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0 FLÁVIA MAYARA SOARES MACIEL USO DA ELETROESTIMULAÇÃO CORRENTES TENS E RUSSA PARA HIPOSSALIVAÇÃO EM PACIENTES PÓS RADIOTERAPIA EM REGIÃO DE CABEÇA E PESCOÇO: ESTUDO PILOTO “Dissertação de Mestrado Profissional apresentado ao Programa de Pós-Graduação da Fundação Pio XII – Hospital de Câncer de Barretos em associação com a Faculdade de Ciências da Saúde de Barretos Dr. Paulo Prata (FACISB) para obtenção do Título de Mestre. Área de Concentração: Saúde – Inovação em Saúde Orientador: Prof. Dra. Fabiana de Lima Vazquez BARRETOS, SP 2021 1 FLÁVIA MAYARA SOARES MACIEL USO DA ELETROESTIMULAÇÃO CORRENTES TENS E RUSSA PARA HIPOSSALIVAÇÃO EM PACIENTES PÓS RADIOTERAPIA EM REGIÃO DE CABEÇA E PESCOÇO: ESTUDO PILOTO “Dissertação de Mestrado Profissional apresentado ao Programa de Pós-Graduação da Fundação Pio XII – Hospital de Câncer de Barretos em associação com a Faculdade de Ciências da Saúde de Barretos Dr. Paulo Prata (FACISB) para obtenção do Título de Mestre. Área de Concentração: Saúde – Inovação em Saúde Orientador: Prof. Dra. Fabiana de Lima Vazquez BARRETOS, SP 2021 2 Maciel, Flávia Mayara Soares. Uso da eletroestimulação correntes TENS e Russa para hipossalivação em pacientes pós radioterapia em região de cabeça e pescoço: estudo piloto/ Flávia Mayara Soares Maciel – Barretos, SP 2021. 36 f.: il. Dissertação (Mestrado Profissional de Inovação e Saúde) – Fundação Pio XII - Hospital de Câncer de Barretos e Faculdade de Ciências da Saúde de Barretos Dr. Paulo Prata – Barretos SP, 2021. Orientador (a): Prof. Dra. Fabiana de Lima Vazquez 1. Xerostomia. 2. Hipossalivação. 3. Radioterapia. 4. Estimulação elétrica transcutânea. I. Título. CDD 615.8 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Ranulpho Prata Faculdade de Ciências da Saúde de Barretos Dr. Paulo Prata Bibliotecária: Daniele Muriel de Oliveira – CRB8/10634 S676u 3 4 Esta dissertação foi elaborada e está apresentada de acordo com as normas da Pós- Graduação do Hospital de Câncer de Barretos – Fundação Pio XII, baseando-se no Regimento do Programa de Pós-Graduação em Oncologia e no Manual de Apresentação de Dissertações e Teses do Hospital de Câncer de Barretos. Os pesquisadores declaram ainda que este trabalho foi realizado em concordância com o Código de Boas Práticas Científicas (FAPESP), não havendo nada em seu conteúdo que possa ser considerado como plágio, fabricação ou falsificação de dados. As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de responsabilidade dos autores e não necessariamente refletem a visão da Fundação Pio XII – Hospital de Câncer de Barretos. Embora o Núcleo de Apoio ao Pesquisador do Hospital de Câncer de Barretos tenha realizado as análises estatísticas e orientado sua interpretação, a descrição da metodologia estatística, a apresentação dos resultados e suas conclusões são de inteira responsabilidade dos pesquisadores envolvidos. 5 Dedico este trabalho a minha família e namorado, que são meus pilares. E especialmente ao querido Tio Wagner (in memorian) um dos meus grandes exemplos de profissional. 6 AGRADECIMENTOS As colegas fonoaudiólogas da Santa Casa de Passos, aos colaboradores e pacientes do Hospital Regional do Câncer de Passos que tornaram este trabalho possível, em especial ao Dr. Rodrigo Calixto Mattar pelo grande auxílio. A Prof. Dra. Fabiana de Lima Vazquez, pela disponibilidade e carinho, com grandes ensinamentos e auxílio na condução desta pesquisa. Aos membros da banca de qualificação e defesa, Prof. Dr. Daniel Grossi Marconi e Prof. Dra. Flávia Maria Cardoso Consoni, pelas sugestões e críticas preciosas ao longo da elaboração desta dissertação. 7 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS INCA - Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva CA - Câncer RT - Radioterapia EENM - Eletroestimulação neuromuscular TENS - Neuro estimulação elétrica trasncutanea CR - Corrente Russa Gy - Gray RTOG - Radiation Therapy Oncology Group EORT - European Organisation for Research and Treatment of Cancer TCLE - Termo de consentimento livre e esclarecido PARD - Protocolo de avaliação do risco para disfagia HRC - Hospital regional do câncer GT - Grupo TENS GR - Grupo russa VO - Via oral mL - Mililitros FL - Fluxo salivar Hz - Hertz s - Segundos FLI - Fluxo salivar inicial FLF - Fluxo salivar final pH – Potencial hidrogênico 8 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Caracterização da amostra em relação aos grupos de intervenções TENS (GT) e Russa (GR). ............................................................................................................................................. 26 Tabela 2 – Dados da sialometria, dose média de radiação em glândulas parótidas, toxicidade máxima de glândulas salivares segundo RTOG adaptada pelo serviço de radioterapia HRC Passos, tempo entre final da RT e início da eletroestimulação. .............................................................. 28 9 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Média do fluxo salivar estimulado com dados expressos em média de mililitros.. . 27 10 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Glândulas parótida, submandibular e sublingual.. ..................................................... 15 Figura 2 – Representação esquemática do fluxo de trabalho.. ................................................... 20 Figura 3 – Simulação do posicionamento dos eletrodos para eletroestimulação. ..................... 23 Figura 4 – Fluxo do protocolo de intervenção. ........................................................................... 23 11 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO.......................................................................................................................... 14 1.1 Aspectos epidemiológicos e tratamento dos cânceres de cabeça e pescoço ....................... 14 1.2 Hipossalivação pós radioterapia ionizante ........................................................................... 15 1.3 Eletroestimulação neuromuscular ....................................................................................... 17 2. MATERIAIS E MÉTODOS.......................................................................................................... 20 2.1 Desenho do estudo .............................................................................................................. 20 2.2 População do estudo ............................................................................................................ 20 2.3 Critérios de elegibilidade ...................................................................................................... 21 2.4 Amostra ................................................................................................................................ 21 2.5 Intervenção e fluxo da pesquisa ........................................................................................... 21 2.6Variáveis ............................................................................................................................... 27 2.7 Análise estatística ................................................................................................................. 27 2.8 Questões éticas .................................................................................................................... 28 3. RESULTADOS .......................................................................................................................... 26 4. DISCUSSÃO ............................................................................................................................. 29 5. CONCLUSÃO ........................................................................................................................... 32 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................ . 33 ANEXOS ...................................................................................................................................... 35 APÊNDICE ....................................................................................................................................38 12 RESUMO USO DA ELETROESTIMULAÇÃO CORRENTES TENS E RUSSA PARA HIPOSSALIVAÇÃO EM PACIENTES PÓS RADIOTERAPIA EM REGIÃO DE CABEÇA E PESCOÇO: ESTUDO PILOTO. Trabalho de Dissertação de Mestrado Profissional. Barretos: FACISB; 2021. JUSTIFICATIVA: A incidência do câncer vem aumentando mundialmente, no Brasil os cânceres de cavidade oral e laringe figuram dentre os mais incidentes. A radioterapia é um tratamento muito utilizado no tratamento da doença, principalmente em região de cabeça e pescoço, e apesar dos bons resultados no combate as células neoplásicas, são comuns efeitos colaterais deste tratamento, como a hipossalivação e xerostomia. OBJETIVOS: Avaliar se há aumento do fluxo salivar de indivíduos com uso da estimulação elétrica transcutânea utilizando as correntes TENS e Russa. Iniciar um levantamento de dados para sugerir um protocolo de aplicação da eletroterapia para hipossalivação e xerostomia pós radioterapia. MATERIAL E MÉTODOS Estudo piloto, de natureza exploratória, com participantes que apresentavam queixa de xerostomia e hipossalivação, após radioterapia no tratamento do câncer de cabeça e pescoço em ambulatório de um Hospital de Tratamento do Câncer. O fluxo salivar foi medido antes da intervenção e ao final da ultima intervenção, afim de mensurar os efeitos da eletroestimulação em relação ao fluxo salivar dos participantes. RESULTADOS: Observamos um aumento médio do fluxo salivar de 0,55 ml no grupo TENS e de 0,20ml no grupo Russa, foram relatados ganhos nos aspectos funcionais da deglutição, mas devido ao tamanho da amostra não houve significância estatística. CONCLUSÃO: O uso da corrente TENS apresentou melhores resultados em relação a corrente Russa, os efeitos benéficos da corrente Russa foram restritos. PALAVRAS-CHAVE: Xerostomia, hipossalivação, radioterapia, neoplasias de cabeça e pescoço, estimulação elétrica transcutânea, TENS. 13 ABSTRACT USE OF ELECTROSTIMULATION TENS AND RUSSIAN CURRENTS FOR HYPOSSALIVATION IN POST RADIOTHERAPY PATIENTS IN THE HEAD AND NECK REGION: A PILOT STUDY. Master Degree Thesis (MDT). Barretos: FACISB; 2021. BACKGROUND: The incidence of cancer has been increasing worldwide, in Brazil cancers of the oral cavity and larynx are among the most incident. Radiotherapy is a widely used treatment in the treatment of the disease, especially in the head and neck region, and despite the good results in combating neoplastic cells, some side effects of this treatment occur, such as hyposalivation and xerostomia. AIM: To evaluate if there is an increase in the salivary flow of individuals using transncutaneous electrical stimulation using TENS and Russian currents. MATERIAL AND METHODS: Pilot study of exploratory character, with volunteers complaining of xerostomia and hyposalivation after radiotherapy in the treatment of head and neck cancer in the outpatient clinic of a Cancer Hospital. The salivary flow was measured before the intervention and at the end of the intervention period, and the effects of electrostimulation under the salivary flow of the participants were measured. RESULTS: We observed an average increase in salivary flow of 0.55 ml in the TENS group and 0.20 ml in the Russa group, gains were reported in the functional aspects of swallowing, but due to the sample size, there was no level of statistical significance. CONCLUSIONS: The use of the TENS chain presented better results in relation to the Russian chain, the beneficial effects of the Russian chain were restricted. KEYWORDS: Xerostomia, hyposalivation, radiotherapy, head and neck neoplasms, transcutaneous electrical stimulation, TENS. 14 1. INTRODUÇÃO 1.1 Aspectos epidemiológicos e tratamento dos cânceres de cabeça e pescoço O câncer está entre as doenças mais incidentes no mundo, segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA) a estimativa da incidência de câncer no Brasil no período 2020-2022 é de 625 mil novos casos, apontando o câncer (CA) de cavidade oral em 11.180 casos novos em homens e 4010 em mulheres, sendo o 5º mais frequente na população masculina e 13º na população feminina, sem considerar o câncer de pele. O CA de laringe é estimado em 6.479 novos casos em homens e 1.180 em mulheres1. Apesar da alta incidência o câncer é uma doença tratável, com possibilidade de diferentes abordagens de tratamento: cirúrgico, medicamentoso (quimioterapia), com radiação ionizante (radioterapia). Sendo necessário em inúmeros casos associação de modalidades de tratamento para controle e cura da doença2. A radioterapia tem sido o tratamento usado há mais de 1 século, com comprovação no controle de câncer, possibilitando o aumento da sobrevida dos pacientes. É o tratamento preconizado em mais da metade dos casos e em alguns, prevalecendo sobre todas as outras escolhas terapêuticas³, esta modalidade terapêutica utiliza as radiações ionizantes no combate às neoplasias, visando atingir células malignas, impedindo sua multiplicação e/ou provocando sua morte de forma localizada a fim de atingir a menor porção possível de células sadias. A terapia por irradiação é definida por dosagem em gray (Gy), que pode ser utilizado para a cura ou conforto do indivíduo, com dose definida conforme avaliação do radioterapeuta4,5. Em casos de câncer de cabeça e pescoço, o tratamento proposto, geralmente envolve a combinação de tratamentos, levando a participação de uma equipe conjunta de profissionais, cirurgiões, radioterapeutas e oncologistas no tratamento para adequar a melhor intervenção e controle da doença, além de proporcionar a sobrevida pós a cura, através da preservação funcional do indivíduo. Embora a cura seja alcançada em 60% dos casos, nem sempre significa satisfação da qualidade de vida devido aos efeitos pós tratamento3, fato que contribui para o cenário das discussões sobre aspectos de qualidade de vida em oncologia. 15 1.2 Hipossalivação pós radioterapia ionizante A hipossalivação é a diminuição do fluxo salivar, ou seja, da produção de fluído ejetada em cavidade oral. Já a xerostomia, é um sintoma dessa diminuição do fluxo de saliva ou mudança da viscosidade, levando a sensação de “boca seca”6, a saliva é uma mistura de fluidos que além de manter a humidade do revestimento da boca, a saliva facilita a formação do bolo alimentar e inicia sua digestão, contribuindo para a percepção do sabor, mantem um pH adequado na cavidade oral, tem ação antimicrobiana local, auxilia na manutenção da integridadedental e na fala, facilitando a articulação fonatória7. As produção da saliva é realizada por glândulas em resposta a uma gama de estímulos sensoriais: gustativos, olfativos e psíquicos, acontece principalmente nas glândulas parótida, submandibular e sublingual, mas existem cerca de outras 400 a 500 pequenas glândulas salivares distribuídas na cavidade bucal, trato aerodigestivo superior, laringe e faringe, também secretam saliva, essas glândulas secretam aproximadamente de 0,5 litro de saliva por dia em resposta a estimulação do sistema nervoso autônomo simpático e parassimpático7,8. As glândulas salivares são classificadas em mucosa, serosa ou mista. A parótida é a maior glândula salivar e secreta material seroso e proteína (amilase – responsável pela digestão inicial dos carboidratos); a submandibular é uma glândula mista, responsável pela secreção de mucina e proteínas; a sublingual e as salivares menores são mucosas e secretam apenas mucina, secreção mais aquosa7. Figura 1. Glândulas parótida, submandibular e sublingual. Fonte: Site Freepik 16 Apesar da evolução tecnológica, no que diz respeito aos equipamentos de radiação ionizante, e dos protocolos que minimizem danos e sequelas previamente estabelecidos e monitorados em todas as etapas do tratamento e após a finalização, os efeitos colaterais como: lesão de pele, mucosa oral e nasal, glândulas salivares, além de anosmia, disgeusia, prejuízo a dentição, periodonto, ossos, músculos e articulações, ainda acontecem durante o tratamento6. Os efeitos pós-actnícos podem ser agudos, aqueles que aparecem durante o tratamento e até três meses após fim da intervenção, ou tardios quando aparecem a partir de três meses do fim do tratamento6. Existem escalas para classificar ou designar os eventos tóxicos da radioterapia, a classificação de RTOG/EORTC amplamente utilizada há mais de duas décadas, foi desenvolvida para pontuar através de critério de escore as reações pós-actínias agudas e tardias, identificando grau de 0 a 4 os agudos e 0 a 5 os tardios, relacionado aos sinais e sintomas em diferentes regiões do corpo, dentre elas figuram as reações em derme, mucosa e glândulas salivares, regiões afetadas no caso dos pacientes tratados em decorrência de tumor em região de cabeça e pescoço9,10. A radiação provoca danos diretos às células glandulares, levando a atrofia das células, assim como a diminuição da vascularização que gera efeitos indiretos em seu funcionamento. Dependendo da dose de irradiação recebida pela glândula parótida, o fluxo salivar pode diminuir entre 50-60%. A irradiação nas glândulas submandibulares causa xerostomia devido, sua contribuição para o fluxo salivar não estimulado e na produção de mucina. Após a radioterapia, ocorre alterações histológicas tardias no parênquima das glândulas salivares. As alterações são mais acentuadas nas glândulas submandibulares do que nas glândulas parótidas, levando a alterações no volume da saliva, mas também na sua composição, devido a agressão a glândula serosa levando a diminuição de atividade da amilase e do bicarbonato com o consequente aumento do pH e mudança de viscosidade7,11. A hipossalivação tem como desfecho inúmeras alterações, prejuízos à mastigação, deglutição e paladar, aparecimento de infecções bucais, especialmente fúngicas, início de cáries dentárias, alteração no sono pois o indivíduo desperta repetidamente durante a noite devido a xerostomia. Alguns estudos descrevem o uso de estimuladores tópicos de salivação e saliva artificial, como alternativas para amenizar 17 o problema, entretanto estes artifícios funcionam apenas de forma pontual, podendo ser consideradas ações paliativas para o problema e não tratamento. Além disso alguns indivíduos não se adaptam a estas alternativas devido interação medicamentosa, efeitos colaterais, dificuldade ao acesso e custo, tornando-os pouco viáveis em inúmeros casos8,12. 1.3 Eletroestimulação neuromuscular A eletroestimulação neuromuscular (EENM) é um recurso terapêutico utilizado por diversos profissionais, sendo comumente aplicados na acupuntura, auriculoterapia, estética, fisioterapia, odontologia e medicina veterinária, empregado para tratar diferentes tipos de dor, estimular a função muscular e vasodilatação13. Dentro da técnica de EENM existem diversas correntes elétricas, entre elas a corrente TENS, nome comercial e popular que se referre a um tipo de corrente classificada como de baixa frequência, muito utilizada no controle da dor e descrita com bons resultados para estimulação salivar em alguns estudos. Mas apesar de ter se popularizado como nome de uma corrente a sigla T.E.N.S. é a abreviatura da denominação de uma das abordagens terapêuticas utilizando correntes elétricas, em inglês ‘transcutaneous electrical nerve stimulation’ em português estimulação elétrica nervosa trasncutanea, que compreende o uso de corrente elétrica através de eletrodos posicionados na derme para estimulação neuromuscular. Outra corrente muito utilizada, principalmente para ganho de força muscular, é a corrente Russa (CR) classificada como corrente elétrica de alta frequência14,15. O uso da estimulação elétrica transcutânea através da corrente TENS evidenciou resultados favoráveis no que se refere a hipossalivação pós irradiação em região de cabeça e pescoço, e um fator importante deste recurso possibilitando a técnica ser aplicada em um público bem diverso, havendo poucos e raros efeitos colaterais descritos na literatura, pouco invasiva e de custo reduzido16. No entanto, a eletroestimulação é contraindicada em alguns casos e situações: indivíduos com cardiopatias severas; portadores de marca-passo; indivíduos com diagnóstico ou suspeita de epilepsia; em região abdominal de gestantes; indivíduos 18 hipertensos ou hipotensos descompensados; sobre região de pele não integra (dermatites, ferimentos); sobre os seios carotídeos, em região de tumor15. Acredita-se que a EENM com corrente TENS, trabalha na glândula parótida estimulando diretamente o nervo auriculotemporal, responsável pelo impulso secretor nesta glândula, nervos aferentes transportam esses impulsos para os núcleos salivares na medula oblonga, que por sua vez direciona os sinais para a parte eferente do reflexo, levando ao início da salivação17. Estudo realizado com 15 pacientes pós radioterapia em região de cabeça e pescoço conclui que 100% apresentaram aumento da quantidade de saliva e 80% na viscosidade, este estudo utilizou a sialometria para medir o fluxo salivar pré e pós aplicação de corrente TENS16. O estudo realizado por Lakshman & Babu sugere que apesar de respostas positivas ao uso da TENS, essa técnica tem boas respostas quando o indivíduo tem diminuição da função de glândula parótida, porém não foi eficaz quando há ausência de função o que contribui para o ensejo de uma técnica que tenha caráter ativador da função secretora da glândula salivar17. Com base nos achados com relação a eletroestimulação usando correntes TENS e no princípio da estimulação nervosa das glândulas produtoras de saliva, uma alternativa ainda não estudada é o uso da eletroestimulação utilizando a CR aplicada com objetivo de aumento fluxo salivar. A corrente Russa por ser de média frequência atinge estímulos mais profundos, o que sugere que seus efeitos possam ser melhores do que a corrente TENS de baixa frequência, como nos estudos descritos. Apesar do uso da CR como artificio para respostas neuromusculares ser uma técnica difundida na literatura18,19,20, não foram reportados estudos relacionados ao seu uso para estimulação de fluxo salivar. Considerando as alterações provenientes da irradiação e a alta demanda de pacientes com este perfil, este estudo busca pontuar alternativas que melhorem ou amenizem os transtornosde hipossalivação e xerostomia nessa população. A estimulação elétrica trascutânea é uma alternativa pouco invasiva, com poucos e raros efeitos colaterais, sem interação medicamentosa, apresenta melhor custo/benefício 19 que outras alternativas, como os estimulantes salivares e saliva artificial, que são medidas paliativas para o problema em questão. O objetivo deste estudo é sinalizar uma alternativa para o tratamento da hipossalivação, descrevendo os resultados da eletroestimulação comparando os efeitos de duas correntes elétricas, TENS e Russa, em pacientes oncológicos pós radioterapia, a fim de gerar subsídios que embasem a difusão da técnica, contribuindo para a melhora da qualidade de vida dos indivíduos que passaram por tratamento de câncer de cabeça e pescoço através de irradiação e apresentam sequelas salivares. Além de iniciar um levantamento de dados para sugerir um protocolo de aplicação da eletroterapia para hipossalivação e xerostomia pós radioterapia. 20 2. MATERIAIS E METODOS 2.1 Desenho do Estudo Trata-se de estudo um estudo clínico, com grupos paralelos, não randomizado, de caráter exploratório descritivo. Inicialmente sendo proposto um estudo piloto com número reduzido de participantes, para organização e definição dos passos de intervenção e realização do cálculo amostral. A representação esquemática do estudo piloto está descrita na figura 2. Figura 2. Representação esquemática do fluxo de trabalho. RT= Radioterapia; PARD= Protocolo de Risco para Disfagia; TCLE= Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. 2.2 População de Estudo Foram incluidos no estudo indivíduos voluntários acompanhados pelo setor de fonoaudiologia do Hospital Regional do Câncer de Passos, diagnosticados com tumores em região de cabeça e pescoço que passaram por tratamento com radioterapia ionizante, com queixas de hipossalivação e/ou xerostomia. 21 2.3 Critérios de elegibilidade 2.3.1. Critérios de Inclusão - Ser paciente do HRC Passos com tumor em região de cabeça e pescoço tratado; - Ter finalizado o tratamento de radioterapia no mínimo há 90 dias; - Não ter histórico de tumor em glândulas salivares; - Não se aplicar aos fatores de contraindicação da eletroestimulação. 2.3.2. Critérios de exclusão: - Indivíduos sem queixa de xerostomia; - Diagnosticados com disfagia orofaríngea grave no PARD; - Em uso de estimuladores salivares artificiais; - Critérios de exclusão para uso eletroestimulação: cardiopatia grave, portador de marca-passo, diagnóstico ou suspeita de epilepsia, gestante, hipertensão ou hipotensão descompensada; lesões cutâneas e mucosas em região de aplicação (face, pescoço, língua e assoalho bucal). 2.4 Amostra A amostra do estudo piloto foi definida por conveniência, e composta inicialmente por 12 participantes, distribuídos em dois grupos de forma não randomizada. A seleção dos grupos aconteceu por demanda espontânea durante a triagem de elegibilidade para o estudo e disponibilidade para início da participação na pesquisa, sendo os 6 primeiros voluntários alocados no grupo TENS (GT) e os 6 subsequentes alocados no grupo Russa (GR). Entretanto na amostra final do estudo foram elencados 11 participantes, devido exclusão dos dados de 1 participante do GR, por não ter concluído o número de sessões propostas para intervenção. 2.5 Intervenção e fluxo da pesquisa Foram coletados dados através de ficha de anamnese própria (apêndice 1) avaliação com inspeção oral e classificação da deglutição segundo classificação do Protocolo de Avaliação do Risco para Disfagia (PARD) adaptado utilizado pelo serviço de fonoaudiologia da instituição (anexo 1). 22 A produção salivar foi mensurado através de sialometria estimulada na primeira sessão, antes de realizar a intervenção de eletroestimulação e na última sessão após a intervenção. As intervenções do estudo foram incorporadas ao atendimento fonoaudiológico e relatas no prontuário dos participantes do estudo. Os participantes do estudo receberam sessão semanal de eletroestimulação pelo período de 4 semanas em ambos os grupos, porém dentro do grupo TENS, dois participantes receberam mais de 1 sessão semanal, um participante realizou 3 sessões na primeira semana e 1 sessão nas semanas seguintes, e o outro participante recebeu 2 sessões nas 4 semanas de realização do estudo. Essa divergência dentro do grupo aconteceu devido a tentativa de avaliar o resultado do estímulo em números variados de sessões para mensurar se haveria diferença no resultado, entretanto os voluntários apresentaram dificuldade no comparecimento a mais de uma sessão semanal, sendo estabelecido apenas 1 sessão por semana para todos os voluntários subsequentes, fato que tornou o GR homogêneo quanto ao número de sessões em relação ao GT. 2.5.1 Sialometria e estimulação elétrica Na primeira sessão de ambos os grupos foi realizado a sialometria estimulada, mensurando o fluxo salivar estimulado dos voluntários, que foram orientados a mascar 1 sialogogo mecânico de látex, por 3 minutos sem deglutir a saliva. Em seguida, foi coletada a saliva em um recipiente plástico descartável, e a pesquisadora mensurou com uso de seringa descartável 5ml o volume de saliva coletado21. A aplicação da estimulação elétrica de ambas as correntes TENS e Russa foram realizadas com equipamentos portáteis geradores de correntes excitomotoras Fisio Stim e Stim Care da marca HTM, utilizando eletrodos de silicone esterilizáveis e gel condutor, eletrodos curvos de estimulação intraoral esterilizáveis de inox e canetas estimuladoras, ambos da marca HTM. Os eletrodos de silicone foram posicionados em região de glândulas parótidas e submandibulares bilateralmente na face, os eletrodos curvos de inox foram posicionados intraoral em assoalho bucal bilateralmente ao frênulo lingual em região de glândulas sublinguais, demonstrado na figura 3. 23 Ilustração: Francismar Marcelino Dias Figura 3. Simulação do posicionamento dos eletrodos para eletroestimulação. A aplicação das correntes, descritas de forma esquemática na figura 3, foi realizada conforme protocolo da corrente TENS adaptado de outro estudo15, e CR idealizado para este estudo. Figura 4. Fluxo do protocolo de intervenção. GT=grupo TENS, GR=grupo Russa . Protocolo GT Sialometria Primeira sessão: Pré estimulação __ ml Ultima sessão: Pós estimulação __ ml Tempo de estímulo 10min face 3min intraoral Frequência 50hz Largura de pulso 250ms Intensidade tolerada ___ (de acordo com cada voluntário) Protocolo GR Sialometria Primeira sessão: Pré estimulação __ ml Ultima sessão: Pós estimulação __ ml Tempo de estímulo 5min face 3min intraoral Ciclo 4ms Frequência 20Hz Rise 1s Tempo On 5s Decay 1s Tempo off 1s Intensidade tolerada ___ (de acordo com cada voluntário) 24 A aplicação da eletroestimulação foi realizada com aparelhos Fisio Stim e Stim Care, ambos com a mesma programação para estimulação, com 50Hz de frequência e largura de pulso de 250ms, sendo ajustado manualmente a intensidade de acordo com a tolerância de cada voluntário da pesquisa. O tempo de duração do estímulo foi de 10 minutos para a aplicação em face. A aplicação intraoral em região sublingual teve duração de 3 minutos. O tempo menor de estimulação intraoral, aconteceu em decorrência da posição desconfortável com a boca entre aberta e língua na posição elevada, a fim de não causar nenhum dano aos participantes. A aplicação da corrente Russa foi realizada seguindo os mesmos procedimentos relatados anteriormente para a outra corrente, com uso do aparelho Stim Care com programação de 4ms de ciclo, 20Hz de frequência, 1s de rise (rampade subida), 5s on (tempo de estimulação) e 1s de decay (rampa de descida), 1s off (intervalo de picos), com duração de 5 minutos para aplicação em face e em região intraoral com duração de 3 minutos. Na última sessão de intervenção, na quarta semana foi realiza nova sialometria ao final da intervenção, seguindo os mesmos procedimentos realizados na primeira sessão. O período de coleta de dados com intervenção deste estudo foi de outubro de 2019 a fevereiro de 2020, sendo todas as coletas diretas com pacientes, realizadas antes do início das restrições pela pandemia da COVID-19 no Brasil. Fato que culminou para realização de um estudo piloto, tornando inviável a realização de estudo robusto, com maior número de participantes no momento. 2.6 Variáveis • Variáveis sócio demográficas; • Localização especifica do tumor; • Dose de irradiação ionizante aplicada durante tratamento oncológico; • Intensidade dos sintomas relacionados a diminuição do fluxo salivar. • 2.7 Análise Estatística Os dados foram tabulados em planilhas e analisados estatisticamente. Inicialmente os dados foram descritos por meio de medidas de tendência central (média e mediana), dispersão (desvio padrão, mínimo e máximo), valores absolutos e relativos. 25 Na análise de comparação entre grupos foi utilizado o teste Exato de Fisher e Teste Mann-Whitney. Foi adotado nível de significância de 5% em todas as análises. 2.8 Questões Éticas Por se tratar de pesquisa em seres humanos o estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Santa Casa Misericórdia de Passos e aprovado CAAE: 14105919.2.0000.8043. Todos os participantes do estudo foram orientados que as intervenções da pesquisa apresentavam riscos mínimos, como desconforto e dor localizados apenas durante a intervenção, os métodos utilizados e caso informasse desconforto o procedimento seria interrompido. O risco de quebra de sigilo desta pesquisa é mínimo, foram tomados todos os cuidados com as informações e dados coletados, estes foram avaliados exclusivamente pelos pesquisadores envolvidas no projeto, garantindo a preservação do anonimato e estão sendo transferidos para o programa REDCap. Não foi identificado qualquer intercorrência não prevista durante execução do estudo e os participantes seguem em acompanhamento no ambulatório de fonoaudiologia da instituição. 26 3. RESULTADOS A amostra final do estudo foi composta por 11 indivíduos, alocados em dois grupos denominados: grupo TENS (GT) composto por 6 voluntários e grupo russa (GR) com 5 voluntários. Todos os participantes da pesquisa foram submetidos ao tratamento por radioterapia pelo método conformacional 3D, com fracionamento convencional com dose diária de 1,8 a 2,0 Gy, sendo realizada 1 sessão diária no período de segunda- feira a sexta-feira com pausas de aplicação apenas no final de semana, a radiação total proposta no tratamento foi semelhante entre os participantes, e todos foram submetidos a quimioterapia concomitante a radioterapia. A caracterização dos grupos está descrita na tabela 1, aspectos como gênero e idade foram semelhantes entre os grupos, houve predomínio do sexo masculino, mas a distribuição nos grupos foi simétrica, a média de idade dos participantes foi de 55 anos, sendo o mais jovem com 48 anos e o mais velho com 63 anos. Os diagnósticos neoplásicos, foram descritos por localização do tumor e classificados em grau conforme estadiamento do tumor, bem como dosagem total da radioterapia e consistência alimentar tolerada (Tabela 1). Tabela 1. Caracterização da amostra em relação aos grupos de intervenções TENS (GT) e Russa (GR). Variável GT (n=6) GR (n=5) p-valor Idade (anos) 55,5 ±5,58 55,4 ±5,73 0,926 Sexo Masculino 83,3% (5) 80% (4) 1 Feminino 16,7% (1) 20% (1) 1 Diagnóstico Neoplasia Nasofaringe 16,7 % (1) 0,0% 1 Língua 16,7 % (1) 0,0% Base de língua 16,7 % (1) 20,0% (1) 1º oculto meta cervical 33,3% (2) 20,0% (1) Hipofaringe 16,7 % (1) 20,0% (1) Borda de língua 0,0% 20,0% (1) Retromolar 0,0% 20,0% (1) Estadiamento do Tumor II 33,3% (2) 60,0% (3) 1 III 16,7% (1) 0,0% 27 IV 50% (3) 40,0% (2) Dose total proposta RT (Gy) 70 83,3% (5) 60,0% (3) 0,697 66 16,7% (1) 20,0% (1) 68 0,0% 20,0% (1) GT= Grupo TENS; GR= Grupo Russa; RT=Radioterapia; Gy= Dose da irradiação em Gray. Dados expressos em média ± desvio padrão, frequência absoluta e relativa (%). Todos os participantes (100%) foram classificados quanto a deglutição segundo protocolo PARD, como grau III; 63,6% com via oral de alimentação na consistência geral (qualquer textura de alimento); e branda, 36,4% (alimentos macios e/ou picados). Todos os voluntários relataram necessidade de adaptação alimentar, com uso de líquido durante alimentação, para facilitar o processo de mastigação e deglutição. Em relação ao fluxo salivar medido por Sialometria estimulada, foi observado discreto aumento na média do fluxo em ambos os grupos. A média inicial no GT foi de 0,72 ml e GR = 1,40 ml, ao final da intervenção a média do fluxo salivar no GT foi de 1,27 ml e no GR = 1,60 ml. Observamos um aumento médio de 0,55 ml no GT e de 0,20ml no GR (Gráfico 1). O número diferente de sessões de eletroestimulação no GT não demonstrou diferença estaticamente significante para aumento do fluxo salivar dos indivíduos com mais sessões em relação aos demais. Gráfico 1. Média do fluxo salivar estimulado com dados expressos em média de mililitros. Não foi observado relação entre a dose de irradiação total proposta e o fluxo salivar, bem como entre o período de fim do tratamento de radioterapia e início da ,72 1,40 1,27 1,60 ,55 ,20 ,00 ,20 ,40 ,60 ,80 1,00 1,20 1,40 1,60 1,80 TENS RUSSA INICIAL FINAL GANHO 28 eletroestimulação, como fator de impacto no fluxo salivar dos participantes (Tabela 2). O tempo entre as sessões de eletroterapia, início e fim do período de intervenção, GT média 30,6 (±9,54) dias e GR 27,6 (±6,19) dias, foi semelhante e não mostrou diferença entre os grupos. Com relação a intensidade do estímulo aplicado nas sessões de eletroestimulação, tal dado não foi levantado durante a pesquisa e pode ter relação com resultados. A dose média de irradiação ionizante em glândulas parótidas e toxicidade máxima aguda, em derme e mucosa oral, também descritos na tabela 2, não apontaram associação com o fluxo salivar. Tabela 2. Dados da sialometria, dose média de radiação em glândulas parótidas, toxicidade máxima de glândulas salivares segundo RTOG adaptada pelo serviço de radioterapia HRC Passos, tempo entre final da RT e início da eletroestimulação. Paciente Grupo Sialometria (mL) Início Fim Dose média de RT em Glândulas Parótidas (Gy) Direita Esquerda Toxicidade Máxima Aguda (Escala RTOG - grau 0 a 4) Pele Mucosa Intervalo entre Fim RT X Inicio EENM (dias) 1 - TENS 1,0 1,0 63,15 63,93 2 2 540 2 - TENS 0,1 0,1 * * 2 2 285 3 - TENS 0,1 1,0 55,51 43,86 2 2 369 4 - TENS 1,0 1,5 43,02 45,03 1 1 549 5 - TENS 2,0 3,0 48,60 49,05 1 1 207 6 - TENS 0,1 1,0 60,79 60,36 2 1 343 1 - Russa 1,0 1,0 60,80 60,40 2 1 472 2 - Russa 1,0 1,0 54,80 54,72 2 2 352 3 - Russa 1,0 1,0 55,60 43,90 2 2 477 4 - Russa 1,0 2,0 59,97 56,30 2 2 307 5 - Russa 3,0 3,0 63,20 63,09 1 1 311 *Dado não encontrado. ID=identificação do paciente; mL=mililitros; Gy=gray; RTOG=Radiation Therapy Oncology Group; RT=radioterapia; EENM=estimulação elétrica neuromuscular. 29 4. DISCUSSÃO O estudo buscou avaliar os resultados da eletroestimulação utilizando a corrente TENS e a Russa no tratamento da hipossalivação sendo a corrente Russa com utilizaçãonão descrita na literatura. A corrente TENS já foi descrita por alguns estudos como eficiente para aumento do fluxo salivar16,17. Em um desses estudos a corrente TENS é apontada com ação de ativação do nervo na unidade secretomotora das glândulas parótidas a partir da estimulação neuromuscular e ativação do nervo auriculotemporal17, com base nesta afirmação levantamos a hipótese do uso de corrente de média frequência, neste caso a corrente Russa, como instrumento para melhor ativação das glândulas salivares. O uso da CR é comum para estimulação muscular com objetivo de ganho de força, utilizado principalmente fisioterapeutas e educadores físicos18,19,20. Considerando seus resultados para este fim, e associando os achados do estudo que aponta a estimulação muscular para ativação da função excretora da glândula salivar, acreditamos que o uso da CR demostraria bons resultados. Conforme o Gráfico 1, neste estudo houve aumento na média de fluxo salivar dos voluntários do GT conforme descrevem outros estudos16,17,22,23. Do total de participantes (n=6) apenas dois não apresentaram aumento de FS, contudo, um deles relatou melhora do paladar, sugerindo mudança na viscosidade da saliva produzida, tal fato foi descrito e associado as mudanças bioquímicas da composição da saliva após RT, como a concentração de minerais, água e o pH 22. No GR foi observado aumento restrito do fluxo de saliva após intervenção, quatro dos cinco voluntários mantiveram o mesmo FS inicial, entretanto três relatam melhora do paladar e um da xerostomia, 80% (4) deles relataram diminuição da ingesta de líquidos durante alimentação. Tais achados sugerem a mudança na composição salivar, como a viscosidade, fator que deve ser analisado em estudo futuro, e que vai de encontro aos resultados do estudo realizado por Paim22, em que também houve melhora da autopercepção do fluxo salivar e das funcionalidades associada e ele, bem como da qualidade vida em relação a hipossalivação pós RT. 30 No que se refere ao levantamento de subsídios que embasem o uso da CR como estimulante na função inicial das glândulas salivares, não houve nível de significância para tal afirmação. Considerando os aspectos funcionais da deglutição, houve relato de melhora no que diz respeito a xerostomia, sensação de boca seca, e do paladar em ambos os grupos. Dos 11 participantes da pesquisa alocados nos dois grupos, 81,82% (n=9) apresentaram algum desfecho positivo com relação a salivação após a intervenção e dois voluntários não apresentaram nenhum desfecho benéfico. Analisando o histórico e os dados da pesquisa não foi possível observar fatores divergentes dentro da amostra, que justifique o fato de alguns participantes manterem quadro estável após a intervenção. O único dado observado nos grupos deste estudo, que não corrobora com os achados na literatura, é o tempo entre o final da RT e o início da eletroestimulação, que neste estudo foi em média de 387,33 (±136,34) dias no GT, e 383,80 (±84,76) dias no GR. Nos relatos da literatura este intervalo é descrito com intervalo menor, em média 3 meses (90 dias) 23, 5 a 6 meses (180 dias) 22, ou concomitante ao tratamento com radioterapia17. Dois dados que não foram levantados neste estudo, e podem ter influenciado no fluxo salivar, a intensidade da corrente elétrica tolerada por cada participante, sendo provável a associação entre maior tolerância do estimulo e aumento do fluxo, além da toxicidade em glândulas salivares, pois este item na escala RTOG adaptada para uso na instituição não é pontuado no protocolo da radioterapia, bem como a toxicidade tardia de derme e mucosa, presumindo que o voluntário que manteve ou baixou o grau de toxidade na escala pode ter apresentado melhores resultados, e tais dados não puderam ser comparados. Considerando o exposto quanto ao intervalo entre o início da intervenção com eletroestimulação e fim da RT, percebemos um quadro crônico de hipossalivação. Fato que vem de encontro com a possibilidade apontada no início desta pesquisa, do uso da CR causar melhores efeitos no aumento do fluxo salivar, considerando seu potencial como maior por se tratar de corrente elétrica de média frequência, e assim acenar com a possibilidade de melhor resultado em indivíduos que tenham a funcionalidade das glândulas mais comprometida. Contudo, não elencamos dados contundentes que corroborem com essa hipótese neste estudo, porém a limitação relacionada ao tamanho 31 da amostra pode ter influenciado neste desfecho, e novos estudos melhor delineados podem apontar resultados promissores. LIMITAÇÕES Este estudo apresentou algumas limitações, dentre elas o número reduzido de inclusões devido a pandemia, resultando em um número pequeno na amostra e de sessões de intervenção realizadas. Observamos também, a falta de um questionário estruturado de qualidade de vida quanto aos aspectos de hipossalivação e xerostomia, o acompanhamento das variações de intensidade de estímulo durante as sessões de EENM, fator que pode ter influenciado no desfecho com relação ao aumento do fluxo salivar de alguns participantes, bem como a toxicidade aguda e tardia em glândulas salivares com base na escala RTOG para melhor definir os participantes da amostra. Além da análise dos componentes salivares que descrevam itens como viscosidade, pH e outros componentes da saliva para descrever prováveis mudanças do fluído, que impactem na qualidade funcional salivar, fator que poderia contribuir com uma discussão qualitativa do estudo, principalmente se associado ao questionário de qualidade pré e pós intervenção. 32 5. CONCLUSÃO O uso da eletroestimulação corrente TENS apresentou resultados promissores, sendo observado aumento do fluxo salivar dos pacientes, como já esperado. Com relação ao uso da corrente Russa os resultados não foram encorajadores, entretanto a amostra restrita pode ter impactado negativamente no desfecho deste grupo no estudo, cabendo assim a margem para realização de um estudo com amostra mais robusta para apontar um resultado conclusivo sobre tal intervenção. A partir de conteúdo teórico baseado na literatura, e de dados considerados importantes no curso da pesquisa, foi elaborado um protocolo inicial de aplicação da eletroestimulação para hipossalivação pós radioterapia (Apêndice 2) com base nos parâmetros utilizados neste estudo e seus achados. Para finalização do protocolo será necessário estudo com um número maior de indivíduos, e posterior validação do protocolo, caso o mesmo se mostre efetivo. 33 6. REFERÊNCIAS 1. INCA. Estimativa 2020: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva; 2019. 2. INCA. Conviver com o câncer. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva; 2019. 3. Campos RJDS, Leite ICG. Qualidade De Vida E Voz Pós-Radioterapia: Repercussões Para A Fonoaudiologia, Rev. Cefac. 2010;12:671-7. 4. Silva AIV, Galante C, Manzi FR. Efeito da radiação ionizante sobre o paladar em pacientes submetidos a radioterapia para a região da cabeça e pescoço, Radiol Bras. 2011;44:297-300. 5. Okuno E. Efeitos biológicos das radiações. In: Radiação: efeitos, riscos e benefícios,1st ed. São Paulo: Oficina de Textos; 2018;105-15. 6. Rolim AEH, Costa LJ, Ramalho LMP. Repercussões Da Radioterapia Na Região Orofacial E Seu Tratamento, Radiol Bras. 2011;44:388-95. 7. Beterro FCBS. Tratamento tópico para xerostomia pós-radioterapia para câncer de cabeça e pescoço – Revisão Sistemática, Sistema de Bibliotecas da UFU, Uberlândia 2016. 8. Pastana SG, Cantisano MH, Bianchini EMG. Queixas fonoaudiológicas e verificação da fala de indivíduos com diagnóstico de ardênciabucal e xerostomia. Audiol. Commun. Res. 2013;18;4:345-52. 9. COX, J.D.; STETZ, J.; PAJAK, T.F. Toxicity criteria of the Radiation Therapy Oncology Group (RTOG) and the European Organization for Research and Treatment of Cancer (EORTC). International Journal of Radiation Oncology Biology Physics. 1995;31;5:1341-6. 10. Ferreira EBarros. Intervenções tópicas para prevenção da radiodermatite aguda em pacientes com câncer de cabeça e pescoço: revisão sistemática e metanálise. Dissertação de Mestrado.Brasília: Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade de Brasília; 2015. 11. Pinna R, Campus G, Cumbo E, Mura I, Milia E. Xerostomia induced by radiotherapy: an overview of the physiopathology, clinical evidence, and management of the oral damage. Ther Clin Risk Manag. 2015;4;11:171-88. 12. Martín MM, López M, Cerezo L. Xerostomia pos-radioterapia. Eficácia dos tratamentos tópicos a base de azeite, betaína e xilitol. Av. Odontoestomatol. 2014;30;3. 13. Robertson V, Ward A, Low J, Reed A. Eletroterapia Explicada: Principios e prática. Elsevier Health Sciences, 2006; 4. 34 14. Kitchen S, Eletroterapia: prática baseada em evidencias. 2sd ed. Barueri: Manole, 2003;230-41. 15. Guimarães, BTL, Guimarães MSMA. EletroEstimulação Funcional (EEF) Em Disfagia Orofaríngea. 1st ed. São José dos Campos:Pulso, 2013. 16. Paim ED, Macagnan FE, Martins VB, Zanella VG, Guimarães B, Berbert MCB. Efeito agudo da Transcutaneous Eletric Nerve Stimulation (TENS) sobre a hipossalivação induzida pela radioterapia na região de cabeça e pescoço: um estudo preliminar, CoDAS, 2018;30:3. 17. Lakshman AR, Babu S. Avaliação do efeito da estimulação elétrica nervosa transcutânea na taxa de fluxo salivar em pacientes com xerostomia induzida por radiação: um estudo piloto. J. of Cancer Research and Therapeutics. 2015;11:229-33. 18. Reidel LT, Cecchele B, Sachetti A, Calegar L. Efeitos da eletroestimulação neuromuscular de quadríceps sobre a funcionalidade de idosos frágeis e pré- frágeis hospitalizados: ensaio clínico randomizad. Fisioter. Pesqui. 2020;27;2:126-32. 19. Lima EPF, Rodrigues GBO. A estimulação russa no fortalecimento da musculatura abdominal. ABCD, arq. bras. cir. dig.2012;25:2. 20. Meireles ALF, Meireles LCF, Queiroz JCES, Tassitano RM, Soares FO, Oliveira AS. Eficácia da eletroestimulação muscular expiratória na tosse de pacientes após acidente vascular encefálico. Fisioter. Pesqui. 2012;19;4:314-19 21. Falcão DP, Mota LMH, Pires AL, Bezerra ACB. Sialometria: Aspectos de interesse clínico. Rev. Bras. Reumatol. 2013; 53:525-51 22. Paim DP. Efeito da transcutaneous electric nerve stilation (TENS) sobre o fluxo salivar de pacientes com hipossalivação induzida pela radioterapia em região da cabeça e pescoço – Ensaio clinico randomizado. Dissertação (Mestrado). Porto Alegre: Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre; 2019. 23. Vijayan A, Asha ML, Babu S, Chakraborty S. Prospective phase II study of the efficacy of transcutaneous electrical nerve stimulation in post-radiation patients. Clin Oncol. 2014;26;12:743-7. 35 ANEXOS Anexo 1. Protocolo de Avaliação para risco de disfagia Santa Casa de Misericórdia de Passos CGC (MF) 23.278.898/0001-60 – Inscrição Estadual: Isento (035) 3529-1300 (Geral) – HRC (035) 3529-1439 – Fax: (035) 3529-1341 PROTOCOLO PARD - 2007 CLASSIFICAÇÃO DO GRAU DE DISFAGIA E CONDUTAS Condutas: A- Via alternativa de alimentação B- Terapia fonoaudiológica, podendo ser direta (com alimento) ou indireta (sem alimento) C- Alimentação VO assistida pelo fonoaudiólogo, de acordo com a seleção das consistências. Nível I Deglutição normal Normal para ambas consistências. Alimentação VO completa Conduta C Nível II Deglutição funcional Pode estar alterada ou anormal, mas não resulta em aspiração ou redução da eficiência da deglutição, sendo possível manter adequada nutrição e hidratação por VO. Pode despender tempo adicional. Conduta C Nível III Disfagia orofaríngea leve Distúrbio de deglutição presente. Necessidade de pequenas modificações na dieta; tosse e/ou pigarro espontâneos e eficazes; leves alterações orais com compensações adequadas. Conduta ABC Nível IV Disfagia orofaríngea leve a moderada Risco de aspiração, porém reduzido com o uso de manobras e técnicas terapêuticas. Sinais de aspiração e restrição de uma consistência; tosse reflexa fraca e voluntária forte. Conduta ABC Nível V Disfagia orofaríngea moderada Risco significativo de aspiração. Alimentação oral suplementada por via alternativa, sinais de aspiração para 2 consistências. O paciente pode se alimentar de algumas consistências utilizando técnicas específicas para minimizar o potencial de aspiração e/ou facilitar a deglutição. Tosse reflexa fraca ou ausente. Conduta ABC Nível VI Disfagia orofaríngea moderada a grave Tolerância de apenas uma consistência, com máxima assistência para utilização de estratégias, sinais de aspiração com necessidade de múltiplas solicitações de clareamento, aspiração de 2 ou mais consistências, ausência de tosse reflexa, tosse voluntária fraca e ineficaz. Se o estado pulmonar do paciente estiver comprometido, é necessário suspender a alimentação por VO. Conduta AB Nível VII Disfagia orofaríngea grave Impossibilidade de VO. Engasgo com dificuldade de recuperação; presença de cianose ou broncoespasmo; aspiração silente para 2 ou mais consistências; tosse voluntária ineficaz; inabilidade de iniciar deglutição. Conduta AB 36 APÊNCICE Anamnese ANAMNESE Nome: _______________________________________ Data: ___/____/____ Data de nascimento:____/____/____ Idade: ______ Gênero: F ( ) M ( ) HD: _______ Estadiamento: ______ Metástase: ( )sim ( ) não _________ Cirurgia: sim ( ) não ( ) Onde? Quando? ___________________________ RADIOTERAPIA: Tipo: ___________ Dosagem: ______________ Sessões: ______________ Início: _____________ Término: ______________ DEGLUTIÇÃO: Classificação da Disfagia segundo Protocolo PARD 2007: _________________ INSPESÃO ORAL: Mucosite: sim ( ) não ( ) Lesão de derme: sim ( ) não ( ) XEROSTOMIA: Uso de algum artificio para melhora do sintoma? ( ) Ingesta de água ( ) Estimulante salivar ( ) Saliva artificial Sialometria: 1º sessão ______________ 4º sessão ______________ Avaliado por: ___________________________ Carimbo/Assinatura 37 Anexo 2- Protocolo PROTOCOLO DE APLICAÇÃO DA ELETROESTIMULAÇÃO PARA HIPOSSALIVAÇÃO E XEROSTOMIA FLUXO SALIVAR (sialometria) Primeira sessão Pré estimulação ml Pós estimulação ml Última sessão Pré estimulação ml Pós estimulação ml APLICAÇÃO DO ESTÍMULO Corrente Russa Tempo de estímulo minutos Tempo On 5s Ciclo 4ms Decay 1s Frequência 20Hz Tempo off 1s Rise 1s Intensidade tolerada CORRENTE TENS Tempo de estímulo minutos Frequência 50hz Largura de pulso 250ms Intensidade tolerada Data sessão Parâmetros Observação IDENTIFICAÇÃO Nome: Idade: Sexo: Diagnóstico: Tipo de Radioterapia: Nº sessões/Dose: Inspeção oral: CRITÉRIOS DE CONTRAINDICAÇÃO 1 Doença cardíaca? Sim ( ) Não ( ) Qual: Faz uso de marca-passo? Sim ( ) Não ( ) 2 Doença epiléptica? Sim ( ) Não ( ) 3 Hipertensão/Hipotensão? Sim ( ) Não ( ) Faz controle? Sim ( ) Não ( ) 4 Tumor em glândula salivar? Sim ( ) Não ( ) Qual: 5 Lesão de pele em região de face e pescoço? Sim ( ) Não ( ) 38 38 APÊNDICE - CARTA DE APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA 39 39
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