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MÓDULO 3 ORGANiZAÇÕES CRiMiNOSAS NO EXTERiOR EXPEDIENTE Baixe o aplicativo Zappar no seu celular ou tablet REALIDADE AUMENTADA (RA) Nas páginas deste material encontram-se códigos como este ao lado que dão acesso a conteúdos extras. Para visualizá-los, baixe o aplicativo Zappar no seu celular ou tablet e enquadre os códigos no aplicativo (você precisa ter conexão à internet). BY NC ND GOVERNO FEDERAL MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA SECRETARIA NACIONAL DE POLÍTICAS SOBRE DROGAS SECRETÁRIO NACIONAL Paulo Gustavo Maiurino DIRETOR DE POLÍTICAS PÚBLICAS E ARTICULAÇÃO INSTITUCIONAL Marcelo de Oliveira Andrade COORDENADOR-GERAL DE INVESTIMENTOS, PROJETOS, MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO Gustavo Camilo Baptista PLANEJAMENTO E GESTÃO Glauber da Cunha Gervásio Carlos Timo Brito Eurides Branquinho da Silva CONTEUDISTAS George Felipe Lima Dantas Isângelo Senna da Costa REVISÃO DE CONTEÚDO Fernanda Flávia Rios dos Santos Maria de Fátima de Moura Barros APOIO Kathyn Rebeca Rodrigues Lima Todo o conteúdo do Curso FRoNt - Fundamentos para Repressão ao Narcotráfico e ao Crime Organizado, da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) do Governo Federal - 2022, está licenciado sob a Licença Pública Creative Commons Atribuição - Não Comercial- Sem Derivações 4.0 Internacional. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA (SEAD) SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Luciano Patrício Souza de Castro labSEAD COORDENAÇÃO GERAL Luciano Patrício Souza de Castro FINANCEIRO Fernando Machado Wolf SUPERVISÃO TÉCNICA EAD Giovana Schuelter SUPERVISÃO DE PRODUÇÃO DE MATERIAL Daniele Weidle SUPERVISÃO DE MOODLE Andreia Mara Fiala SECRETARIA ADMINISTRATIVA Elson Rodrigues Natário Junior Maria Eduarda dos Santos Teixeira DESIGN INSTRUCIONAL Supervisão: Milene Silva de Castro Gabriel de Melo Cardoso Márcia Melo Bortolato Marielly Agatha Machado DESIGN GRÁFICO Supervisão: Douglas Luiz Menegazzi Heliziane Barbosa Juliana Jacinto Teixeira Luana Pillmann de Barros Vinicius Alves Jacob Simões REVISÃO TEXTUAL Cleusa Iracema Pereira Raimundo PROGRAMAÇÃO Supervisão: Alexandre Dal Fabbro Cleberton de Souza Oliveira Thiago Assi AUDIOVISUAL Supervisão: Rafael Poletto Dutra Fabíola de Andrade Luiz Felipe Moreira Silva Oliveira Renata Gordo Corrêa TÉCNOLOGIA DA INFORMAÇÃO Dalmo Tsuyoshi Venturieri Wilton Jose Pimentel Filho SUMÁRIO Unidade 1 | O CRIMe ORGanIZadO COMO FenÔMenO LOCaL e GLOBaL Unidade 2 | a MÁFIa 1.1 Entendimento preliminar do fenômeno 2.1 A máfia italiana 1.2 A globalização do crime organizado e das organizações criminosas 2.2 A omertà 7 7 18 18 aPReSenTaÇÃO 6 9 21 Unidade 3 | ORGanIZaÇÕeS CRIMInOSaS naS aMÉRICaS 3.1 Estados Unidos: o movimento sindical e os sindicatos criminais 38 38 41 2.3 A máfia no século XX 2.4 Metástase: a máfia italiana em solo norte-americano 25 27 3.3 Principais organizações criminosas latino-americanas (Parte 1) 44 59 3.2 Um parelelo com o Brasil 3.4 Principais organizações criminosas latino-americanas (Parte 2) Unidade 4 | OUTRaS ORGanIZaÇÕeS CRIMInOSaS de ReLeVÂnCIa 4.1 Máfia russa, “firmas” britânicas e grupos albaneses 4.2 Tríades (China), Yakuza (Japão), grupos organizados sul-africanos e nigerianos 72 72 77 ReFeRÊnCIaS 89 Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 6 aPReSenTaÇÃO Olá, cursista! Neste módulo, você conhecerá as diferentes variações das organizações criminosas no mundo atual e as peculiaridades dessas organizações no que concerne ao mercado de drogas e questões conexas. Agora, você poderá associar os conceitos e definições apreendidos, aplicando-os no decorrer deste estudo sobre o envolvimento das organizações cri- minosas com o narcotráfico. Além dessas capacitações, você poderá comparar a situação histórica, cultural, econômica, política e social das organizações criminosas oriundas de diferentes continentes com as implicações multidimensionais no Brasil. OBjeTiVOS dO MódULO � Identificar os conceitos básicos da temática das organizações criminosas internacionais: fatores comuns de formação, padrão genérico de estrutura e maneiras comuns de operação/funcionamento. � Descrever as principais organizações criminosas “internacionais” em atuação nos tempos recentes. � Compreender as semelhanças e diferenças das organizações criminosas, em termos de estruturas, atuação, escopo e alcance. � Perceber os traços culturais e simbólicos de tais organizações. Enquadre no seu celular ou tablet o código de REALIDADE AUMENTADA do aplicativo Zappar para assistir ao vídeo de apresentação do módulo. RA Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 7 Unidade 1 O CRIMe ORGanIZadO COMO FenÔMenO LOCaL e GLOBaL COnTexTUaLiZandO Nesta unidade, será apresentado o contexto histórico da globalização e as consequências positivas e negativas desse fenômeno no que se refere à facilitação e dinâmica dos métodos, procedimentos e meios de criminalidade e hostilidade de crimes, mais especificamente aqueles ligados à lavagem de dinheiro e às variadas formas de tráfico – de drogas, de armas e de pessoas –, principalmente o contrabando e as fraudes de diversos tipos. 1.1 enTendiMenTO PReLiMinaR dO FenÔMenO A globalização, processo que caracteriza o final do século XX e início do século XXI, acelerou e intensificou as interações econômicas, so- ciais, políticas e culturais entre regiões, países, povos, comunidades e indivíduos. Essas conexões, sejam elas físicas e virtuais, analógicas ou digitais, facilitadas pelos meios de transporte e comunicação, transcendem as fronteiras nacionais e ocorrem sob influência de diversos avanços tecnológicos. Fonte: Adaptado de © [Hurca!] / Adobe Stock. Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 8 Os efeitos desse fenômeno são complexos, multifacetados e diver- gentes. Isso porque, por um lado, esse dinamismo resultou, nas últimas décadas, em aumento da renda global geral e em redução de conflitos armados entre os países; por outro lado, há evidências inquestionáveis de que tais interações intensificadas têm gerado inúmeros efeitos danosos, tais como degradação ambiental, crises financeiras e, evidentemente, insegurança epidemiológica. Dentre os efeitos danosos da globalização, é possível destacar a expansão transnacional de determinados crimes, em especial a lavagem de dinheiro, as variadas formas de tráfico – de drogas, de armas e de pessoas, principalmente –, o contrabando e as fraudes de diversos tipos. Além de desviar improdutivamente os benefícios produzidos pela globalização, as atividades ilícitas desgastam a economia legal, cor- rompem o ambiente político, dificultam a governança, e colocam famílias e indivíduos em maior risco. A vulnerabilidade das possíveis vítimas se justifica, em parte, pela existência de uma quantidade enorme de métodos, procedimentos e meios de criminalidade e hostilidade, cujo acesso é facilitado, e so- ma-se isso à proliferação de armas leves e de tecnologias cibernéticas. Essa vulnerabilidade é, também, consequência do despreparo e desco- nhecimento das autoridades locais em prevenir novas ameaças e ge- renciar novos riscos. Em âmbito internacional, é notável a defasagem da coordenação entre as diversas polícias nacionais em comparação à escala global de organização das atividades criminosas e terroristas. Talvez você já tenha percebido que a cooperação policial internacional é bastante limitada se comparada com o alto grau de coordenação e a colaboração observados entre grupos e redes criminosas. Não à toa, há uma percepção generalizada de que os criminosos internacionais estão “ganhando o jogo” (FELBAB-BROWN, 2012) ou “um passo à frente” das polícias (DENIOZOS; VLADOS; CHATZINIKOLAOU, 2018). Foto: © [Sikov] / Adobe Stock. Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 9 Essas organizações criminosassurgem, evidentemente, em um con- texto local, específico de uma localidade, mas se expandem para outras localidades, chegando, muitas vezes, a ultrapassar fronteiras regionais e nacionais. Quando o processo de expansão das organizações criminosas ocorre internacionalmente de forma sucessiva, dizemos que tais organizações são também transnacionais, por perpassarem as fronteiras nacionais e associarem-se a outros atores, processos e forças globalizantes, como o próprio crime, ou seja, culminam em diferentes formas de tráfico. Siga para o próximo tópico, nele você poderá entender melhor a relação entre a globalização e a globalização do crime organizado. 1.2 a GLOBaLiZaÇÃO dO CRiMe ORGaniZadO e daS ORGaniZaÇÕeS CRiMinOSaS A plataforma Politize! conceitua a globalização como sendo um pro- cesso de expansão econômica, política e cultural em nível mundial (LOPES, 2017). No século XX, esse processo, que remete às Grandes Navegações (sec. XV a XVII), acelerou-se, principalmente em decor- rência da Terceira Revolução Industrial. Se nos primórdios da globalização, modelos de organização política, de cultura e de religião eram transmitidos pelo globo terrestre pela via da colonização, da imigração e das trocas comerciais, hoje, a evolução das tecnologias de transporte e comunicação é que vem reduzindo mais significativamente a distância e as fronteiras geográficas. Como consequência disso, a globalização promoveu o aumento das trocas comerciais entre os países e da velocidade com que essas trocas ocorrem. Enquadre no seu celular ou tablet o código de REALIDADE AUMENTADA do aplicativo Zappar para assistir ao vídeo sobre o crime organizado. RA Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 10 Foto: © [Cybrain] / Adobe Stock. Mas, como você viu, o intercâmbio promovido pela globalização não se limita à dimensão econômica. Nessa abrangência da globalização, o crime, criminosos e questões conexas também estão incluídos. Ainda, no que concerne ao conceito de cultura, segundo a plataforma Politize!, temos a seguinte reflexão: A cultura é outra dimensão do processo de globalização. A troca de cultura entre diferentes países, independentemente da fronteira física entre eles também foi intensificada e acelerada pela Terceira Revolução Industrial. Podemos definir cultura como o conjunto de conhecimentos, crenças, leis, moral, arte e costumes de uma sociedade. (LOPES, 2017) A antropologia sociocultural trata do conceito de cultura ao especificar como, localmente, valores universais são expressos em diferentes sociedades de forma distinta, como os valores relacionados à ali- mentação, nutrição e reprodução. Um exemplo disso está na corrupção, que, mesmo sendo percebida de forma particular nas diferentes culturas humanas, não deixa de ser corrupção (ROTHSTEIN; TORSELLO, 2013). Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 11 Foto: © [Ricochet64] / Adobe Stock. Já para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a globalização tem outra definição: Globalização é o aumento da interconexão e interdependência de povos e países. É geralmente entendida como incluindo dois elementos inter-relacionados: a abertura das fronteiras internacionais para fluxos cada vez mais rápidos de bens, serviços, finanças, pessoas e ideias; e as mudanças nas instituições e políticas em nível nacional e internacional que facilitam ou promovem esses fluxos. (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 2021, tradução nossa) Talvez você esteja se perguntando se os avanços em tecnologias de comunicação, especialmente com o surgimento dos smartphones, influenciam nesse processo. De fato, a disponibilidade de acesso à internet nos últimos anos tem permitido a disseminação e o compar- tilhamento de conhecimentos e ideias que, em frações de segundos, percorrem todo o globo. Então, da mesma forma que boas práticas de gestão pública e tecno- logias comunitárias desenvolvidas em um país podem ser adaptadas e implementadas em um outro país situado a milhares de quilômetros de distância, as estratégias utilizadas pelos criminosos em um local também podem ser copiadas em diversos outros pontos do planeta. Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 12 A globalização difunde tanto as boas quanto as más práticas de outros locais do mundo. glossáRio Ética é o conjunto de regras e preceitos de ordem valorativa e moral de um indivíduo, de um grupo social ou de uma sociedade. Estética é um termo originário da língua grega, mais especificamente da palavra aisthésis, e tem como significado o ato de perceber, de notar. Nesse processo, as organizações criminosas mundo afora cada vez mais têm adotado a ética, estética e os métodos da máfia, outrora um fenômeno que permaneceu por séculos circunscrito a uma ilha ao sul da Europa, a Sicília. Nas pesquisas atuais sobre o crime organizado transnacional, é comum encontrar referências de como contrabandistas e traficantes de drogas e armas sequestraram a economia global, criando no processo um submundo do crime que contorna, desafia, corrompe e subverte os controles e autoridades do Estado. Essas entidades criminosas estão, de certa forma, construindo pontes umas com as outras, colocando em risco estilos de vida nas diferentes sociedades (PUBLIC ANTHROPOLOGIST, 2019). Um exemplo relacionado a essas pesquisas que contemplam dados sobre globalização, uso de tecnologias da informação, crime orga- nizado transnacional e submundo do crime pode ser visualizado na ilustração abaixo, sobre a internet oculta. Uma fração das informa- ções que transitam pela internet está na parte chamada “dark web”, local onde transitam dados ocultos relacionados a tráfico de armas, drogas, pornografia, etc. Enquadre no seu celular ou tablet o código de REALIDADE AUMENTADA do aplicativo Zappar para assistir ao vídeo sobre crimes internacionais e a globalização. RA 13 Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS SURFACE WEB DEEP WEB DARK WEB Google Facebook Instagram Documentos legais Registros do governo Relatórios científicos Registros acadêmicos Registros financeiros Armas Drogas Pornografia Comércio de crimes digitais Um dos trechos das pesquisas sobre crime organizado transnacional, publicado pela plataforma Public Anthropologist, é ainda mais inquie- tante quando você percebe que essa criminalidade fluida influencia muito mais que o plano material da sociedade. Além das estruturas econômicas, também se encontram em jogo as estruturas políticas e simbólicas que sustentam a paz e a segurança das nações. Nesse sentido, parece ser muito pertinente uma citação de Manuel Castells (2001, p. 436) citada por Dallago (2020), sobre o tema crime organizado e o fenômeno do terrorismo no Brasil. Instituições políticas podem ser infiltradas e corrompidas por entidades criminosas. Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 14 Nossa sociedade está construída em torno de fluxos: fluxos de capital, fluxos da informação, fluxos da tecnologia, fluxos de interação organizacional, fluxos de imagens, sons e símbolos. Fluxos não representam apenas um elemento da organização social: são a expressão dos processos que dominam nossa vida econômica, política e simbólica. Nesse caso, o suporte material dos processos dominantes em nossas sociedades será o conjunto de elementos que sustentam esses fluxos e propiciam a possibilidade material de sua articulação em tempo simultâneo. Assim, proponho a ideia de que há uma nova forma espacial característica das práticas sociais que dominam e moldam a sociedade em rede: o espaço de fluxos. O espaço de fluxos é a organização material das práticas sociais de tempo compartilhado que funcionam por meio de fluxos. Por fluxos, entendo as sequências intencionais, repetitivas e programáveis de intercâmbio e interação entre posições fisicamente desarticuladas, mantidas por atores sociais nas estruturas econômicas, política e simbólica da sociedade.(CASTELLS, 2001, p. 436 apud DALLAGO, 2020, p. 42) Outro fator relevante no processo de globalização do modelo da máfia está na crescente cooperação entre as organizações crimi- nosas. A Máfia pode ser considerada a principal referência de várias organizações criminosas que operam transnacionalmente, essas organizações podem ser compreendidas como mafioides, no sen- tido de que não são derivadas diretamente da máfia, mas guardam características muito semelhantes a ela. Enquadre no seu celular ou tablet o código de REALIDADE AUMENTADA do aplicativo Zappar para assistir ao vídeo sobre a cooperação entre as organizações criminosas. RA Digitais das redes globais de criminosos. Foto: Public Anthropologist. Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 15 A Enciclopédia de Ciência Policial coloca essa questão nos seguintes termos: Sem dúvida, o desenvolvimento mais atraente da participação no crime organizado no final do século XX é a tendência para o desenvolvimento de grupos criminosos de organização transnacional e a sugestão de que esses grupos estão começando a colaborar e cooperar de forma sistemática para facilitar a entrega de bens e serviços ilícitos em escala internacional. (POTTER, 2007, p. 1293) Nesse ponto, cabe um alerta: o crime organizado e o narcotráfico têm sido estudados a partir de uma visão multidisciplinar e multinível. Ao salientar esses aspectos do curso, reconhecemos que os tópicos que temos discutido, como os casos práticos de organizações criminosas de alta complexidade vistos, até então, podem ser enfrentados de forma proativa por agentes e instituições de todos os níveis. As conexões entre as organizações criminosas em nível global precisam ser desarticuladas por ações robustas, como a cooperação entre instituições policiais com técnicas sofisticadas de inteligência (particularmente vigilância). Assim como a atuação dessas mesmas organizações pode e deve ser enfrentada por meio da criação de obstáculos para a oferta de drogas no nível local (cidade, bairro ou mesmo uma praça, vielas e becos). Muitas vezes, isso pode ser feito por meio de pequenas intervenções no ambiente, como bem orienta a Prevenção Criminal pelo Design do Ambiente (CPTED) (SANTOS; SENNA, 2019). Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 16 Os sindicatos do crime organizado ainda estão enraizados em condições locais, protegidos pela política local, e limitados pela necessidade de pessoal de controle em nível local. A União Européia enfraquece fronteiras e incentiva o livre fluxo de pessoas e bens. Russos, italianos, romenos, britânicos, e os sindicatos da Córsega simplesmente respondem a uma nova realidade. Não é nem a Malina (Máfia de Odessa, Ucrânia) nem a Máfia que criaram essas oportunidades; em vez disso, foram os Estados e a corporações multinacionais. Traficantes de drogas nigerianos não são responsáveis pelo enorme aumento recente no comércio internacional ou no crescente fluxo de pessoas através das fronteiras. Eles meramente tiram proveito dessa situação. Quando colaboram com produtores asiáticos de heroína, isso não significa o nascimento de uma nova ordem criminosa internacional; apenas reflete os mesmos tipos de arranjos que estão ocorrendo na comunidade empresarial em geral. Os plantadores de papoula agora podem comercializar seus produtos em uma arena mais ampla. Contrabandistas nigerianos têm um mecanismo em vigor para utilizar de forma eficiente e vantajosa as novas tecnologias e respectivas oportunidades. A colaboração é tão natural quanto a que existe entre fabricantes de automóveis dos EUA e produtores de peças no Brasil ou no México. (GREEN, 2007, p. 1293) Foto: © [Anatoliy] / Adobe Stock. Para falarmos sobre a influência do nível local na atuação das or- ganizações criminosas, é importante entender a ideia de sindicatos do crime de caráter mafioso. Muito utilizada na língua inglesa (criminal syndicate), mas também presente na língua espanhola (sindicato criminal), a expressão “sindicato do crime” refere-se a uma afiliação de criminosos que se juntam de forma organizada para cometer crimes (LAWI, 2019). Vale a pena mencionar mais um trecho da Enciclopédia de Ciências Policiais: Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 17 Continue seus estudos e avance para a próxima unidade, nela você estudará tudo sobre a máfia, e como essa organização influenciou e influencia organizações criminosas até hoje. Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 18 Unidade 2 a MÁFIa COnTexTUaLiZandO Você sabe dizer o que foi a Máfia? Nesta unidade, será apresentada, em linhas gerais, a máfia italiana, seu histórico e suas características, e você poderá refletir sobre a influência dessa máfia nas organizações mafioides ao redor do mundo. 2.1 a MÁFia iTaLiana O termo Máfia é utilizado como sinônimo de “crime organizado”, mas isso pode ser um equívoco. Confira a definição de crime organizado: O crime organizado é um empreendimento criminoso contínuo que funciona racionalmente para lucrar com atividades ilícitas que muitas vezes são muito procuradas pelo público. Sua existência contínua é mantida por meio da corrupção de agentes públicos e do uso de intimidação, ameaças ou força para proteger suas operações. (UNODC, 2018, tradução nossa) Baseado nessa ideia, tornou-se comum utilizar a palavra “máfia” para referenciar diversas organizações criminosas mafioides: MÁFiA ORGANiZAÇÕES MAFiÓiDES COSA NOSTRA YAKUZA COMANDO VERMELHO PRiMEiRO COMANDO DA CAPiTAL Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 19 Na verdade, a “máfia” denota algo historicamente vinculado ao crime organizado italiano. As estruturas sociológicas da máfia, em sua identidade com a cultura da Itália, da Sicília e mesmo dos Estados Unidos da América no início do século XX, para onde ela foi exportada, fazem dela um fenômeno único. Por isso é preciso estudá-la para conhecer e compreender seus elementos distintivos e até mesmo estabelecer “categorias mafioides”. Curiosamente, as chamadas “máfias” estão espalhadas expressiva- mente por países dos quatro continentes, alguns mais e outros menos. No continente Africano, por exemplo, não encontramos organizações mafiosas com tanta expressão como vimos nos países da América. A esse respeito, vale citar o que nos diz o Índice de Crime Organizado – África 2019: Existem muitos Estados na África que têm uma forte presença de redes do crime organizado, mas que, no entanto, não vivenciam o crime organizado mafioso que se vê em muitos países latino-americanos. Esta é a realidade em países como Togo, Guiné-Bissau e Costa do Marfim, entre outros, onde as redes criminosas desempenham um papel proeminente no ecossistema do crime organizado, mas onde grupos mafiosos ou não existem ou não desempenham mais do que um papel secundário. (ENACT, 2019, p. 66, tradução nossa) Siga para o próximo tópico para conhecer a história da máfia italiana e entender por que sua estrutura passou a ser referência para outras organizações criminosas. 2.1.1 QUE MÁfia iTaliaNa é ESSa, EM SEU SigNificaDO ORigiNal, PURO OU bRUTO? Segundo a Enciclopédia Britânica (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, 1998), a máfia surgiu na Sicília, no final da Idade Média (476 d.C. a 1453). De início, tratava-se possivelmente de uma organização se- creta que tinha por objetivo proteger os habitantes locais ao serem atacados por conquistadores estrangeiros, entre os quais estavam os sarracenos, os normandos e os espanhóis. glossáRio Sarracenos são árabes ou muçulmanos. Normandos é o povo germânico descendente dos viquingues. Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 20 Os proprietários de terras, por vezes ausentes de suas propriedades, contratavam pequenos exércitos particulares, também denominados mafie, para proteger as respectivas propriedades ao longo do tempo em que boa parte da Sicília permaneceu semlei. Esses grupos de enfren- tamento são considerados a origem da máfia na ilha. Você consegue ver alguma semelhança da mafie com as milícias brasileiras? Os diversos reinos que formavam a Espanha, durante a Reconquista aos mouros invasores, proveram, conforme a época, distintos corpos de milícia destinados não à guerra, e sim à segurança interna de seus súditos. Por agruparem pessoas que verdadeiramente se consagravam à caça dos malfeitores, ao patrulhamento das terras e cidades, e à apuração dos delitos, e à proteção do povo contra eventuais desmandos de senhores feudais e autoridades locais, tais corpos policiais foram chamados de irmandades, fraternidades. (BRODBECK, 2010) De acordo com Nelli (1981, p. 4), os ditados dos camponeses locais refletem essa “disputa” entre a cultura e a lei, e restava recorrer ao código de comportamento pessoal individualizado. Entre esses ditados, estão: � “As galés são para os pobres”. � “Os tribunais são para os tolos”. � “Quem tem amigos pode riscar a lei”. � “Um peixe morto começa a cheirar mal pela cabeça”. � “Aquele que rouba do rei (do estado) não comete crime”. � “O porco gordo não paga impostos”. Todos esses ditados refletem, de forma ou de outra, metáforas sobre como a corrupção se estabelece no topo. Já durante os séculos XVIII e XIX, os líderes desses pequenos exércitos ganharam tanto poder e prestígio que acabaram por se voltar contra os próprios proprietários de terras que antes os contratavam para proteção. Nesse cenário, surge um dos principais elementos característicos da máfia: a cobrança (extorsão) por proteção. glossáRio Galés são navios movidos a remo nos quais prisioneiros agrilhoados executavam trabalhos forçados. Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 21 Foto: © [motortion] / Adobe Stock. Uma das razões para a máfia siciliana ter sobrevivido aos sucessivos governos estrangeiros na ilha estava no despotismo dos invasores. Para gerações e gerações de sicilianos, as práticas da máfia, baseadas em códigos morais complexos, eram mais toleráveis do que as arbi- trariedades perpetradas pelos estrangeiros invasores. 2.2 a omertà A omertà é um traço importante da máfia e do crime organizado do sul da Itália, dos quais são exemplo as famílias mafiosas ‘Ndrangheta, Camorra, Cosa Nostra e Sacra Corona Unita. � Camorra (máfia napolitana) A Camorra apareceu pela primeira vez em meados de 1800 em Ná- poles, Itália, como uma gangue de prisão – a palavra “Camorra” significa gangue. Depois de libertados, os membros formaram clãs nas cidades e acabaram por se tornar o maior dos grupos italianos do crime organizado. � Sacra Corona Unita Sacra Corona Unita – traduzida como “Coroa Sagrada Unida” – no final dos anos 1980. Como outros grupos, começou como uma gangue de prisão. Quando seus membros foram libertados, eles se estabeleceram na região de Puglia, na Itália, e continuaram a cres- cer e formar ligações com outros grupos da máfia. Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 22 Na imagem a seguir, você pode ver as características da Máfia italiana. A MÁFiA ITALiANA OMERTÀ Código de Silêncio. Ninguém na Sicília fala sobre a Máfia porque sabe e teme a punição. “A melhor palavra é aquela que não se diz”. Punível com a morte. Segundo a Enciclopédia Britânica, o código moral da máfia era ba- seado no princípio da omertà. Etimologicamente, a palavra omertá está relacionada à virilidade, à qualidade de ser homem; ou na prática de resolver os problemas entre seus iguais. Omertà significa a obrigação de nunca solicitar justiça às autoridades legais e nunca ajudar o Estado, de forma nenhuma, na elucidação de crimes cometidos contra si ou contra terceiros. Trata-se de um código de honra que impõe o silêncio perante as ações das autoridades na elucidação de crimes. Igualmente, omertà também diz respeito à não interferência nas ações ilegais de outros. A vingança deveria ser privada, e o direito de vingar os males sofridos estava reservado aos ofendidos e, principalmente no caso de assassi- nato, às famílias da vítima. Quebrar o código de silêncio fatalmente levava a represálias da máfia. Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 23 A omertà possivelmente possui resquícios de elementos da sharia islâmica, especialmente no que toca ao fato de a família da vítima de homicídio opinar sobre a pena do autor. Conheça, a seguir, a história do Império Islâmico, a influência do Califado Fatímida e a Sicília. glossáRio A sharia (em árabe, “legislação”) é o direito islâmico. Entre os séculos VII e VIII, o Império Islâmico alcançou sua maior extensão territorial, abarcando terras desde a Ásia Central até a Península Ibérica, passando pelo norte da África. Dentro deste vasto território, em que imperava a sharia islâmica, encontrava-se justamente a Sicília. Por mais de um século a Sicília esteve sob total domínio árabe. O Emirado da Sicília foi um emirado situado na ilha da Sicília e em algumas partes do sul da Itália que existiu de 965 a 1072, nessa época a ilha era dominada pelo Califado Fatímida. Califado é a forma islâmica monárquica de governo, representa a unidade e liderança política do mundo islâmico. O Califado Fatímida foi formado com a ascensão da dinastia dos Fatímidas, uma dinastia xiita ismailita constituída por catorze califas. Entretanto, a influência islâmica na ilha não cessou com a perda do poder formal do califado, ela se perpetuou por séculos, influenciando a Sicília e, a partir dela, boa parte da Europa, em todos os sentidos, inclusive o cultural e o acadêmico. Segundo a plataforma Iqara Islam, foi através da Sicília, pela Espanha, que ideias e conhecimentos foram transmitidos para Europa. Mesmo durante as cruzadas, monarcas latinos patrocinaram estudos muçulmanos. O Rei Roger II da Sicília não só continuou a Universidade em Palermo, que foi realizada por muçulmanos, mas também patrocinou em sua corte o conhecido geógrafo Dreses (Abu Abdulá Maomé Idrissi), que foi um dos melhores estudiosos da época. PodcAst TRaNScRiTO Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 24 Mafioso não pode roubar outro mafioso. Mafioso deve obediência cega ao ‘padrinho da família’, entenda-se: o chefão da quadrilha. Mas se um mafioso rouba e/ou mata um não mafioso, está tudo bem. É escusado dizer que todas as regras da omertà não admitem reciprocidade em relação aos não mafiosos. Só valem para uso interno. Tal como a ‘ética’ muçulmana, ela só tem validade para um grupo ou comunidade humana, não para quaisquer outros fora dela. E é justamente por isso que tanto as regras dos muçulmanos como as da Máfia não são universalizáveis, mediante regras gerais tais como: ‘Não matar’, ‘Não roubar’, ‘Não prestar falso testemunho’, etc. extensíveis a todos os seres humanos sem exceção. (GUERREIRO, 2014) Perceba que a moral na omertà é instrumental e casuística. A narrativa moral da omertà se aplica à imposição do silêncio e também a todos os demais atos da máfia. Nesses termos, estamos muito mais diante do fenômeno psicossocial denominado desengajamento moral (IGLE- SIAS, 2008) do que diante da moral filosófica tradicional. Vamos relembrar os pontos principais? glossáRio Desengajamento moral é o conceito utilizado para explicar como as pessoas se liberam de seus padrões morais para infligir ações danosas a outros, sem que se sintam culpadas por sua conduta não moral. Moral é o conjunto de valores, de normas e de noções do que é certo ou errado, proibido e permitido, dentro de uma determinada sociedade, de uma cultura. Além da participação da família da vítima na definição da pena do assassino, o código de moral da máfia siciliana tinha outro elemento em comum com o código moral mulçumano: tanto as regras da máfia quanto as regras do Islã não são universais. Elas valem somente para seus semelhantes. Nesse sentido, segue um trecho do texto “Os quatro fundamentos do islamismo”.Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 25 Um código de honra. A família da vítima definia a pena do assassino. As regras não universais, válidas somente para seus semelhantes. A imposição do silêncio. O código de silêncio era fatal se fosse quebrado. O direito à vingança era reservado aos ofendidos. | ElEMENTOS cOMUNS ENTRE a MÁfia E O cóDigO MUçUlMaNO Avance para próximo item e veja a história da máfia no decorrer do século XX. 2.3 a MÁFia nO SÉCULO xx Por volta de 1900, as várias “famílias” da máfia e grupos de famílias com base nas aldeias do oeste da Sicília haviam se unido em uma confederação independente e controlavam a maioria das atividades econômicas em suas respectivas localidades. Enquadre no seu celular ou tablet o código de REALIDADE AUMENTADA do aplicativo Zappar para assistir ao vídeo sobre a história da máfia na Sicília durante o século XX. RA Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 26 Na era fascista de Benito Mussolini, a máfia chegou perto de ser eli- minada por conta da prisão e do julgamento de milhares de supostos mafiosos e a longas penas de prisão que receberam. Passada a Segunda Grande Guerra (1939-1945), os mafiosos foram libertados junto com presos comuns e presos políticos. Daí, as organi- zações mafiosas foram se estruturando e ganhando força. Entretanto, o protagonismo da máfia acabou se deslocando das zonas rurais da Sicília para as áreas urbanas de Palermo. Assim, a extorsão, antes centrada na proteção de propriedades rurais, ganhou a indústria, o ramo dos negócios, a construção civil e o contrabando tradicional. Já no final da década de 1970, a máfia de Palermo, em definitivo, acrescentou o narcotráfico ao seu portfólio de crimes, envolven- do-se no refino e no transporte de heroína para os Estados Unidos da América (EUA). Essas operações lucrativas terminaram por gerar uma competição mortal entre os clãs da máfia. A onda de assassinatos que resultou dessas disputas levou as autoridades governamentais a agirem com firmeza na condenação e na prisão dos líderes da máfia. Um marco dessa reação por parte do Estado foi o “julgamento má- ximo” de 1987, onde 338 mafiosos sicilianos foram condenados. O julgamento máximo, de 1987. Foto: Descobrindo a Sicilia. glossáRio Fascismo é uma ideologia ultranacionalista e ditatorial, suprimindo a oposição pela força com suporte da sociedade e da economia. Benito Mussolini foi líder do fascismo italiano. Assumiu o poder em 1922, no qual permaneceu até ser executado, em praça pública, em 1945. Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 27 1900 1945 - 1970 1970 1987 1939 - 1945 As várias “famílias” da máfia haviam se unido em uma confederação independente e controlavam a maioria das atividades econômicas. A máfia chegou perto de ser eliminada por conta das prisões realizadas na era fascista de Mussolini. A máfia de Palermo acrescentou o narcotráfico ao seu portfólio de crimes, transportando heroína para os EUA. Um marco na repressão à máfia foi a condenação de 338 mafiosos sicilianos no “julgamento máximo”. As organizações mafiosas foram se estruturando e ganhando força na cidade de Palermo. Vamos relembrar o percurso histórico da máfia no século XX? Confira: Siga seus estudos e veja no tópico as influências da máfia italiana nas organizações criminosas estadunidenses do século XX. 2.4 MeTÁSTaSe: a MÁFia iTaLiana eM SOLO nORTe-aMeRiCanO Você sabe o que é a metástase? Esse termo médico é utilizando quando o câncer se dissemina além do local onde começou para outras partes do corpo. Você pode pensar na metástase como uma metáfora do processo de ‘migração’ da máfia na Itália para os EUA. Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 28 Como isso aconteceu? Alguns dos imigrantes italianos chegados aos Estados Unidos da América e à América Latina entre os séculos XIX e XX tinham influência da cultura mafiosa. Particularmente durante a década de 1930 nos Estados Unidos da América, passaram a imitar a cultura mafiosa no enfrentamento de grupos rivais, como as gangues de irlandeses e de judeus. Foto: © [Николай Григорьев] / Adobe Stock. Nelli (1981), no livro “The Business of Crime: Italians and Syndicate Crime in the United States”, detalha os tipos de crimes que preva- leciam nos enclaves de imigrantes italianos nos Estados Unidos dos anos 1930. Como a maioria dos crimes comuns ocorridos na época, assim como vemos hoje, o crime italiano era mais frequente e visível na cena urbana marcada pela pobreza e pela desordem física e social. Era um contexto criminal nos moldes das subculturas criminais, muito caracterizado por meninos formados em gangues de rua a gangues criminosas. Contudo, nenhuma dessas gangues era muito grande até que a Lei Seca trouxe o Grande Salto para a Frente, a um nível que Nelli denominou de “crime empresarial”. glossáRio A Lei Seca foi uma legislação norte- americana de 1920 relativa aos temas da pobreza e violência. Por intermédio da 18ª Emenda constitucional, ficou estabelecida a proibição da fabricação, comércio, transporte, exportação e importação de bebidas alcoólicas nos Estados Unidos da América. A emenda vigorou de 1920 até 1933. Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 29 Você sabe quem foi Al Capone? Ele foi sem dúvida o gângster norte-americano mais famoso da história. Ele dominou o crime organizado na cidade de Chicago, no estado de Illinois. Durante o período da Lei Seca nos Estados Unidos, Al Capone ganhou muito com o mercado ilegal de bebidas, além de mandar matar muitas pessoas. Iniciou sua carreira de delitos na sexta série do ensino básico, deixando sua escola no bairro do Brooklin da cidade de Nova Iorque para juntar-se aos criminosos daquele mesmo bairro. Uma briga de rua resultou numa marca em seu rosto, a qual lhe valeu o apelido de Scarface, cara de cicatriz em português. Aos 28 anos tinha uma fortuna que era estimada em 100 milhões de dólares, fruto de atividades ilícitas como o jogo e a prostituição. Foi preso em 1931 por não pagar impostos, condenado a 11 anos de prisão. PodcAst TRaNScRiTO Veja a seguir a história de Al Capone, o maior gângster da história dos Estados Unidos: O relato de Nelli (1981) dá sentido a muitos incidentes e assassinatos, que são interpretados a partir da lógica de atuação da máfia. O autor também diferencia lugares e descreve indivíduos emblemáticos e seus talentos, como o cérebro de Torrio, e a brutalidade de Al Capone, que permitiram a esses e outros sujeitos se tornarem verdadeiros ícones do crime. Caso você queira ter acesso aos detalhes da vida Al Capone, uma das maiores personalidades da máfia italiana nos Estados Unidos da América, recomendamos que você assista ao documentário, disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=U94_aHnn4oo. Dica DE MíDia Já em 1933, após o fim da Lei Seca, os mafiosos deixaram as atividades ligadas ao comércio ilegal de bebidas alcoólicas, passando a explorar atividades igualmente criminosas nas áreas de jogos de azar, extorsão no ambiente trabalhista (em função de um sindicalismo exacerbado), prostituição, agiotagem e drogas. https://www.youtube.com/watch?v=U94_aHnn4oo Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 30 JOGOS DE AZAR EXTORSÃO NO AMBiENTE TRABALHiSTA PROSTiTUiÇÃO AGiOTAGEM DROGAS LAVAGEM DE DiNHEiRO Essa “máfia unificada” tornou-se muito poderosa ao “lavar o di- nheiro sujo” em negócios supostamente legítimos, caso de hotéis, empresas da indústria de bebidas e alimentos e do entretenimento (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, 1998). Extensas investigações norte-americanas feitas nas décadas seguintes revelaram que o “modelo mafioso italiano” havia sido realmente instalado naquele país: ficava exposta a Cosa Nostra, em português “Coisa Nossa”. Tal modelo de crime organizado estava disseminado por todo o país em 24 “famílias”. De maneira maisproeminente foram identificadas cinco delas na cidade de Nova Iorque. Cada uma dessas famílias tinha uma estrutura hierárquica com um capo famiglia, que seria o patrão ou chefão, e toda uma sequência hierárquica organizacional. Como no mundo empresarial e lícito, os profissionais dessas “fa- mílias” se organizavam em linhas de coordenação, supervisão e execução de seus negócios ilícitos e violentos. Os capos eram figuras de destaque nesse modelo. Também chamados de capitães, serviam de anteparo entre os agentes do escalão inferior e o próprio capo famiglia. Em outras palavras, os capos protegiam o chefe de ter sua imagem diretamente associada com ilicitudes. Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 31 | ESTRUTURa hiERÁRQUica MafiOSa Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 32 Nos dias atuais, a Cosa Nostra não dá mais sinais de expansão ou mesmo de atividade. Deserções, chacinas internas e longas condena- ções de mafiosos como John Gotti levaram esse modelo de organização criminosa a uma aparente extinção nos Estados Unidos. glossáRio John Joseph Gotti Jr. foi um gângster e chefe criminoso da Família Gambino na cidade de Nova Iorque. O jeito americano de viver (American way of life) parece também ter contribuído para a extinção da máfia norte-americana, muito pro- vavelmente pelo fato da não conformidade dessa expressão violenta do crime organizado com o ambiente político e socioeconômico dos Estados Unidos da América. A Cosa Nostra perdeu terreno, apesar de ainda estar viva. A principal máfia italiana hoje é a ‘Ndrangheta, calabresa. Outras máfias entraram no jogo depois da globalização: russos, turcos, nigerianos, chineses. O crime é hoje mais pulverizado e existe menos concentração de poder. Mas o negócio continua o mesmo: onde os Estados fazem leis para proibir algum tipo de comércio, as máfias entram com o tráfico, de drogas a seres humanos. Elas são parte da economia, e o giro de dinheiro empreendido por elas afeta a todos nós. (DEMORI, 2016) E o caso da Cosa Nostra não é isolado: a própria máfia italiana não possui as exatas características do passado. Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 33 Assim, vale destacar que a palavra “máfia” deve ser entendida como a organização específica do grupo italiano. Quando usada para adjetivar organizações criminosas atuais, o termo mafioide demonstra que aquela organização possui características semelhantes com as organizações mafiosas do passado, e não uma identidade absoluta. Para você compreender melhor essa diferença entre máfia e orga- nizações mafioides, veja a seguir os atributos que caracterizam uma organização criminosa mafioide: Atributo Descrição 1. Autojustificação moral Prática de crimes para evitar agressões “maiores” a uma comunidade que supostamente se quer proteger. 2. Organização em rede Permeabilidade das organizações criminosas ao longo de grandes territórios ou mesmo de todos eles (globalização ou translocalização do crime). 3. Severa organização hierárquica e disciplinar O equivalente a chefes, conselheiros, capos, soldados, dependendo das denominações locais. 4. Existência de um capo famiglia Figuras máximas na estrutura de comando: “poderosos chefões” na alusão real e até mesmo ficcional a eles. 5. Mistura de negócios lícitos e ilícitos Uso de negócios legais (restaurantes, bares, transportadoras, etc.) para ocultar negócios ilegais. Crimes perpetrados em conexão com políticos, financistas, sindicalistas, doleiros, operadores do direito, etc. 6. Lavagem de dinheiro, evasão fiscal e semelhantes Aquisição de bens de luxo, manutenção de negócios comuns (como pizzarias, comércios diversos, etc.). Articulação de fuga de capitais para organizações bancárias estrangeiras, evasão fiscal, etc. Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 34 Atributo Descrição 7. Omertà “Códigos de Silêncio” frente a justiçamentos, chacinas; estatutos de crime; demonização da polícia, etc. 8. Recurso à violência Ameaças, agressões, sequestros, homicídios (incluindo chacinas), justiça própria (morte ou punições). 9. Corrupção de agentes públicos Cooptação de agentes públicos ou infiltração de membros da organização na estrutura do Estado (inclusive pelo processo político eleitoral). Como você pôde observar, uma das principais características das organizações mafioides está em sua forma de organização em rede. Nesse sentido, Canter e Youngs (2009) fazem uma alusão interessante ao crime organizado em sua obra “Investigative Psychology: Offender Profiling and the Analysis of Criminal Action”. Segundo os autores, a maioria dos criminosos faz parte de uma ou mais redes de delinquentes. Estes são grupos com vínculos fracos entre si, que possuem contato ocasional um com o outro de tempos em tempos, mas em alguns casos podem espelhar a estrutura hie- rárquica e atribuições de papel de organizações legítimas, uma das características das organizações mafioides, como no atributo número 3, apresentado no quadro acima. Tais variedades de estruturas organizacionais paralelas revelam propriedades importantes de como operam, como a existência de um grupo informal fechado, indivíduos-chave na rede de comunicação ou, até mesmo, a existência de indivíduos isolados. Todos esses aspectos de redes ilegais revelam vulnerabilidades potenciais que podem ser alvo de agências policiais em uma estratégia que pode ser pensada como psicologia organizacional destrutiva. Como exemplo de estratégias do tipo, estariam as ações de redução da oferta de drogas centradas no desmantelamento de grupos criminosos com base em informações obtidas nas redes sociais. Um exemplo dessa estratégia pode ser a análise de redes sociais. Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 35 Foto: © [aleksandarfilip] / Adobe Stock. Todos esses atributos são vistos em outras organizações criminosas do restante do mundo, razão pela qual elas são vistas como a res- pectiva materialização e transcendência da máfia propriamente dita. Essas organizações são chamadas de “mafioides” por constituírem “padrões” originalmente detectados na máfia. Vale destacar que tais atributos e a respectiva materialização/mani- festação constituem “padrões” do fenômeno criminológico, do qual trata a disciplina da Análise Criminal (AC). A AC é o estudo de ocorrências policiais; a identificação de padrões, tendências e problemas; e a disseminação de informação que contribui para que uma agência policial desenvolva tática e estratégia para resolver questões pertinentes aos mesmos padrões, tendências e problemas. (BRUCE, 2004, p. 411, tradução nossa) A Análise Criminal é uma disciplina da área de segurança pública que provê apoio de informação para as missões das instituições policiais ou do sistema de justiça criminal. Ela envolve: � O estudo de ocorrências criminais. � A identificação de padrões. � Tendências e problemas do crime. A AC é um conjunto de processos direcionados na promoção de in- formações importantes sobre padrões do crime e correlações. Essas informações servem de apoio para as áreas operacionais e adminis- trativas no planejamento e na distribuição de recursos para prevenir e suprimir atividades criminais, auxiliando o processo investigativo Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 36 e aumentando o número de prisões e de esclarecimentos de casos (GOTTLIEB, 1994). A disseminação de informação obtida deve ser disponibilizada de uma forma que a instituição possa desenvolver táticas e estratégias para resolução de questões relativas a padrões, tendências e problemas (MACA, 2005). Por sua vez, o padrão diz respeito a duas ou mais ocorrências re- lacionadas a um fator causal comum, usualmente com respeito ao autor, local ou “alvo” (pessoa ou coisa). Padrões usualmente são fenômenos de curta duração, ainda que nem sempre se apresentem assim (BRUCE; IACA, 2004).No contexto da Análise Criminal, segundo Dantas e Souza (2004), existem dois padrões importantes a serem avaliados. A expressão padrão corresponde a uma característica da ocorrência de um de- terminado delito, segundo a qual pelo menos uma mesma variável daquela ocorrência se repete em outra ou outras ocorrências, ao longo do tempo (antes e/ou depois). Indica uma propensão quantitativa geral de um fenômeno da segurança pública, que deve ser verificada ao longo de uma área por tempo suficiente para que a tendência possa ser determinada. Tendência Pode ser o dia da semana, hora, local, tipo de vítima, descrição do autor, modus operandi ou outra variável qualquer da ocorrência sob análise. Variável repetida Tendo em conta que o crime organizado rapidamente se adapta a novas oportunidades por serem exploradas, a UNODC devota recursos sig- nificativos para a pesquisa e análise em proveito do desenvolvimento de medidas e instrumentos para mensurar e acompanhar tendências das atividades criminais transnacionais. Coletar fatos e informações sobre o crime é algo especialmente de- safiador e a UNODC (2010) está trabalhando para desenvolver e re- finar medidas e padrões para incrementar a habilidade dos governos e instituições internacionais nas atividades de coleta e análise de dados criminais. Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 37 “O Poderoso Chefão” (The Godfather) (1972). O filme conta a história de Vito Corleone (personagem fictício), chefão da máfia italiana. Durante a história, o poder da família Corleone passa de Don Vito (Marlon Brando) para seu filho Michael (Al Pacino), após sua morte. Dica DE MíDia Avance para a próxima unidade e confira as principais organizações mafioides espalhadas ao redor do mundo. Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 38 Unidade 3 ORGanIZaÇÕeS CRIMInOSaS naS aMÉRICaS Até agora foi apresentado o contexto histórico que explica o sur- gimento das organizações criminosas, e você entendeu quem foi a máfia, assim como o peso da sua influência sobre outras organizações mafioides ao redor do mundo. Mas você saberia dizer quais são essas organizações mafioides? Nesta unidade, você vai conhecer as princi- pais organizações criminosas do continente Americano, com ênfase nos Estados Unidos e nos países da América Latina, cujas fronteiras estão próximas ao Brasil. COnTexTUaLiZandO 3.1 eSTadOS UnidOS: O MOViMenTO SindiCaL e OS SindiCaTOS CRiMinaiS Você lembra como a máfia italiana teve uma “metástase” nos Estados Unidos, reeditando no país muitas das características que possuía no continente europeu? Agora, você terá uma visão panorâmica de como os vínculos entre os sindicatos e o crime organizado, sobretudo a máfia, se fortaleceram no auge do sindicalismo norte-americano. Foto: Adaptado de © [aleksandarfilip] / Adobe Stock. Para compreender melhor o cenário, vale lembrar que um sindicato criminal até pode ser constituído por elementos legítimos de orga- nizações representativas de determinadas classes laborais, porém não se limita a esse contexto. Historicamente, existe uma persistente relação entre o movimento sindical dos Estados Unidos com a máfia e outras expressões do crime organizado. Toda essa história se torna ainda mais palpável se narrada tendo como pano de fundo a trajetória do sindicalista Jimmy Hoffa. Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 39 Jimmy Hoffa. Foto: © [Hank Walker] / JOTA. Veja a história de Hoffa e a do envolvimento do movimento sindical americano com a máfia. Jimmy Hoffa nasceu em 1913, em uma cidade chamada Brazil, situada no estado de Indiana. Uma grande coincidência. Ele foi um dos líderes sindicais mais controversos de seu tempo. Órfão aos sete anos de idade, Hoffa mudou-se com a família para Detroit, deixando a escola aos 14 anos e começando trabalhar em um armazém. Nesse emprego, ele permaneceu por vários anos. Em 1930, Hoffa iniciou sua carreira como ativista sindical. Dez anos depois, já era o líder do Conselho de Caminhoneiros dos Estados da Região Central Norte-americana. Em 1942, Hoffa assumiu a presidência do braço da Irmandade Internacional dos Caminhoneiros em Michigan, tendo alcançado a vice-presidência da organização no início da década de 1950. Em 1957, ele se tornou o presidente da organização. Curiosamente, Hoffa não era caminhoneiro! Entre os caminhoneiros, o líder era conhecido pela capacidade de negociar duramente com a classe patronal da indústria automotiva pesada. Com essa característica, ele conseguiu centralizar a administração e a condução das negociações do sindicato. Seu poder e influência aumentaram quando ele conseguiu criar o primeiro acordo entre trabalhadores e empresas do setor de transporte de cargas dos Estados Unidos. Isso ajudou a Irmandade a se tornar o maior sindicato de trabalhadores do país. PodcAst TRaNScRiTO Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 40 Nas décadas de 1950 e 1960, a organização sindical Irmandade Inter- nacional dos Caminhoneiros em Michigan se tornou a maior e mais poderosa dos Estados Unidos, com mais de 2,3 milhões de filiados. Ela era capaz de parar o país. Hoffa sabia e se utilizava muito bem disso. Mesmo que tenha parado de estudar no nono ano do ensino fundamental, em matéria de agitação e táticas de enfrentamento, Hoffa era mestre. Muito desse conhecimento se deve às suas relações com um sindicalista trotskista chamado Farrell Dobbs. Entre as diversas curiosidades e controvérsias envolvendo Hoffa, está o fato de ele nunca ter sido caminhoneiro, em que pese sua trajetória como líder de um sindicato de caminhoneiros. Além disso, certamente o fato mais controverso em sua biografia está em seus laços com o mundo do crime. A própria organização sindical de Hoffa se notabi- lizou por suas conexões com o crime organizado e com o submundo. glossáRio Trotskista, que segue a doutrina de Leon Trotsky. Este, ao lado de Lenin e Stalin, é um dos três maiores nomes da Revolução Comunista ocorrida na Rússia em outubro de 1917. Em 1964, Hoffa foi condenado pela apropriação de aproximadamente dois milhões de dólares dos fundos de pensão dos trabalhadores sindicalizados. Em sua sentença, também pesavam crimes como suborno e fraude. Por isso, ele passou cinco anos na cadeia. Esse tempo na prisão seria maior se Hoffa não tivesse sido libertado sob a condição de manter-se distante da vida sindical até 1980 (ano em que completaria sua sentença). Contudo, tão logo saiu da cadeia, Hoffa reestabeleceu seus laços com a atividade sindical até que, misteriosamente, desapareceu em 1975 (JACOBS, 2007). Apesar de ninguém ter sido condenado pelo crime, para a Justiça norte-ame- ricana, Hoffa foi assassinado. Há poucas dúvidas de que o homicídio tenha sido cometido pela máfia. O filme “O Irlandês”, de Martin Scorsese, com Robert Niro, Al Pacino e Joe Pesci, tem como enredo central o envolvimento do maior sindicato norte-americano com a máfia e é uma sugestão para quem se interessa pela história recente dos Estados Unidos, o Direito do Trabalho e o movimento sindical do país. Dica DE MíDia Siga para o próximo tópico e bons estudos. Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 41 3.2 UM PaRaLeLO COM O BRaSiL Em que pesem as significativas diferenças entre a organização política do Brasil e dos Estados Unidos da América nos anos 1930, na época as fontes que inspiraram os contornos legais da organização sindical em ambos os países eram as mesmas. A unicidade sindical A organização confederativa das representações sindicais O papel moderador do Estado | PilaRES DE REPRESENTaçãO TRabalhiSTa Os pilares da representação trabalhista adotados pelos governos de Getúlio Vargas e Franklin Delano Roosevelt foram idênticos: a unicidade sindical, ou seja, a existência de um sindicato por cate- goria profissional, a organização confederativa das representaçõessindicais e o papel moderador do Estado em face das disputas entre patrões e empregados. Dentro desse modelo, órgãos governamentais legitimavam sindi- catos que recebiam a chancela de serem representações oficiais dos trabalhadores. Por sua vez, essas organizações se aglomeravam em forma de confederação, sob estruturas rigidamente hierarquizadas. O resultado dessa política, no Brasil e nos Estados Unidos, foi a proliferação exponencial de estruturas sindicais, muitas vezes à custa de corrupção. Ao longo das décadas, esse modelo sofreu significativas alterações entre os norte-americanos, contudo no Brasil preserva muitas de suas características originais. A prova disso é a enorme quantidade de representações de natureza sindical no Brasil: 11.257 sindicatos de trabalhadores (GALUPPO, 2019), número que supera, mais que triplamente, a quantidade de prefeituras em nosso país. Para que você tenha uma dimensão do que isso significa, lembre-se de que no Brasil há 5.570 municípios. Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 42 Veja na reportagem a seguir a investigação da PF sobre indícios de esquema de venda de registros sindicais ao Ministério do Trabalho, disponível em: https://www. gazetadopovo.com.br/politica/republica/pf-coloca-sob- suspeita-criacao-de-150-sindicatos-e-divulga-email- para-denuncias-btu08hygldhe1fs9xg39qkkmc/. Saiba MaiS Durante o Estado Novo, os sindicatos no Brasil foram mantidos sob controle do Governo Central. Depois da Era Vargas, o controle governa- mental das lideranças sindicais passou a ser mais sutil, mais indireto. Esse controle passou a ser realizado ora por aquilo que Smith (2000) denominou de “Acordo Forçado”, ora pela distribuição de cargos pú- blicos para líderes sindicais. Já nos Estados Unidos, essas estruturas possuíam bastante independência, elas podiam, inclusive, administrar os fundos de pensão de seus membros. Isso garantiu poder e influência para líderes como Hoffa, que podiam escolher onde investir milhões de dólares, incluindo na construção de hotéis e de cassinos. O que acabou chamando a atenção da Máfia (JACOBS, 2007). Outro fato curioso é que, na história recente do Brasil, recursos dos fundos de pensão dos trabalhadores, no caso de estatais, também foram objeto de más administrações de dirigentes em dife- rentes posições após trajetórias de sucesso no movimento sindical. O encontro da máfia ítalo-americana com o movimento sindical gerou ganhos recíprocos. glossáRio O Estado Novo foi a terceira e última fase da Era Vargas. Durou de 1937 a 1945. A característica principal do Estado Novo era o fato de ter sido propriamente um regime ditatorial inspirado no modelo nazifascista europeu, em voga na época. ANTES Mafiosos eram contratados pelos patrões para colocar fim a greves e agitações. A máfia contava com a estrutura logística e administrativa dos sindicatos para levar a cabo seus negócios. DEPOiS Mafiosos passaram a servir à causa dos sindicatos. Gângsteres da máfia passaram a participar ativamente do quotidiano dos sindicatos. | aNTES E DEPOIS DaS ORgaNIZaçÕES MafIOIDES NOS EUa https://www.gazetadopovo.com.br/politica/republica/pf-coloca-sob-suspeita-criacao-de-150-sindicatos-e-divulga-email-para-denuncias-btu08hygldhe1fs9xg39qkkmc/ https://www.gazetadopovo.com.br/politica/republica/pf-coloca-sob-suspeita-criacao-de-150-sindicatos-e-divulga-email-para-denuncias-btu08hygldhe1fs9xg39qkkmc/ https://www.gazetadopovo.com.br/politica/republica/pf-coloca-sob-suspeita-criacao-de-150-sindicatos-e-divulga-email-para-denuncias-btu08hygldhe1fs9xg39qkkmc/ https://www.gazetadopovo.com.br/politica/republica/pf-coloca-sob-suspeita-criacao-de-150-sindicatos-e-divulga-email-para-denuncias-btu08hygldhe1fs9xg39qkkmc/ Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 43 De um lado, porque os elementos mafiosos que outrora eram contra- tados pelos patrões para colocar fim a greves e agitações passaram a servir à “causa” dos trabalhadores. Por outro lado, porque, sobretudo durante a Lei Seca, a máfia contava com a estrutura logística e administrativa dos sindicatos para levar a cabo seus negócios. Isso envolvia, por exemplo, tanto a lavagem de dinheiro quanto o emprego de caminhões e respectivos motoristas para o contrabando de bebidas alcóolicas. Porém, nesse processo, os gângsteres da máfia passaram a participar ativamente do quotidiano dos sindicatos, contribuindo para que chefões como Hoffa se perpe- tuassem no poder, nem que fosse à custa do assassinato de oponentes. O processo, segundo Jacobs (2007), é o mesmo que permitiu à Cosa Nostra alcançar poder, influência e notoriedade. Confira: 1O O O2 3 A organização infiltra-se no movimento trabalhista. A família mafiosa consolida seu poder por meio de fraudes e da violência. Esse poder é usado para que a família se torne parte da estrutura do poder político e econômico do ambiente urbano. | PROcESSO DE iNfilTRaçãO NO MOviMENTO SiNDical Primeiro, a organização conseguiu se infiltrar no movimento traba- lhista; depois, a família mafiosa conseguiu consolidar seu poder por meio do patrocínio de fraudes e da violência; finalmente, todo esse poder foi usado para que a família pudesse se tornar parte da estru- tura do poder político e econômico do ambiente urbano dos Estados Unidos no século XX. Nesses termos, a Cosa Nostra é historicamente referida como “sindicato do crime”, numa alusão, em exagero, a sua estrutura, seu desdobra- mento nacional, número de afiliados etc. O vínculo da organização, de fato, com os sindicatos é muito mais tênue do que qualquer alusão metafórica com os sindicatos propriamente ditos, não obstante a his- tória de ambos com o crime se mostrarem intimamente intrincadas. Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 44 3.3 PRinCiPaiS ORGaniZaÇÕeS CRiMinOSaS LaTinO-aMeRiCanaS (PaRTe 1) Você sabia que existe uma plataforma digital que se dedica ao estudo do crime organizado na América Latina e no Caribe? A plataforma InSight Crime divulga o conteúdo da fundação InSight, e considera que o crime organizado é a principal ameaça à segurança nacional e à cidadania na região. A plataforma informa que sua missão é aprofundar o debate sobre o crime organizado na América Latina e no Caribe, proporcionando informações periódicas, análises e investigações sobre o tema e as iniciativas empreendidas pelos países da região para enfrentá-lo. Entre as principais iniciativas utilizadas para cumprir sua missão, a plataforma produz investigações e informações sobre o crime orga- nizado e suas múltiplas manifestações, incluindo seu impacto sobre os direitos humanos, os governos, a política de drogas e outros problemas sociais, econômicos e políticos. Além disso, há o desenvolvimento de uma rede de investigadores que estudam o crime organizado. Em 2020, a InSight Crime organizou uma lista com as dez organizações criminosas com maior poder e influência na região. Para chegar a essa lista, a fundação apurou, de forma metodológica, a definição de dez categorias que permitiram comparar as organizações entre si. Confira: Fonte: Wikipedia. Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 45 Indicador Definição 1. Estrutura Estrutura político-militar que garante resiliência e coesão à organização. 2. Liderança central Poder centralizado em um líder ou em um grupo de líderes, a exemplo das organizações mafioides. 3. Identidade/ideologia Identidade, código ou ideologia que facilita o recrutamento de novos integrantes, com vistas ao fomento de uma reputação e de uma marca própria garantindo a lealdade de seus membros. As estruturas criminosas com maior êxito ao longo da história, como a máfia siciliana e a Yakuza, criaram uma mitologia que se traduz em um estrito código de conduta que inclui, inclusive, ritos de iniciação. Trata-se, em última instância, de justificativas morais calcadas em ideologias como o marxismo- leninismo, ou em ideologiasde defesa de território, como vimos no nascedouro da máfia siciliana. 4. Poderio econômico Corresponde não somente à acumulação de poder econômico, mas também à diversidade do portfólio criminal e à capacidade de absorver perdas. Nessa categoria também se encontra a capacidade que a organização possui de lavar dinheiro. 5. Penetração no Estado Capacidade que a organização possui de evitar que o Estado não interfira negativamente ou contribua com seus negócios. Isso é possível pela corrupção ou pela infiltração de criminosos na estrutura do Estado, inclusive por vias legítimas, tais quais eleição, nomeação em cargos comissionados, nomeação em conselhos e assinatura de contratos. 6. Ameaças ou exercício da violência A violência e o crime organizado são quase que indivisíveis na América Latina. Na ausência de recursos legais para o cumprimento de acordos, a reputação violenta constitui elemento-chave para a realização dos negócios. Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 46 Indicador Definição 7. Efetivo e capacidade militar Quantidade de combatentes que a organização possui à sua disposição e capacidade de realizar operações sofisticadas e precisas ao estilo militar para facilitar e proteger os empreendimentos criminais. Esse critério também envolve o treinamento de novos agentes do crime para a realização dessas atividades. 8. Alianças criminais Capilaridade e capacidade de se articular em rede com outras organizações criminais. 9. Influência territorial e governança criminal Capacidade de controlar áreas geográficas (territórios). Isso envolve o controle de rendas ilegais e o impedimento de invasões por grupos rivais. Além disso, há a criação de governos paralelos com a cobrança de taxas e a aplicação da justiça privada (tribunais do crime, justiçamentos etc.) 10. Longevidade Tempo de existência do grupo criminoso. Metodologia Empregada pela InSight Crime para medir e comparar os grupos criminosos que atuam na América Latina e no Caribe. Fonte: InSight Crime (2020). Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 47 O resultado da pesquisa realizada pela plataforma acerca das dez maiores organizações criminosas da América Latina em 2019 foi o seguinte: Exército Nacional de Libertação (ENL) Primeiro Comando Capital (PCC) Cartel de Sinaloa Jalisco Cartel Nova Geração (CJNG) Ex-FARC Máfia Comando Vermelho (CV) MS-13 Autodefesas Gaitanistas de Colombia (AGC) Cartel do Golfo Barrio 18 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 ESTADOS UNiDOS EL SALVADOR MAR DO CARiBE OCEANO PACÍFiCO COLÔMBiA BRASiL MÉXiCO 1 5 3 4 7 10 9 2 6 8 Fonte: Adaptado de InSight Crime (2020). Nos tópicos a seguir, você terá a oportunidade de conhecer um pouco sobre algumas dessas organizações internacionais, considerando que o PCC (número dois no ranking) e o CV (número seis no ranking) serão analisados em outro momento. Avance e confira! Enquadre no seu celular ou tablet o código de REALIDADE AUMENTADA do aplicativo Zappar para assistir ao vídeo sobre as principais organizações criminosas do Brasil. RA 3.3.1 EXéRciTO DE libERTaçãO NaciONal – ElN (cOlôMbia) São muitas as fontes que tratam do Exército de Libertação Na- cional da Colômbia (ELN) como objeto de estudo acadêmico ou de atenção midiática. Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 48 Exército de Libertação Nacional. Foto: DW. Ainda que o ELN não constitua um cartel de drogas explicitamente, ele figura, conforme apontado pela organização InSight Crime, no topo da lista das dez maiores organizações criminosas da América Latina. Todas as outras nove organizações possuem maior ou menor relação de pertencimento direto com o narcotráfico. Vale destacar alguns fatos acerca do ELN (AFP, 2017). Confira: O Exército da Libertação Nacional, conhecido pela sigla ELN, foi fundado no dia 4 de julho de 1964 por sindicalistas e estudantes, muitos dos quais haviam recebido formação em Cuba e eram simpatizantes de Ernesto “Che” Guevara, teórico e estrategista da guerra de guerrilha, figura comunista proeminente na Revolução Cubana (1956-1959) e líder guerrilheiro na América do Sul. No ano seguinte, se uniu ao ELN o padre colombiano Camilo Torres, seguido por três sacerdotes espanhóis, entre eles Manuel Pérez, que chegou a comandar a guerrilha. Esses religiosos eram expoentes da Teologia da Libertação, corrente da Igreja católica latino-americana que reivindica a luta a favor dos mais pobres. Essa influência religiosa se mantém até hoje. O ELN conta com 1.500 combatentes e milhares de milicianos, segundo o governo, embora a guerrilha afirme que esse número seja muito maior, e é liderado por Nicolás Rodríguez Bautista, “Gabino”, que ingressou em suas fileiras quando tinha 14 anos. Gabino impulsionou uma agenda nacionalista centrada no controle dos recursos naturais. PodcAst TRaNScRiTO Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 49 O ELN tem como alvos militares a infraestrutura energética e as transnacionais presentes no país, além de recorrer ao sequestro e à chantagem para o seu financiamento. O que diferencia o ELN das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC)? As duas guerrilhas foram financiadas pelo narcotráfico, pela mineração ilegal, pela extorsão e pelo sequestro. “Se há uma guerrilha sequestradora, é o ELN”, afirmou Jorge Restrepo, diretor do Centro de Recursos para Análises do Conflito (CERAC). AS FORÇAS ARMADAS REVOLUCiONÁRiAS DA COLÔMBiA (FARC): O EXÉRCITO DA LIBERTAÇÃO NACIONAL (ELN): Foram uma organização muito vertical. Foram desarmadas e convertidas em um partido político. Tiveram maior capacidade de fogo. Ênfase nas negociações de paz no desenvolvimento agrário e na repartição de terras. Tem uma estrutura mais “federada”, com voz própria em cada frente. Tem menor capacidade de fogo. Sua base social, composta por milicianos, é mais ampla. Ênfase na participação da sociedade nos diálogos. | DifERENçaS ENTRE aS faRc E O ElN A organização InSight Crime não retrata o ELN de maneira distan- ciada do narcotráfico. Observe acerca disso em alguns fragmentos da matéria dessa organização: O último exército rebelde da Colômbia é agora o sindicato criminoso mais poderoso da América Latina, à medida que se expande pela Colômbia e pela Venezuela, aprofundando seu envolvimento no tráfico de drogas. O Exército de Libertação Nacional tem resistido aos melhores esforços do governo colombiano e de seu aliado norte-americano por mais de cinco décadas. Amigos em posições importantes em Caracas estão ajudando o ELN a se tornar um exército revolucionário venezuelano-colombiano, com profundas consequências para as duas nações e para o panorama criminoso regional. (INSIGHT CRIME, 2020) Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 50 É aqui que o ELN se destaca com sua estrutura político-militar, que sobreviveu às ofensivas de governos colombianos apoiados pelos EUA, paramilitares de direita e outros grupos criminosos colombianos por mais de cinco décadas. Apesar de ter sido quase eliminado várias vezes, o ELN sempre se recuperou, reconstruindo e compartimentando ainda mais sua estrutura e aumentando sua resiliência a todas as formas de ataque. As divisões de combate, ou frentes de guerra (Frentes de Guerra), fornecem o quadro estrutural e, em seguida, as frentes individuais (frentes) agem como batalhões militares, divididos em empresas e unidades. Não existem outras estruturas criminosas, exceto a ex-máfia das FARC, que possam competir com esse tipo de coesão quase militar. A natureza das gangues de prisão é resistente, mas fragmentada, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), Comando Vermelho (CV), MS13 e Barrio 18, com base em torno de diferentes prisões e diferentes facções, o que significa que eles operam mais como uma franquia do que como uma organização centralizada. O Cartel de Sinaloa, após a captura de Joaquín GuzmánLoera, co- nhecido como El Chapo, pode ter visto mais poder concentrado nas mãos de Ismael Zambada García, conhecido como El Mayo, mas é uma federação de elementos diferentes e frequentemente desconectados, cada um com grande autonomia e independência de ação. Agora que você entendeu um pouco mais sobre o ELN e relacionou sua atuação com as FARC, siga para os próximos tópicos, neles você conhecerá outras organizações, suas características e funcionamentos. 3.3.2 caRTEl DE SiNalOa (MéXicO) No terceiro lugar no ranking da InSight Crime, temos o Cartel de Sinaloa. O Cartel de Sinaloa é reconhecido pelo governo norte-americano como sendo uma das maiores organizações do narcotráfico no mundo. Desde sua fundação, em 1980, a organização foi dirigida por um criminoso que ganhou as páginas de livros e jornais, além das telas: Joaquín Guzmán, o El Chapo. Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 51 O Cartel de Sinaloa é reconhecido pelo emprego de violência ex- trema, para a consecução de seus objetivos. Sequestros, tortura e assassinatos de rivais estão entre as principais práticas do grupo, que também se notabilizou por seu arsenal bélico. O próprio El Chapo, líder desse verdadeiro império do crime, possuía um fuzil Ak-47 de ouro (BBC, 2019). Em julho de 2019, a organização sofreu um duro golpe. El Chapo foi sentenciado pela Justiça norte-americana à pena de prisão perpétua. Entre as principais acusações que pesaram na pena, estão o tráfico internacional de cocaína, heroína e maconha, além da manutenção de uma folha de pagamento da qual constavam traficantes, seques- tradores e assassinos. CULiACÁN PRiNCiPAiS ÁREAS GEOGRÁFiCAS Sinaloa Tierra Caliente Tamaulipas CiDADE DO MÉXiCO Áreas de influência do Cartel de Sinaloa no México. Fonte: Adaptado de BBC (2019). Mesmo com a prisão de El Chapo e a guerra interna e com grupos rivais no vácuo do poder, o Cartel de Sinaloa se mantém poderoso e influente. Sua presença continua significativa em cidades de uma extensa região que vai de Buenos Aires a Nova York. Homens armados do cartel, incluindo comandos em caminhões equipados com metralhadoras de alto calibre, conseguiram deter e ameaçar as forças de segurança federais e exigir a libertação do filho de El Chapo da custódia. [...]. Em 2015, o presidente da McEwan Mining, listado em Toronto, causou um pequeno escândalo no México depois de dizer que sua empresa geralmente tinha um bom relacionamento com grupos do crime organizado em Sinaloa, após o roubo de US $ 8,5 milhões em ouro de uma das instalações da empresa. (FLANNERY, 2020) Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 52 A rede e amplitude de atuação da organização é responsável por ne- gócios em bilhões de dólares como o tráfico de drogas para os Estados Unidos da América, Europa e Ásia. A série “El Chapo” (Netflix) retrata a ascensão, a captura e a fuga do notório chefe do Cartel de Sinaloa, cujo verdadeiro nome é Joaquín Guzmán. Dica DE MíDia Você sabia que algumas investigações já demonstram ligações entre o Cartel de Sinaloa e o Primeiro Comando da Capital? Em 2019, Décio Gouveia da Silva, “Decinho”, foi preso em Arraial do Cabo no Rio de Janeiro. No telefone de Décio foram encontradas informações que o relacionavam com o Cartel de Sinaloa. Décio era o homem de con- fiança de Marcos Willians Herbas Camacho, “Marcola”, chefe do PCC. Por meio da prisão de Décio, a polícia chegou ao braço responsável pela logística de transporte de drogas realizado por uma célula que operava as transações entre o PCC e o Cartel de Sinaloa, sob a liderança do empresário português Mauro Cláudio Monteiro Loureiro, “Murruga”. Segundo alguns dados (OBID, 2020), na operação foram apreendidos veículos de luxo, cocaína, armas e nove aeronaves. Os aviões faziam parte de uma frota utilizada para transporte de drogas, armas e dinheiro. Aeronaves apreendidas por possível braço conjunto do PCC com o Cartel de Sinaloa. Foto: UOL. Conheça a seguir o Cartel de Jalisco, no México, e suas influentes rotas de tráfico. Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 53 3.3.3 caRTEl DE JaliScO – NOva gERaçãO (MéXicO) O Cartel de Jalisco Nova Geração (CJNG) é a quarta organização cri- minosa no ranking da InSight Crime. Ele também é chamado Los Matazetas devido ao ferrenho antagonismo ao cartel Los Zetas. JALISCO AGUASCALiENTES Guadalajara Tepic Colima MICHOACÁN COLIMA NAYARIT Morelia Aguascalientes Jalisco é um dos Estados do México, sua capital é Guadalajara. Foto: Adaptado de Family Search. Para se ter ideia da periculosidade do CJNG, ele já desferiu vários ataques contra as forças de segurança mexicanas. O Cartel de Sinaloa é um grupo rival do CJNG, e também é supostamente de onde viriam suas origens: Essas duas organizações estão envolvidas em uma dis- puta ferrenha pelo estratégico corredor de distribuição de drogas, que vai de Tijuana, no México, a San Diego, na Califórnia (KORTE, 2020). Proximidade entre San Diego e Tijuana. BAIXA CALIFÓRNIA DO SUL BAIXA CALIFÓRNIA ESTADOS UNIDOS MÉXICO NOVO MÉXICO COAUiLA DE SARAGOÇA CALIFÓRNIA ARIZONA CHIHUAHUA SONORA Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 54 Segundo um relatório do Departamento de Justiça dos Estados Unidos (2019), o CJNG é uma das organizações criminosas que mais crescem em poder e influência. Em Guadalajara, o cartel possui centrais de distribuição em cidades norte-americanas como Los Angeles, Nova York, Chicago e Atlanta. Já em seu país de origem, o grupo está em 24 dos 32 estados. | ROTaS DE DROgaS NO MéXicO ESTADOS UNiDOS HONDURAS San Diego Tijuana Mexicali Douglas El Paso Acapulco Puerto Vallarta Mazatlan Culiacan Lazaro Cardenas Nogales JuarezAgua Prieta McAllen Tampico Veracruz Merida Cancun Reynosa Laredo Nuevo Laredo Cidade do México de origem da Colômbia de origem da Ásia de origem da Colômbia, Venezuela e Brasil OCEANO PACÍFiCO GOLFO DO MÉXiCO Tráfico de cocaína Ephedra (utilizada como precursora para fabricação de metanfetamina) Maconha e metanfetamina Drogas em geral Curso FRoNt MÓDULO 3 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO EXTERIOR 55 Uma das principais estratégias usadas em sua rápida expansão tem sido o confronto violento com as forças governamentais mexicanas e com os cartéis rivais. O CJNG possui uma longa lista de assassinatos de policiais e outros agentes do Estado, além das inúmeras chacinas. Tal quais outros grupos criminosos do México, o CJNG tem atuado na produção, no atacado e no varejo de diversos tipos de drogas, como metanfetamina, cocaína, heroína e fentanil. glossáRio O fentanil é um semelhante sintético da heroína. A substância, originária primariamente da China e do México, está na categoria das drogas ilícitas mais letais em uso abusivo nos Estados Unidos, responsável por um elevado número de mortes no país e no mundo. Uma dose letal de heroína (à esquerda) e uma dose letal de fentanil (à direita). Foto: Fundação para um Mundo Sem Drogas. Não fugindo à regra vigente na América Latina, o Cartel de Jalisco Nova Geração também possui como uma de suas características mafioides a busca de legitimação moral nos territórios que controla. A organização faz isso invocando solidariedade e prometendo livrar as áreas das operações de outros grupos criminais, como é o caso dos Zetas. Durante a crise do coronavírus, em junho de 2020, por exemplo, o CJNG distribuiu brinquedos para crianças em uma comunidade onde enfrentava rivais. O grupo também, durante a pandemia, distribuiu caixas de itens de primeira necessidade em várias partes do país, incluindo Guadalajara, a segunda maior cidade mexicana. Para saber mais sobre o Fentanil, acesse o link para a matéria do G1 sobre parceria entre a PF e a polícia dos EUA contra o tráfico internacional de opioides, disponível em: https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/ noticia/2019/07/16/em-parceria-com-policia-do-
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