nem sempre é possível, principalmente por questões de tempo
e investimento.
Assim, existem algumas situações que tornam ela um método mais adequado. Caso contrário,
outros métodos podem ser utilizados. Entre as principais razões que levam à escolha pela
etnografia estão:
DEFINIR UM PROBLEMA DE PESQUISA
IDENTIFICAR PARTICIPANTES EM UM CENÁRIO
SOCIAL
REGISTRAR PROCESSOS SOCIAIS DINÂMICOS
DEFINIR UM PROBLEMA DE PESQUISA
Muitas vezes a etnografia é utilizada em situações em que não há teorias anteriores sobre o
tema ou que trabalhos anteriores são insuficientes para criar problemas de pesquisa. Nesses
casos, ir a campo pode ser uma forma de definir melhor o que se quer investigar.
IDENTIFICAR PARTICIPANTES EM UM CENÁRIO
SOCIAL
Existem muitas relações e comportamentos que só acontecem no dia a dia, quando as pessoas
estão interagindo umas com as outras. Dessa forma, levar as pessoas para fora do ambiente
que estão acostumadas pode limitar os resultados. Assim, observá-las em seu ambiente natural
pode ser uma alternativa melhor.
REGISTRAR PROCESSOS SOCIAIS DINÂMICOS
Além de existirem processos sociais que só ocorrem nos meios em que as pessoas vivem, há
outros que só existem na interação entre indivíduos. Portanto, entrevistar as pessoas pode não
ser suficiente para a compreensão do fenômeno.
ÉTICA E ETNOGRAFIA
É importante lembrar a importância da ética na pesquisa etnográfica. Como esse tipo de
pesquisa observa e analisa comportamentos humanos, é fundamental que o pesquisador aja
de forma ética, não apenas respeitando os indivíduos envolvidos no processo de pesquisa
enquanto está em campo. É importante também respeitar as normas e leis do país onde ele
atua, os protocolos de éticas de pesquisa (em geral regulados por entidades de pesquisa e
universidades) e observar seus valores éticos pessoais.
Patricia Ensworth (2013) destacou quatro princípios éticos que sempre devem ser respeitados
pelo etnógrafo:
Foto: stock.adobe.com
RESPEITO PELO OUTRO:
Pensar que grande parte das comunidades analisadas tem práticas diferentes das do
pesquisador. Então é fundamental respeitar as práticas, os costumes e as crenças dos grupos
analisados.
Foto: stock.adobe.com
OBSERVAÇÃO E ESCUTAS ATIVAS:
Absorver informação com total atenção, nunca impondo ideias ou agendas próprias sobre as
pessoas.
Foto: stock.adobe.com
PACIÊNCIA:
Aobservação participante nada mais é do que passar um tempo com as comunidades. Esse
tempo deve ser longo o suficiente para identificar padrões e entender relacionamentos
existentes. Além disso, digerir e analisar dados também leva tempo.
Foto: stock.adobe.com
CONFIDENCIALIDADE:
Em nenhuma circunstância um pesquisador deve divulgar informações que deixem essas
fontes vulneráveis.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. DENTRE AS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO MÉTODO ETNOGRÁFICO PODEMOS
RESSALTAR TODAS AS OPÇÕES, EXCETO:
A) Deve ser adaptado de acordo com as particularidades do grupo estudado.
B) Tem a observação participante como uma de suas principais características.
C) Pode contar com diversos tipos de dados, como observados, entrevistas e documentos
históricos.
D) É feito a longo prazo, podendo durar anos.
E) Visa entender os grupos estudados de forma holística.
2. SOBRE A ETNOGRAFIA, PODEMOS AFIRMAR QUE:
A) Busca entender práticas de grupos distantes da realidade do pesquisador.
B) Tem como principal foco grupos organizados em sociedades.
C) É um ramo da história que busca entender a origem das práticas sociais.
D) Atualmente privilegia análises das chamadas “comunidades tradicionais”.
E) Busca entender a cultura dentro de seu contexto social, levando em conta a perspectiva dos
grupos estudados.
GABARITO
1. Dentre as principais características do método etnográfico podemos ressaltar todas
as opções, exceto:
A alternativa "B " está correta.
As características do método etnográfico são: é baseado na pesquisa de campo; é
personalizado e multifatorial; é a longo prazo; é um processo indutivo; é dialógico; e é holístico.
A observação participante é um tipo de pesquisa de campo.
2. Sobre a etnografia, podemos afirmar que:
A alternativa "E " está correta.
A etnografia é uma área da antropologia que visa estudar a cultura a partir da perspectiva dos
grupos estudados no ambiente em que o contato social entre indivíduos ocorre. Os
pesquisadores podem tanto olhar para grandes sociedades quanto para grupos menores, como
culturas e subculturas. Atualmente, etnógrafos estudam não só grupos tradicionais, mas
também culturas e subculturas próximas à sua realidade.
MÓDULO 2
 Contrastar a etnografia tradicional com a netnografia
NETNOGRAFIA: ORIGEM E EVOLUÇÃO
Segundo dados do Global Digital Report (HOOTSUITE; WEARESOCIAL, 2021), atualmente o
Brasil possui mais de 205 milhões de linhas de celular. Dessas, 96% têm acesso à internet.
Cerca de 75% da população também acessa a internet por meio de notebooks e PCs,
chegando a 150 milhões de usuários diários.
Foto: stock.adobe.com
Olhando para os hábitos de navegação nacionais, passamos em média 10h conectados à
internet, focados em:
Atividades Média de horas
TV e vídeos on-line 4h
Mídias sociais 3h42min
Leitura de sites 3h
Música 2h
 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal
Quadro: Média de horas gastas na internet.
Elaborador por Rafael d'Orsi
Mas os números mais impressionantes estão na taxa de adesão às mídias sociais, espaço em
que as pessoas interagem umas com as outras, se divertem e recebem todo tipo de
informação.
São 96% dos usuários de internet do país que acessam o YouTube, 92% se comunicam pelo
WhatsApp, 90% têm uma conta no Facebook e 86% no Instagram. Diante de tais números, não
é surpreendente que a etnografia tenha encontrado formas de se adaptar ao mundo digital.

1980
Os primeiros estudos sobre o impacto do meio digital nas comunicações e interações humanas
surgiram ainda na década de 1980. Nesse período, autores da psicologia eram extremamente
pessimistas sobre o impacto do meio digital nas relações sociais. Para eles, a falta de contato
face a face levaria a uma redução nos indicadores sociais, de forma que as interações on-line
seriam mais frias e distantes, pois não contariam com a presença de elementos como gestos,
tom de voz ou expressões faciais.
1990
Contudo, o crescimento do ambiente on-line na década de 1990 e a intensificação das
comunicações em ambientes como chats e fóruns on-line levaram a uma grande mudança de
perspectiva, levando inclusive à crença, para alguns, de que o ambiente on-line seria
enriquecedor. É nesse momento que surge a netnografia.

Segundo Robert Kozinets, criador do termo netnografia, a entrada no ambiente on-line muda as
práticas da etnografia tradicional.
Como isso acontece?
A entrada no campo deixa de ser face a face para ser on-line, alterando a forma com que o
pesquisador observa e analisa o campo etnográfico.
Outra grande mudança está no acesso às pessoas e no volume de dados coletados. Passamos
de pesquisas com um grupo limitado de pessoas, com dados anotados em um caderno de
campo, para um volume de dados detalhados sobre milhares (ou milhões) de usuários. Não
apenas temos mais acesso a dados, mas esse volume leva à necessidade do desenvolvimento
de novos métodos de análise, que serão discutidos na seção “Métodos e ferramentas de
pesquisa netnográfica”.
Por fim, o ambiente on-line muda dois conceitos centrais para a etnografia, que são as noções
de cultura e de comunidades. Inicialmente, é defendido que o foco de estudo deve estar nas
comunidades eletrônicas (entendidas como espaços onde os indivíduos interagem) e na
cibercultura (que são as práticas culturais desenvolvidas no ambiente on-line).
Assim, o autor inicialmente definiu netnografia como:
UMA NOVA METODOLOGIA DE PESQUISA QUE
ADAPTA TÉCNICAS DE PESQUISA ETNOGRÁFICA
PARA ESTUDAR AS CULTURAS E COMUNIDADES QUE
ESTÃO SURGINDO POR MEIO DE COMUNICAÇÕES
MEDIADAS POR COMPUTADOR.
(KOZINETS, 2002, p. 62)
Contudo, como mostram os dados levantados pelo relatório Global Digital Report (2021), hoje
não existe um ciberespaço limitado e a maior parte das relações não ocorre apenas no
ambiente on-line. A internet está presente constantemente na vida de todos que a acessam,
permeando suas relações familiares e afetivas, seu trabalho, suas compras e até mesmo seus
momentos de lazer.
Diante deste novo cenário, não podemos mais entender a internet como um ambiente limitado
no qual existem comunidades específicas que permitem o desenvolvimento de relações que
não são face a face, mas sim formas múltiplas de se engajar com o digital, que estão presentes
nas instâncias mais simples da vida dos indivíduos.
Com isso, a própria noção de netnografia precisou ser atualizada, sendo mais um método de
pesquisa que se baseia em dados on-line do que uma forma de entender a cultura on-line, a
qual hoje é reconhecida como parte da cultura das sociedades humanas. Desse modo,
atualmente entendemos netnografia como:
UM CONJUNTO ESPECÍFICO DE COLETA DE DADOS,
ANÁLISE, PRÁTICAS DE PESQUISA ÉTICA E
REPRESENTACIONAL, EM QUE UMA QUANTIDADE
SIGNIFICATIVA DOS DADOS COLETADOS E DA
PESQUISA OBSERVACIONAL PARTICIPANTE
REALIZADA SE ORIGINA E SE MANIFESTA POR MEIO
DE DADOS COMPARTILHADOS GRATUITAMENTE NA
INTERNET, INCLUINDO APLICATIVOS MÓVEIS.
(KOZINETS, 2015, p. 79)
DIFERENÇAS ENTRE A ETNOGRAFIA E A
NETNOGRAFIA
Você sabe qual a diferença entre a etnografia e a netnografia?
Etnografia
Pode ser entendida como um campo do saber científico e um método de pesquisa qualitativa.


Netnografia
É entendida como um método de pesquisa com foco em entender como ocorrem as relações
sociais mediadas pela tecnologia, e como a tecnologia afeta essas relações.
Aspectos centrais da análise etnográfica, como comunidades ou cultura, se tornam menos
fixos, já que hoje um indivíduo pode ocupar espaços em diversas culturas e em milhares de
comunidades no meio on-line, comunidades essas que muitas vezes também estão ligadas ao
meio off-line, como um grupo de chat de colegas de trabalho ou o típico grupo da família.
Foto: stock.adobe.com
Contudo, apesar do desenvolvimento tecnológico ser um fator central para a emergência da
netnografia e de suas análises, é importante lembrar que os seres humanos não são passivos
a todas as mudanças que vivem.
Portanto, umponto fundamental a ser considerado em qualquer pesquisa netnográfica é que
há uma constante interação entre os seres humanos e a tecnologia. Ou seja, assim como a
tecnologia muda a forma com que as pessoas agem, as pessoas também mudam
constantemente a tecnologia.
 EXEMPLO
A tecnologia alterou a forma com que nos relacionamos diariamente com pessoas
extremamente próximas, a ponto de não telefonarmos para os nossos pais, mas mandarmos
uma mensagem no WhatsApp. Por outro lado, muitos comerciantes começaram a vender pelo
WhatsApp, fazendo com que a plataforma se adaptasse a isso.
TIPOS DE COMUNIDADES ON-LINE
Embora exista uma diversidade de comunidades no mundo on-line e seu comportamento seja
muito determinado pela plataforma em que interagem, usar alguns modelos de classificação
pode ser uma boa forma de começar a entender tais grupos e levantar questões de pesquisa
importantes.
Um dos modelos mais usados na netnografia para classificar comunidades é o proposto por
Kozinets (1998, 1999), que classifica os grupos on-line de acordo com o foco nos temas
discutidos e na intensidade da relação entre seus membros.
De acordo com a figura a seguir, temos quatro categorias definidas conforme o nível de
envolvimento com os temas e as atividades (eixo y) e a intensidade dos laços sociais (eixo x).
Figura: Kozinets, 2015, p. 69 adaptado por Juliana de Carvalho
 Tipos de grupos on-line
Agora vamos analisar a que tipo de grupo corresponde cada categoria:
1ª ENTUSIASMO DE MÍDIA MISTO
2ª EXPERIÊNCIAS SOCIAIS EXPERIMENTAIS
3ª ORGANIZAÇÕES DE EMPREENDIMENTO SOCIAL
4ª EXPRESSÕES DE COMPARTILHAMENTO SOCIAL
1ª ENTUSIASMO DE MÍDIA MISTO:
Corresponde aos grupos em que se tem baixo nível de envolvimento com outros indivíduos e
com os assuntos ali discutidos. Usando novamente os grupos de WhatsApp como exemplo,
pode ser um grupo de uma matéria eletiva da faculdade, em que você não conhece muito bem
as pessoas e não partilha muitos assuntos.
2ª EXPERIÊNCIAS SOCIAIS EXPERIMENTAIS:
Nesses grupos, você está num espaço com pessoas com quem tem alto nível de
relacionamento, mas pouco assunto ou interação. Talvez um bom exemplo seja aquele grupo
da família em que somente mandamos mensagens de bom dia ou fazemos o sorteio do amigo
oculto de Natal.
3ª ORGANIZAÇÕES DE EMPREENDIMENTO SOCIAL:
Aqui pode não haver alto grau de relacionamento com as pessoas, mas as afinidades e os
assuntos são intensos. Um exemplo seria aquele grupo sobre o seu time de coração, no qual
mensagens são trocadas com frequência, mas os membros não se conhecem bem, pois são
de todo o país.
4ª EXPRESSÕES DE COMPARTILHAMENTO SOCIAL:
Nesse grupo existe alto grau de interesse nos assuntos discutidos, assim como alto
envolvimento e amizade entre os participantes. Um exemplo seria um grupo falando sobre seu
programa de TV favorito com seus melhores amigos da escola.
Kristine de Valck (2005) também propôs uma tipologia semelhante à proposta anteriormente,
porém com maior foco nos indivíduos que estão em um grupo ou na relação de um indivíduo
com certa plataforma social. De acordo com essa tipologia, eles podem ser:
PRINCIPIANTES:
Carecem de vínculos sociais com o grupo/plataforma e têm interesse superficial com o tema.
SOCIALIZADORES:
Mantêm laços fortes com outros membros do grupo, mas têm pouco interesse no que é
discutido.
DEVOTOS:
Possuem vínculos fracos com a comunidade, mas grande interesse em suas pautas.
CONFIDENTES:
Têm fortes vínculos com o grupo e com as atividades desenvolvidas.
E qual a importância de entender como se dá a relação entre indivíduos nos grupos on-line e
sua frequência de ação em uma plataforma?
Tudo isso influencia a forma como eles se comportam e desenvolvem relacionamentos naquele
ambiente, afetando nossas perguntas de pesquisa em pontos como: se essas pessoas podem
ou não ser público-alvo para entendermos alguns fenômenos e como deve ser feito o
relacionamento com elas (grau de formalidade, tipo de linguagem utilizada e formas de
comunicação). Esses são fatores centrais para se fazer uma boa netnografia.
CARACTERÍSTICAS DA NETNOGRAFIA
Como método de pesquisa, a netnografia é marcada por um conjunto de características que a
diferenciam de outros métodos. São elas:
1. Multiplicidade
Foto: stock.adobe.com
Há várias formas de se engajar no meio digital. Assim, as teorias utilizadas em pesquisas
netnográficas precisam estar de acordo com as necessidades do ambiente de pesquisa e dos
grupos envolvidos.
Além disso, é fundamental pensar que as relações em ambientes digitais dependem da
estrutura de acesso, que tem influência sobre os resultados (se o acesso é via celular ou PC,
se a banda é ilimitada ou não etc.).
 EXEMPLO
Pessoas que têm plano de dados limitados no celular. Para elas, a internet se reduz a
plataformas sociais como Facebook e Instagram, sendo essas inclusive fonte de notícias. Uma
pessoa com acesso amplo, por outro lado, pode buscar mais informações, o que afeta
diretamente suas interações nos grupos.
2. Não digital-cêntrica
Por mais que todas as relações analisadas ocorram no ambiente on-line, o centro não está no
on-line em si, mas em como ele afeta e permite o desenvolvimento das relações.
 EXEMPLO
Os emoticons são um tipo de comunicação criada para o ambiente digital. Numa netnografia, o
foco não seria entender por que a junção dos dois pontos e uma letra d maiúscula (:D) forma
um sorriso, mas sim o que ele significa e em que situações é usado.
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3. Abertura
A netnografia é caracterizada pela intersecção entre diferentes disciplinas, sobretudo as das
áreas de comunicação e tecnologia, e conta com diferentes participantes (pesquisadores,
membros dos grupos, produtores de conteúdo, gestores das plataformas etc.), em um processo
colaborativo.
A página de um influencer no Instagram muda não apenas pela influência dos seus seguidores
ou das tendências de mercado, mas também por novidades implementadas pela plataforma,
havendo assim um constante processo de criação coletiva.
4. Reflexiva
A prática etnográfica envolve um processo de reflexão do pesquisador, que também está
presente na netnografia. Essa reflexão é essencial para entender significados não explícitos e
evitar vieses de pesquisa.
Vejamos um exemplo:
Foto: stock.adobe.com
Em um famoso post no Twitter, o então presidente dos EUA, Donald Trump (2017), postou:
“Apesar da imprensa negativa, covfefe.”
A palavra covfefe não tem nenhum significado na língua inglesa, o que gerou piadas e críticas
instantâneas de parte da imprensa e humoristas, que a todo momento ligavam o tweet aos
constantes erros de digitação e à limitação do presidente sobre certos assuntos.
Contudo, em um trabalho de netnografia é necessário que o pesquisador reflita mais
profundamente sobre a questão que lhe é apresentada, indo além dos significados superficiais.
No caso do tweet do Trump, algumas possibilidades seriam entender se essa palavra faz algum
sentido em certo grupo-alvo ou se pode estar sinalizando uma reação dentro de um contexto
político momentâneo. Porém, tais alternativas só passam a existir quando saímos das
interpretações óbvias e percepções prévias existentes sobre um indivíduo ou contexto.
5. Não ortodoxia:
A netnografia faz com que tenhamos que olhar formas diferentes de comunicação, para além
do texto escrito ou falado. O ambiente on-line faz com que fotos, memes, gifs e emoticons
sejam parte do nosso processo de diálogo e tenham que ser entendidos.
 EXEMPLO
Responder a uma pergunta no WhatsApp com um gif engraçado pode ter um sentido
totalmente diferente de simplesmente dizer sim ou não.
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MÉTODOS E FERRAMENTAS DE PESQUISA
NETNOGRÁFICA
A etnografia é classicamente um método qualitativo, visto que estuda poucas culturas em
profundidade, contando com um número relativamente pequeno de indivíduos. Já no ambiente
digital, o pesquisador tem acesso a uma infinidade de dados, pessoas e grupos. Assim, outraspossibilidades de pesquisa, como a quantitativa ou a de métodos mistos, são uma realidade.
Como definir que tipo de método usar?
A sua pergunta de pesquisa é que deve guiar a escolha. Para explorar e compreender o
significado das práticas no meio on-line, ou quando não há teorias suficientes para propor
algum tipo de relação, a pesquisa qualitativa pode ser uma boa escolha.
Já quando se busca testar teorias preestabelecidas, a opção pela pesquisa quantitativa é mais
comum. Os métodos mistos têm como vantagem não apenas explorar novas relações, mas
confirmá-las para uma população relevante.
Dentro desses diferentes métodos, também existem ferramentas diversas de pesquisa que
podem ser usadas para coleta de dados. Dentre as principais, podemos citar:
1. Questionários fechados (levantamentos do tipo survey)
Apesar de serem pouco usados nas netnografias, os questionários fechados podem ajudar a
determinar diferentes padrões de comportamento, sobretudo entre populações.
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Esses instrumentos são comumente usados para coletar dados demográficos e atitudes gerais;
tirar conclusões sobre padrões de comportamento on-line; propor correlações entre fatores; e
obter uma noção das atitudes e opiniões das pessoas em suas redes sociais on-line.
2. Entrevistas em profundidade
A entrevista nada mais é que uma conversa, mas na netnografia ela é mediada por aparatos
tecnológicos. Uma questão importante é que a ferramenta usada para a entrevista pode
influenciar a forma com que os dados que são relatados.
Por exemplo, as pessoas tendem a se sentir mais confortáveis em interações face a face, como
por Skype ou Zoom, mas também podem tocar em temas mais sensíveis em uma conversa por
e-mail, já que suas reações não serão vistas pelo interlocutor.
Quando as entrevistas em profundidade são usadas?
Em situações nas quais se precisa de um relato subjetivo detalhado das experiências
sociais on-line vividas pelas pessoas (ou seja, uma compreensão fenomenológica);
Para aprofundar a compreensão da relação entre a própria pessoa e suas interações
sociais on-line;
Para obter uma percepção detalhada, multifacetada, fundamentada e subjetiva de uma
pessoa; e
Para compartilhar as lembranças, gravações e interpretações das pessoas em relação a
experiências, interações e eventos.
3. Diário da internet
Para entender em profundidade algumas questões, o diário da internet é uma interessante
ferramenta de pesquisa. Nele, os participantes registram suas experiências e reflexões sobre a
vivência on-line. Pode ser utilizado nas mesmas situações em que as entrevistas em
profundidade são realizadas.
4. Análise de redes sociais (social network analysis – SNA)
É um método analítico que foca as estruturas e os padrões de relacionamento entre atores
sociais em uma rede. As pessoas são vistas como nós (entrelaces) em uma rede, e as relações
entre elas como elos. Tais relações podem ser fortes ou fracas, e tais nós podem ser centrais
para uma comunidade ou ter participação periférica.
Além disso, os nós (que representam as pessoas) são responsáveis por conectar diferentes
grupos. Assim, esse tipo de análise marca o caráter plural da participação nos diferentes
grupos on-line.
A imagem a seguir exemplifica uma estrutura de redes sociais.
Para que normalmente é usada a análise de redes sociais?
Entender melhor a estrutura das comunicações de uma comunidade;
Discutir padrões de relações sociais ou "laços";
Descrever diferentes tipos de relações sociais e trocas entre membros de uma rede social
identificada;
Investigar os padrões de comunicação e interação on-line;
Estudar os fluxos de comunicação e conexão por meio de diferentes sites e redes on-line;
e
Comparar as estruturas da comunidade e os fluxos de comunicação entre vários tipos de
redes sociais, interações e experiências.
5. Dados de arquivo
Referem-se a qualquer dado que possa ser obtido on-line sem a necessidade de solicitação a
um membro de uma comunidade. Em geral, são disponibilizados como bancos de dados
coletados de forma independente, não havendo assim risco de vieses por parte dos
pesquisadores ou participantes.
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IMPLICAÇÕES DO BIG DATA PARA A
NETNOGRAFIA
Foto: stock.adobe.com
Como discutimos anteriormente, o advento das novas tecnologias tem tornado o mundo cada
vez mais on-line, o que vem causando grande impacto na cultura e nos indivíduos ao redor do
globo. Uma das principais mudanças impostas à etnografia foi a migração de diversas
pesquisas para métodos netnográficos.
Porém, além de passarmos a usar uma metodologia em que as relações são mediadas por
plataformas on-line, houve também um significativo aumento no volume de dados coletados e
disponíveis para análise.
Esses dados podem ser macrodados (se referindo, por exemplo, a toda uma população),
microdados (individuais), instantâneos, longitudinais, ou apresentar mais de uma dessas
características ao mesmo tempo, que é quando você captura dados que são individuais, mas
que podem ser agrupados. Como uma análise multinível, por exemplo.
Esses imensos bancos de dados, que crescem a todo momento e não podem ser processados
por simples computadores ou softwares, são o chamado Big Data, e precisam ser analisados
pelo uso de máquinas e algoritmos específicos.
O advento do Big Data mudou a forma com que os etnógrafos trabalham e interpretam os
dados. Muitos dos dados hoje coletados e disponibilizados para pesquisas são granulares e
adquiridos sem o conhecimento ou a autorização direta dos usuários.
Mesmo assim, muitos dados ainda são coletados de forma tradicional, como por meio de
entrevistas, fazendo com que o etnógrafo trabalhe com dados híbridos. Por fim, os dados são
agrupados em diversos bancos, que servem para propósitos específicos.
Diante desse grande volume de dados, fica a pergunta:
Como o etnógrafo processa todos esses dados?
Tudo isso pode ser analisado automaticamente por algoritmos, mas cabe ao pesquisador
decidir de que forma os dados serão organizados e tratados, assim como interpretá-los. Dessa
forma, ao combinar o Big Data e a visão antropológica é possível contextualizar e ter maior
compreensão dos dados disponíveis on-line.
BIG DATA E PRIVACIDADE NA INTERNET
Vamos ver um caso ocorrido envolvendo a privacidade na internet:
O mês de janeiro de 2021 foi marcado por um megavazamento de dados de cerca de 223
milhões de brasileiros, sendo o maior já registrado na história do país. Dados como CPF, CNPJ
e endereços foram divulgados como uma “amostra grátis” de uma base mais completa, que
poderia ser comprada por algumas criptomoedas.
Uma operação da Polícia Federal prendeu dois hackers envolvidos no vazamento. Mas em um
mundo no qual estamos divulgando nossos dados a todo momento, fica a impressão de que
estamos sempre vulneráveis a novos ataques.
Porém, é importante lembrar que os vazamentos são apenas uma parte do debate sobre
privacidade na internet. Temos que pensar primeiramente em quem coleta os dados:
CRIPTOMOEDAS
Funcionam como dinheiro, moedas tradicionais (real, dólar), mas na verdade não criadas
por governos nacionais. São criadas exclusivamente no meio digital e usam a tecnologia
blockchain e criptografia para validar pagamentos e a criação de novas unidades de
criptomoeda.
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Foto: PixieMe - stock.adobe.com
Empresas de aplicativos e aparelhos que sabem todos os nossos hábitos.
Foto: stock.adobe.com
Sites em que preenchemos cadastros.
Foto: stock.adobe.com
Governos que têm câmeras para monitoramento de cidadãos.
Foto: stock.adobe.com
E muitas outras empresas que sequer conhecemos.
Para algumas empresas, damos autorização para coletar nossos dados sem perceber, ao
concordar com termos de uso, já outras coletam e compartilham dados sem ao menos
sabermos.
Algumas ações para tentar limitar a coleta de dados já foram colocadas em prática, como a
General Data Protection Regulation (GDPR – Regulação Geral de Proteção) , lei que protegedados de indivíduos na União Europeia, e a Lei Geral de Proteção de Dados
Pessoais (LGPD) , válida no Brasil. Porém, ambas ainda contam com muitas brechas e estão
vulneráveis às constantes mudanças do ambiente on-line.
Uma notícia boa é que existem empresas trabalhando em técnicas de privacidade diferencial,
coleta agregada e estatística, processamento local usando redes neurais, e ferramentas de
privacidade digital, com o objetivo de aumentar a privacidade dos indivíduos e evitar vazamento
de dados.
COMO FAZER UMA NETNOGRAFIA?
A prática de pesquisa da netnografia pode ser realizada por meio de 12 passos, que
frequentemente interagem. Segundo Kozinets (2015), eles são:
1
INTROSPECÇÃO:
O pesquisador deve refletir sobre o papel da pesquisa em seu projeto de vida atual e em sua
história de vida real à medida que a pesquisa se desenrola.
INVESTIGAÇÃO:
O pesquisador elabora e apura a pergunta da pesquisa netnográfica, baseando-se no estudo
de sites, tópicos ou pessoas, de forma que possa ser razoavelmente respondida por uma
abordagem netnográfica.
2
3
INFORMAÇÃO:
O pesquisador deve levantar considerações éticas desde o início e estar ciente das práticas
éticas de pesquisa.
ENTREVISTA:
É importante encontrar uma boa variedade de pessoas ou sites para investigar. O conjunto de
pessoas entrevistadas deve ser compatível com várias formas on-line de sociabilidade e
satisfação.
4
5
INSPEÇÃO:
O pesquisador faz a escolha do local (ou locais) específico a ser investigado(s). Diferentes
tipos de sites, tópicos, pessoas e até mesmo esquemas de combinações de grupos são
possíveis e úteis.
INTERAÇÃO:
É fundamental traçar a extensão da participação do pesquisador em interações sociais on-line.
6
7
IMERSÃO:
A compreensão do pesquisador é ampliada por meio da constante imersão nos dados, tópico
ou site.
INDEXAÇÃO:
Uma quantidade adequada de dados é coletada de uma variedade de fontes relevantes.
8
9
INTERPRETAÇÃO:
A análise interpretativa, ou interpenetração, é conduzida como um esforço para aprofundar o
entendimento.
ITERAÇÃO:
O pesquisador interpreta continuamente e busca insights, regras gerais, padrões, saturação de
questões de pesquisa. Ele volta ao site de campo (paralelo on-line para o local de trabalho de
campo), aos dados e à literatura em um ciclo crescente, em busca de contribuições, respostas,
representações, ideias e perguntas.
10
11
INSTANCIAÇÃO:
É nesta fase que a netnografia toma forma física, ou seja, que os resultados tomam forma
física, seja em texto, imagem ou outro formato.
INTEGRAÇÃO:
Por estar conectada ao ambiente on-line, que é sempre dinâmico, a netnografia não termina
quando é publicada. Esta fase final se refere a como o trabalho final é recebido no mundo e se
integra a todo o resto do material existente e que será produzido futuramente.
12
A NETNOGRAFIA NA PRÁTICA
No vídeo a seguir, veremos como a netnografia vem sendo utilizada na prática, abordando
tanto as observações de grupos na internet como o uso de Big Data.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. POR MEIO DE UMA NETNOGRAFIA, UM PESQUISADOR RESPONDE À SEGUINTE
PERGUNTA DE PESQUISA: QUANTOS ADOLESCENTE BRASILEIROS USAM O
FACEBOOK PELO MENOS UMA VEZ POR SEMANA?
QUAL DAS FERRAMENTAS ESTUDADAS SERIA MAIS ADEQUADA PARA RESOLVER TAL
QUESTÃO?
A) Entrevista em profundidade
B) Questionários fechados
C) Análise de redes sociais (SNA)
D) Análise de dados secundários
E) Diário da internet
2. PENSAR SOBRE AS IMPLICAÇÕES ÉTICAS E SOCIAIS DO TRABALHO QUE SERÁ
FEITO E CONSTRUIR PESQUISAS ACEITÁVEIS NO ÂMBITO PESSOAL E PROFISSIONAL
CORRESPONDE AO SEGUINTE PASSO DA NETNOGRAFIA:
A) Interpretação
B) Integração
C) Entrevista
D) Informação
E) Indexação
GABARITO
1. Por meio de uma netnografia, um pesquisador responde à seguinte pergunta de
pesquisa: Quantos adolescente brasileiros usam o Facebook pelo menos uma vez por
semana?
Qual das ferramentas estudadas seria mais adequada para resolver tal questão?
A alternativa "B " está correta.
Conforme ressaltado na seção 2.5, os questionários fechados do tipo survey são os mais
adequados para responder questões ligadas a padrões de comportamento de uma grande
população, como é caso do conjunto dos adolescentes brasileiros.
2. Pensar sobre as implicações éticas e sociais do trabalho que será feito e construir
pesquisas aceitáveis no âmbito pessoal e profissional corresponde ao seguinte passo
da netnografia:
A alternativa "D " está correta.
No processo de informação, o pesquisador deve levantar considerações éticas desde o início e
estar ciente das práticas éticas de pesquisa aceitáveis.
MÓDULO 3
 Identificar as aplicações práticas da etnografia na tomada de decisões empresariais
PESQUISA ETNOGRÁFICA E MUNDO
CORPORATIVO
Mudanças recentes nas dinâmicas culturais, como a globalização, a nova economia, a
economia de serviço, os negócios centrados no cliente, a customização e a era da informação
apontaram para a necessidade de as empresas terem uma visão mais profunda das
experiências humanas.
Assim, aplicar análises antropológicas e, mais especificamente, etnográficas se tornou uma
opção para melhor entender como consumidores, funcionários e outros grupos de interesse se
relacionam com a organização e seus produtos. Tal cenário levou vários antropólogos a
“entrarem nas empresas”, compondo departamentos de pesquisas de organizações como a
IBM e a Microsoft, além de atuarem em consultorias.
MAS POR QUE ESPECIFICAMENTE A
ETNOGRAFIA, E NÃO OUTROS MÉTODOS DE
TRABALHO QUALITATIVO, VEM GANHANDO
FORÇA DENTRO DAS EMPRESAS?
RESPOSTA
RESPOSTA
Um dos principais motivos é a observação em profundidade feita a longo prazo, o que
torna a etnografia um método que pode trazer insights únicos nas empresas. A imersão
do pesquisador no campo faz com que ele gere interações informais com os grupos
estudados, levando não apenas a uma melhor percepção do contexto, mas também
permitindo a observação de comportamentos e falas nem sempre captados pelas
empresas.
O fortalecimento da netnografia como método etnográfico também foi fundamental para a
aplicação da etnografia no ambiente empresarial, visto que muitos dos trabalhos feitos ocorrem
no ambiente on-line, com o uso de data mining, observação participante em comunidades e
entrevistas face a face em grupos de foco mediados por aplicativos.
Diferenças entre a pesquisa acadêmica e a pesquisa corporativa:
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javascript:void(0)
DATA MINING
Traduzido no português por mineração de dados.
Essa atividade é caracterizada pelo uso de ferramentas para análise de uma grande
quantidade de dados digitais com o objetivo de encontrar padrões (repetições) e extrair
conhecimento (testar hipóteses, identificar correlações etc.). Essa ferramenta faz uso de
algoritmos e técnicas de estatística para interpretar esse grande volume de dados.
Acadêmico
Na pesquisa acadêmica, a pergunta de pesquisa parte de questões do pesquisador ou da
teoria de determinada área.

Corporativo
No ambiente corporativo, os projetos etnográficos são solicitados por um executivo que
acredita que esse tipo de pesquisa possa ajudá-lo a atingir suas metas.
O foco nos resultados impõe algumas limitações ao método, como ter um tempo mais limitado
para fazer uma imersão profunda em um grupo social.
Outra diferença está no entendimento do pesquisador, que muitas vezes deixa de entender
uma comunidade de forma mais ampla para focar questões tipicamente corporativas, como
aumentar o consumo ou a produtividade.
Assim, é fundamental entender que uma importante característica da etnografia feita dentro das
empresas é que seus resultados buscam responder a questões imediatas e estratégicas para
as organizações.
Uma forma de facilitar a pesquisa é focar o trabalho colaborativo junto aos grupos que
solicitaram a pesquisa, tentando “falar a mesma língua” das pessoas do ambiente corporativo,
como maneira de facilitar a comunicação e alinhar os objetivos.
COMO A ETNOGRAFIA PODENOS AJUDAR
NO AMBIENTE CORPORATIVO?
Como falamos anteriormente, a principal caraterística da etnografia é a observação participante
a longo prazo, e é ela que torna tal tipo de pesquisa tão útil para os ambientes corporativos. E
por quê?
1º
A observação participante é uma forma de pesquisa em primeira mão, ou seja, é o próprio
pesquisador que coleta seus dados por meio de um contato profundo com os grupos
pesquisados.
2º
O pesquisador não só observa os grupos estudados, mas também tenta entender e atribuir
significados a diversos tipos de atividades, outra particularidade da etnografia.
3º
A oportunidade de observar de perto indivíduos em situações e conversas informais é uma
estratégia capaz de revelar percepções, práticas e comportamentos que nem mesmo um
grande volume de dados, como os produzidos por sites como Facebook ou Google, são
capazes de revelar. Contudo, a associação de diferentes métodos de pesquisa, como o Big
Data e a etnografia, produz um panorama mais completo para entendimento dos grupos de
interesse.
QUEM FAZ A ETNOGRAFIA NAS
EMPRESAS? FUNCIONÁRIOS X
CONSULTORIAS
No mercado de etnografia nas empresas, há duas posições comuns ocupadas pelos
etnógrafos: ou eles são contratados como funcionários, fornecendo constantes inputs à
empresa, ou são consultores que trabalham em agendas específicas.
FUNCIONÁRIOS
Vamos considerar algumas desvantagens e vantagens de um funcionário etnógrafo.
Ao trabalhar em uma etnografia, um funcionário é constantemente visto como alguém que
representa e traz as perspectivas específicas de certa área ou departamento, por exemplo:
Foto: stock.adobe.com
Funcionários entrevistados por um etnógrafo da área de RH podem pressupor que o trabalho é
sobre motivação ou condições de trabalho.
Foto: stock.adobe.com
Já funcionários entrevistados por um etnógrafo ligado à TI poderiam deduzir que o interesse
está ligado ao uso de tecnologias.
Entretanto, um funcionário tem conhecimento da cultura organizacional e de percepções
prévias dos consumidores, o que pode facilitar o compartilhamento de informações e
percepções. Outra vantagem de ter um profissional interno fazendo esse tipo de pesquisa é o
fato de o trabalho ser contínuo, e não só realizado quando solicitado por uma diretoria.
Porém, um grande problema é que esse mesmo funcionário pode ser visto como alguém
comprometido com a empresa, e não com as percepções daqueles que está acompanhando.
CONSULTORIAS
Um etnógrafo contratado como freelancer ou consultor tem a vantagem de ser um
outsider (Estranho) , ou seja, olhar para as questões de pesquisas sem vieses do
conhecimento prévio da organização ou de hábitos dos consumidores.
No entanto, é importante lembrar que, como qualquer outro etnógrafo, o consultor não está
isento de seus pontos de vista e preconcepções.
O consultor, em geral, é chamado para responder a uma necessidade específica, dentro de um
projeto com tempo determinado, o que pode limitar sua imersão profunda no campo, que é
fundamental para o entendimento da natureza do contexto.
Além disso, há um conflito ético entre satisfazer as necessidades dos contratantes e ser claro
sobre a implicação do seu trabalho com os participantes.
APLICAÇÕES DA ETNOGRAFIA NO
AMBIENTE CORPORATIVO
A etnografia pode ser utilizada nos mais distintos contextos corporativos, como para entender
uma fusão entre duas empresas ou explorar por que acontecem tantos acidentes em certas
áreas.
Porém, as duas áreas que concentram o maior volume de pesquisas, e que vamos explorar
nessa unidade, são o marketing (incluindo a área de comportamento do consumidor) e a área
de recursos humanos e estudos organizacionais.
A PESQUISA ETNOGRÁFICA NO MARKETING
Em muitas organizações, a base das ações de marketing é a pesquisa, sendo comum que
profissionais da área busquem ganhar uma melhor visão do ambiente de negócios ao
compreender seus clientes, competidores e outros grupos de interesse.
Para isso, são usados conhecimentos de marketing e de outras disciplinas, como
microeconomia, psicologia do consumidor, antropologia do consumo, além de muitas decisões
serem tomadas com base em análises de Big Data.
Diante de tantos dados disponíveis, como a etnografia pode ser um diferencial para a
estratégia de marketing?
O uso de etnografia no marketing parte do princípio de que qualquer ação social, inclusive o
consumo, só pode ser entendida dentro de uma cultura, levando em conta seus conceitos, suas
regras, convenções e crenças. É a cultura em contexto que explica os comportamentos sociais
e as decisões das pessoas.
O uso da etnografia dá aos profissionais de marketing perspectivas únicas que partem da
observação — ou seja, partem dos dados e não de teorias a priori.
Além disso, a etnografia é uma importante ferramenta para dar sentido ao Big Data, ao
entender aspectos do dia a dia não capturados em dados quantitativos. É também uma forma
de obter impressões profundas do consumidor, sendo uma importante ferramenta para
compreender mudanças culturais e acompanhar tendências.
Foto: stock.adobe.com
Por fim, o uso da etnografia abre oportunidades de ganhar uma visão mais completa do
mercado e de todos os atores envolvidos.
PESQUISA ETNOGRÁFICA NOS LOCAIS DE
TRABALHO
A etnografia no ambiente de trabalho começou a se desenvolver ainda no início do século XX,
com o objetivo de entender aspectos sociais negativos das empresas, como jogos políticos,
questões de poder e relações disfuncionais. Tais estudos partiam da perspectiva de que
empresas seriam organizações eficientes e que qualquer desvio que afetasse seus resultados
deveria ser corrigido.
Foi apenas na década de 1970 que a etnografia do trabalho definiu seus objetivos principais,
que a orientam até hoje, como entender as práticas diárias e relações entre os funcionários,
tendo como foco suas experiências vividas e sua percepção de mundo.
Tais estudos buscam não só entender melhor o ambiente e a cultura organizacional, mas
também fatores presentes nas organizações como liderança, estratégias de RH, design
organizacional e gestão intercultural.
De maneira geral, a etnografia das organizações e de seus funcionários visa:
1. Analisar as dimensões individuais da vida organizacional — dentro deste objetivo, os
pesquisadores têm como objeto de análise os funcionários de forma individual e as relações
entre eles. Buscam entender como se sentem sobre o ambiente e o sentido do trabalho, além
de como se inter-relacionam no mesmo nível hierárquico e com sua chefia.
2. Entender as relações do indivíduo com o contexto — a etnografia tem também como papel
entender a relação entre o funcionário, ou grupos de funcionários, e toda estrutura
organizacional. Aqui as pesquisas percebem os conflitos entre a cultura organizacional e as
percepções dos empregados, assim como o desalinhamento entre alta liderança e a equipe,
além de entender como a organização, suas regras e práticas impactam comportamentos,
práticas e percepções dos indivíduos.
ALGUMAS APLICAÇÕES DA ETNOGRAFIA
NAS EMPRESAS
Vamos conhecer alguns exemplos de usos práticos da etnografia nas empresas:
Foto: ManuPadilla - stock.adobe.com
A IKEA é uma empresa sueca que atua em diversas partes do mundo, vendendo móveis de
baixo custo. Com o objetivo de entender os hábitos de seus consumidores, ela realizou uma
pesquisa etnográfica em que enviou pesquisadores para viver com clientes e inseriu câmeras
nas casas de consumidores com o objetivo de entender seus hábitos de uso. Como resultado,
os pesquisadores descobriram que os asiáticos não têm hábitos de se sentar em sofás, mas
sim no chão. Também perceberam que, muitas vezes, as pessoas usam móveis para
propósitos diferentes do que foram criados, levando a uma mudança no design e nos materiais
usados para criar suas peças.
Foto: Formatoriginal - stock.adobe.com
Por meio de uma pesquisa etnográfica, a General Motors descobriu que sua tradicional
estrutura de plantas industriais dificultava um grandedesejo de seus funcionários: maior
colaboração dentro da equipe. Tal achado levou a empresa a reestruturar suas fábricas, dentro
de um modelo que chamou de “conceito de equipe”, em que pequenos grupos trabalhavam de
forma colaborativa.
Foto: wolterke - stock.adobe.com
A Intel é uma das maiores investidoras em etnografia corporativa no mundo. Nessa empresa, a
etnografia é utilizada para melhor compreender os clientes a fim de desenvolver produtos
inovadores. Nos anos 1990, a empresa fez uso de pesquisa etnográfica para entrar em um
novo mercado: o dos consumidores privados. Para decidir como sua linha de PCs seria criada,
a Intel fez um grande estudo que contou com diversos métodos típicos da etnografia. Como
resultado, seus pesquisadores descobriram que os consumidores não deveriam ser divididos
em faixa de renda ou nível de tecnologia do computador, mas sim por suas habilidades de uso
da tecnologia.
Imagem: Indeemo | Insight Platforms | Software & Solutions | Research & Analytics
A Indeemo é um app de etnografia móvel, que coleta dados de usuários (rotinas, entrevistas e
dados demográficos), com o objetivo de ajudar as empresas na tomada de decisão. Logo no
início da pandemia da Covid-19, a empresa fez um estudo sobre adaptação dos trabalhadores
ao home office. Seus resultados mostram que a maioria dos trabalhadores gostou de passar
mais tempo em casa e ter mais flexibilidade em seu dia a dia, mas também que eles
precisavam de maior suporte das empresas para se adaptarem aos novos métodos de
comunicação e também de adaptação do espaço de casa para o trabalho. Além disso, muitos
preferem uma forma de trabalho híbrida, em que eventualmente vão a empresa para reuniões e
outros tipos de contato social.
Foto: JHVEPhoto - stock.adobe.com
Para entender como as pessoas interagiam com suas TV de tela grande, a Samsung enviou
etnógrafos às casas de seis clientes. Um importante resultado da pesquisa é que, embora a
Samsung, como empresa, se concentrasse em criar TVs com resolução superior, os clientes
estavam mais interessados em como a TV ficava em suas salas de estar! Com essa
percepção, os engenheiros da Samsung reformularam a aparência de suas TVs, prestando
atenção especial em como elas se encaixam em uma variedade de espaços residenciais, e não
apenas em como funcionavam nas folhas de especificações técnicas.
ETNOGRAFIA NAS EMPRESAS
Neste vídeo, faremos um resumo do módulo, abordando as particularidades da etnografia nas
empresas, e como ela pode ser uma importante ferramenta na tomada de decisão, além de
introduzir novos exemplos.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. POR QUE A PESQUISA ETNOGRÁFICA VEM GANHANDO ESPAÇO NO AMBIENTE
CORPORATIVO?
A) É um tipo de pesquisa com execução mais barata.
B) Possui menos vieses que a análise de Big Data.
C) É feita totalmente on-line.
D) Usa a observação em profundidade, trazendo insights únicos.
E) Existem mais profissionais no mercado para executá-la.
2. DENTRE ESTAS OPÇÕES, MARQUE A QUE INDIQUE UMA VANTAGEM DE SE
CONTRATAR UM ETNÓGRAFO PARA FAZER PARTE DA EQUIPE INTERNA DA EMPRESA
(FUNCIONÁRIOS) PONTUADA NESTE MÓDULO:
A) Esse profissional faz um trabalho de pesquisa contínuo na empresa, que pode identificar
questões importantes não percebidas pela liderança.
B) Responde a necessidades específicas propostas por seu contratante, trabalhando em
projetos com temáticas fechadas.
C) Diferentemente dos consultores, os pesquisadores contratados como funcionários não têm
vieses e preconcepções.
D) Tem que agir dentro do código de ética e de compliance da empresa.
E) É protegido pelas leis trabalhistas do país que atua.
GABARITO
1. Por que a pesquisa etnográfica vem ganhando espaço no ambiente corporativo?
A alternativa "D " está correta.
É a observação em profundidade feita por um longo período que torna a pesquisa etnográfica
única, já que tal característica traz ao pesquisador insights que não seriam possíveis em outros
métodos.
2. Dentre estas opções, marque a que indique uma vantagem de se contratar um
etnógrafo para fazer parte da equipe interna da empresa (funcionários) pontuada neste
módulo:
A alternativa "A " está correta.
Consultores contratados como funcionários dentro da empresa fazem um trabalho contínuo e a
longo prazo, de forma a identificar questões que podem passar despercebidas pela
organização.
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste conteúdo falamos sobre a pesquisa etnográfica e como seus procedimentos de coleta e
análise de dados extrapolam as fronteiras dessa área de conhecimento, tornando-se uma
metodologia aplicável a outras ciências sociais, como Educação, Psicologia ou Geografia. Seu
grande diferencial é usar a pesquisa de campo, em que o pesquisador passa por um grande
processo de imersão a longo prazo dentro da cultura dos grupos estudados. Essa imersão tem
como objetivo entender práticas e percepções da comunidade-foco em contexto, observando
suas práticas do dia a dia e ouvindo suas percepções de mundo.
De maneira geral, a pesquisa etnográfica é utilizada quando não existem muitas informações
disponíveis sobre o grupo estudado, ou quando as teorias não permitem a criação de hipóteses
dedutivas, como X causa Y. Os grupos estudados na pesquisa etnográfica podem ser uma
sociedade, um grupo cultural limitado, ou até mesmo uma subcultura.
Com a evolução social, processos de transformação social e mudanças no ambiente
corporativo, a etnografia sofreu transformações que levaram ao surgimento da netnografia e à
aplicação cada vez mais constante de pesquisas etnográficas dentro do ambiente corporativo.
A netnografia, entendida como o uso das metodologias etnográficas mediadas por ambientes e
ferramentas on-line, é uma forma de entender como as relações são construídas no
ciberespaço, podendo contar com novas formas de análises e de obtenção de dados, como o
Big Data. Já a etnografia nos ambientes corporativos abre maior possibilidade de compreensão
sobre clientes, funcionários e outros grupos de interesse, de modo a resolver questões que não
são entendidas por outros métodos, permitindo a criação de estratégias de negócios mais
assertivas.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
ANGROSINO, M. Etnografia e observação participante: coleção pesquisa qualitativa. Porto
Alegre: Bookman Editora, 2009.
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Brasiliense, São Paulo, 21 mar. 2018.
EXPLORE+
Para saber mais sobre a etnografia e ver exemplos de como ela é aplicada nas
empresas, assista ao vídeo da consultora em etnografia Ellen Isacs sobre a mudança nas
tecnologias e seu impacto na etnografia. Disponível no YouTube.
Roberto da Matta é um dos mais importantes antropólogos brasileiros, e no texto O ofício
do etnólogo, ou como ter ‘anthropological blues’ fala um pouco da sua experiência
como antropólogo. Procure o texto na internet.
Para entender nossos vieses, recomendamos a leitura e a reflexão sobre o texto Rituais
corporais entre os Narcirema. Procure o texto na internet.
O documentário Estou me guardando para quando o carnaval chegar, do cineasta
Marcelo Gomes, é um bom exemplo de como usar observação participante e entrevistas
em profundidade para entender uma cultura local, no caso, da capital brasileira do jeans,
a cidade de Toritama, em Pernambuco. O filme está disponível na Netflix.
CONTEUDISTA
Juliana Costa de Carvalho
 CURRÍCULO LATTES
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