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Os estados na federação

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OS ESTADOS NA FEDERAÇAO 
1. Introdução 
TBE~STOCLES BRANDÃO CAVALCANTI'" 
1. lntroduÇÕ1?; 2 •. Centralização - de.vcentralizaçóo; 3. A 
autonomia dos estodos; 4. Distribuiçiio das competências 
constitucionais; 5. Divisão das competêncÚJS entre a União 
e os estados; 6. a sistema administrativo; 7. Áspecto polí­
tico; 8. Conclusão. 
o título desta pequena memória tem um sentido único: destacar a posição 
dos estados na estrutura federal, por serem eles os elementos essenciais 
para a definição do próprio sistema. 
As diferenças entre as federações, e1\istentes são grandes. Elas se 
distinguem pela sua formação, suá evoluçao histórica, pelas -exigências 
econômicas do funcionamento do sistema, pela relação de poderes e tantas 
outras. Mas há uma, constante, que é a existência de numerosos estados 
autônomos que se integram numá' 'unidade ,federada. 
Deve haver um mínimo de av.tonomia para esses estados e províncias. 
Autonomia ou o nome que derem. Mas essa não se pode qllerer explicar, 
da mesma forma como a evolução de todos os sistemas federais nos 
diversos países. Há, entretanto, segundo nos ensina uma leitura constante 
de trabalhos referentes a outras federações, uma tendência uniforme no 
sentido de uma atração do poder central. Uma tendência, não SÓ do poder 
federal absorver os estados, mas também destes se aproximarem do G0-
verno federal em busca de auxílio -e amparo. Não raro, os seus recursos 
econômicos são insuficientes para sua própria manutenção. 
No Brasil, o processo histórico de formação da República, o fato de 
termos partido de um governo unitário para uma federação, a pobreza de 
algumas áreas do nosso território foram problemas que trabalharam contra 
o processo da autonomia. 
• Ministro do Supremo Tribunal Federal (aposentado); professor emérito da Uni· 
versidade Federal do Rio de Janeiro; diretor do Instituto de Direito Público e Ciência 
Política da Fundação Getulio Vargas. 
R. Cio pol" Rio de Janeiro. 19(2) :3·16 abr.fjun. 1976 
Daí, talvez, uma certa tendência centralizadora do poder federal no 
Brasil. ~as, essa tese não seria exata. porque, também em outras federa­
ções, as atraçôes do poder central se fiz\!ram sentir, talvez por I.":ontingência:-, 
de ordem econômica. 
Por outro lado, estamos em uma época de planejamentos, de orga­
nização de grandes empresas, de unificação de estruturas econômicas e de 
serviços públicos. Poder-se-ia, talvez, dizer que todo o processo de desen­
volvimento tem uma tendência centralízadora. E a federação não poderia 
deixar de sofrer as conseqüências, perdendo algumas de suas características. 
A observação já vinha, aliás, de Bluntschli. 
Há, por outro lado, uma fraqueza generalizada nos órgãos que cons­
tituem o complexo federal. Os estados são economicamente fracos, em sua 
quase-totalidade, e temos uma tradição de quase 90 anos de vida republi­
cana em que o poder federal sempre procurou exercer o seu domínio. 
Isto se verificou de diversas maneiras, ora diretamente, pelas nume­
rosíssimas intervenções nos estados em regimes autoritários, ora por uma 
política comandada do centro, em que os chefes locais e as oligarquias 
regionais viviam sob a dependência do centro. 
A descentralização, por meio de autonomia ou por qualquer outra 
forma. decorreria de uma sublevação dos estados ou de uma concessão 
do centro. Esta última alternativa foi o que procuraram as últimas Consti­
tuições. 
2. Centralização - descentralização 
1\ o Brasil, o movimento unitarista representa uma reação contra o perigo 
de uma corrente desagregadora, criada pela errônea compreensão da auto­
nomia. Torna-se, por isso, difícil organizar, entre nós, um estado que seja 
bem uma expressão de unidade política, atraídos como todos se acham 
pelo poder central. 
Mas qualquer deformação do conceito da federação pode-se modificar. 
desde que a descentralização se opere na esfera administrativa, assegurando 
a cada estado também o seu governo próprio. 
A solução parece. assim, estar, de um lado, no respeito à autonomia 
poHtico-administrativa dos estados, exigindo-lhes, porém, condições finan­
ceiras, econômicas e administrativas que COITc!-ponctam às necessidades de 
uma existência autônoma; de outro lado, estabelecendo-se uma uniformi­
dade legislativa que assegure a unidade social, moral e política da federação. 
A unidade do direito, da Justiça, a unidade do sistema básico de 
ensino, a unidade das Forças Armadas, a unidade social como expressão 
orgânica da Nação constituem as razões primordiais da unidade política 
do estado. 
Só assim será mantido o sentimento nacíonal, cujas bases maiores são 
a unidade de cultura e a das grandes instituições políticas e administrativas 
do País. 
4 R.C.P. 2í76 
Para que não sofra, portanto, a concepção do estado, como unidade 
política, a transformação inevitável decorrente da tendência descentraliza­
dora, é preciso que esta se faça mais ·na esfera administrativa, isto é, na 
aplicação das normas gerais fixadas em uma legislação, tanto quanto pos­
sível uniforme. Só assim o processo de diferenciação não se acentuará, 
nem chegará a extremos tão perigosos que importem, afinal, o esfacela­
mento da Nação. 
A federação é um Estado SÓ, é uma entidade política integral, de 
sorte que toda a descentralização deve ser realizada e a distribuição de 
competências feita em benefício comum. 
O estado federado não deve ser, por conseguinte, uma decorrência 
das aspirações autonômicas das provfncias~' mas a expressão das necessidades 
coletivas. 
Tratando da união americana, W. Wilson diz muito bem que o Go­
verno da União é o órgão vital dos Estados Unidos. Os estados não foram 
absorvidos, mas constituem, por ser essencial a um sistema único, o governo 
dos Estados Unidos, que só pode funcionar com a combinação dos dois 
aparelhos do mesmo organismo. 
Mas esse sentimento da unidade nacional não existia há um século. 
Foi o produto de um trabalho de criação do sentimento americano, DO 
sentido da constituição de uma pátria comum, que pudesse abrigar todos 
os interesses dos estados, antes independentes. 
No Brasil, a tendência para o regime descentralizado vem se acen­
tuando desde os primeiros tempoS da nossa vida política. Parece haver 
urna imposição de fatores desconhecidos, talvez de caráter geográfico, que 
atuam contra as tendências unitárias características de toda a nossa for­
mação social. 
Vivemos sempre reunidos por uma identidade de origem, de religião, 
de raças, mas impregnados de um acentuado espírito de autonomia local. 
Poder-se-ia atribuir esse fenômeno ao processo de diferenciação pro­
vocado pela diversidade de correntes imigratórias, que se localizaram nos 
diversos pontos do território nacional. 
Mas a verdade é que a tendência descentralizadora· teve origem 
anterior à vinda, para o Brasil, das grandes correntes imigratórias. Ela se 
manifestou nos diversos movimentos emancipadores, como o da Confe­
deração do Equador, das Guerras Farroupilhas, da Revolução de 1817, 
em Pernambuco etc. 
Desde então, muitas vezes, as dissidências políticas internas levaram 
a luta para o terreno separatista. 
O próprio movimento descentralizador, iniciado desde o primeiro 
reinado, só teve o seu desfecho com a federação, instituída no· Brasil pela 
primeira Constituição republicana. 
Até ali, as tentativas sucedem-se com tendências de soluções bem 
diversas. 
Estados na federação 
3. A autonomia dos estados 
A autonomia dos estados é, sem dúvida, própria do exercício do sistema 
federal. A sua característica está na união de estados autônomos, qualquer 
que seja o tipo de federação. 
O que distingue os diversos sistemas federais é menos a caracterização 
de um equilíbrio entre União e estados do que aquilo que modernamente 
se poderia chamar de processo operacional do si~tema. Em outras palavras. 
o que convém saber não é a estrutura constitucional do sistema, mas 
como ele realmente funciona; que tipo de relações existem entre a União 
e os estados, qual a partilha financeira existenteentre eles, como se com­
portam os poderes, no relacionamento decorrente do funcionamento da 
vida política e administrativa. 
Se olharmos para os nossos próprios problemas, por exemplo, vere­
mos que a presença da União é responsável pela maior parte do nosso 
desenvolvimento econômico, desde ° preparo de nossa infra-estrutura (por­
tos, vias de comunicação, estradas de rodagem, estradas de ferro, telégrafos, 
telefonia, telecomunicações, petróleo etc.) até o auxílio financeiro direto 
aos estados deficitários. 
No esquema da federação sobressai, entretanto, o aspecto político, 
fundado na autonomia assegurada no texto constitucional, com a única 
exigência de obedecer a certos padrões federais expressamente mencionados. 
Nos Estados l'nidos, o grant in aid program - 1946/1966 - mos­
trou-se insuficiente para atender a todos OS auxílios desejados pelos estados 
e às suas numerosas exigências, principalmente na área do desenvolvi­
mento urbano.1 
Em 1970, foram destinados US$ 30 bilhões aos estados e comunida­
des, por cinco anos, acrescidos de mais US$ 6 bilhões em 1976. 
Os estados arcam com as seguintes responsabilidades: educação. 
bem-estar, transporte, justiça, prisões, agricultura, saúde pública e vizi­
nhança. 
A maioria dos estados tem orçamento equilibrado, seis superavitários 
e dois deficitários. Mas, as suas despesas crescem em proporção maior do 
que as da União.2 
Um autor americano observa com muita lucidez: o sistema federal 
americano foi construído quando os Estados Lnidos eram pequenos. 
E evidente que nas suas dimensões atuais, o sistema tem de ser 
adaptado às novas medidas e experiências. 
Conosco, as novas constituições tiveram de atender ao nosso cresci­
mento. Se foram felizes ou não. é outro problema. Mas, segundo me parece. 
adotaram o caminho mais simples: reduziram a medida dos estados e 
alargaram a da União. 
1 Dionisopoulos, Ahm. 1'he govemment of lhe United States. p. 157, 
2 Cunníng, Milton & \Vi,s, David. DemocrlJcy /ll1der pre.u/lre. p. 58!), 
6 R.C.P. 2/76 
A Constituição de 1934 foi muito sábia neste ponto: embora man­
tivesse o regime federarivo, reconhecendo a autonomia dos estados naquilo 
que têm de tipicamente local, entrosou, entretanto" por " tal forma. o 
funcionamento da administração federal com a da estadual, que destruiu 
uma das barreiras mais sérias para a unidade do País. 
Somente o fator geográfico, principalmente a distância, isolando as 
populações do centro e dando-lhes oportunidade de provar as suas próprias 
necessidades, teria hipertrofiado o sentimento Jocal, criando um estado· de 
espírito favorável à descentralização. 
Na Argentina, cujos antecedentes unitários achavam-se consolidados 
por uma unidade também territorial mais acentuada do que em nosso País, 
verificou-se, entretanto, um movimento descentralizador que levou a insti­
tuir-se ali o regime federativo. 
Em uma obra que se tomou célebre, Alberdi, depois de enumerar os 
elementos que contribuíram para a unidade argentina, classifica os fatores 
de diferentes naturezas, que considera como antecedentes federativos: as 
distâncias enormes e custosas que separavam as províncias; a falta de 
caminhos, de canais e de meios de transportes; as diferenças étnicas aborí­
genes, modalidades psíquicas, lingUísticas, especialmente de pronúncia e 
de costumes; as legislações locais, especialmente de natureza processual. 
Observa, porém, o mesmo sociólogo, que esses fatores são transitórios 
e vão desaparecendo com a facilidade dos meios de comunicação, o caldea­
mento das diversas populações aborígenes, e a uniformidade da legislação, 
com a criação de uma justiça federal que se estende a todo o território 
do País. 
O único fator que ainda subsiste é o histórico-político, isto é, o 
regime municipal da colônia, hoje transformado na autonomia das provín­
cias de que se compõe a federação argentina. 
As observações feitas por Alberdi quanto à Argentina, poder-se-iam' 
aplicar ao Brasil, onde os mesmos fenômenos geográficos vão-se dissipando 
com o desenvolvimento do País. 
As Constituições de 1934, 1946 e 1967 respeitaram integralmente a 
autonomia estadual dentro das normas tradicionais do nosso sistema federal. 
Entretanto, procuraram, sucessivamente, fixar em termos mais claros os 
limites dessa autonomia, definindo os princípios constitucionais da União 
e chamando a si uma maior autoridade legislativa, reduzindo, assim, os 
inconvenientes do sistema federativo, tal como existia sob o regime da 
Constituição de 1891. E que, obedecendo sempre aos termos de uma auto­
nomia dos estados, ficara preservado o princípio federativo. 
Procuraram essas constituições considerar as necessidades prementes 
de estados e regiões do País, onde o princípio de autonomia não passava. 
em algumas delas, do produto de um erro praticado pela transformação 
de províncias, que eram expressões, apenas, de uma descentralização admi­
nistrativa, em estados autónomos com vida econômica própria e com 
poderes de auto-organizações. Estados onde, só depois de longos anos de 
Eslado.r na federação 7 
vida autônoma, puderam-se formar elites capazes de tomar a direção polí­
tica, e que, ai~da hoje, vivem à míngua de recursos, solicitando o amparo 
pennanente da União. 
E. usando esse critério, deu-se, apenas, mais extensão a um princípio 
de lim'itaçâo da autonomia dos estados, inerente à quase-totalidade dos 
estados federais. Podemos dizer que estamos, neste particular, ainda muito 
aquém de algumas das moderna, constituições federais. 
Isto não importa, entretanto, o desrespeito ao sistema federal, porque 
é somente uma questão de medida nos limites da autonomia local, não 
sofrendo esta uma redução tão grande que resulte, afinal, no seu aniqui­
lamento. 
4. Distribuição das competências constitucionais 
o sistema federal antecipou-se às soluções técnicas hoje aconselhadas, 
criando uma estrutura política que permite a distribuição da competência, 
através das unidades políticas e administrativas que compõem o todo. 
A constituição federal é, afinal de contas, um esquema de todo esse 
sistema; representa um planejamento político das atividades fundamentais 
dos dh:ersos elementos que constituem o sistema total e que se desdobra 
por meio de textos legislativos de diferentes graus. 
Deve-se observar, além do mais, que, mesmo sob o aspecto formal, 
o nosso sistema constitucional evoluiu. Se a Constituição de 1891 apenas 
esquematizava as atividades políticas, pouco dispondo sobre as demais, as 
de 1934 e 1946 representam esquemas completos de todo o sistema polí­
tico, administrativo, econômico e social. 
Incorporando esses problemas ao diploma constitucional e determi­
nando as bases da distribuição de competência, a constituição permitiu 
fixar um sistema que pode ser desenvolvido pdo legislador ordinário. 
Mas, o problema mais delicado no sistema federal é, precisamente, 
o das autonomia~ locais e o choque que, geralmente, produzem na distri­
buição das tarefas próprias a cada uma das entidades públicas que integram 
o sistema. 
As unidades que fazem parte da federação não são compartimentos 
estanques. Elas se constituem por uma divisão geográfica que satisfaz, 
muito eficazmente, a necessidade de atender aos interesses locais, aproxi­
mando o governo das organizações sociais mais clementarc!', atribuindo 
a estas, também, o direito de se auto-organizarem. 
Mas, por isso mesmo, os mais modestos, dispondo de menores recur­
sos, não podem prescindir da colaboração da1' entidades maiores para as 
quais convergem quando se trata de interesse da comunidade. Não repugna, 
de modo algum, distinguir, no sistema federativo e no sistema de autonomias 
municipais, a descentralização política da administração. 
R.C.P. 2176 
Esta última é também essenCial, mas muito menos rígida do que a 
primeira, porque, sob o ponto de: vista administrativo, admite-se, com 
freqüência, a confusão dos interesses gerais com os locais, mesmo as con­
corrências de jurisdições. 
Considero que o nosso legisladorconstituinte, salvo alguns reparos. 
foi feliz nesta distribuição. 
Todos quantos se têm preocúpad~ com b assunto, que infelizmente 
não tem merecido a necessária análise e· uma solução de conjunto, desta­
cam sempre dois aspectos fundamentáis- ° vertical e o horizontal. 
O primeiro diz respeito às rdações que obedecem ao princípio da 
hierarquia na medida da competência, o segundo, à distribuição das ativi­
dades dentro da mesma área política e administrativa de cada uma das 
entidades. Posso acrescentar, ainda,· um terceiro aspecto, que é a combi­
nação dos dois primeiros, a saber, as atividades que exercem, dentro de 
uma mesma área, entidades de diferentes graus em hierarquia. 
Como se verifica, um trabalho completo sobre o assunto deverá 
ter como base uma pesquisa orientada por critérios científicos em que se 
determinem com precisão quais as atividades próprias a cada entidade 
pública, nos diferentes planos; como são exercidas; quais aquelas comuns 
a mais de uma entidade; como é distribuída a competência; qual a articula­
ção possível para evitar não só a duplicação de serviços, como, ainda, para 
associar recursos destinados ao mesmo objetivo. 
Deve-se verificar, também, como são distribuídas as rendas públicas, 
isto é. os recursos obtidos dos contribuintes, e quais as possibiJidadcs eco­
nômico-financeiras desses contribuintes. 
O Prof. James Fesler propõe, para isto, um conjunto de organismos. 
ou mais propriamente staffs, nos diferentes planos dos governos federal e 
estadual, destinados a apurar de modo amplo três problemas fundamentais. 
Refere-se o primeiro às relações verticais entre cada governo e aquele 
que lhe fica logo abaixo na hierarquia. Por exemplo: o auxílio federal aos 
estados; a influência dos impostos federais sobre a arrecadação estadual: 
a possibiJidade de transferir para os estados certos serviços; a descentra­
lização de alguns serviços federais. No plano estadual, em relação aos 
municípios, o problema é mais simples porque é mais reduzida a medida 
da autonomia municipal em face aos estados. 
O segundo problema é o. das relações horizontais, por se tratar de 
áreas comuns a cada governo e àquele que lhe fica logo abaixo na hierar­
quia, como: o problema tributário, especialmente a lei sobre tributação. 
a cooperação em diversos setores econômicos e a administração paralela. 
O terceiro problema, finalmente, seria o das áreas mais gerais, espe­
cificamente, assistência técnica, conselhos, observações, trocas de infonna­
ções etc., que permitiriam certa uniformidade na orientação dos problemas 
administrativos. 
Como se vê, mesmo nos países em que a federação é mais uma 
expressão das autonomias locais do que um processo de descentralização, 
Estados na federação 9 
tendo por eixo o governo federal. esse próblcma de articulação dos sistemas 
complexo~ toma uma expressão bem definida. 
Vejamos, porém, mais especificamente o problema da distribuição de 
competências entre a União e os estados. 
5, DivisA0 das competências entre a União e os estados 
:."\0 sistema federal, diversos processos têm sido empregados, de acordo 
com os países, para distribuir a competência relativa à matéria que entra 
nesta distribuição. A diferença de sistema caracteriza, muitas vezes, um 
regime federal. 
Poderíamos a~sim exemplificar alguns sistemas federais: 
J. A competência dos estados é expressa e o remanescente pertence à 
Cnião.f: o caso do Canadá. 
2. A competência específica é da União e o que não está expresso fica 
para os estados. É o caso do Brasil. 
3. A competência da União e a dos estados se acham ambas discrimina­
das. E o exemplo da índia. 
Em alguns países, a competéncia concorrente é mais intensa, pelo 
menos em uma determinada faixa - corno no Canadá, Suíça, Austrália 
e Estados Unidos - em matéria bancária, imigratória e de exploração 
de recursos minerais. 
Outras vezes, ela se exprime de forma complementar, entregues os 
estados à competência da Uniào, como já tivemos sob o regime da Cons­
tituição de 1946. 
Deve-se observar, entretanto, que, embora as constituiçôes brasileiras 
tenham marcado nitidamente a competência prioritária da União em 
numerosas matérias, o que sobressai é o preceito do art. l3, § 19 da Cons­
tituição vigente que confere aos estados lOdus os poderes. Expressa ali, 
implicitamente, não lhes sejam vedados esses poderes pela Constituição 
federal. 
Não obstante, preponderante é a área de competência do poder federal, 
I.) que exclui evidentemente a competência dos estados. 
Por outro lado, existe uma competência supletiva dos estados em 
matéria de: 
a) orçamento, despesa, gestão patrimonial e financeira, díreito financeiro, 
seguro, previdência social, defesa e proteção da saúde, n:gime penitenciário; 
b) produção e consumo; 
C) registro público e junta comercial; 
R.C.P. 2/76 
d) tráfego e trânsito terrestre; 
e) diretrizes e bases da educação nacional, desportos; 
f) organização, efetivações, instrúções,· justiça, garantias da polícia mili-
tar, convocação, mobilização. . 
Além do mais. toda a área da administração estadual está na compe­
tência dos estados, notadamente em, relação ao ensino e à saúde. 
Assim, a competência federal pode ser: 
a) ampla e irrestrita, compreendendo toda a matéria; 
b) limitada a normas gerais, como orçamento, direito financeiro etc., 
ficando o resto aos estados; 
c) aqueles casos em que se acha prevista a competência supletiva ou 
complementar dos estados. 
B este o quadro da competência legislativa, no plano federal, traçado 
pela nossa Constituição. 
O sistema é sábio, pois permite diferenciar dentro da unidade e 
facilita a adequação das normas gerais, pela União, às peculiaridades das 
estruturas estaduais. 
6. O sistema administrativo 
No campo administrativo, a estrutura- constitucional é menos rígida. Limita­
se à definição dos poderes e da competência do chefe do Poder Executivo 
e, vagamente, dos seus secretários. 
E: que a autonomia dos estados se faz mais presente na área admi­
nistrativa, pelo menos quanto à estrutura dos poderes e sua competência. 
O que se impõe é uma perfeita compreensão das funções e do desem­
penho dos órgãos de governo, nos diferentes níveis - federal, estadual 
e municipal - e uma articulação do seu funcionamento, notadamente a 
análise das relações interadministrativas que se constatam entre eles. 
A posição dos estados estará sempre, porém, na dependência da União, 
porque estes detêm uma parte considerável do poder representado pelos 
órgãos que comandam a vida econômica e administrativa do País. 
Toda a rede de comunicações - telefones, telégrafos, rádio, televisão 
- está sob ° controle da Telebrás. Toda a rede elétrica, da Eletrobrás. 
O petróleo, da Petrobrás. Ás vias férreas, da Rede Ferroviária Federal. 
O aço, da Siderbrás. O controle do comércio exterior, das exportações, das 
importações. 
7. Aspecto político 
No terreno político, o problema se reveste de singular importância quando 
da análise da organização do p0d.er na federação. 
Estados na federação 11 
o Prof. Eísemmann. ao estudar a desccmralização e, de passagem. 
encarando o Estado federal, sustenta n te~e de que o poder federal é a 
<;íntese dos poderes lo..:ais (autônomos) por serem esses que contribuem 
para a sua formação, através de processos técnicos. Chega-se, assim, à 
conclusão de que o poder federal não existe por si, mas corno exprc,>são 
das unidades autônomas que constituem o Estado nacional. 
Com isto, com esta engenhosa teoria, eliminam-se os conflitos entre 
a Vnião c os estados, porque, ao mesmo tempo em que é reconhecido o 
prestígio do poder federal, não se nega aos estados-membros a força de 
~ua contribuição. 
E, na realidade. não é outro o critério para a organização dos poderes 
federais. Inclusive, no mais alto tribunal do País, o Supremo Tribunal 
Federal, cujos Juízes dependem, para a sua investidura, da aprovação da 
Câmara dos estados, isto é, do Senado federal. 
Quanto ao Presidente da República, ele é a representaçãode todos, 
~em discriminação de estados ou de unidades, senão da maioria do elei­
tl)rado nacional. 
Finalmente, os órgãos legislativos, a Câmara c o Senado, obedecem, 
em sua formação, a critérios regionalistas. 
A Câmara é constituída, semlo pela representação dos estados, pelo 
menos, por um critério regionalista, pela coincidência dos grupos de candi­
datos e das massas eleitorais:, em função de determinada área política, que 
também coincide com a área geográfica de cada estado da federação. 
O texto constitucional é, aliás, explícito, quando declara que nenhum estado 
poderá tcr menos de scte deputados (art. 58, § 19 ), embora a proporção 
,;;e faça em função do número de habitantes. 
As leis eleitorais, não somente as que regulam as eleições, mas também 
as da organização judiciária, fiéis, aliás, aos preceitos constitucionais que 
criariam os tribunais regionais e eleitorais, só fizeram dar mais ênfase ao 
princípio. 
Outro exemplo, típico do nosso federalismo sobre as bases de sistemas 
locais, são os nossos partidos políticos. Todos são de âmbito federal. mas 
'iU<1 vida não se pl)de separar nem divorciar das suas origens locais. Eles 
qiio e serão, por muito tempo, expressões da política estadual que se 
projetam no pIrmo federal. Nem seria possívd de outra maneira, pois a 
origem de todo o sistema não é nem pode ser (I todo; este só existe em 
função dos elementos que o compõem. 
Esta influência local sobre 05 assuntos gerais não é peculiaridade 
no.,sa. Ela existe, principalmente, nos países de grande extensão territorial 
e de diferenças geográficas, étnicas e sociais pronunciadas. Nos Estados 
t'nidos, a:- populações e as influências locais, O~ grupos regionais, decidem 
em definitivo sobre a política federal. 
Sobre esses pressupostos, de fato e de direito, tem evoluído todo o 
nos"o processo federativo, desde o Império, passando por graves crises 
que chegaram agora ao seu período mais crítico. 
12 R.C.P. 2/7ó 
Também nos Estados Un~dos o problema é extremamente grave, devido 
à transformação da vida social e pólítica do país no último século. 
Ali, a importância do estado, como tradição política e social, era 
maior do que entre nós, porque a União americana era uma federação 
de estados, enquanto o Brasil concedera autonomia a províncias que parti­
cipavam de um estado unitário. Daí a maior profundidade do estado no 
contexto federal, com e sem direito próprio, com suas tradições e uma 
soberania suprimida. 
Não obstante, o que se verificou é o que assinala, em livro recente 
sobre o governo dos Estados Unidos, o Prof. Allan Dionisopoulos: "A 
industrialização, a urbanização e a mudança maciça da tecnologia e comu­
nicações produziram a complexa. sociedade americana dos 100 últimos 
anos, responsável pela maioria das inovações no texto constitucional, que 
afetaram também o sistema federal à procura de solução para seus proble­
mas socioeconÔmicos." 
E muitas outras observações acrescenta, que poderiam se ajustar 
aos novos argumentos para justificar também a transformação do novo 
federalismo. 
Referindo-se, mais particularmente, aos estados, Milton Cummings 
Jr. e David,3 mostram que o sistema federal foi construído quando os 
Estados Unidos eram uma pequena nação rural. Hoje constituem um país 
de cidades congestionadas, guetos negros, em que subúrbios explodem. 
E perguntam: será o problema do estado relevante? 
A resposta não deve ser exagerada, mas precisa ser meditada, no 
sentido de dar ao estado um conceito novo, compatível com os efeitos da 
explosão demográfica e da urbanização descontrolada. 
O resultado que eles verificam está principalmente nas e~igências 
orçamentárias, que passam a concorrer com a medida das verbas federais. 
E isso conduz, fatalmente, a um processo mais intenso de integração 
da União e estados para a realização dos objetivos comuns. 
Desejaria observar, também, a desordem existente em muitas unidades 
estaduais, o que levou o ilustre Prof. Robert Dahl a pôr em dúvida que o 
estado estivesse realizando os objetivos constitucionais, pela sua população, 
tamanho e problemas. Alguns são mais populosos que o Canadá, e maiores 
que 80% dos países do mundo. 
O que diríamos nós? 
Sobre as constituições, os autores fazem algumas considerações que 
não me furto de mencionar. Não basta ter uma boa Constituição, dizem 
eles. É preciso que o clímax político corresponda ao valor do texto. Ainda 
mais, não possuem os estados condições para resolver seus problemas eco­
nômicos e principalmente urbanos. 
Nós podemos dar o exemplo de sobriedade quanto às revisões cons­
titucionais. As constituições estaduais, segundo Duane Lockard, foram 
3 Cummings Jr. & David. Democracy '" cito p. 580. 
Estados na federação 13 
~mendadas mais de 3 mil \ezes. A de Louisiana foi emendada 490 vezes 
e tem 255 nUl palavras, I) que é um despropósito. 
Nào mencionarei algumas particularidades dessas constituições para 
não desviar nosso raciocínio. 
O que desejo mostrar, todavia, é que os dramas que enfrentamos 
deyido ao progresso, ao desenvolvimento, à industrialização e à urbanização 
ainda são pequenos diante daqueles que nos esperam. Estes serão dramá­
ticos se não tomarmos medidas adequadas. 
Todos sào acordes em que o sistema federal americano, implantado 
no século passado, sofreu graves transformações, devido a mudanças 
fundamentais na economia, na vida e na sociedade americanas. 
Houve um autor americano que observou ter sido a Constituição de 
seu país elaborada para um país pequeno. Hoje, as dificuldades se resolvem 
pela genialidade de interpretação dos anglo-saxões. Os mais moderados 
chamam a federação americana de cooperativa ou criativa, como quer o 
Prof. Frederich. Eu diria operacional, porque se trata de criar um sistema: 
União soberana, estados autônomos que possam ser integrados, utili­
zando-se de um processo operacional, nos tipo" diversos de relações entre 
os poderes da União e dos estados. 
Nào vou, nem quero, entrar em detalhes, porque não desejo analisar 
o texto constitucional. Vejamos, entretanto, a teoria. 
As constituições federais, embora houvessem estabelecido um sistema 
fç,krativo, de 1891 a 1946, nunca abriram capítulo especial para os estados 
e municípios. 
A definição de federação decorria de preceitos relativos à compe­
tência da União, principalmente para legislar sobre a distribuição de rendas, 
intervenção nos estados etc. 
E aos estados, pela Constituição de 1946, "se reservam todos os 
poderes que implícita ou explicitamente não lhes sejam vedados por esta 
Constituição" . 
A Constituição de 1967 declarou que: "Cabem aos estados todos os 
poderes não conferidos por esta Constituição à União ou aos municípios." 
Mas a Emenda n9 1 voltou à fórmula: "Aos estados sào conferidos 
todos os poderes que explícita ou implicitamente não lhes sejam vedados 
por esta Constituição." 
Voltamos à temia dos poderes implícitos, o que leva a considerar 
como permitidos aos estados os poderes explicitamente a eles vedados 
pela Constítuíção ou que decorrerem implicitamente destas proibições. 
Nessas proibições está incluída, em primeiro lugar, a longa lista de 
competência privativa da União e, ainda, as numerosas áreas em que a 
União tem, ao longo da Constituição, competencia para legislar, inclusive 
com a recomendação de fazer leis complementares, até em áreas de inte­
re~se estadual, como: "concessões de serviços públicos", "áreas metropoli­
tanas", "comunicaçôes", "eletricidade" etc. 
14 R.C,P. 2/76 
Depois de 1967, as limitações à competência dos estados ainda foram 
maiores. A Constituição de 1967 e a Emenda de 1969 assemelham-se ao 
que havia sido proposto no projeto que, juntamente com Levy Carneiro 
e Orozimbo Nonato, havíamos elaborado, a pedido do Governo Castelo 
Branco, abrindo capítulos especiais para os estados e municípios. 
Ali se reconhecia aos estados o poder de autogoverno e de auto-orga­
nização, mas sujeitos à Constituição federal, notadamente: 
a) a observância dos princípios constitucionaisenumerados no art. 10, 
VI; b) a forma de investidura dos cargos eletivos; c) o processo legisla­
tivo; d) a elaboração do orçamento e a fiscalização orçamentária; e) nor­
mas relativas aos funcionários públicos; f) normas reguladoras dos subsÍ­
dios legislativos; g-h) a aplicação explícita de alguns preceitos da Com;­
tituição federal - art. 15 e 114. 
Esses dois últimos itens não se encontravam na Constituição de 1967, 
e se referiam aos casos de perda de mandato e ao Tribunal de Contas. 
Essas limitações aos poderes constitucionais dos estados vieram modi­
ficar o conceito de federação, integrando mais os estados no sistema ins­
titucional da União. 
t, portanto, antes de tudo, um problema institucional, de estrutura, 
cujos reflexos no funcionamento do sistema dependerá de outras condi­
ções, como as relativas à capacidade econômica do estado, à sua auto­
suficiência para atender às necessidades de manutenção dos seus serviços 
e para atender ao seu desenvolvimento econômico. 
O Prof. Frederich, analisando as diversas federações existentes no 
mundo, detém-se na do Brasil, com o seguinte título: o rico e os pobres 
- The rich and the poors. Salienta que o desequilíbrio do sistema cons­
titucional brasileiro provém principalmente da diferença de condições eco­
nômicas entre OS estados. 
O fenômeno talvez não seja somente nosso. Existirá, também, em 
outras federações. Mas, a verdade é que, no Brasil, existem áreas extrema­
mente pobres. 
Termina o seu ligeiro ensaio, mostrando a implantação artificial da 
nossa federação e que melhor seria um estado federal unitário descentra­
lizado. Na realidade, é o que existe, sem querermos nos aprofundar na 
ortodoxia do modelo sugerido. 
Há hoje, na realidade, desde 1946, uma subordinação dos estados às 
exigências e limitações do modelo federal. Desde 1946, porque daí co­
meça a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, apreciando a cons­
titucionalidade das constituições estaduais em face do texto federal. 
8. Conclusão 
O tema, pela sua gravidade, permitiria uma longa explanação, apenas 
desenvolvendo os aspectos principais que aqui expusemos. 
Estados na federação 15 
Sua importüncia, porém. nu momento prç,;:cl1tt', é que, cada vez mais, 
se atJ;ibui preferência à posição da L nião 110 sistema federal, esquecendo-se 
de que ele não existe sem um rígido respeito à autonomia dos estados e 
que esta autonomia há de ser entendida em termos de autodetenninação, 
naquelas áreas em que a Constituição assegura aos estados esse poder. 
Há um mau vezo de não atender à medida dessa autonomia, mesmo 
naqueles casos em que os estados, por força de contingências de ordem 
econômica ou de medidas de segurança, se devem submeter ao poder 
federal. 
Há meios c modos de receher auxílío e assistência, sem perda de 
autonomia, porque a assistência da União aos estados é dever e não importa 
de nenhum modo submissão. 
Haveria, pürtanto, alguns modos de alterar os tt:rmos das posições e 
manter os estados dentro de um sistema de cooperação que permitiria 
preservar a sua autonomia. 
Já tivemos ocasião de mostrar que se stl!',tentou nos Estados Unidos, 
durante vários anos, c há quem se mantenha ainda nessa posição, que o 
~i~tcma federal americano era cooperativo, ísto ê, que a União deveria 
atender às necessidades dos estados e com elc~ cooperar, reagindo contra 
o tradicional princípio da completa segurança dos estados autônomos e 
d(J poder federal, que só estariam unidos nas hipóteses previstas na Cons­
tituição. 
Desde a metaJt: do século passado, a política alterou-se, O sistema 
f,;deral opera por outra forma, com mais elasticidade. 
O que nós quisemos neste pequeno trabalho foi, apenas, destacar a 
ímportància do poder estadual, na tentativa de salvar a federação. 
A dificuldade, muitas vezes, é conciliar \) que é teórico e doutrinário, 
e aquilo que representa a realídade social e econômica do sistema - a 
federação em operaçãc. 
Mas era nosso propósito entrar na anáiíse crítica do sistema. 
16 RC.P. 2/76

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