Buscar

O direito subjetivo nas teorias constitucionais modernas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 9 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 9 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 9 páginas

Prévia do material em texto

CENTRO DE CUNClAS JURtDICAS E FILOSOFIA POUTICA 
o DIREITO SUBJETIVO NAS TEORIAS 
CONSTITUCIONAIS MODERNAS 
DJACIR MENEZES 
"Tâchez de considerer plutôt le sens du mouvement, contre 
qui je partais en bataille ... " 
MICHEL VILLBY 
1. Relação jurldica e intersubjetividade; 2. O nódulo dos 
direitos humanos; 3. Estado constitucional e direitos huma­
nos; 4. O processo de subjetivação; 5. O absolutismo e a 
liberdade igualitária; 6. Direitos - atributos naturais ou 
culturais; 7. O antropocentrismo do pensamento jurídico; 8. 
Como se defenderia a consciência democrática? 
1. Relaçlo jurídica e intersubjetlvidade 
Quando se diz que o direito subjetivo é reflexo da normatividade jurídica, 
que o Estado, simultaneamente criador e criatura do direito, vai cons­
truindo e reconstruindo como expressão do poder de limitar e autolimitar­
se, apenas se dá explicação parcial do fenômeno. Qual o prius lógico - a 
norma jurídica que confere o direito subjetivo (interesse legalmente pro­
tegido, na definição clássica de Jhering), ou a relação jurídica, de onde 
se destrinçam os elementos constitutivos: o "sujeito", o "objeto", a "pre­
tensão", a "ação", a "sanção"? 
Pretendemos estabelecer aqui os "momentos" da relação jurídica a 
partir da fase gnosiológica até a fase de sua integração. Assim, inicial­
mente teríamos o (sub x ob) jectum, ainda no despontar no plano da 
consciência cognoscente. Denominemo-Ia de relação epistêmica; a seguir, 
com a apreensão daquela bivalência na integração convivente, definir-se-ia 
como relação social; e enfim, já como relação-vetor, isto é, polarizada 
como sujeito x sujeito (objetivado), a relação jurídica. É, pois, na inter-
R. Cio poI., Rio de Janeiro, 18(4) :51·59, out./dez. 1975 
subjetivação, que assume a visibilidade jurídica, emergindo do tecido de 
. relações sociais do mundo fático como categoria do direito, no seio do 
mundo axiológico, mundo de coisas e valores vitalmente finalísticos. Nes­
se intersubjetivar-se (acepção diversa de "subjetivizar-se" em nossa ter­
minologia) é que reside o fenômeno típico do direito. Não há direito 
entre nomem e co:sa, mas entre homens a propósito de "coisas", que 
são bens valorados por eles. 
A relação jurídica eclode no processo interativo humano quando a 
consciência social se revela historicamente capaz de percepção normativa. 
Noutras palavras, quando a experiência social se objetiva como experiência 
normativa através de estruturas que disciplinam as formas de convivência, 
instaurando estilos de ação coercitiva, com a produção psicológica dos 
efeitos inibitórios sobre a conduta humana. Tal frase mostra a integração 
dos caracteres básicos que definem o fenômeno jurídico. É o surgir do 
imperium que irá caracterizar o Estado: obligo ergo sumo Este, entretanto, 
é estranho ao despontar da regra jurídica e de suas sanções. 
2. O nódulo dos direitos humanos 
Essa transição da experiência social para a experiência normativa exprime 
a passagem dialética do fato para o valor, uma mudança qualitativa entre 
duas formas de experiência. O mundo dos valores é, por assim dizer, 
translúcido: nele é que se precisa o lineamento racional do direito. Não 
é um reino à parte. A opacidade da força bruta se diafaniza na força 
racional. 
Na linha desta argumentação, quando a relação social entra na esfera 
da proteção do poder é que toma a conotação íntima da juridicidade. De 
onde lhe advém a conotação denunciando-lhe outra essência? Porque, 
hegelianamente falando, a essência aparece. l Formulando a questão de 
outra maneira: que impele o Estado a proteger certas relações sociais, 
juridicizando-as? 
O sentido vital da coexistência é intuído na consciência humana 
como id quod justum est: o ponto interiormente luminescente da relação 
social que a torna jurídica. Só então se pode falar em "direito subjetivo", 
que é o nódulo dos direitos humanos. Decerto isso não significa que dali 
se irradiem todas as normas jurídicas que cobrem variadas relações so­
ciais, cuja proteção pelo poder não as torna subjetivadas. Mas, indiscutivel­
mente, é o antropocentrismo da experiência normativa que dá a tônica 
dominante do processo jurígeno: o homem é a medida de todas as coisas 
do universo do direito. 
Nesta altura de nossa argumentação, devemos atalhar que a tese não 
resvala no individualismo jurídico do século XIX e de seus continuadores 
do século XX. Porque ouvimos a lição da antropologia cultural explican­
do o processo de humanização histórica do ser que veio a tomar-se 
1 Hegel. Wissenschaft der Logik. Leipzig, Felix Meiner, 1923. p. 100. 
52 R.C.P. 4/75 
subjectum. Isso, entretanto, não deve fazer perder de vista a individua­
lização crescente que levou às técnicas da personificação, com a atribuição 
de "direitos" não mais ao "grupo" mas ao "indivíduo", revelando ten­
dência profunda da elaboração da cultura política. 
Pouco importam os eclipses ocasionados pelas ideologias que con­
fiscam as prerrogativas da personalidade em benefício do imperium encar­
nado no Leviatã e no carisma de um líder (das Recht ist was der Führer 
spricht). Entre o individualismo que facilitou o jogo plutocrático do libe­
ralismo político (século XIX e meados do seguinte) e o esmagamento 
dos cives pelas ditaduras de tipo marxista, está a configurar-se a morfolo­
gia do Estado, que se armará dos instrumentos constitucionais capazes de 
resistir, sem o sacrifício das garantias dos cidadãos, às agressões contra 
as instituições representativas. 
3. Estado constitucional e direitos humanos 
o capítulo constitucional dos direitos subjetivos, que se chamou garantia 
das liberdades e direitos -individuais, procede, genealogicamente, da fa­
mosa déclaration des droits de l'homme et du citoyen, que Mounier, no 
dia da queda da Bastilha, propôs à Assembléia para incorporar à Cons­
tituição. 
Atendendo à petição, Pethion de Villeneuve nomeou seis membros 
para apresentar o projeto constitucionaJ.2 Dispensemos as recordações 
das raízes remotas da Magna Carta (1615) e ouçamos a voz recente 
do Prof. Martin Kriele ensinar, no seu Einführung in die Staatslehre, que 
a Revolução Francesa é mais do que um exemplo doutrinário na teoria 
geral do Estado, é também "um ponto de partida dos movimentos de 
democratização que moveram a História".3 Ninguém ignora que a decla­
ração francesa inserida na Constituição de 3 de setembro de 1791 já fora 
formulada nos documentos americanos, notadamente o federalismo, 
alheia ao movimento continental europeu, conforme anota Themistocles 
Cavalcanti em estudo publicado nesta revista;' 
Sem Estado constitucional não há direitos humanos, resume Kriele. E 
no mesmo fio de raciocínio: no Estado constitucional não há nenhum 
soberano. A figura da soberania popular é algo difuso e irrepresentável: 
"a representação de um soberano é matéria revolucionária explosiva 
(revolutiorúirer Sprengstoff) contra o Estado constitucional".5 No dizer de 
Duguit, ao declarar o povo soberano, a metafísica jurídica implica um 
2 Duguit &; Mounier. Les Constitutions et les principales lois politiques de la France 
depuis 1789. Paris, Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1908~ p. 15. 
3 Kriele, M. Einführung in die Staatslehre. Hamburg, Rowahlt, 1975. p. 16l. 
4 Cavalcanti, Themistocles. Revista de Ciência Política, v. 2, n. 4, out./dez. 1968. 
li Kriele. op. clt 
Direito subJetivo 53 
ato de fé: três poderes hipostasiados e uma só figura soberana, reprodu­
ção do dogma teológico no cenário político. Quando se pensava fogosa­
mente o tema, nas horas místicas do revolucionarismo francês, o cidac1ão 
Anacharsis Clootz, concluindo o discurso, propôs uma Constituição de 
três artigos. Basta recordar o primeiro: "Não há outro soberano que o 
gênero humano." Os outros dois decretavam a fraternidade universal de 
todas as sociedades humanas. Tutti sono buona gentio 
De há muito, o desenvolvimento do capitalismo mercantil vinha ero­
dindo os vínculos sociais que sustentavam os privilégios do ancien régime. 
que os agentes econômicosdo processo de troca, os homines novi do ativo 
pensamento político, começavam a combater e demolir. A "igualdade 
jurídica de todos perante a lei" enunciava, sob forma abstrata, as determi­
nações reais que visavam abolir o estamento nobiliárquico. A igualdade 
jurídica partia do pressuposto concreto da desigualdade econômica básica. 
Di-lo bem Leibholz, "a liberdade produz inevitavelmente a desigualdade 
e a igualdade produz necessariamente não-liberdade (Unfreiheit): tanto 
mais livres os homens, tanto mais desiguais eles se tornam".6 Porque é 
exatamente na liberdade que se expandem as qualidades originais que 
desigualam os indivíduos. Então, os igualitaristas invocam o rolo aplainador 
da ditadura para nivelá-los. 
4. O processo de subjetivação 
Coube a Jhering mostrar que o "direito subjetivo" não é qualitas moralis 
nem prerrogativa intrínseca do indivíduo, mas algo exterior, valor multi­
forme (interesse, bem, gozo, utilidade, que nome se lhe dê jogando com 
essas conotações habituais). Compreende-se por que Gaio fala nos jura 
como elementos componentes da "coisa" pars rerum. Ares conceitualizada 
na especulação jurídica tem objetividade ideal, que permitiu ao pensador 
romano descascar-lhe os jura componentes, fato que os pandectologistas 
não tomaram na devida responsabilidade. Assim, ao pensar o direito como 
"coisa" (res) , a intuição romana concebia-a como tecido de relações 
discerníveis no trato jurídico. Tais relações são essencialmente intersubje­
tivadas. 
Se o direito não é atributo inerente do sujeito, a relação em que se 
revela exige os sujeitos ativo e passivo, constituindo a bivalência vital 
da relação jurídica. O jus in re ipsa somente ganha sentido na intersubje­
tivação latente, onde palpita a valoratividade do justum. 
Não pára aí a tentativa de exame. O substratum ou "suporte" do 
direito subjetivo não é o sujeito individual: a realidade está também na 
relação, que é jurígena. Pelo fato de a tônica deslocar-se para o relaciona­
mento intersubjetivo não quer dizer que o direito se reduza à titularidade 
6 Leibholz. Strukturwandel der modernen Demokratie. Frankfurt, Berlim, UlIstein 
Buch, 1973. 
54 
R.C.P. 4/75 
subjetiva - intuição alimentada pela metafísica aristotélica transmitida 
no pensamento jurídico desde Leibniz, Thomasius e Wolff. 
Repetindo, pergunta-se: 
Seriam "direitos" essas faculdades ou poderes ou apanágios essenciais 
do homem (vida, liberdade, integridade física) os chamados outrora 
direitos personalíssimos? Seriam direitos primordiais e naturais inscritos 
na razão, que a ordem jurídica devia reconhecer, antecedentes ao normativo 
positivo? Noutras palavras - preexistem ao direito positivo ou são cria­
ções do poder legiferante? 
Como explica Helmut Coing, o direito natural não se transfere à 
realidade do direito positivo de maneira inalterável. A positividade modi­
fica a transição do physei dikaion ao thesei dikaion. Preferimos dizer que 
as qualidades da pessoa, nesse processo de "reconhecimento", é que se 
definem como direitos subjetivos fundamentais. 
Áreas variáveis do direito objetivo permanecem insubjetivâdas, con­
forme os diversos sistemas normativos. Sem que se conceitue o direito 
subjetivo, distinguindo-o da. pretensão como facultas exigendi, da ação 
como direito material e do remédio jurídico processual como direito for­
mal, não é possível determinar tecnicamente o alcance do problema. Nem 
sempre os estudiosos perceberam a sutileza da noção de pretensão (Ans­
pruch) , razão jurídica de agir, e a adio, razão judiciária de agir, como 
argutamente viu Alexandre Levy. 
Deixando de lado o processo de subjetivação dos direitos na esfera 
privada, interessam-nos as transformações que se operam no domínio do 
direito público constitucional - principalmente no tocante aos direitos 
humanos. Observe-se que o "direito à liberdade" passou ao centro da 
polêmica dramática - dele parecendo depender todos os demais direitos -, 
à vida, à propriedade, à integridade física e moral (dignidade). Plurali­
zou-se: não se conoeberam liberdades civis, mas liberdades humanas, 
pondo-se a tônica não no direito natural mas nas Constituições promulga­
das em nome de Deus. Ou do povo, com anuência tácita de Deus. Ou 
sem audiência de Deus, conforme os climas políticos. 
5. O absolutismo e a liberdade Igualitária 
Qual o papel histórico do capítulo constitucional das garantias individuais? 
O de obstar a ação compressora do :poder sobre as potencialidades do in­
divíduo. Obstava, todavia, mais vivamente a classe que sofria mais forte­
mente a inibição histórica do movimento que a empenhava em direção ao 
poder econômico e politico. Chegara a hora da conquista de direção polí­
tica e a burguesia era a força em marcha: sua receptividade à diferença 
entre liberdade e privilégio se aguçava extraordinariamente. Assim, na 
literatura das declarações, "liberdades" e "direitos" sinonimizavam-se no 
capítulo constitucional. Nosso Pimenta Bueno ensinava que os "direitos 
políticos são filhos da Constituição do Estado" e assinala-os como "direi-
Direito subjetivo 55 
tos ou liberdades poIíticas".7 A antinomia de Rousseau entre "liberdade" 
e "autoridade" era, na verdade, entre "direito" e "poder aristocrático". A 
dissimetria entre classes seria tomada por Marx como dogma para expli­
cação de toda história humana. 
Viu bem o problema o Prof. Kriele quando apontou "a mistura 
(Verschmelzung) de Estado constitucional com direito natural para cria­
ção da força revolucionária que operou no sentido da determinação da 
liberdade igualitária no seio do Estado constitucional, do sufrágio universal, 
das tendências socializantes, da criação das condições reais para a liber­
dade de cada um".8 
O Estado totalitário, que renovou o absolutismo no teor adequado 
ao industrialismo moderno, teve de abrir caminho demolindo o fundamen­
to jurídico dos direitos do homem. A teorização de seus ideólogos começou 
por negar o direito como elaboração histórica das forças tradicionais para 
vê-lo apenas como sistema normativo editado pelo Estado. Direito seria 
o que o Estado quisesse que fosse direito. E como o Estado acabou sendo 
o Führer ({'État c'est lui!) - desapareceram as clássicas distinções 
entre poder estatal e poder constituinte. Não teria sentido falar-se em 
"direito subjetivo". Como os extremos se tocam (enunciado popular de 
um aspecto dialético das coisas observadas), a tese do positivismo jurídico, 
levada ao extremo, transmuda-se na tese nazista do líder carismático. 
6. Direitos - atributos naturais ou culturais 
Vale a pena examinar a questão. Sem remontar além de Leibniz ou Wolff 
encontra-se, nos seus textos, menção ao subjectum juris. Em Puchta e 
Savigny já aparece a expressão Recht im subjektiven. f:, todavia, em Jhering, 
Windscheid, Thon e na pandectologia alemã que circula o termo subjek­
tives Recht, confrontando com o objektives Recht, na acepção que veio 
a radicar-se no direito moderno. 
Faculdades ou poderes inerentes à personalidade humana (liberdade 
de locomoção, de manifestação do pensamento, direito à vida, à proprie­
dade) não são criaturas do direito: são declaradas ou instituídas pelo 
ordenamento jurídico. A lei intervém para reconhecê-las, autenticá-las, 
garantir-lhes a proteção do Estado, segundo o rito solenemente inscrito 
nas constituições. 
Até certo ponto, não são poderes criados mas qualidades socialmente 
desenvolvidas como atributos do homem, que o processo jurídico vem 
legitimar, dando-lhes status de positividade. Sua fonte originária não é pois 
o ordenamento legal, que o reconhece e institui juridicamente. 
7 Pimenta Bueno. Direito público brasileiro. Rio, Typ. Imperial e Constitucional de 
J. VilIeneuve, 1957. p. 390. 
8 Kriele. op. cit. 
56 R.C.P. 4/75 
Posto o problema nestes termos (e não vamos distinguir aqui, se­
guindo os passos de Alexandre Levy, entre a facultas agendi e o direito 
subjetivo),9 a explicação dada na literatura corrente de que o direito 
subjetivo seria mero reflexo da normatividadepositiva produzida pelos 
órgãos legiferantes peca por insuficiência no esclarecimento do processo. 
No propósito de fortalecer os direitos feudais, cuja contestação já se 
pressentia, os juristas medievais tiveram suas cautelas no modo de assentar 
as bases do direito natural, tendo seus exegetas exagerado, de acordo com 
a inspiração religiosa, a conceituação das faculdades morais. Estas foram 
consagradas como prerrogativas racionais acima das condições naturais -
qualitas moralis personae competens, como escreveu Grocio (De Jure belli 
ac Pacis, 1 I, 4). E assim rezava nosso Pimenta Bueno: 
"Os direitos individuais, que se podem também denominar naturais, 
primitivos, absolutos, primordiais ou pessoais do homem, são as faculdades, 
as prerrogativas morais que a natureza conferiu ao homem como ser inte­
ligente; são atributos~ essenciais de sua individualidade, são propriedades 
inerentes à sua personalidade, são partes integrantes da entidade huma­
na."lO Apenas, em vez de reconhecer em tais atributos resultado da evolu­
ção humana e na personalidade um produto histórico, o velho tratadista, 
na vanguarda de seu tempo, afirma o que tantos hoje, na retaguarda 
do nosso tempo, repetem: tais prerrogativas "não são criaturas de leis 
positivas e sim criação de Deus, atnoutos do ser moral que ele formou". 
7. O antropocentrismo do pensamento Jurídico 
É sedutora a tese de Michel Villey, que busca as nascentes medievais do 
direito subjetivo no nominalismo de Guilherme de Occam. Levanta a hi­
pótese de que a liberdade e o poder do indivíduo são condições prelimina­
res da elaboração da ciência do direito. Destarte, estimulou-se a convicção 
de que o jus era algo imanente à racionalidade humana, id quod justum 
est, que os pandectologistas glosaram incansavelmente, robustecendo a 
romanística, que só nos nossos dias começou a renovar-se mediante a 
crítica moderna. O direito subjetivo, entretanto, não é um ponto de partida 
na evolução da especulação jurídica. É um ponto de chegada: prende-se 
à luta por uma organização social onde os direitos fundamentais da pessoa 
não sejam deformados pela sujeição a minorias de dominação, plutocráti­
cas ou ideológicas. O novo antropocentrismo do pensamento jurídico será 
expressão de solidariedade humana, que deverá superar o nivelamento 
das ditaduras marxistas. 
A revisão histórica do capítulo constitucional das garantias dos direi­
tos fundamentais, feita à luz de princípios de solidariedade humana, se 
9 Levy, Alexandre. Teoria generale dei direitto. Padova, Casa Editrice Antonio Mi· 
Iani, 1967. p. 282 e segs 
10 Pimenta Bueno. op. cito 
Direito subjetivo 57 
acelera com a entrada de uma segunda declaração dos direitos do homem 
no perímetro do direito positivo. Isso significa a instauração do mecanis­
mo da sanção organizada como processo de sua subjetivação. Essa inser­
ção na normatividade determina a nova exegese da expressão "garantia", 
com a passagem de direitos naturais a direitos civis - direitos que ingres­
sam no elenco da poUs. Mas não se trata mais de enunciados programá­
ticos: como outrora, transitam para a área de regras obrigatórias, isto é, 
para a subjetivação daqueles direitos. A aparição dos pouvoirs d'exiger, 
de que fala Rivero,l1 é o sintoma da programaticidade transformando-se 
em imperatividade. Em termos jurídicos, diríamos a aquisição da pretensão 
e da acionabilidade, que os transfiguram em direito público subjetivo. 
De tal modo no passado a tumescência desses direitos expressos nas 
garantias constitucionais inflou os textos do liberalismo, que se afinnou: 
"faire une constitution c'est d'abord garantir les droits de l'homme". Como 
efeito assecuratório daqueles direitos do cidadão, ~altava-se a teoria da 
divisão dos poderes, que enfraquecia o poder estatal desconcentrando-o. 
A importância da matéria cresceu nos dias correntes em face do absolu­
tismo do Estado, pondo em xeque a legalidade constitucional dos direitos 
fundamentais. As lutas sociais, porém, fizeram desabrochar as sementes 
de direitos complementares àquelas declarações clássicas (direito ao tra­
balho, à assistência, à educação), que balbuciavam na boca dos consti­
tuintes de 1791: "il sera crée et organisé un établissement générale de 
Secours publics pour élever les enfants abandonnés et fournir du travail 
aux pauvres infirmes qui n'auraient pas pu s'en procurer".12 
Tais direitos não interessavam tão diretamente às reivindicações do 
século passado e iriam amadurecer historicamente nas entranhas da so­
ciedade industrial até o vigor que manifestariam nas Constituições con­
temporâneas. Teriam, todavia, enxertos temporões, plantados de garfo, nas 
Constituições africanas, meros preâmbulos pedagógicos de apanágios da 
personalidade cultural que não se elaborara no processo histórico atrasado. 
Nelas, o estatuto político antecipava categorias sociais que a queima das 
etapas não poderia improvisar. 
8. Como se defenderia a consciência democrática? 
Nesta altura de nossa análise. será oportuno recordar a distinção feita por 
Jellinek. Ao conceituar os direitos fundamentais como direitos subjetivos, 
classificou-os em dois grupos: a) os que são liberdades públicas autênticas, 
conferindo aos indivíduos direitos subjetivos, com a delimitação de áreas 
respeitadas pelo poder (status negativus); b) liberdades-participação 
(status activus). 
11 Rivero. Les droits de l'homme. Perspectivas dei derecho público en la segunda 
mitad dei siglo XX. Madrid, Estudios de Administración Local, 1969. v. 3, p. 25 e segs. 
12 Duguit & Mounier. op. cit. 
58 R.C.P. 4/75 
Nas atuais circunstâncias históricas, a tática constitucional visa re­
tirar das hostes agressoras, obedientes às inspirações marxistas, a possi­
bilidade de usar legalmente tais direitos fundamentais na destruição do 
regime representativo e dos estilos de vida democráticos. Como fazê-lo 
sem negar tais direitos, que asseguram a liberdade de movimentos hostis? 
Como enfrentá-los sem recorrer às armas, proibidas pela consciência 
democrática? A melhor resposta não está na teoria democrática; está no" 
fatos históricos: o golpe bitIerista de 1933 foi preparado no clima da 
legalidade constitucional onde vigiam aqueles direitos.. 
Compreendemos então por que a Lei Fundamental de Bonn aparelhou 
o Tribunal Constitucional Federal com o art. 18, que determinou sabia­
mente a perda dos direitos fundamentais àquele que "usá-las contra a ordem 
fundamental liberal democrática (gegen die freiheitliche demokratische 
Grundordnung missbraucht, verwirktt diese Grundrechte)".13 A República 
Federal Alemã blindava-se para resistir às ideologias inimigas. Daí a força 
que ganhou o princípio da legalidade (Gesetzmaessigkeeitsprinzip): ne­
nhum ato de poder contrário à lei (Vo"ang des Gesetzes) , nenhum ato 
de poder não previsto pela lei (Vorbehalt von Rechten). Eisenmann tra­
duziu esses enunciados como "compatibilidade" e "conformidade" ao 
normativismo vigente. A sensibilidade à lei assumiu papel de orientar a 
resistência cívica. 
O Estado totalitário despe a personalidade de todos os atributos jurí­
dicos. Em tal nudez, não há "sujeito de direito". As qualidades intrínsecas, 
que a cultura aprimorou e a ordem jurídica reconheceu e declarou no pro­
cesso político, se porventura sobrevivem nas cabeças liderantes, não são 
direitos, são privilégios. Na sua antipatia pelos juristas, Comte adivinhou 
coisa parecida: "chacun a des devoirs envers tous, mais personne n'a aucun 
droit proprement dit." :E: exato que Comte pensava noutra direção e 
noutro contexto. 
Esclareçamos. Tais direitos não se tomam fundamentais porque as 
constituições os inserem no capítulo declaratório. Eles preexistiram como 
direitos humanos. Foram, através de lentas e penosas vicissitudes históri­
cas, formulados no curso das lutas contra grupos de dominação, e consa­
grados como princípios de convivência política e da estruturação do poder. 
São, sob certo ângulo, princípios de organização racional do uso da força 
e da ordem compatíveiscom a dignidade humana. 
13 Duncher & Humblot. Grundgesetz für die Bundesrepublik Deu~s~hla-';d~ arts. )-:j':. 
Gunther Abei. Die Bedeutüng der Lebre von den. Einrichtings garantien für die Ausle. 
gung des Bonner Gnmdgesetzes. Berlim, 1964. 
Direito subjetivo 59

Continue navegando