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Descentralização e Coordenação federativa no Brasil - Lições dos Anos FHC

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DESCENTRALIZAÇÃO E COORDENAÇÃO FEDERATIVA 
NO BRASIL: 
LIÇÕES DOS ANOS FHC 
 
 
Fernando Luiz Abrucio1 
 
 
O Estado sofreu intensa transformação nas últimas duas décadas em várias partes do 
mundo. Entre os aspectos mais importantes desse processo, está a descentralização, pela 
enorme abrangência de países atingidos, pelos impactos que causou na organização estatal 
e pela mudança que trouxe às relações entre os governos e a sociedade, aumentando a 
preocupação com a accountability democrática. Tal importância é destacada pelo estudo de 
Elaine Kamarck. Analisando 123 nações, a autora constatou que a descentralização foi a 
segunda forma inovadora mais utilizada nos processos de reforma do Estado, aparecendo 
em 40% dos casos, e tendo sido ultrapassada apenas pela privatização (KAMARCK, 2000). 
O tema da descentralização também ganha destaque especial porque é, entre os 
tópicos de reforma do Estado, o que mais questões abarca. Autonomia local, formas de 
democracia participativa, racionalização da provisão de serviços, maior liberdade e 
responsabilidade dos gestores públicos, desigualdades regionais, entre os principais, são 
aspectos que fazem da descentralização um verdadeiro caleidoscópio. Por conta deste 
caráter, ela deve intrinsecamente lidar, a um só tempo, com as variáveis do desempenho e 
da democratização da gestão pública. 
Nos países onde a organização político territorial foi bastante alterada, a 
descentralização tornou-se ainda mais relevante. O Brasil está entre estes casos. O processo 
descentralizador, aqui, foi não só intenso e avassalador, como também influenciou a 
redemocratização do país, o redesenho da rede de proteção social e a reforma do Estado. A 
análise dos os caminhos da descentralização, portanto, é um ângulo privilegiado para se 
compreender a história brasileira recente. 
O objetivo do artigo é estudar a descentralização adotando uma perspectiva 
diferenciada da maioria da literatura, que explora tal tema pelo ângulo dos governos 
subnacionais e seus atores. Sem negligenciar este prisma, o foco principal concentra-se na 
 
1 Doutor em Ciência Política pela USP e professor da PUC (SP) e da FGV (SP). 
 1
análise do papel do Governo Federal na coordenação federativa ao longo dos dois 
mandatos presidenciais de Fernando Henrique Cardoso. Em termos metodológicos, a 
compreensão da singularidade dos anos FHC passa, primeiro, por uma discussão teórica 
formulada a partir da experiência internacional e, em segundo lugar e mais importante, pelo 
estudo da trajetória do federalismo e das relações intergovernamentais no Brasil, buscando 
compreender quais são os legados deste processo histórico. Este referencial permite 
entender a especificidade do governo Fernando Henrique e descobrir quais são as lições 
deste período. 
Para tanto, o trabalho organiza-se da seguinte forma. Na primeira parte, o fenômeno 
da descentralização é definido, buscando compreender sua evolução recente e as suas 
implicações no processo de reforma do Estado. Na segunda, o objetivo é mostrar que a 
descentralização ganha um sentido bastante peculiar num contexto federativo, uma vez que 
a coordenação intergovernamental torna-se peça-chave. A partir desta argumentação, o 
processo descentralizador brasileiro é compreendido como um eixo derivado da trajetória 
do federalismo. Por esta razão, neste ponto do trabalho, traça-se uma breve história da 
Federação, desde suas origens até o ocaso do regime militar. 
O entendimento do funcionamento do federalismo brasileiro montado na 
redemocratização é feito na quarta parte. As características federativas deste período e a 
continuidade de seus efeitos são centrais neste artigo. Na quinta seção, o foco se concentra 
nas mudanças realizadas na estrutura básica da Federação a partir do Plano Real. Trata-se 
de uma "conjuntura crítica", no sentido formulado por Paul Pierson (2000), na qual a 
posição relativa dos atores e os seus recursos foram alterados, levando ao redesenho de 
parte do arcabouço institucional. Ainda no bojo desta discussão, é traçado um mapa de 
várias ações do Governo Federal no terreno da coordenação federativa. 
Destaque é dado, a seguir, ao processo de coordenação federativa nas áreas 
financeira e administrativa, que ganharam importância nos anos FHC, no bojo de seu 
modelo de reforma do Estado. Depois são analisadas as políticas sociais de Saúde, 
Educação e Assistência Social, mostrando os avanços e problemas encontrados sob o 
prisma das relações intergovernamentais. E, mais adiante, o artigo trata dos dois principais 
fracassos da União no período: as políticas urbanas e de desenvolvimento. 
 2
Além de ressaltar as principais características dos caminhos da descentralização na 
Era FHC, a conclusão arrola alguns desafios de coordenação federativa que certamente 
serão enfrentados pelo próximo presidente . 
 
I- O Fenômeno da Descentralização 
 
Descentralização é uma palavra muito utilizada nos dias que correm, quase sempre 
com um sentido positivo. Só que, no mais das vezes, a quantidade de elogios que recebe é 
proporcional à sua imprecisão conceitual. Para tornar mais claro o debate, definimos 
descentralização como um processo nitidamente político, circunscrito a um Estado 
nacional, que resulta da conquista ou transferência efetiva de poder decisório a governos 
subnacionais, os quais adquirem autonomia para escolher seus governantes e legisladores 
(1), para comandar diretamente sua administração (2), para elaborar uma legislação 
referente às competências que lhes cabem (3) e, por fim, para cuidar de sua estrutura 
tributária e financeira (4). 
Obviamente que há graus diferenciados de autonomia nas diversas experiências 
nacionais, sendo que, geralmente, os governos subnacionais têm maior poderio nas 
Federações, por razões que veremos mais adiante. Também existe uma diversidade no que 
tange a cada um dos quatro aspectos citados acima, com experiências mais voltadas às 
liberdades política e jurídica e outras direcionadas mais firmemente a questões tributárias 
ou administrativas. De qualquer modo, tem-se aqui uma definição mínima de 
descentralização, no mesmo sentido da delimitação minimalista de democracia, e a partir da 
qual é possível compreender melhor o fenômeno. 
A definição mínima de descentralização é tanto mais necessária por conta desse 
termo designar correntemente outros três fenômenos. Um deles envolve o aspecto 
administrativo. Trata-se da delegação de funções de órgãos centrais para agências mais 
autônomas, o que na verdade é um processo de desconcentração administrativa, ou ainda 
então a horizontalização das estruturas organizacionais públicas, com o repasse de maior 
responsabilidade da cúpula aos gerentes e funcionários da ponta. Além dessa 
caracterização, a descentralização é igualmente utilizada para denominar a transferência de 
atribuições do Estado à iniciativa privada - privatização ou concessão de serviços públicos - 
 3
e do governo para a comunidade ou ONGs. Estes três processos não podem ser 
simplesmente equiparados à descentralização no seu sentido estrito, embora possam 
conviver com ela ou mesmo serem impulsionados por mudanças políticas 
descentralizadoras. 
Tentar distinguir claramente tais termos não é uma preocupação nomológica, mas 
sim uma precaução contra maneiras indevidas de se manejar os conceitos. Exemplo nesta 
linha foi o discurso de Margareth Thatcher e de boa parte do receituário neoliberal da 
década de 80, que defendia uma descentralização cujo objetivo era mais limitado. 
Significava o repasse de funções para governos locais sem garantir a autonomia e o 
financiamento, a desconcentração de atribuições da administração central para agências e, 
dentro destas, da cúpula para os gerentes, e ainda a privatização de empresas públicas. 
Essas ações buscavam diminuir custos e melhorar o desempenho dagestão pública, só que 
propositadamente negligenciavam o cerne de qualquer processo descentralizador: a 
democratização do Estado2. 
Com base nesta discussão conceitual, pode-se dizer que o processo descentralizador, 
no seu sentido essencialmente político, é um fenômeno bastante recente, que ganhou maior 
impulso, num maior número de países, somente nas últimas décadas do século XX. Decerto 
que há um debate intelectual sobre a questão desde o século XIX, em pensadores tão 
distintos como Proudhon e Tocqueville, além de pelo menos uma experiência precursora 
em larga escala, que foi o modelo norte-americano. A precocidade dos Estados Unidos é 
perceptível na tradição de autonomia local e no conjunto complexo de instituições e 
mecanismos de relacionamentos entre os níveis de governo, algo ainda poucas vezes 
encontrado. 
A formação dos modernos Estados nacionais, na verdade, foi um processo de 
centralização do poder e de tentativa de construir uma soberania una e indivisível, nos 
termos de Jean Bodin. O objetivo maior era estabelecer a ordem mínima hobbesiana, 
concentrando poder numa autoridade que desse conta dos perigos da fragmentação local e 
da invasão externa. O Governo Central tornou-se o eixo estruturador de toda a política, com 
um poderio praticamente inquestionável. 
 
2 Sobre a descentralização na era Thatcher, ver B. Guy Peters (1992). 
 4
O fortalecimento do poder nacional não foi abrupto, mas sim, uma construção que 
durou séculos. Neste longo processo centralizador, a descentralização do poder era 
normalmente vista de modo negativo, com a grande exceção da experiência norte-
americana. Com a consolidação das independências na América e com o novo colonialismo 
europeu na África e Ásia, ademais, o poderio do Estado nacional transformou-se em arma 
fundamental no jogos geopolítico e econômico, especialmente para os que disputavam 
mercados no contexto imperialista, entre o final do século XIX e o começo do XX. Mais 
adiante, a crise da ideologia do laissez faire e a formulação do pensamento keynesiano, no 
bojo da depressão da década de 30, legitimaram o reforço do papel da intervenção estatal 
centralizada. 
A expansão do Estado atingiu seu auge depois da Segunda Guerra Mundial. O 
aumento da intervenção governamental foi estruturado sob três pilares: o keynesiano, 
correspondente ao aspecto econômico, o Welfare State, ligado ao social, e o burocrático 
weberiano, modelo administrativo que dava suporte às ações dos outros dois pilares. Todos 
os três foram engendrados pelo Governo Central. Nos países desenvolvidos, ademais, esta 
engenharia institucional foi construída num contexto de ampliação da democracia no plano 
nacional. O fato é que, entre 1950 e 1980, era de grande prosperidade do capitalismo (por 
alguns chamada de "anos dourados"), o Estado nacional foi o motor do desenvolvimento e, 
em alguns casos, da cidadania. 
Paradoxalmente, o avanço e o sucesso da intervenção estatal centralizada e da 
nacionalização da política no pós Guerra impulsionaram, mais adiante, o processo de 
descentralização. Dito de outro modo, a expansão do Welfare State e da democracia, frutos 
do período de grande nacionalização da política, favoreceram a constituição de demandas 
descentralizadoras. 
No caso dos Welfares, cabe assinalar que eles foram instituídos pelos Governos 
Centrais, que agiram com maior ênfase a partir da década de 50. No começo, a 
administração centralizada geralmente implantava sozinha as políticas de bem estar social, 
contudo, ao longo do tempo, ela aumentou as ações de financiamento e/ou as parcerias com 
os governos subnacionais. Em outras palavras, a ampliação da oferta de serviços públicos, 
por parte do Poder Nacional, redundou na criação de estruturas administrativas no plano 
local. Um exemplo neste sentido é o da experiência norte-americana. Conforme John 
 5
Donahue, houve lá uma maior centralização desde os anos 30, mas as burocracias estaduais 
foram se aperfeiçoando para receber e utilizar melhor os grants do Governo Federal, 
criados desde o período Roosevelt e ampliados ainda mais pelo governo Lyndon Johnson, 
por meio do programa Great Society. Este processo, por si só, gerou mais adiante demandas 
pelo repasse integral das funções aos estados (DONAHUE, 1997: 12). 
 O crescimento e a complexificação da estrutura administrativa do sistema de 
proteção social resultou em dilemas de eficiência e democratização. No que se refere ao 
primeiro aspecto, quanto mais atividades o Governo Central concentrava em suas mãos, 
mais perdia o controle sobre o desempenho e a qualidade das políticas. Um bom exemplo 
disso era o programa de merenda escolar do Governo Federal brasileiro. Seu alcance e 
recursos elevaram-se deveras ao longo do tempo e, até meados da década de 90, a União 
comprava os alimentos, muitas vezes trazia-os até Brasília e depois os distribuía para o 
restante do país. Daí resultavam os seguintes problemas: os bens em questão eram 
perecíveis e muitos estragavam por conta dessa logística centralizadora; os hábitos 
alimentícios regionais eram desprezados; e a compra centralizada normalmente aumentava 
os custos. Trocando em miúdos, o excesso de centralização levava à ineficiência. 
A centralização excessiva muitas vezes provinha das ações da burocracia nacional e 
dos políticos, os quais, ao concentrarem os recursos no nível central, fortaleciam seu poder 
decisório (burocratas) ou de chantagem perante as bases locais (líderes políticos 
clientelistas). A maior democratização do sistema político tem sido o melhor instrumento 
contra esta situação. Tal processo democratizador foi inicialmente construído mais por 
processos nacionais do que locais, ao contrário do que supõe visões mais românticas. Até 
no caso norte-americano, fundado pelo conceito de self-government e onde de fato a 
autonomia republicana dos governos locais prosperou em boa parcela do território, a 
nacionalização da política foi fundamental para a democratização do sistema, atacando os 
focos de corrupção no Sul e em grandes centros urbanos (como Chicago), além de garantir 
os direitos civis dos negros. 
Em vários países desenvolvidos, a nacionalização do processo democrático ampliou 
espaços de participação que, gradativamente, estabeleceram-se nos níveis locais de 
governo. Cabe lembrar que o longo caminho da centralização do poder havia sufocado uma 
série de demandas por autogoverno regional, e a democratização do pós Guerra permitiu 
 6
colocar em xeque essa estrutura política, embora a transformação do modelo não tenha 
ocorrido de uma hora para outra. O caso italiano reflete bem esse fenômeno, pois, como 
mostrou Robert Putnam, entre a promulgação da Constituição, em 1948, e o início da 
década de 70, ocorreu uma intricada batalha pela autonomia dos governos locais (cf. 
PUTNAM, 1996: 35-38). 
O modelo centralizador entrou em crise no começo da década de 80. Para tanto, 
contribuíram fatores como a internacionalização econômica, que reduziu parcela 
significativa do poder de intervenção estatal no plano nacional, especialmente na área 
financeira; a crise fiscal dos Governos Centrais, vinculada à perda de dinamismo 
econômico que marcara os "anos dourados"; a defesa de reformas inspiradas por uma 
concepção minimalista de Estado, iniciada com as vitórias de Thatcher e Reagan; o 
fortalecimento de organizações com modus operandi transnacional, como empresas 
multinacionais, ONGs, instituições multilaterais, blocos regionais e até máfias 
internacionais; a maior demanda por participação no nível local; e o aumento da integração 
econômica entre os capitais e os governos subnacionais, processo chamado por alguns 
autores de "glocalization" (WATTS, 1994). 
Sobre este processo, ficou famosa a frase de Daniel Bell: “the nation-state is 
becoming too small for the big problems of life and too big for the smallproblems of life” 
(BELL, 1988). 
Em boa medida, o discurso e a prática descentralizadoras derivaram dessa crise do 
modelo centralizador de intervenção estatal. No entanto, vale ressalvar que o balanço dos 
últimos vinte anos não revela uma redução significativa do tamanho do Estado ou o 
esvaziamento do Governo Central. Houve, sim, mudanças na estrutura centralizada 
anterior, com novas formas de provisão e atuação do aparato estatal, só que o resultado 
disso está levando a repensar o papel do Poder Nacional, em vez de destrui-lo. 
Em resumo, os resultados paradoxais da expansão e complexificação do Welfare 
State e da nacionalização da democracia, somados aos fatores recentes que enfraqueceram 
o Governo Central, pavimentaram o terreno onde a descentralização foi inicialmente 
construída. Mais outras quatro causas influenciaram este processo: a urbanização acelerada, 
que tornou os problemas locais e seus governos cada vez mais importantes para um maior 
número de pessoas; a irrupção de conflitos étnicos, os quais, quando não levaram à 
 7
secessão, demandaram novas relações do Poder Nacional com os grupos regionais, como na 
experiência espanhola; o surgimento das democracias de Terceira Onda 
(HUNTINGTON,1994), nas quais houve, por diversas vezes, um imbricamento entre a 
democratização e o processo de descentralização; e, por fim, a força do discurso político 
descentralizador, cada vez mais aceito e proposto em larga escala, inclusive por instituições 
multilaterais, como o Banco Mundial, que o defendem como uma das melhores soluções 
aos países menos desenvolvidos. 
O contexto atual pode ser classificado como uma era de descentralização, dada a 
desconcentração sem precedentes do poder político nacional. Os seus primeiros passos 
foram dados nos anos 50, mas o grande impulso se deu na década de 70, com a inclusão de 
um número crescente de países, num processo ainda hoje em expansão. Entre os 
desenvolvidos, houve grandes mudanças na organização territorial em lugares como a 
Bélgica (que passou por um processo de federalização nos últimos trinta anos), a Espanha e 
a Itália - ambas criadoras de uma estrutura regional ou quase federal (LARSSON, 
NOMDEN & PETITEVILLE, 1999: 400). Em todos estes casos, os governos subnacionais 
conquistaram uma forte autonomia. Destaca-se, ainda, a consolidação dos federalismos 
alemão, australiano e canadense, cada vez mais preocupados em aperfeiçoar seus 
mecanismos intergovernamentais para garantir o princípio da subsidiariedade, segundo o 
qual as políticas devem ser conduzidas, o máximo possível, pelas autoridades mais 
próximas dos cidadãos. É igualmente relevante a influência do viés federativo no debate 
acerca da União Européia. Soma-se a tudo isso, de forma inédita e até inesperada, o repasse 
de poder ao plano local em duas das nações mais centralizadas da Europa, a Grã-Bretanha e 
a França, como assinala Rudolf Hrbek: 
"Recentemente, se vislumbram importantes alterações da estrutura territorial na 
Grã-Bretanha. Sob o lema da 'devolução', o governo de Westminster transferiu direitos de 
autonomia abrangentes, embora diferentes, para a Escócia e o País de Gales. Vários 
observadores consideram essa evolução como início de uma profunda mudança da 
organização estatal do Reino Unido, que poderia chegar a um 'Estado de Autonomia' ou 
ainda uma construção federativa. (....) Na França, considerada há muito tempo exemplo 
clássico de um sistema centralizador, também se iniciou uma política de descentralização a 
partir de 1982. Sua expressão mais nítida é a criação de regiões com novas entidades 
 8
territoriais, ao lado dos tradicionais municípios e departamentos. Embora a competência e 
os recursos à disposição das regiões pareçam modestos, são nítidas as mudanças no 
Estado francês, bem como o fato da descentralização já significar mais do que mera 
transferência de atribuições administrativas para um nível mais baixo. As regiões 
desenvolvem autoconfiança, procuram tomar posições em relação à capital e ao governo 
central e, ocasionalmente, já são consideradas atores respeitados num sistema que se 
desenvolve passo a passo" (HRBEK, 2001: 111-112). 
Nos Estados Unidos, país com maior tradição federativa do mundo, houve uma 
renovação do discurso em prol da descentralização. Do "novo federalismo" de Nixon até o 
modelo mais recente do devolution powers, aconteceu um repasse de funções aos estados, 
que para alguns significou o retorno às "liberdades originais da Federação". Ademais, a 
concepção de que os governos subnacionais são "laboratórios de democracia", isto é, 
capazes de criar políticas inovadoras quanto mais contato direto tiverem com os cidadãos, 
foi um dos principais eixos da política norte-americana na década de 90 (CONLAN, 1998; 
OSBORNE & GAEBLER, 1994). 
A descentralização também avançou celeremente em outras partes do globo. Num 
estudo citado por Marta Arretche, constatou-se que entre 75 países em desenvolvimento 
analisados, 63 tinham realizado reformas descentralizadoras (apud ARRETCHE, 1996: 63). 
A América Latina destaca-se neste contexto. Nela, são eleitos atualmente 13 mil governos 
locais, contra menos de 3 mil no final dos anos 70 (BANCO MUNDIAL, 1997: 112). 
Países como Colômbia, Peru e Venezuela aumentaram, em maior ou menor grau, a 
autonomia dos governos locais. Federações mais antigas, porém tolhidas em sua liberdade 
por décadas de autoritarismo, como o México e a Argentina, reforçaram o poder de suas 
províncias ou estados - no caso mexicano, foi do plano subnacional que, em grande medida, 
saiu o processo de democratização recente do país (cf. RODRÍGUEZ & WARD, 1995). E o 
Brasil não ficou atrás, pois reconstruiu sua estrutura federativa por meio do reforço do 
poder das esferas estaduais e municipais, como mostraremos mais adiante. 
O fascínio causado pela descentralização baseia-se não apenas na crise do modelo 
centralizador e no surgimento de novas realidades, mas também na força política adquirida 
por esse conceito, cujo sinal é quase sempre positivo. Agregando uma ampla e heterogênea 
 9
coalizão de interesses, o discurso descentralizador teria suas principais qualidades 
associadas à democratização do Poder público e à melhora do desempenho governamental. 
Descentralização e democratização do Estado andam juntas no argumento político 
desde pelo menos o livro clássico de Alexis de Tocqueville, A Democracia na América. 
Processos históricos mais recentes, como a conquista de governos locais pelos comunistas 
italianos, na década de 60, ou o crescimento do municipalismo no Brasil nos anos 80, com 
seu viés democratizador sendo perceptível em políticas como o Orçamento Participativo, 
são dois entre vários dos exemplos que ajudariam a corroborar esse relacionamento 
virtuoso. 
O pressuposto que orienta essa concepção é o de que a maior proximidade dos 
governos em relação aos cidadãos possibilita o aumento da accountability do sistema 
político. De fato, o controle sobre os governantes pode ser facilitado pela descentralização, 
já que com ela há maior probabilidade de disseminação das informações, de criação de 
canais de debates e mesmo de se instituir mecanismos mais efetivos de fiscalização 
governamental, para citar três dos elementos básicos do processo de responsabilização 
democrática do Estado (PRZEWORSKI, 1998). Formas de democracia semi-direta também 
têm muito mais chances de se realizar no plano local. 
O aumento da eficiência e da efetividade é citado igualmente como outra qualidade 
intrínseca da descentralização. Isto porque a centralização completa das políticas resultaria, 
tecnicamente, em maior irracionalidade administrativa, e, politicamente, na criação de 
"superagências" monopolistas que dificilmente seriam controláveis, com efeitos não só para 
a accountability democrática, como também para o desempenho da ação estatal. 
Inversamente, a descentralização, ao aproximar os formuladoresdos implementadores, e, 
principalmente, estes dois dos cidadãos, melhoraria o fluxo de informações e a 
possibilidade de avaliação da qualidade da gestão pública. 
Nesta mesma linha de raciocínio, supõe-se que a uniformização subjacente ao 
modelo mais centralizador diminuiria os incentivos à inovação, ao passo que a existência de 
múltiplos governos seria um estímulo para a busca de novas soluções administrativas, pois 
os governantes locais teriam a necessidade, por conta maior da cobrança da população, e a 
possibilidade, por conta da maior autonomia decisória, de encontrar saídas criativas e 
 10
vinculadas às peculiaridades de cada circunscrição política. Esta posição é bastante 
difundida no debate norte-americano e vem ganhando adeptos em outros países3. 
Muitos defendem que pode haver, sob certas condições, uma relação de mão dupla 
entre a democratização e busca da eficiência no plano local, tal qual argumentam Abrucio e 
Soares: 
"Por um lado, a participação e a cobrança da população obrigam os governantes, 
muito mais próximos, a melhorar seu desempenho administrativo. Por outro, as condições 
para que os cidadãos atuem [democraticamente] de forma mais eficaz estão ligadas à 
qualidade da gestão pública, responsável pela informação e pela adequação dos 
instrumentos de controle" (ABRUCIO & SOARES, 2001: 28). 
A descentralização, no entanto, não tem qualidades intrínsecas e tampouco está 
isenta de aspectos negativos. A força política deste discurso e muitos resultados 
satisfatórios que daí se originaram nublam os problemas que se colocam, em muitas 
ocasiões, para a implantação de um processo descentralizador. Há cinco questões 
fundamentais que devem ser equacionadas em qualquer modelo de descentralização: a 
constituição de um sólido pacto nacional, o ataque às desigualdades regionais, a criação de 
um ambiente contrário à competição predatória entre os entes governamentais, a montagem 
de boas estruturas administrativas no plano subnacional e a democratização dos governos 
locais. 
A primeira se refere à relação dos governos locais com a nação. Uma fragmentação 
excessiva pode levar à guerra civil, à desorganização econômica ou à secessão. É claro que 
esta última pode ser até desejável em certas circunstancias, nas quais grupos étnicos foram 
sufocados pelo Governo Central e/ou por uma etnia dominante. Não obstante, o 
fortalecimento de uma série de nacionalismos desde a segunda metade da década de 80 tem 
grandes chances de produzir países com frágeis condições de sobrevivência - e, neste caso, 
os vetores da globalização assimétrica na qual vivemos tendem a ser implacáveis, 
favorecendo os que mantiveram mais território e população. Talvez tenhamos, na década 
que ora se desenvolve ou no mais tardar na próxima, que refletir novamente sobre formas 
 
3 Nos EUA, um dos maiores best sellers da década de 90 foi o livro Reinventando o Governo, que 
analisa uma série de exemplos de experiências bem sucedidas no plano subnacional, os quais são classificados 
como verdadeiros laboratórios de gestão pública (OSBORNE & GAEBLER, 1994). Esta linha argumentativa, 
entretanto, é bem mais antiga nas literaturas de Ciência Política e Economia produzida nos Estados Unidos, 
bem como no debate político. 
 11
de organização política do espaço que respondam às demandas econômicas e geopolíticas 
de centralização, mas acentuando necessariamente o caráter democratizador desse processo. 
Supondo que um país resolva seus dilemas básicos de ordem e haja um sentimento 
nacional razoavelmente consolidado, é preciso evitar o crescimento das desigualdades entre 
as regiões. Algumas experiências recentes de descentralização não foram acompanhadas 
pela criação de políticas redistributivas - ou ao menos compensatórias - para as localidades 
mais pobres ou carentes de infra-estrutura, o que contribuiu para acentuar as diferença 
socioeconômicas. Nestes casos, a descentralização torna-se, na precisa definição de Remy 
Prud’Homme, “na mãe da segregação” (PRUD’HOMME, 1995), uma vez que as 
disparidades entre as partes prejudicam o desenvolvimento de muitas delas e, ao fim e ao 
cabo, do próprio conjunto, pois há uma piora do desempenho econômico global, um 
aumento do conflito distributivo e, no extremo, a luta política assume proporções 
preocupantes à ordem nacional. Os impactos desse processo negativo são ainda maiores em 
grandes nações marcadas pela desigualdade regional, como a Índia, o Brasil e a Rússia. 
Para solucionar este problema, faz-se necessária a atuação coordenadora do Governo 
Central, sem a qual não é possível uma descentralização efetiva e justa. 
O acirramento dos conflitos entre os níveis de governo é outra questão que pode 
prejudicar a descentralização. Em razão de o processo desconcentrador de poder ser 
normalmente recente, dois fenômenos aparecem com freqüência. Em uma ponta, muitos 
Governos Centrais não têm conseguido lidar com a nova realidade e querem evitar a perda 
de autoridade e competências, criando incertezas quanto aos passos seguintes do processo 
e mesmo em relação à manutenção dos que já foram dados, tal qual ocorreu na Inglaterra 
nos tempos de Thatcher; noutra ponta, a ausência de experiência anterior de autogoverno e 
o enfraquecimento do Poder Nacional têm gerado, em certos casos, estímulos à 
irresponsabilidade fiscal das unidades subnacionais, como na Argentina, ou a uma disputa 
tributária predatória, como na guerra fiscal à brasileira4. O fato é que a fragilidade dos 
instrumentos de cooperação e coordenação entre as esferas de poder constitui um grande 
obstáculo ao sucesso da descentralização. 
 
4 Para uma visão geral do processo de descentralização, tratando sobretudo das resistências a ele e a 
manifestação de comportamentos fiscais irresponsáveis por parte dos governos subnacionais, ver BURKI, 
PERRY & DILLINGER, 1999. 
 12
É necessário, também, desenvolver as capacidades administrativas e financeiras dos 
entes subnacionais para que a descentralização ajude a melhorar o desempenho da gestão 
pública. Os possíveis ganhos de eficiência resultantes da desconcentração das atribuições 
não são alcançados caso faltem recursos suficientes às administrações locais, ou se estas 
deixarem de exercer sua autoridade tributária. O repasse das funções antes centralizadas só 
alcança plenamente seus objetivos quando acoplado à existência ou à montagem gradativa 
de boas estruturas gerenciais nos níveis inferiores. Obviamente que a grande concentração 
de tarefas nas mãos do Governo Central é prejudicial à eficiência, porém, a manutenção de 
padrões arcaicos de governança no plano local, além de reduzir a efetividade da ação 
estatal, desmoraliza a descentralização, podendo até incentivar propostas demagógicas de 
(re)centralização e paternalismo. Logo, a modernização administrativa dos governos 
subnacionais é condição sine qua non de um ciclo virtuoso descentralizador. 
A relação entre descentralização e democracia não é linear. Ela depende das 
condições sociais, econômicas e políticas existentes em determinado país e tempo histórico. 
Trata-se, em suma, de uma construção político-institucional. É neste sentido que, 
analisando a associação entre democratização e descentralização, Marta Arretche 
argumenta: 
“A concretização dos ideais democráticos depende menos da escala ou nível de 
governo encarregado da gestão das políticas e mais da natureza das instituições que, em 
cada nível de governo, devem processar as decisões” (ARRETCHE, 1996: 45). 
Em diversos momentos da história, formas oligárquicas predominaram no plano 
local. Exemplos: o Brasil da Primeira República, o Sul dos Estados Unidos na primeira 
metade do século XX - realidade tão bem descrita por V.O.Key Jr. (1949) -, os governos 
subnacionais mexicanos durante o domínio do PRI e, até hoje,a administração das 
Províncias mais pobres e suas municipalidades na Argentina. A lista é bem mais extensa, 
mas ficamos por aqui. Ora, isto quer dizer que existe uma outra "relação linear", agora entre 
descentralização e oligarquia? Esta ilação é tão falsa quanto a primeira. Basta observar a 
progressiva democratização de governos subnacionais em várias partes do mundo: em 
países federativos (como a Alemanha, os EUA, o Canadá) em Estados Unitários (Itália e 
Espanha), além dos grandes avanços ocorridos em nações em desenvolvimento, como o 
 13
Brasil e a Índia. A continuidade desse processo vincula-se à construção de certas condições 
institucionais, culturais e socioeconômicas. 
Para responder a estas cinco questões, é preciso adotar três pressupostos gerais que 
balizam qualquer processo de descentralização: 
1) A opção não deve ser centralização ou descentralização. O segredo do sucesso 
está no relacionamento entre elas. Num extenso e detalhado trabalho que envolveu o estudo 
das relações intergovernamentais de todos os países da OCDE, a então presidente dessa 
organização, Alice Rivlin, concluiu que: 
“Há tempos ocorrem debates sobre centralização ou descentralização. Nós 
precisamos agora estar dispostos a mover em ambas as direções – descentralizando 
algumas funções e ao mesmo tempo centralizando outras responsabilidades cruciais na 
formulação de políticas. Tais mudanças estão a caminho em todos os países” (OCDE, 
1997: 13). 
2) A descentralização envolve um projeto nacional e vários processos ou rodadas de 
negociação. Em relação ao primeiro aspecto, cabe ressaltar que não basta criticar os 
problemas do antigo modelo centralizador; é fundamental estabelecer uma estratégia 
nacional que oriente, minimamente, o processo descentralizador (FIORI, 1995). Assim 
sendo, as lideranças políticas e administrativas de todo o país precisam ter em mente o 
sentido geral da descentralização. No entanto, este projeto geral é rediscutido e repensado 
ao longo do tempo. Ademais, a desconcentração de funções ocorre em diversas áreas, às 
vezes muito distintas entre si, por conta da peculiaridade de cada política pública. É por 
esta razão que concordamos com o argumento de Maria Hermínia Tavares de Almeida: a 
descentralização é um processo composto por várias rodadas (ALMEIDA, 2000: 7), muito 
embora o histórico específico das políticas afeta seu destino posterior. Qualquer avaliação 
da descentralização em um determinado país, portanto, deve analisar o projeto nacional e os 
processos descentralizadores, bem como a relação entre eles. 
3) A descentralização exige a construção de capacidades político-institucionais tanto 
do Poder Central como dos governos subnacionais. Ambos devem ser preparar 
especificamente para este processo. O Governo Central deve habilitar-se para o repasse de 
funções e para a coordenação das ações mais gerais, atuando em prol do equilíbrio entre as 
regiões, fornecendo auxílio técnico e financeiro aos níveis inferiores e avaliando as 
 14
políticas de cunho nacional. Os entes subnacionais, por sua vez, precisam aprimorar sua 
estrutura administrativa e seus mecanismos de accountability democrática. Uma 
competência comum é essencial: todas as esferas de poder devem desenvolver instrumentos 
e mesmo uma cultura política vinculados às relações intergovernamentais, em particular no 
caso do Governo Central, em razão de seu papel necessariamente coordenador. 
O caso brasileiro enfrenta todo este universo de questões atinentes à 
descentralização. Só que há uma particularidade: o Brasil é uma Federação, característica 
que dá um molde especial ao processo descentralizador. 
 
II- Federação e Descentralização: o significado dessa relação 
 
As formas de organização territorial do poder podem ser divididas em quatro tipos: 
a Associação de Estados, a Confederação, a Federação e o Estado Unitário. Alguns países 
têm adotado características de mais de um modelo, seja porque a era da descentralização 
trouxe mais preocupações federativas a nações unitárias, seja porque a temática dos blocos 
regionais impulsionou experiências com inspiração confederativa, como a União Européia, 
ou que procuram constituir alianças econômicas, como as uniões aduaneiras e áreas de livre 
comércio. De qualquer modo, há sim diferenças entre tais categorias, que dizem respeito, 
em especial, à maior ou menor concentração/dispersão de poder e soberania entre os entes, 
fazendo com que haja organizações territoriais do poder mais centrífugas ou mais 
centrípetas. O quadro abaixo configura esta classificação: 
 
QUADRO 1 
Quadro 1: Formas Típicas de Organização Político-Territorial do Poder 
 
+ centrífugo + centrípeto 
 
Associação de Confederações Federações Estado 
Unitário 
 Estados 
 
 15
Resumidamente, podemos diferenciar cada uma dessas formas de organização 
político-territorial do poder5. A Associação de Estados estabelece uma parceria voluntária 
entre nações que não perdem sua soberania original e constituem uma cooperação com fins 
culturais, políticos e/ou econômicos, sem que isto implique um maior compromisso de 
compartilhamento de poder ou centralização decisória. Portanto, são membros que não 
abdicam de sua condição de país e, enquanto tais, podem sair dessa organização a qualquer 
momento. Ademais, a Associação entre Estados pode ocorrer entre Estados nacionais que 
não tenham contiguidade territorial, uma vez que os objetivos podem ser de cooperação 
econômica ou de intercâmbio cultural - tal como ocorre no Commonwealth. 
A Confederação, por sua vez, é a junção de unidades independentes, que podem ser 
Estados nacionais ou não - o início da história dos Estados Unidos representa esta segunda 
possibilidade. Busca-se um maior compromisso pelo compartilhamento do poder do que na 
Associação entre Estados, mas se evita a criação de um Governo Central. Diferentemente 
da Associação entre Estados, a Confederação pressupõe sempre uma contiguidade 
territorial. 
O que motiva a criação do modelo confederativo é a existência de problemas e 
necessidades comuns em uma mesma área territorial. Para tanto, os participantes desse 
acordo estabelecem políticas integradas. Contudo, ao contrário da Federação, não é 
constituído um Governo Central, embora possa até existir uma estrutura que funcione como 
pólo aglutinador da Confederação, porém sem um estatuto de legitimidade por si só. Mais 
do que isso, há uma superioridade do arcabouço constitucional de cada um dos membros 
sobre o conjunto de regras que orienta essa união. É por esta razão que as principais 
decisões válidas para todos os integrantes precisam da aprovação unânime deles ou, então, 
certas decisões não são vinculantes a todos os participantes - a questão da moeda comum na 
União Européia é tipicamente uma questão confederativa. 
O modelo confederativo foi o inicialmente praticado nos Estados Unidos após a 
independência, em 1776. Pode-se dizer que hoje a União Européia é o que há de mais 
próximo de uma Confederação6. Observando a história das experiências confederativas, 
 
5 Essa conceituação baseia-se em ABRUCIO, 2000. 
6 A experiência da União Européia tem características mais próximas da Confederação, porém alguns 
de seus membros e ideólogos defendem uma maior federalização de sua estrutura. Propostas como o 
fortalecimento do Parlamento Europeu, do Direito Comunitário e do Banco Central Europeu, retirando grande 
parcela do poder macroeconômico dos Estados nacionais, caminham numa linha mais federativa. Contudo, a 
 16
percebe-se uma a baixa capacidade de sobrevivência dessa forma de organização político-
territorial do poder. Nos EUA, durou pouco mais de dez anos, enquanto o caso recente da 
Comunidade dos Estados Independentes (CEI), composta pelas partes daquilo que fora a 
União Soviética, redundou em maior divisão entre estes povos, levando osanalistas a 
afirmar que a saída para essa região era manter a Federação Russa e esta fazer Associações 
com os demais Estados nacionais (SEROKA, 1994)7. 
Como ponto mais centrípeto da escala exposta acima, temos o Estado Unitário, onde 
a soberania está toda concentrada no Governo Central e é, por tal motivo, una e indivisível. 
O poder dos entes subnacionais deriva da ação voluntária da esfera nacional, que delega 
funções e graus de autoridade. Todavia, há variações cada vez maiores na forma como esta 
organização territorial se estrutura, sobretudo por conta dos efeitos da era da 
descentralização. Países de tradição centralizadora como a França e a Inglaterra, tal qual 
mostrado anteriormente, modificaram bastante sua distribuição espacial do poder político 
nos últimos vinte anos. 
Mesmo com tais mudanças, um aspecto diferencia claramente o Estado unitário das 
formas confederativas ou federativas: a distribuição de poder obedece a uma hierarquia e a 
uma assimetria entre o Governo Central e as unidades subnacionais. Exemplo: no Reino 
Unido, o primeiro-ministro trabalhista, Tony Blair, cumpriu sua promessa de campanha e 
criou um Parlamento regional na Escócia. Houve pressões do plano local, mas a decisão 
veio do âmbito nacional. Mais importante: a continuidade desse processo de 
desconcentração de poder vai depender da aprovação em instâncias do nível central, 
sobretudo o Parlamento, o qual é formado exclusivamente por representantes que, embora 
 
capacidade de países pertencentes à essa união de não compartilhar de todas as regras do ordenamento 
comum, como o Reino Unido repetidamente tem feito, e a ausência de políticas externa e de segurança para 
todo o bloco constituem enormes obstáculos à federalização da União Européia. 
7 Três fatores explicam o fracasso do modelo confederativo. O primeiro é a pouca efetividade dos 
mecanismos que arbitram os conflitos numa Confederação, dado que o poder vinculante das decisões é mais 
tênue. Além disso, o processo decisório é bastante intrincado, já que o poder de veto de apenas um membro é 
muito amplo, e o custo desse veto é baixíssimo para o ente individual, ao passo que o preço pela unanimidade 
normalmente é bastante alto. E, por fim, o maior problema do modelo confederativo refere-se à proteção 
diante de inimigos externos ou mesmo de guerras internas. A União Européia não tem até hoje uma política 
de defesa comum e por isso depende dos Estados Unidos – que resguardam suas ações no “biombo” da 
OTAN. A importância da questão da segurança pode ser constatada pelo lugar estratégico e pela quantidade 
de espaço que ocupou em O Federalista: do segundo ao décimo artigo, parte que dá início e prepara o terreno 
para o restante da argumentação. Foi essa fragilidade do modelo confederativo que convenceu figuras 
históricas fundamentais para a independência, como George Washington e Benjamin Franklin, a ficarem do 
lado dos founding fathers norte-americanos na defesa do ideal federativo na Convenção de 1787. 
 17
eleitos em distritos, têm um mandato nacional, não vinculado à proteção dos direitos de tal 
ou qual região. 
É este o limite da descentralização nos Estados unitários: o poderio dos governos 
subnacionais é inferior constitucionalmente ao do Governo Nacional. A ausência de 
estruturas capazes de defender especificamente os interesses regionais corrobora isto. Não 
há porque construir uma engenharia institucional para defender as unidades subnacionais se 
elas não são reconhecidas como portadoras de direitos originários que devem ser 
defendidos. Em suma, não são soberanas e a soberania nacional é fruto de um contrato 
entre todos os indivíduos da nação, e não de um acordo entre entes territoriais8. 
O Estado Federal é uma forma inovadora de se lidar com a organização político 
territorial do poder, na qual há um compartilhamento matricial da soberania, e não 
piramidal, mantendo-se a estrutura nacional (ELAZAR, 1987: 37). Hoje há vinte e duas 
nações que adotam formalmente o sistema federativo, afora outras, como a Espanha e a 
África do Sul, que embora não tenham constitucionalmente este status, na prática 
funcionam cada vez mais enquanto tais (WATTS, 1999: 10). Além destas, muitas outras 
nações vêm adotando instrumentos federativos para resolver seus problemas 
intergovernamentais. Mesmo tendo um pouco mais de 10% dos países utilizando esse 
modelo de organização político territorial, o fato é que a importância geopolítica, 
econômica e cultural dos que adotam a forma federal é evidente, em todos os cantos do 
mundo, dos EUA à Rússia, da Índia à Alemanha, do Canadá à Nigéria, da Suíça à 
Argentina, do México ao Brasil, para ficar nos casos mais relevantes. 
O entendimento da especificidade do federalismo passa pela análise de sua natureza, 
de seu significado e de sua dinâmica. Primeiramente, toda Federação deriva de uma 
situação federalista (BURGESS, 1993). Duas condições conformam este cenário. Uma é a 
existência de heterogeneidades que dividem uma determinada nação, de cunho territorial 
(grande extensão e/ou enorme diversidade física), étnico, lingüístico, socioeconômico 
 
8 O caso italiano é interessante pois, além de ter aumentado fortemente o poder dos entes locais desde 
pelo menos a década de 70, define em sua Constituição promulgada no pós Guerra (1948) uma série de 
instâncias de defesa do interesse das unidades subnacionais. Um exemplo disto é o Senado, composto por 315 
parlamentares eleitos pelas Regiões – afora os senadores vitalícios, que são designados pelo presidente, e os 
ex-presidentes. Outro é a eleição para presidente, na qual participam, além dos membros do Parlamento, 
delegados das Regiões do país. Apesar da existência destes mecanismos de representação regional, a 
autoridade nacional é reconhecida constitucionalmente como superior, ao passo que os governos 
 18
(desigualdades regionais), cultural e político (diferenças no processo de formação das elites 
dentro de um país e/ou uma forte rivalidade entre elas). Qualquer país federativo foi assim 
instituído para dar conta de uma ou mais heterogeneidades. Se um país deste tipo não 
constituir uma estrutura federativa, dificilmente a unidade nacional manterá a estabilidade 
social ou, no limite, a própria nação corre risco de fragmentação9. 
Outra condição federalista é a existência de um discurso e de uma prática defensores 
da unidade na diversidade, resguardando a autonomia local, mas procurando formas de 
manter a integridade territorial num país marcado por heterogeneidades. Trata-se do 
princípio filosófico da Federação, na definição de Burgess: 
“O gênio da Federação está em sua infinita capacidade de acomodar a competição 
e o conflito em torno de diversidades que têm relevância política dentro de um Estado. 
Tolerância, respeito, compromisso, barganha e reconhecimento mútuos são suas palavras-
chave, e ‘união’ combinada com ‘autonomia’ é sua marca autêntica” (BURGESS, 1993: 
7). 
As coexistência destas duas condições é essencial para se montar um pacto 
federativo. Mas, o que é uma Federação? Segundo Daniel Elazar, 
"O termo 'federal' é derivado do latim foedus, o qual (...) significa pacto. Em 
essência, um arranjo federal é uma parceria, estabelecida e regulada por um pacto, cujas 
conexões internas refletem um tipo especial de divisão de poder entre os parceiros, 
baseada no reconhecimento mútuo da integridade de cada um e no esforço de favorecer 
uma unidade especial entre eles" (ELAZAR, 1987: 5). 
Em outras palavras, a Federação é um pacto entre unidades territoriais que escolhem 
estabelecer uma parceria, conformando uma nação, sem que a soberania seja concentrada 
num só ente, como no Estado Unitário, ou então em cada uma das partes,como na 
Associação entre Estados e mesmo nas Confederações. A especificidade do Estado Federal, 
 
subnacionais, segundo a lei, participam por uma via concorrente e secundária do exercício da atividade 
governamental (Cf. SPREAFICO, 1992: 372). 
9 Exemplos de heterogeneidade são os mais variados: o Canadá (heterogeneidades lingüísticas), a 
Índia (diversidades étnicas, lingüísticas e socioeconômicas), Brasil e Argentina (diferenças econômicas 
regionais e entre as elites políticas locais), para ficar em alguns casos. Ademais, todo país grande tem a 
questão federalista batendo à sua porta – Estados Unidos, Canadá, Brasil, Índia, Indonésia, Paquistão, 
Austrália, Rússia e mesmo a China, que embora não seja (ainda) uma Federação, contém uma diversidade de 
situações sociais misturada com a complexidade geográfica, o que cria um ambiente marcado por 
heterogeneidades explosivas. 
 19
em termos de distribuição territorial do poder, é o compartilhamento da soberania entre o 
Governo Central - chamado de União ou Governo Federal - e os governos subnacionais. 
O princípio da soberania compartilhada deve garantir a autonomia dos governos e a 
interdependência entre eles. Trata-se da fórmula classicamente enunciada por Daniel 
Elazar: self-rule plus shared rule. Quanto ao primeiro aspecto, é importante ressaltar que os 
níveis intermediários e locais detêm a capacidade de autogoverno como em qualquer 
processo de descentralização, com grande raio de poder nos terrenos político, legal, 
administrativo e financeiro, mas sua força política vai além disso. A peculiaridade da 
Federação reside exatamente na existência de direitos originários pertencentes aos 
pactuantes subnacionais - sejam estados, províncias, cantões ou até municípios, como no 
Brasil. Tais direitos não podem ser arbitrariamente retirados pela União e são, além do 
mais, garantidos por uma Constituição escrita, o principal contrato fiador do pacto político-
territorial. Ressalte-se que o Poder Nacional deriva de um acordo entre as partes, ao invés 
de constitui-las. Assim, a descentralização em Estados Unitários pode até repassar um 
efetivo poder político, mas este processo sempre provém do Centro e não institui direitos de 
soberania aos entes subnacionais. 
Os governos subnacionais também têm instrumentos políticos para defender seus 
interesses e direitos originários, quais sejam, a existência de Cortes constitucionais, que 
garantem a integridade contratual do pacto originário; uma Segunda Casa Legislativa 
representante dos interesses regionais (Senado ou correlato); a representação 
desproporcional dos estados/províncias menos populosos (e muitas vezes mais pobres) na 
Câmara baixa; e o grande poder de limitar mudanças na Constituição, criando um processo 
decisório mais intrincado, que exige maiorias qualificadas, e em muitos casos se faz 
necessária a aprovação dos Legislativos estaduais ou provinciais. E mais: alguns princípios 
básicos da Federação não podem ser emendados em hipótese alguma. Sobre este último 
ponto, é interessante notar que no Brasil o federalismo é considerado cláusula pétrea (artigo 
60, parágrafo 4), isto é, não pode ser objeto de Emenda constitucional, o que igualmente 
acontece na Alemanha, uma vez que o artigo 79, alínea 3 da Lei Fundamental torna a 
Federação um princípio inatingível e inalterável. Nos EUA, o contrato federativo 
representado pela Constituição cria uma estrutura na qual os estados e a União são 
"indestrutíveis". 
 20
Como bem constatou Alfred Stepan, toda Federação restringe o poder da maioria 
(demos constraining), consubstanciado na esfera nacional. Porém, o federalismo precisa 
igualmente responder à questão da interdependência entre os níveis de governo. A 
exacerbação de tendências centrífugas, da competição entre os entes e do repasse de custos 
do plano local ao nacional são formas que devem ser atacadas em qualquer experiência 
federativa, sob o risco de se enfraquecer a unidade político-territorial ou de torná-la ineficaz 
para resolver a "tragédia dos comuns" típica do federalismo, vinculada a problemas de 
heterogeneidade. O fato é que a soberania compartilhada só pode ser mantida ao longo do 
tempo caso se estabeleça uma relação de equilíbrio entre a autonomia dos pactuantes e 
a interdependência entre eles. 
A busca da interdependência é uma tarefa que enfrenta pelo menos cinco desafios: o 
caráter matricial das Federações, a dupla cidadania presente no federalismo democrático, o 
pluralismo intrínseco a essa forma de organização político-territorial do poder, a 
necessidade dos checks and balances entre os níveis de governo e o problema da 
coordenação federativa. 
Em primeiro lugar, a interdependência federativa não pode ser alcançada pela mera 
ação impositiva e piramidal de um Governo Central, tal qual num Estado Unitário, pois 
uma Federação supõe uma estrutura mais matricial, sustentada por uma soberania 
compartilhada - aliás, como dito antes, é por isso que no federalismo há União (ou o 
Governo Federal) e não Governo Central. É claro que as esferas superiores de poder 
estabelecem relações hierárquicas frente às demais, seja em termos legais, seja por conta do 
auxílio e financiamento às outras unidades governamentais. O Governo Federal tem 
prerrogativas específicas para manter o equilíbrio federativo, e os governos intermediários 
igualmente detêm forte grau de autoridade sobre as instâncias locais ou comunais. Só que a 
singularidade do modelo federal está na maior horizontalidade entre os entes, devido aos 
direitos originários dos pactuantes subnacionais e à sua capacidade política de proteger-se. 
Em poucas palavras, processos de barganha afetam decisivamente as relações verticais num 
sistema federal. 
Em segundo lugar, a população de uma democracia federativa possui uma dupla 
cidadania: a individual e a territorial, cada qual representada por mecanismos políticos 
distintos. Vale ressalvar que, citando novamente Stepan, "em uma Federação democrática 
 21
os cidadãos deve ter identidades políticas duplas, mas complementares" (STEPAN, 1999: 
202). Criar uma relação de complementaridade entre os interesses e direitos locais e a 
perspectiva nacional é outro desafio que todo Estado Federal deve enfrentar. 
As Federações, ademais, são marcadas intrinsecamente pela diversidade e pelo 
conflito. A obtenção de padrões de interdependência não pode ser resultado da eliminação 
do pluralismo que é subjacente ao modelo federativo. De modo que as parcerias 
intergovernamentais não podem ser frutos do domínio de uma instância contra a autonomia 
de outra ou das demais. Destacam-se aqui o respeito mútuo e, novamente, o papel da 
barganha nas relações entre os níveis de governo. 
Desde a invenção do federalismo moderno nos Estados Unidos, esta forma de 
organização político-territorial do poder pressupõe a existência de controles mútuos entre 
os níveis de governo - trata-se de um dos checks and balances da democracia madisoniana. 
O objetivo deste mecanismo é a fiscalização recíproca entre os entes federativos para que 
nenhum deles concentre indevidamente poder e, desse modo, acabe com a autonomia dos 
demais. Assim sendo, a busca da interdependência numa Federação democrática tem de ser 
feita conjuntamente com o controle mútuo. 
O desenvolvimento recente dos Estados modernos levou ao crescimento do papel 
dos Governos Centrais, especialmente no que se refere à expansão das políticas sociais. No 
caso dos sistemas federais, onde vigora uma soberania compartilhada, constituiu-se um 
processo negociado e extenso de shared decision making, ou seja, de compartilhamento de 
decisões e responsabilidades. A interdependência enfrenta aqui o problema da 
coordenação das ações de níveis de governo autônomos,aspecto chave para entender a 
produção de políticas públicas numa estrutura federativa contemporânea. 
Em seu trabalho sobre os Estados de Bem Estar Social em países unitários e 
federativos, Paul Pierson (1995) revela que no federalismo as ações governamentais são 
divididas entre unidades políticas autônomas, as quais, porém, têm cada vez mais 
interconexão, por conta da nacionalização dos programas e mesmo da fragilidade financeira 
ou administrativa de governos locais e/ou regiões. O dilema do shared decision making 
surge porque é preciso compartilhar políticas entre entes federativos que, por natureza, só 
entram neste esquema conjunto se assim o desejarem. Desse modo, a montagem dos 
Welfare States nos países federativos é bem mais complexa, envolvendo jogos de 
 22
cooperação e competição, acordos, vetos e decisões conjuntas entre os níveis de governo. O 
desafio posto por esta questão foi bem resumido por Pierson: 
“No federalismo, dada a divisão de poderes entre os entes, as iniciativas políticas 
são altamente interdependentes, mas são, de forma freqüente, modestamente coordenadas” 
(PIERSON, 1995: 451). 
Para garantir a coordenação entre os níveis de governo, as Federações devem, 
primeiramente, equilibrar as formas de cooperação e competição existentes. Antes que um 
mal entendido se estabeleça, partimos da premissa, já enunciada anteriormente, de que o 
federalismo é intrinsecamente conflitivo. Concordamos, neste sentido, com Deil Wright, 
segundo o qual o conflito não é um estado patológico de uma estrutura federal; mais do que 
isso, o autor ressalta que a cooperação e a competição não são pólos opostos de uma escala, 
já que a presença do primeiro não significa a ausência do segundo, e vice-versa (WRIGHT, 
1997: 27). 
Seguindo esta linha argumentativa, Paul Pierson assim define o funcionamento das 
relações intergovernamentais no federalismo: 
"Mais do que um simples cabo de guerra, as relações intergovernamentais 
requerem uma complexa mistura de competição, cooperação e acomodação" (PIERSON, 
1995: 458). 
Daí toda Federação ter de combinar formas benignas de cooperação e competição. 
No caso da primeira, não se trata de impor formas de participação conjunta, mas de 
instaurar mecanismos de parceria que sejam aprovados pelos entes federativos. O modus 
operandi cooperativo é fundamental para otimizar a utilização de recursos comuns, como 
nas questões ambientais ou problemas de ação coletiva que cobrem mais de uma jurisdição 
(caso dos transportes metropolitanos); para auxiliar governos menos capacitados ou mais 
pobres a realizarem determinadas tarefas; para integrar melhor o conjunto de políticas 
públicas compartilhadas, evitando o jogo de empurra entre os entes - como no episódio da 
dengue, quando União, estados e municípios procuravam definir o(s) outro(s) como 
culpado(s) em relação a esta questão. Ainda é peça-chave no ataque a comportamentos 
financeiros predatórios, que repassam custos de um ente à nação, como também na 
 23
distribuição de informação sobre as fórmulas administrativas bem sucedidas, incentivando 
o associativismo intergovernamental10. 
Não se pode esquecer, também, que o modelo cooperativo contribui para elevar a 
esperança quanto à simetria entre os entes territoriais, fator fundamental para o equilíbrio 
de uma Federação. No entanto, fórmulas cooperativas mal dosadas trazem problemas. Isto 
ocorre quando a cooperação confunde-se com a verticalização, resultando mais em 
subordinação do que em parceria, como muitas vezes já aconteceu na realidade latino-
americana, de forte tradição centralizadora. É também perigosa a montagem daquilo que 
Fritz Scharpf (1988) denomina joint decision trap (armadilha da decisão conjunta), bastante 
visível no caso alemão, mas que se repete igualmente em outras experiências. Nesta 
estrutura, todas as decisões são o máximo possível compartilhadas e dependem da anuência 
de praticamente todos os atores federativos. Sem desmerecer os ganhos de racionalidade 
administrativa, tende-se à uniformização das políticas, processo que pode diminuir o 
ímpeto inovador dos níveis de governo, enfraquecer os checks and balances 
intergovernamentais e dificultar a responsabilização da administração pública. 
As Federações requerem determinadas formas de competição entre os níveis de 
governo. Primeiro, por conta da importância dos controles mútuos como instrumento contra 
a dominância (ou tirania, nos termos de Madison) de um nível de governo sobre os demais. 
Além disso, a competição federativa pode favorecer a busca pela inovação e melhor 
desempenho das gestões locais, já que os eleitores podem comparar a performance dos 
vários governantes, uma das vantagens de se ter uma multiplicidade de governos. A 
concorrência e a independência dos níveis de governo, por fim, tendem a evitar os excessos 
contidos na "armadilha da decisão conjunta", bem como o paternalismo e o parasitismo 
causados por certa dependência em relação às esferas superiores de poder. 
Há uma série de problemas advindos de competições desmedidas. O primeiro se 
refere ao excesso de concorrência, que afeta a solidariedade entre as partes, ponto fulcral do 
equilíbrio federativo. Quanto mais heterogêneo é um país, em termos socioculturais ou 
 
10 Neste aspecto, cabe lembrar a experiência dos EUA. O crescimento da intervenção estatal 
impulsionado pela Era Roosevelt aconteceu num momento em que as máquinas locais estavam infestadas de 
clientelismo e corrupção e careciam de capacidades institucionais para realizar a contento políticas públicas 
mais amplas. Em tal contexto, as associações horizontais entre os níveis de governos tiveram um papel 
essencial na transformação do federalismo norte-americano, repassando informações sobre como alguns 
governos subnacionais tinham modificado sua antiga estrutura (ZIMMERMAN, 1996). 
 24
socioeconômicos, mais complicada é a adoção única e exclusiva da visão competitiva do 
federalismo. Países como a Índia, o Brasil ou a Rússia devem por sua natureza evitar uma 
disputa desregrada entre os entes. 
A competição em prol da inovação também pode ter efeitos negativos, mais 
particularmente no terreno das políticas sociais, como demonstrou o livro de Paul Peterson 
(The Price of Federalism,1995) sobre a experiência recente dos governos estaduais norte-
americanos. O autor percebeu o fortalecimento de uma visão acerca do federalismo: a de 
que os cidadãos "votam com os pés"11, ou seja, podem escolher o lugar que otimize melhor 
a relação entre carga tributária e políticas públicas. Diante disso, os estados ficaram entre 
duas opções: ou forneciam um cardápio amplo de proteção social, tendo como efeito um 
Welfare magnets, isto é, mais pessoas, sobretudo as mais pobres, iriam morar nestes 
lugares, aumentando os gastos públicos e, em tese, diminuindo a competitividade 
econômica daquele lugar; ou, ao contrário, os governadores deveriam constituir uma 
estrutura mínima de prestação de serviços públicos e baixar os impostos, reduzindo com 
isso a afluência dos mais pobres àquela região e, novamente em tese, elevando a 
competitividade econômica e a oferta de emprego do ente federativo que optasse por esta 
via – é o que Peterson denomina race to the bottom. Entre o efeito de Welfare magnets e o 
race to the bottom, muitos governadores nos EUA estão escolhendo a segunda opção, de 
modo que o aumento da competição vem acompanhado da redução de políticas de combate 
à desigualdade. Em suma, o modelo competitivo levado ao extremo piora a questão 
redistributiva. 
O federalismo puramente competitivo vem estimulando, ainda, a guerra fiscal entre 
os níveis de governo. Trata-se de um leilão que exige mais e mais isenções às empresas, em 
que cada governo subnacional procura oferecer mais do que o outro, geralmente sem se 
preocupar com a forma de custear este processo. Ao fim e ao cabo,a resolução financeira 
desta questão toma rumos predatórios, seja acumulando dívidas para as próximas gerações, 
seja repassando tais custos ao nível federal e, por tabela, à nação como um todo. 
A diminuição da solidariedade entre os entes federativos, a menor preocupação com 
a eqüidade e a realização de disputas predatórias são defeitos de certos comportamentos 
 
11 Esta visão foi formulada originalmente por Charles Tiebout (1956). 
 25
competitivos no federalismo. Os laços que unem os pactuantes afrouxam-se, colocando a 
autonomia individual - especialmente a dos mais fortes - contra a interdependência. 
O desafio é encontrar caminhos que permitam a melhor adequação entre competição 
e cooperação, procurando ressaltar seus aspectos positivos em detrimento dos negativos. 
Recorrendo mais uma vez à argumentação precisa de Daniel Elazar: 
"(...) todo sistema federal, para ser bem sucedido, deve desenvolver um equilíbrio 
adequado entre cooperação e competição, e entre o governo central e seus componentes" 
(ELAZAR, 1993: 193 – grifo meu). 
A coordenação federativa, por fim, depende muito do papel dos níveis superiores de 
governo frente à descentralização, especialmente da ação do Governo Federal. Por um lado, 
porque em vários países os governos subnacionais têm problemas financeiros e 
administrativos que dificultam a desconcentração de atribuições. Por outro, porque a União 
e outras instâncias federativas precisam arbitrar conflitos políticos e de jurisdição, além de 
incentivar a atuação conjunta e articulada entre os níveis de governo no terreno das 
políticas públicas. 
Parafraseando o conceito elaborado por Flávio Rezende para analisar reformas 
administrativas12, pode-se dizer que a descentralização numa Federação pode padecer de 
"falhas seqüenciais". Ou seja, se não houver ações coordenadoras, particularmente da 
União mas também dos estados, o processo descentralizador tende a ter piores resultados na 
prestação dos serviços públicos. O ponto essencial desta questão é que o Governo Federal 
precisa reforçar seu papel coordenador ante estas "falhas seqüenciais", porém não pode 
fazê-lo contra os princípios básicos do federalismo, como a autonomia e os direitos 
originários dos governos subnacionais, a barganha e o pluralismo associados ao 
relacionamento intergovernamental e os controles mútuos. A resposta para este dilema, em 
síntese, está na criação de redes federativas, e não de hierarquias centralizadoras. 
A partir da definição histórico-conceitual de descentralização e de federalismo, 
faremos a seguir a análise do caso brasileiro. Sabendo que não há um modelo único de 
relações intergovernamentais, pois as Federações são bastante "elásticas" (ELAZAR, 1987: 
11), tentaremos entender a singularidade do Brasil. Mais especificamente, após uma 
discussão das trajetórias de nossa estrutura federativa, o objetivo primordial é mostrar como 
 
12 Conforme REZENDE, 2002. 
 26
o Governo Federal, na Era FHC, lidou com a questão da coordenação entre os níveis de 
governo, tendo em conta, principalmente, o tema da descentralização. 
 
III- A trajetória da Federação brasileira: da fundação ao ocaso do regime 
militar 
 
"Tivemos União antes de ter estados, tivemos o todo antes das partes" 
(Rui Barbosa) 
 
O objetivo desta seção é analisar brevemente a evolução do federalismo brasileiro 
até o golpe de 1964, procurando traçar seus caminhos básicos. Para tanto, partimos da 
seguinte hipótese: há dois momentos importantes para a estruturação da nossa estrutura 
federativa até a recente democratização do país, o da formação inicial (1) e o da criação e 
evolução do chamado Estado varguista (2). Cada um destes episódios estabeleceu aspectos 
que influenciam os passos das trajetórias posteriores – ou seja, uma relação de path 
dependence (PIERSON, 2000). 
A questão federativa teve um papel fundamental na formação do Estado brasileiro. 
Antes mesmo de o país tornar-se uma Federação, o conflito entre o Poder Central e as elites 
regionais tinha sido um dos pontos cruciais na definição dos parâmetros da construção 
nacional. Mesmo tendo alcançado um inegável sucesso em sua conquista ultramarina, a 
colonização portuguesa não logrou criar uma centralização político-administrativa capaz de 
aglutinar e ordenar a ação dos grupos privados instalados ao longo do território brasileiro 
(CARVALHO, 1993:54). O poder público era, no mais das vezes, o domínio das 
oligarquias locais, poucas vezes atingidas por medidas centralizadoras e autoritárias da 
Metrópole, predominando o modus operandi localista. Nascia aqui um dos ingredientes da 
situação federalista brasileiro: o sentimento de autonomia. O outro foi o crescimento da 
desigualdade entre as regiões do país ao longo da história. 
Nossos pais fundadores sabiam da existência de uma situação federalista no Brasil, 
mas temiam que ela gerasse desunião – as duas revoltas pernambucanas, em 1817 e 1824, 
eram o retrato desta possibilidade. Como remédio, optou-se pela via do Estado Unitário e 
monárquico. Esse arranjo institucional foi escolhido pela elite central em razão de seu 
 27
temor quanto a uma possível repetição aqui da fragmentação territorial ocorrida na América 
hispânica. Cabe lembrar que havia quatro vice-reinados na América espanhola, dos quais se 
originaram dezessete países. Após as sangrentas lutas do período regencial, conformou-se 
um modelo centralizador que vigorou, firmemente, por quase cinqüenta anos13. 
O paulatino enfraquecimento de Dom Pedro II, a perda do apoio de importantes 
setores políticos desde o final da Guerra do Paraguai e, como pá de cal, a abolição da 
escravatura, foram fatores que solaparam as bases políticas do Império. Além destes, a 
insatisfação crescente das elites locais com o excesso de centralização teve um peso 
histórico muito grande. Os governantes das províncias eram indicados pela cúpula do Poder 
central, que normalmente não só escolhia pessoas de outras regiões como estabeleceu uma 
alta rotatividade no cargo. Por isso, a luta pelo fim da monarquia respondeu, em grande 
medida, mais aos anseios por descentralização de poder do que por uma republicanização 
da vida política. Deste modo, a república brasileira não só nasceu colada a um certo ideal 
federativo como a ele foi subordinada. 
A criação da Federação teve sua inspiração no modelo norte-americano, mas sua 
conformação foi bastante diferente. Primeiro porque no momento de constituição do 
federalismo brasileiro partiu-se de um Estado Unitário fortemente centralizado para um 
modelo descentralizador de poder. A partir desta característica, nossa experiência estaria 
mais para o modelo do hold together, em que uma união anterior desconcentra poder, tal 
qual a construção federativa da Índia, do que para o do come together, a junção entre partes 
antes separadas que distinguiu o protótipo estadunidense, segundo a terminologia utilizada 
por Alfred Stepan (1999). 
É neste sentido que Rui Barbosa, ao comparar nossa realidade com a norte-
americana, afirmou: 
"Não somos uma Federação de povos até ontem separados e reunidos de ontem 
para hoje. Pelo contrário, é da União que partimos. Na União nascemos" (apud TORRES, 
1961: 22). 
 
13 O longo período centralizador não significou o fim da discussão a respeito de nossa organização 
político-territorial do poder. O célebre debate entre Visconde do Uruguai, defensor da centralização política e 
da descentralização administrativa, e Tavares Bastos, entusiasta do modelo norte-americano, teve um impacto 
enorme, mostrando que a situação federalista ainda se fazia presente (NUNES FERREIRA, 2000). 
 28
O caso brasileiro, no entanto, também diferencia-se dos modelos de hold together, 
os quais buscavam descentralizar poder econcomitantemente fortalecer a unidade nacional, 
como também do protótipo norte-americano, porque neste era igualmente essencial a idéia 
hamiltoniana de União, isto é, da criação de um nova estrutura que assegurasse a associação 
entre as partes. No nascedouro da República Velha, Os líderes locais lutaram pela 
Federação para aumentarem seu poderio interno e, sobretudo, para escolher autonomamente 
o governador de Estado. Como bem percebeu João Camilo de Oliveira Torres: 
"Afinal, federalismo entre nós quer dizer apego ao espírito de autonomia; nos 
Estados Unidos, associação de estados para defesa comum. (...) A federação [brasileira] 
era o nome, a figura e o rótulo ideológico para esta aspiração concreta e objetiva: a 
eleição dos presidentes de província " (TORRES, 1961: 153). 
Neste projeto federativo, portanto, só cabia a busca do autogoverno e pouco espaço 
sobrava para a interdependência. Isto se agravou por conta da forte assimetria e 
hierarquização existente entre os estados, com São Paulo e Minas Gerais detendo um poder 
e uma riqueza muitos maiores do que a grande maioria das unidades, o que dificultava o 
equilíbrio horizontal na Federação. Além disso, as oligarquias dominavam a política local 
na República Velha, enfraquecendo qualquer ideal republicano e democratizador do 
sistema político. 
O governador de estado tornou-se o centro deste sistema oligárquico, no qual 
imperava o unipartidarismo, as eleições irregulares, a fragilidade dos governos locais em 
relação à máquina estadual, a ausência de espaço para a oposição, a falta de mecanismos de 
fiscalização governamental e uma sociedade basicamente rural e com pouquíssima 
autonomia e capacidade para controlar de fato os governantes (LEAL, 1986; LESSA, 1988; 
ABRUCIO, 1998). Tratava-se, no Brasil, de um modelo muito distante do republicanismo 
proposto pelos founding fathers norte-americanos, de modo que a fundação da Federação 
descolou-se aqui do ideal republicano. 
O caráter centrífugo (1), o federalismo assimétrico e hierárquico (2) e a 
oligarquização do sistema político no plano subnacional, com o respectivo fortalecimento 
dos governadores e de suas máquinas estaduais (3), constituem as três características 
básicas do modelo federativo brasileiro em seu nascedouro. Esta configuração estruturou 
caminhos que influenciaram o desenvolvimento político e econômico posterior. O peso dos 
 29
“caciques regionais”, a desigualdade regional e a criação de um modelo político refratário à 
republicanização nos níveis estadual e municipal são as maiores conseqüências do modo 
como a Federação foi fundada no Brasil. 
O ideário da Revolução de 30 posicionava-se firmemente contra o modelo da 
política dos governadores e do federalismo oligárquico. Suas origens, no tocante à temática 
político-territorial, estavam na nacionalização do discurso político desde os anos '1920, 
principalmente por parte das Forças Armadas, e na crise da aliança do "café com leite", 
com o questionamento do predomínio paulista. A partir destas pressões, o varguismo 
anunciava-se como um momento disruptivo e fundador de uma nova ordem federativa 
brasileira; em resumo, um verdadeiro momento "maquiaveliano" (POCOCK, 1975). 
Entretanto, é preciso ressaltar que as mudanças foram gradativas, não rompendo de 
imediato e por completo com as bases iniciais da Federação, além de sua evolução não ter 
ocorrido de maneira linear e completamente coerente. Soma-se a isso a necessidade de se 
constituir um Estado de compromisso (DRAIBE, 1985), a partir do qual vários grupos 
conviveram no condomínio do poder. 
O modelo varguista transformou o Estado nacional, em especial as estruturas do 
Executivo Federal, no articulador de um projeto de desenvolvimento capitalista industrial, 
sob a égide da ideologia do nacional-desenvolvimentismo, e no principal organizador das 
demandas sociais, a partir de um tipo de corporativismo (nas relações capital/trabalho) e de 
clientelismo (nas relações governantes e governados), os quais serviram como instrumentos 
de uma "modernização conservadora". Conformou-se, por esta via, o processo de state and 
national building do Brasil moderno. Este modelo estatal perpassou governos e regimes 
diferentes. Como bem notou Aspásia Camargo, 
“(...) tivemos uma Era de Vargas com Vargas, uma Era de Vargas sem Vargas e, 
finalmente, uma Era de Vargas contra Vargas, na medida em que a hostilidade do regime 
de 1964 à sua herança populista não os impediu de reeditar estrutura semelhante ao 
modelo autoritário que ele havia implantado, com os mesmos objetivos nacional-
desenvolvimentistas” (CAMARGO, 1993: 309). 
Como este modelo varguista, alicerce de regimes e períodos distintos e que 
sobreviveu algo em torno de cinqüenta anos, afetou e foi afetado pelo federalismo? Há 
quatro importantes aspectos que devem ser observados na relação entre o varguismo e o 
 30
federalismo até o golpe de 64: a) a centralização do poder e a consolidação do Estado 
nacional (state and national building); b) a nova dinâmica regional do poder; c) as 
mudanças ocorridas no período 46-64; d) os padrões de relações intergovernamentais 
verticais e horizontais que foram construídos. 
A primeira tendência importante foi a da centralização do poder. Pelo lado 
econômico deste projeto, a ação centralizada no Executivo Federal procurou sustentar o 
desenvolvimento por instrumentos estatais de fomento e atuação direta no mercado, via 
empresas públicas. Pelo lado social, procurou constituir gradativamente uma estrutura de 
políticas públicas, na maioria sustentadas e executadas pela União. E, por fim, pelo lado 
administrativo, criou bolsões de meritocracia a partir do DASP, os quais, apesar de 
conviveram com núcleos cartoriais e clientelistas, foram essenciais na modernização do 
país. 
Estes três aspectos tiveram relações conflituosas com os governos subnacionais e 
suas elites. No que tange à intervenção econômica, a atuação direta do Governo Federal foi 
crescendo ao longo do período, mas teve em alguns casos de ser compatibilizada com as 
estruturas estaduais, o que gerou uma dificuldade de coordenação federativa que pode ser 
resumida na seguinte frase: ou se estabeleceu um modelo fragmentado e sem comunicação 
entre as esferas de governo – como no caso do setor elétrico – ou a União, de cima para 
baixo e geralmente de forma autoritária, montou um modelo vertical e hierárquico de 
atuação no plano subnacional. No aspecto social, as primeiras políticas de Welfare, com 
algumas exceções, foram não só financiadas pela União mas normalmente por ela 
executadas. Na verdade, a temática social presente no varguismo do período de 30 a 64 
esteve mais vinculada ao corporativismo e à sua concepção de cidadania regulada do que a 
um padrão orgânico de políticas sociais. Mas é na questão político-administrativa que 
houve os maiores problemas. Por um lado, porque certo grau de patrimonialismo 
permaneceu no plano federal, e, por outro, pois não houve a modernização da estrutura 
administrativa dos estados 
Utilizando novamente a perspectiva comparada, é interessante analisar o processo 
de centralização e construção do state and national building nas Federações brasileira e 
norte-americana. Nos EUA, o chamado modelo rooseveltiano aumentou o poder do 
Governo Federal de forma democrática, consultando e negociando com os outros Poderes 
 31
(SCHLESINGER, 1958). No caso brasileiro, por sua vez, a centralização do poder ocorreu 
em pleno autoritarismo do Estado Novo e, com o fim deste, o período 46-64 foi marcado 
pela dificuldade de estabelecer padrões mais cooperativos nas relações intergovernamentais 
e entre os Poderes. Ainda no que se refere à experiência estadunidense, lá foram criadas 
Comissões Nacionais de Reforma das estruturas político-administrativas dos estados, que 
num primeiro momento (década de 30) atingiram o Poder Executivo, para mais adiante 
serem implementadas

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