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A NEO-EMPRESA E A INTEGRAÇAO 
LATINO-AMERICANA 
RAPHAEL V ALENTINO SOBRINHO 
1. PNB verBUS PPB; 2. O govern.o: a integração nega­
tiva; 3. A complementariedade das elites; 4. A neo­
empre!!a: um problema de demografia. 
É iZusão pensar-se em industrializar construindo 
fábricas. Industrializa-se, estruturando mercados. 
PAUL HOFFMAN 
A presente "idade da inflação" não se assinala apenas pelas tensões 
político-monetárias, porquanto a toda a tipologia já construída 
para interpretar tais fenômenos, na profundidade das suas causas 
e incertezas, é preciso acrescentar a "inflação semântica", incon­
seqüente na sua abundância neologizante, mas com tangíveis 
repercussões econômicas. 
A "inflação semântica" é, na realidade, um hibridismo, que 
tem muito de comum com a moeda falsa, intelectual neste caso. 
De fato, dentre as moedas fortemente depreciadas, sem o reconhe­
cimento desvalorizador dos poderes institucionais, sobressai a in­
tegração regional, com configurações múltiplas, que somente o 
gosto pela moda terminológica pode identificar sob o mesmo rótulo. 
Em alguns casos, com efeito, seria mais próprio categorizar certos 
grupos, supostamente empenhados na integração, como "blocos 
desintegrativos". 
1. PNB versus PPB 
A formação e o celebrado êxito do Grupo dos Seis, assim como 
a necessidade de preservar sistemas de preferências regionais 
contra os movimentos multilateralizadores, que tiveram início 
R. Cf., pol., Rio de Janeiro, 6(4): 85-96, out./dez. 1972 
antes mesmo do fim da II Guerra Mundial, geraram impulsos 
integracionistas, alguns dos quais de base econômica precária e 
que, no máximo, poderiam ser vistos como microensaios, aspi­
rando a macrorresultados. 
Os fenômenos integrativos contemporâneos, que procurarei 
analisar, do ponto de vista teórico global, em outro trabalho. 1 
apresentam caráter multidimensional, cujas diferenças de porte 
político-econômico e de intensidade institucional r€clamam parâ­
metros diversos de mensuração, conforme observaram em 
estudos recentes, J. S. Nye e Phillippe C. Schmitter.:! 
Em certos casos, o que ocorre na realidade é a montagem de 
um aparelho institucional, incapaz de incrementar a eficiência 
econômica e comercial do bloco, maximizando apenas o que, na 
ciência política, se poderia denominar de Produto Político Bruto 
(ou seja, o agregado das medidas de curto prazo, lenientes de 
tensões, mas causadoras de efeitos econômicos adversos, após 
breve período de carência euforizante). 
A América Latina, dentro de tal contexto, vem merecendo 
especial atenção nas especulações teóricas sobre os blocos econô­
mico-comerciais. No Brasil, em particular, neste período de reco­
nhecido êxito econômico e de real dinamização do setor externo, 
é de grande relevância a avaliação do significado efetivo dos mo­
vimentos macro e microintegrativos, com ênfase no papel da 
empresa que, talvez, seja a variável menos estudada, sobretudo 
no que respeita ao "potencial integrativo da Região". 
O Professor Rosenstein-Rodan, cuja partipação foi marcante 
nas primeiras etapas da estruturação do Mercado Comum Europeu, 
referiu-se à América Latina, em rp.cente conferência em Nova 
Iorque, como expressão designativa de uma abstração antropo­
mórfica. 
A admitir-se o irrealismo socioeconômico e político da 
expressão América Latina, seria necessário questionar sobre a 
validade dos sistemas institucionais, que tomam essa globalização 
geográfica como ponto de partida. Seria adequado qualificar as 
experiências continentais de integração comercial e econômica 
como formadoras de "blocos desintegrativos", de acordo com a 
observação sarcástica de que são comuns, porém jamais serão 
I O Brasil ante a alternativa comercial européia. In: A Economia Brasileira 
e suas Perspectivas, jul. 1971. p. 257 e sego 
2 Nye, J. S. Comparíng Common Markets: A revised neo-functionalist model; 
Schmitter, Phillipe C. A revised theory of regional integratíon, theory and 
research edited by Leon N. Lindberg and Stuart A. Scheingold. 
86 R.C.P. 4/72 
mercados? De igual modo, impõe-se especular acerca da viabili­
dade da transposição, para o plano econômico, de modelos inte­
grativos como os de Karl Deutsch, baseados na definição de pólos 
centrais propulsivos, estratégia evidentemente inspirada em esque­
mas de integração política e de segurança coletiva. 3 
A análise deste modelo é de particular relevância, porquanto 
a observação histórica evidencia que a formação de blocos comer­
ciais ou econômico-comerciais acarreta uma hipersensibilidade dos 
parceiros quanto aos desníveis de desenvolvimento que os separam 
e à repartição, considerada ineqüitativa, dos benefícios imputados 
à associação. 
A fim de examinar mais acuradamente as indagações levan­
tadas, procurar-se-á analisar o problema, em três níveis: o da 
ação governamental, o da complementariedade das elites e o da 
dinâmica empresarial. 
2. O governo: a integração negativa 
'lO 
A visão puramente liberal do fenômeno integracionista limita-se 
a indicar aos governos a necessidade de remoção dos obstáculos 
discriminatórios ao livre intercâmbio, numa região determinada. 
Tal ponto de vista, restrito ao ângulo comercial, cria o risco de 
transformar os blocos regionais em simples clubes de tarifas, moda­
lidade essa que J. S. Nye denomina "integração negativa", tão 
necessária, como passo inicial, quanto insuficiente para a realização 
do processo. 
O risco mais temível, porém, é a postura estagnante, nos 
países subdesenvolvidos, enfatizando a liberação comercial está­
tica, com base na análise das correntes de comércio atuais, sem 
levar em conta as possibilidades de criação de novos fluxos 
de intercâmbio, área em que a sagacidade empresarial deveria 
exercer a liderança das iniciativas, beneficiando-se da conjugação 
do protecionismo regional com os benefícios do mercado ampliado, 
em decorrência da integração. 
O citado J. S. Nye, numa avaliação das experiências integra­
tivas atuais, qualificou como "baixo-moderada" a intensidade dos 
processos institucionais, bem como o grau de evolução das condi­
ções estruturais para integração, no caso da ALALC, o que o 
levou a prever, já em meados da década de 60, uma resultante 
do tipo status quo para o esforço da Associação Latino-Americana 
de Livre Comércio. Já para o Mercado Comum Europeu, no 
3 Deutsch, Karl. Political commu.nity and the North Atla.ntic ATea: InteT­
national OTganization in the light of hiBtorical expeTience. 
Neo-empTesa e integTação 87 
mesmo período, Nye classificou como "alto-moderado" o processo 
institucional, "moderado-elevado" o estágio evolutivo das condi­
ções estruturais, antecipando uma "resposta integrativa", na época 
subseqüente. No caso do Mercado Comum Centro-Americano, o 
mecanismo institucional foi considerado "moderado-elevado" e as 
condições estruturais "baixo-moderadas", com a previsão de "res­
posta integrativa". 
Com relação aos mecanismos institucionais, vale distinguir 
duas modalidades esquemáticas de integração, que se configuram 
determinantes, no peso das suas conseqüências: "a integração de 
gabinete", quase secreta (by stealth, no jargão universitário norte­
americano), e a integração baseada num consenso político-econô­
mico pluralista. Alguns teorizadores do modelo neofuncional de 
integração, não sem uma boa dose de simplismo, viram potenciali­
dades favoráveis, sobretudo no caso da ALALC e do Mercado 
Comum Centro-Americano, graças à combinação da "integração 
de gabinente" com o papel positivo da ignorância popular. Esta 
aparente evidência, como todas as generalizações semelhantes, 
peca pelo excesso de confiança no automatismo econômico-insti­
tucional, em particular quando a "variável prodigiosa" é a igno­
rância. Com efeito, a associação do "integracionismo de gabinete" 
com a ignorância popular afasta, no início do processo, obstáculos 
altamente perturbadores, como os que tentaram frustrar a formação 
do Mercado Comum Europeu e ainda agora ressurgem, a propósito 
da admissão dos novosmembros (resistências do nacionalismo 
emocional, operacional e tecnológico; pressões dos sindicatos de 
trabalhadores, temerosos ante a nova competitividade; antagonismo 
dos complexos financeiro-industriais ao que visualizam como uma 
sociedade de participação com os inimigos da véspera; força política 
de grupos eleitorais agrícolas, etc.). Aliás, a superação de tais 
óbices pela ação lúcida de estadistas do porte de Schuman, Ade­
nauer e de Gasperi foi um fato, confessa Rosenstein-Rodan, que 
mais uma vez lhe evidenciou a falsidade da interpretação unilateral 
da história, em função exclusiva dos fatores econômicos. A eco­
nomia, observa ainda o citado professor, é uma necessidade, mas 
não constitui uma condição suficiente de êxito. No caso dos países 
subdesenvolvidos, ao contrário, a ausência de tais tensões é uma 
premissa favorável no desencadeamento do processo, mas a tran­
qüilidade não-participacionista da ignorância passa a dominar o 
cenário como força de inércia, uma vez esgotado o potencial inte­
grativo reduzido, que se limita à liberação comercial, com base 
na análise estática do intercâmbio já existente. 
Ainda com referência à ação dos governos, no processo inte­
grativo, cabe acentuar o papel do nacionalismo, que pode revestir 
88 R.C.P. 4172 
a forma operacional ou a emocional. Esta última acaba resultando 
no planejamento da distribuição mais eficaz da pobreza ou na 
superindustrialização irracional. Com efeito, o dilema do naciona­
lismo emocional leva a duas soluções, igualmente antieconômicas: 
a) à freagem da integração regional na expectativa de um desen­
volvimento futuro, sem indícios presentes de viabilidade; ou b) a 
um processo "político" de substituição de importações regionais, 
através de investimentos de prestígio, sem considerações de mer­
cado, atitude que muito se assemelha a uma corrida armamen­
tista, com real incremento do Produto Político Bruto, mas incor­
rendo na ilusão apontada por Paul Hoffman, na epígrafe com 
que se inicia o presente trabalho. 
Quanto à hipótese (a), da freagem da integração regional, 
valeria relembrar uma construção de Rosenstein-Rodan sobre a 
"economidade" do tempo, 4 a fim de pôr em evidência que o 
retardamento da integração, no caso em apreço, representa tempo 
morto no universo social, a menos que se pudesse dispor, como 
nota Guitton, de um relógio econômico, que seria o "relógio fan­
tasmático" de que falara Bergson e que talvez esteja sendo 
procurado pela prospectiva contemporânea. O fato é que o "tempo 
vazio" do "nacionalismo de espera" não encontra lugar nos cronô­
metros do planejador, preocupado em prever o presente para não 
surpreender-se com o futuro. O planejador do presente sabe que o 
tempo não pode ser produzido, que se escoa independente da von­
tade humana e que a arte do estadista em manejá-lo consiste em 
saber como transferi-lo de uma atividade para outra. O tempo 
do ano 2000 terá a mesma duração que o de 1500 ou o do:! 1970, 
mas não o mesmo significado econômico. Se o relógio econômico 
fosse realizável, como· observa Guitton, não coincidiria com o 
relógio solar. Em conseqüência, ao "nacionalismo de espera" é 
mais racional opor a construção antecipadora, menos ambiciosa 
no seu dimensionamento imaginário, porém econômica e social­
mente tangível. 
No que diz respeito às condições estruturais, um dos fatores 
superenfatizados tem sido a simetria ou igualdade econômica das 
unidades que se integram, embora diversos analistas, como Bruce 
M. Russett, por exemplo, 5 sustentem, fundados nas próprias ex­
periências de estruturação dos mercados internos dos países hoje 
desenvolvidos, que o modelo de Deutsch, a que já se fez referência, 
ou seja, da força propulsiva dos núcleos centrais, seja mais per­
suasivo à luz dos fatos. 
4 The role of time in economic theOTY. 1934. 
;; Russett, Bruce M. International region.s and the international system: a 
study in political ecology. 
Neo-empresa e integração 89 
o debate do aspecto em apreço tem conotações políticas e 
econômicas que reclamam avaliação mais precisa. 
Do ponto de vista político, já se salientou como a integração 
regional hipersensibiliza, além dos limites do real econômico, os 
sentimentos nacionais dos parceiros quanto às desigualdades que 
os separam. Daí a atuação do nacionalismo emocional, bem como 
a problemática da distribuição dos benefícios, que vai gerar uma 
"política de status", em detrimento da cooperação. Aliás, com re­
ferência à repartição dos benefícios associativos, é importante 
discenir a distribui cão real das suas dimensões em termos de 
imagem política, qu~ podem ser altamente perturbadoras de uma 
percepção operacional por parte dos atores. 
Do ponto de vista econômico, embora não seja possível extra­
polar pura e simplesmente para o plano internacional as estratégias 
de alargamento do mercado interno, tais como a clássica formu­
lação de Rosenstein-Rodan sobre os "blocos de investimento", 
algumas clarificações podem ser tentadas, embora as experiências 
de integração transnacional sejam ainda recentes e não muito 
numerosas para permitir ilações mais conclusivas. 
É observação corrente que, em termos de nível de desenvol­
vimento, tomando-se o PNB per capita como indicador, nas orga­
nizações econômicas regionais não-hegemônicas, quanto maior for 
a correspondência entre os níveis de desenvolvimento dos parcei­
ros, tanto mais elevada será a integração do comércio regional. 
No seu já mencionado estudo comparativo, J. S. Nye observa que, 
nos esquemas atuais de integração econômica (mercado comum 
ou zona de livre comércio), níveis superiores a 20% de comércio 
intra-regional (em oposição ao comércio com o resto do mundo), 
só têm sido alcançados por associações entre países que não apre­
sentam disparidades entre as suas rendas per capita, superiores 
à proporção de 2: 1 (Portugal é a exceção, na Zona Européia de 
Livre Comércio). 
Quando se trata de mensurar a desigualdade, em termos de 
porte das economias (sendo o PNB o indicador), o "efeito-di­
mensão", ainda segundo o mesmo autor, configura-se de modo 
diverso nos países desenvolvidos e subdesenvolvidos. 
Com referência aos primeiros, observam-se níveis elevados 
de integração comercial, em esquemas associativos que envolvem 
países com disparidades de dimensionamento econômico (em 
PNB) superiores à relação 5 para 1. Já no caso de países sub­
desenvolvidos, integrações comerciais superiores a 20% só têm 
ocorrido no caso de associações entre países com disparidades de 
porte econômico (em termos de PNB) de magnitude inferior a 
90 R.C.P. 4/72 
2,5 para 1, o que permite arriscar a generalização de que, quanto 
mais reduzida a renda e o bem-estar, mais agudas são as contes­
tações em torno da distribuição dos benefícios associativos. 
Neste último caso, as convergências e os antagonismos de 
posições entre os parceiros evocam a imagem do besouro que, 
pelas leis da aerodinâmica, teoricamente não poderia voar, em 
virtude do seu peso, o que faz com que esse inseto, desafiando a 
augusta autoridade de Newton, como comenta Galbraith, mante­
nha-se no ar com o permanente medo de cair: é um inseto afor­
tunado, mas inseguro. 
Embora a ação dos governos seja decisiva, fazem-se necessá­
rias, ante este leque de impossibilidades diversificadas, novas 
fontes propulsoras de iniciativas, como se analisará a seguir. 
3. A complementariedade das elites 
Na integração latino-americana, um dos grandes objetivos, teori­
camente definidos, tem sido a meta da complementação industrial. 
No caso específico da ALALC, por exemplo, a celebração de acor­
dos com essa finalidade foi prevista pelo próprio Tratado de Mon­
tevidéu, nos artigos 16 e 17, tendo sofrido evolução limitativo­
operacional, sobretudo com a Resolução 99 (IV) . Grandes 
esperanças foram depositadas na complementariedade, quer dentro 
da ALALC, quer interblocos, com o Mercado Comum Centro­
Americano, 6 ou em subblocos, como o Andino. 
A complementação visa sobretudo a suprimir fronteirastecno­
lógicas entre economias de mercado reduzido e a evitar a superpo­
sição industrial, geradora de subutilização da capacidade instalada, 
tornando-a superior à oferta efetiva, em numerosos setores. 
Numa avaliação dos resultados das "negociações seletivas", 
tendentes à celebração de acordos de complementação industrial, 
a revista Indústria e Produtividade, editada pela Confederação 
Nacional da Indústria (do Brasil), no número especial sobre a 
matéria, de fevereiro de 1971, enfatizou o caráter limitado das 
metas que se alcançaram, contrastando a média de um acordo por 
ano, em 10 anos, com as 11 mil concessões pactuadas em Listas 
Nacionais, no mesmo período. 
Não podendo, pelos limites impostos ao trabalho, entrar no 
mérito da comparação acima referida, desejaria apontar uma causa 
mais profunda para a decepção empresarial: a carência de com­
plementariedade entre as elites que deveriam liderar o processo. 
\) Cf. Moscarella, Joseph. La integración económica centroamericana. In: 
Wionczek, Miguel E., ed. Integracián de América Latina. 
Neo-empresa e integração 91 
As laboriosas negociações diplomáticas, que no campo da 
complementariedade estão condicionadas pelo impulso e o hori­
zonte empresarial, passaram a constituir um insumo maciço para 
um exercício de "varejo integrativo". 
Na dinâmica global da América Latina, dois tipos sociopro­
fissionais ainda estão em posição indefinida, num modelo 
neofuncionalista de integração: o político e, em certa medida, 
como conseqüência o estadista e o empresário. De fato, se a América 
Latina ainda não produziu propriamente o "latinocrata", à seme­
lhança dos chamados "faceless E'UTocrats", das Comunidades 
Européias, o indispensável tecnicismo que deve cercar as nego­
ciações integrativas é, pelo menos, uma escola de peritos, com 
indiscutível efeito homogeneizador, ainda que de intensidades 
diversas. 
O mesmo não ocorre com o político e o empresário, cuja tipo­
logia, na América Latina, extremamente diversificada, complexa 
e contrastada, reflete marcante tendência paroquialista. 
Em países como o Brasil, que realizaram, em curto período 
de tempo, apreciável salto modernizador, o político tradicional 
acelerou a sua obsolescência, enquanto o empresário individual 
se diluiu, em benefício da abertura e modernização da empresa. 
Dentro desse quadro, emergiu a figura do tecnocrata, produto 
híbrido da teorização com a experiência, esta última nem sempre 
tão larga quanto a imaginação, mas forçado pelas circunstâncias 
a suprir as deficiências do político obsoleto e do empresário pro­
vinciano. 
Quanto a este último, o tipo mais relevante, do ponto de vista 
negativo, em matéria de integração, é o que se poderia denominar 
o "empresário-Maginot", com as suas estreitas linhas de segurança 
consolidadas ao longo do tempo e firmemente convicto de qUI;! 
as virtudes eternas da não-competividdade, política e legal­
mente asseguradas, o colocarão a salvo de contratempos moderni­
zadores. Para o empresário desse gênero, medidas como o alarga­
mento da fronteira dos recursos naturais, pela extensão do mar 
territorial a 200 milhas, pouco significam, porquanto a sua mente 
continua tributária da regra clássica de 6 milhas, que era o limite 
do alcance de fogo do canhão convencional. De nada adianta am­
pliar os recursos e manter a mentalidade estreita, não se aperce­
bendo de que, se a pesca tem limites e condições, as possibilidades 
de comercialização não esbarram em balizas jurídicas, desde que 
a engenhosidade empresarial saiba localizá-las e estruturá-las com 
suporte do setor público, que é o que vem sendo iniciado no 
Brasil, neste caso específico, através dos acordos de pesca. 
92 R.C.P. 4/72 
Apesar dos considerávl;!is avanços, em termos de pensamento 
integrativo, na América Latina, os exemplos acima citados mos­
tram que a complementariedade das elites se restringe ao setor 
tecnocrático e, quando muito, em faixas limitadas, a algumas 
áreas universitárias. Se aos tecnocratas cabe grande parte do 
mérito pelos êxitos já alcançados, é forçoso reconhecer que, depois 
de certo ponto, as virtudes do técnico se transformam em limi­
tações, em razão da dificuldade de associação da competência 
profissional com a liderança política. Já se disse, com grande dose 
de ironia, que tecnocrata é o que erra de acordo com as normas, 
podendo estabelecer-se a recíproca de que o político e o empresário 
procuram acertar, em desacordo com as regras. 
Para assegurar uma efetiva complementariedade econômica 
na América Latina, a complementariedade das elites - empresa­
rial, política e técnica - é um pressuposto indispensável. Ousando 
ir mais longe, não seria impróprio prever-se uma complemen­
tariedade de nacionalismos operacionais, pois, como assinalou 
François Perroux,; um autêntico e efetivo nacionalismo latino­
americano deve consistir no propósito deliberado de colocar a 
ciência moderna, a tecnologia e a indústria a serviço de povos 
específicos e de qualquer cultura aberta ao futuro. Um estilo de 
vida e uma vontade política, diz ainda o autor de L' économie du 
XXe. siede, são os recursos da grande "nação de nações", vital 
e insubstituível, na evolução deste século XX. 
Neste sentido, a abertura plurinacional que vem desenvol­
vendo o Governo brasileiro no setor externo, bem como a dina­
mização econômica da diplomacia continental, constituem auspi­
cioso impulso, que caberá ao setor empresarial maximizar, com 
vistas à criação de um efetivo sistema de segurança econômica 
na América Latina, pré-requisito que, cada vez mais, se identifica 
com a segurança tout court. 
4. A neo-empresa: um problema de demografia 
A empresa moderna, notadamente a empresa multinacional, foi 
a grande resposta, em termos organizacionais, à transformação 
que, graças aos modernos processos de comunicação, criou padrões 
mundiais de consumo, com notável reforço do chamado "efeito 
de demonstração". As respostas político-institucionais, mesmo no 
7 Perroux, François. Multinational investment and the analysis of develop­
ment and integration poles. In. Multinational inveBtment in the economic 
developm.ent and integrotion of Latin America. p. 124. 
Neo-empresa e integração 93 
caso das formas mais evoluídas de integração, tais como o Mercado 
Comum Europeu, ainda ficaram aquém da eficiência da grande 
empresa internacional. 
Uma das preocupações dominantes na década de 60 e que se 
está tornando ainda mais aguda neste início dos anos 70 é o pro­
blema demográfico, nos seus múltiplos aspectos de crescimento, 
distribuição e criação de empregos. Embora tais preocupações 
tenham-se limitado à população biológica, Kenneth E. Boulding ~ 
e Erik Dahmen, 9 posteriormente, através de conceitos tais como 
o de bloco de desenvolvimento, de nascimento e morte das firmas, 
evidenciaram a necessidade do estudo da demografia das empresas 
que, à semelhança da população biológica, são conjuntos renová­
veis e não podem ser plenamente identificadas com as pessoas 
físicas que as operam. 
Dahmen, sueco, discípulo de Schumpeter e de Akerman, mos­
trou, no seu citado trabalho, como a economia de seu país, no 
período entre as duas guerras mundiais, pode ser explicada, em 
grande parte, em função da coexistência e de luta entre firmas 
de idades diferentes. A partir dessa observação, seria necessário 
pesquisar em que medida uma determinada estrutura de idade 
das empresas determina o tipo de desenvolvimento. É o que sugere 
Henri Guitton, ao visualizar a construção de um histograma sim­
ples, que serviria de base a um estudo estático e dinâmico, de 
curto e de longo prazo. De início, far-se-ia um corte estático, na 
realidade de uma época, operação que se repetiria, cada cinco ou 
dez anos, para verificar-se a pulsação dos histogramas e a con­
seqüente transformação das estruturas em função da idade das 
empresas. É evidente que a idade empresarial não seria determi­
nada pelo simples critério cronológico do seu nascimento, devendo 
intervir fatores múltiplos, comoa renovação ou estagnação tecno­
lógica, a modernização gerencial, a ampliação ou retração dos seus 
mercados, etc. 
No caso da América Latina, impõe-se uma transformação no 
sentido do "realismo empresarial", atitude que, no caso do cha­
mado "milagre brasileiro", foi uma das determinantes decisivas. 
Na América Latina, a avaliação empresarial proposta é ainda mais 
complexa, e, por outro lado, necessária, em razão do entrelaça­
mento empresarial entre setor público e privado, em numerosos 
empreendimentos de grande porte e elevada significação estra­
tégica para o desenvolvimento. 
~ Boulding, Kenneth E. A reconstTuction oi economics. 1950. cap 11: The 
age structure of capital. 
9 Dahmen, Erik. Technology, inovation and industrial transformation. 
94 R.C.P.4172 
Aliás, é curioso observar um paradoxo da modernização 
latino-americana, verificando-se como as técnicas de sofisticação 
empresarial ainda estão largamente desacompanhadas de uma 
correspondente formação do empresário. É a neo-empresa sem o 
neo-empresário o que leva a tratar a desejada integração em termos 
de "varejo tarifário". 
Sem pretender exaurir nem solucionar estas especulações 
sobre tema tão aliciante, pelas suas agudas tensões entre impos­
sibilidades, desejaria apenas focalizar algumas diretrizes já pro­
postas, bem como sugerir alguns caminhos do tipo daqueles que, 
como dizem os espanhóis, só se constroem caminhando. Seria la­
mentável se a América Latina se satisfizesse com a complemen­
tariedade semântica, multiplicando neologismos sobre a integração, 
para rebatizar obsoletas estruturas que permaneçam. 
A América Latina pode ser vista como um amplo mercado, 
com sua população superior a 270 milhões de habitantes, feita a 
óbvia ressalva de que mercado não se identifica com população, 
o que é uma decorrência da distinção entre demanda efetiva e 
potencial. 
No caso de integração latino-americana, o incremento da 
demanda efetiva, através de maior intercomunicação de mercados 
nacionais, esbarra em obstáculos políticos legítimos, que não seria 
racional ignorar. Em lúcida monografia apresentada ao CIAP, o 
Professor João Paulo de Almeida Magalhães acentuou, com pro­
priedade, que o economista não pode qualificar de "irracional" a 
decisão de sacrificar certa margem de bem-estar material em favor 
de valores éticos, como, por exemplo, a manutenção da identi­
dade nacional. 
Conseqüentemente, modelos multiangulares de integração, 
como os preconizados por François Perroux para a América La­
tina, baseados em pólos de multiindustrialização e multinaciona­
lização 10 sofrem as limitações decorrentes da inter-relação entre 
Produto Regional Bruto e Produto Nacional Político. As limita­
ções apontadas com relação ao modelo Perroux são válidas, mu­
tatis mutandis, para todas as demais estratégias de blocos de desen­
volvimento, voltadas apenas para a ampliação do mercado 
continental, sem considerar os fatores meta-econômicos. 
Em contrapartida, porém, os nacionalismos operacionais, na 
Região, podem revelar áreas de complementariedade que, do 
ponto de vista da integração, constituiriam as chamadas "zonas 
de indiferença". Em tais zonas é que deveriam concentrar-se, pre-
1" Perroux. op. cito p. 114-6. 
Neo-empresa e integração 95 
ferentemente, modelos como o de Perroux e de Rosenstein-Rodan, 
bem como estratégias para o fortalecimento dos grupos empresa­
riais regionais, semelhantes às que o Professor João Paulo de Al­
meida Magalhães preconiza, no trabalho acima citado e em outros, 
para o revigoramento do empresariado nacional. 
É evidente que tal estratégia reclamaria definições seguras 
acerca do papel que se atribuiria à participação extracontinental 
(financiamentos, investimentos diretos externos, tecnologia, capa­
cidade gerencial) no processo, bem como um esforço de programa­
ção inter-empresarial, escalonado no tempo, a exemplo do desar­
mamento tarifário, previsto pelo Tratado de Montevidéu e diver­
sas vezes reformulado. 
A partir dos estudos de demografia empresarial, anteriormente 
referidos, talvez pudesse a América Latina, que já dispõe de múl­
tiplos foros empresariais, visualizar uma grande Conferência Em­
presarial, que viria constituir um curso de ação adicional para o 
fortalecimento do trabalho dos Governos, proporcionando às labo­
riosas negociações diplomáticas uma visão macroempresarial das 
perspectivas de integração, complementar às construções originadas 
do setor público. 
Na realidade, em qualquer sistema econômico, é inarredável a 
presença da empresa e dos estímulos, de natureza diversa, que 
lhe incentivem a eficácia. Samuel Pisar, advogado internacional 
norte-americano e especializado em negociações com o Leste Euro­
peu, refere, no seu livro As armas da paz, suas conversações com 
um dirigente de empresa petrolífera soviética, uma "firma transi­
deológica", como o autor a denomina, em que ambos, com boa dose 
de humor, não reconheciam grandes diferenças operacionais nos 
métodos de conquista de mercados externos, praticados por um e 
outro lado, a tal ponto que o gerente soviético se dizia merecedor 
de uma condecoração de Bob Kennedy pela sua contribuição ao 
êxito da legislação antitruste. 
Em conclusão, importa relembrar que a América Latina não 
deve esquecer a existência das suas empresas e suas empresas não 
devem ignorar o mercado real e potencial da Região. Já dizia Bau­
delaire que a pior astúcia do diabo é persuadir-nos de que ele não 
existe. 
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