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A NEO-EMPRESA E A INTEGRAÇAO LATINO-AMERICANA RAPHAEL V ALENTINO SOBRINHO 1. PNB verBUS PPB; 2. O govern.o: a integração nega tiva; 3. A complementariedade das elites; 4. A neo empre!!a: um problema de demografia. É iZusão pensar-se em industrializar construindo fábricas. Industrializa-se, estruturando mercados. PAUL HOFFMAN A presente "idade da inflação" não se assinala apenas pelas tensões político-monetárias, porquanto a toda a tipologia já construída para interpretar tais fenômenos, na profundidade das suas causas e incertezas, é preciso acrescentar a "inflação semântica", incon seqüente na sua abundância neologizante, mas com tangíveis repercussões econômicas. A "inflação semântica" é, na realidade, um hibridismo, que tem muito de comum com a moeda falsa, intelectual neste caso. De fato, dentre as moedas fortemente depreciadas, sem o reconhe cimento desvalorizador dos poderes institucionais, sobressai a in tegração regional, com configurações múltiplas, que somente o gosto pela moda terminológica pode identificar sob o mesmo rótulo. Em alguns casos, com efeito, seria mais próprio categorizar certos grupos, supostamente empenhados na integração, como "blocos desintegrativos". 1. PNB versus PPB A formação e o celebrado êxito do Grupo dos Seis, assim como a necessidade de preservar sistemas de preferências regionais contra os movimentos multilateralizadores, que tiveram início R. Cf., pol., Rio de Janeiro, 6(4): 85-96, out./dez. 1972 antes mesmo do fim da II Guerra Mundial, geraram impulsos integracionistas, alguns dos quais de base econômica precária e que, no máximo, poderiam ser vistos como microensaios, aspi rando a macrorresultados. Os fenômenos integrativos contemporâneos, que procurarei analisar, do ponto de vista teórico global, em outro trabalho. 1 apresentam caráter multidimensional, cujas diferenças de porte político-econômico e de intensidade institucional r€clamam parâ metros diversos de mensuração, conforme observaram em estudos recentes, J. S. Nye e Phillippe C. Schmitter.:! Em certos casos, o que ocorre na realidade é a montagem de um aparelho institucional, incapaz de incrementar a eficiência econômica e comercial do bloco, maximizando apenas o que, na ciência política, se poderia denominar de Produto Político Bruto (ou seja, o agregado das medidas de curto prazo, lenientes de tensões, mas causadoras de efeitos econômicos adversos, após breve período de carência euforizante). A América Latina, dentro de tal contexto, vem merecendo especial atenção nas especulações teóricas sobre os blocos econô mico-comerciais. No Brasil, em particular, neste período de reco nhecido êxito econômico e de real dinamização do setor externo, é de grande relevância a avaliação do significado efetivo dos mo vimentos macro e microintegrativos, com ênfase no papel da empresa que, talvez, seja a variável menos estudada, sobretudo no que respeita ao "potencial integrativo da Região". O Professor Rosenstein-Rodan, cuja partipação foi marcante nas primeiras etapas da estruturação do Mercado Comum Europeu, referiu-se à América Latina, em rp.cente conferência em Nova Iorque, como expressão designativa de uma abstração antropo mórfica. A admitir-se o irrealismo socioeconômico e político da expressão América Latina, seria necessário questionar sobre a validade dos sistemas institucionais, que tomam essa globalização geográfica como ponto de partida. Seria adequado qualificar as experiências continentais de integração comercial e econômica como formadoras de "blocos desintegrativos", de acordo com a observação sarcástica de que são comuns, porém jamais serão I O Brasil ante a alternativa comercial européia. In: A Economia Brasileira e suas Perspectivas, jul. 1971. p. 257 e sego 2 Nye, J. S. Comparíng Common Markets: A revised neo-functionalist model; Schmitter, Phillipe C. A revised theory of regional integratíon, theory and research edited by Leon N. Lindberg and Stuart A. Scheingold. 86 R.C.P. 4/72 mercados? De igual modo, impõe-se especular acerca da viabili dade da transposição, para o plano econômico, de modelos inte grativos como os de Karl Deutsch, baseados na definição de pólos centrais propulsivos, estratégia evidentemente inspirada em esque mas de integração política e de segurança coletiva. 3 A análise deste modelo é de particular relevância, porquanto a observação histórica evidencia que a formação de blocos comer ciais ou econômico-comerciais acarreta uma hipersensibilidade dos parceiros quanto aos desníveis de desenvolvimento que os separam e à repartição, considerada ineqüitativa, dos benefícios imputados à associação. A fim de examinar mais acuradamente as indagações levan tadas, procurar-se-á analisar o problema, em três níveis: o da ação governamental, o da complementariedade das elites e o da dinâmica empresarial. 2. O governo: a integração negativa 'lO A visão puramente liberal do fenômeno integracionista limita-se a indicar aos governos a necessidade de remoção dos obstáculos discriminatórios ao livre intercâmbio, numa região determinada. Tal ponto de vista, restrito ao ângulo comercial, cria o risco de transformar os blocos regionais em simples clubes de tarifas, moda lidade essa que J. S. Nye denomina "integração negativa", tão necessária, como passo inicial, quanto insuficiente para a realização do processo. O risco mais temível, porém, é a postura estagnante, nos países subdesenvolvidos, enfatizando a liberação comercial está tica, com base na análise das correntes de comércio atuais, sem levar em conta as possibilidades de criação de novos fluxos de intercâmbio, área em que a sagacidade empresarial deveria exercer a liderança das iniciativas, beneficiando-se da conjugação do protecionismo regional com os benefícios do mercado ampliado, em decorrência da integração. O citado J. S. Nye, numa avaliação das experiências integra tivas atuais, qualificou como "baixo-moderada" a intensidade dos processos institucionais, bem como o grau de evolução das condi ções estruturais para integração, no caso da ALALC, o que o levou a prever, já em meados da década de 60, uma resultante do tipo status quo para o esforço da Associação Latino-Americana de Livre Comércio. Já para o Mercado Comum Europeu, no 3 Deutsch, Karl. Political commu.nity and the North Atla.ntic ATea: InteT national OTganization in the light of hiBtorical expeTience. Neo-empTesa e integTação 87 mesmo período, Nye classificou como "alto-moderado" o processo institucional, "moderado-elevado" o estágio evolutivo das condi ções estruturais, antecipando uma "resposta integrativa", na época subseqüente. No caso do Mercado Comum Centro-Americano, o mecanismo institucional foi considerado "moderado-elevado" e as condições estruturais "baixo-moderadas", com a previsão de "res posta integrativa". Com relação aos mecanismos institucionais, vale distinguir duas modalidades esquemáticas de integração, que se configuram determinantes, no peso das suas conseqüências: "a integração de gabinete", quase secreta (by stealth, no jargão universitário norte americano), e a integração baseada num consenso político-econô mico pluralista. Alguns teorizadores do modelo neofuncional de integração, não sem uma boa dose de simplismo, viram potenciali dades favoráveis, sobretudo no caso da ALALC e do Mercado Comum Centro-Americano, graças à combinação da "integração de gabinente" com o papel positivo da ignorância popular. Esta aparente evidência, como todas as generalizações semelhantes, peca pelo excesso de confiança no automatismo econômico-insti tucional, em particular quando a "variável prodigiosa" é a igno rância. Com efeito, a associação do "integracionismo de gabinete" com a ignorância popular afasta, no início do processo, obstáculos altamente perturbadores, como os que tentaram frustrar a formação do Mercado Comum Europeu e ainda agora ressurgem, a propósito da admissão dos novosmembros (resistências do nacionalismo emocional, operacional e tecnológico; pressões dos sindicatos de trabalhadores, temerosos ante a nova competitividade; antagonismo dos complexos financeiro-industriais ao que visualizam como uma sociedade de participação com os inimigos da véspera; força política de grupos eleitorais agrícolas, etc.). Aliás, a superação de tais óbices pela ação lúcida de estadistas do porte de Schuman, Ade nauer e de Gasperi foi um fato, confessa Rosenstein-Rodan, que mais uma vez lhe evidenciou a falsidade da interpretação unilateral da história, em função exclusiva dos fatores econômicos. A eco nomia, observa ainda o citado professor, é uma necessidade, mas não constitui uma condição suficiente de êxito. No caso dos países subdesenvolvidos, ao contrário, a ausência de tais tensões é uma premissa favorável no desencadeamento do processo, mas a tran qüilidade não-participacionista da ignorância passa a dominar o cenário como força de inércia, uma vez esgotado o potencial inte grativo reduzido, que se limita à liberação comercial, com base na análise estática do intercâmbio já existente. Ainda com referência à ação dos governos, no processo inte grativo, cabe acentuar o papel do nacionalismo, que pode revestir 88 R.C.P. 4172 a forma operacional ou a emocional. Esta última acaba resultando no planejamento da distribuição mais eficaz da pobreza ou na superindustrialização irracional. Com efeito, o dilema do naciona lismo emocional leva a duas soluções, igualmente antieconômicas: a) à freagem da integração regional na expectativa de um desen volvimento futuro, sem indícios presentes de viabilidade; ou b) a um processo "político" de substituição de importações regionais, através de investimentos de prestígio, sem considerações de mer cado, atitude que muito se assemelha a uma corrida armamen tista, com real incremento do Produto Político Bruto, mas incor rendo na ilusão apontada por Paul Hoffman, na epígrafe com que se inicia o presente trabalho. Quanto à hipótese (a), da freagem da integração regional, valeria relembrar uma construção de Rosenstein-Rodan sobre a "economidade" do tempo, 4 a fim de pôr em evidência que o retardamento da integração, no caso em apreço, representa tempo morto no universo social, a menos que se pudesse dispor, como nota Guitton, de um relógio econômico, que seria o "relógio fan tasmático" de que falara Bergson e que talvez esteja sendo procurado pela prospectiva contemporânea. O fato é que o "tempo vazio" do "nacionalismo de espera" não encontra lugar nos cronô metros do planejador, preocupado em prever o presente para não surpreender-se com o futuro. O planejador do presente sabe que o tempo não pode ser produzido, que se escoa independente da von tade humana e que a arte do estadista em manejá-lo consiste em saber como transferi-lo de uma atividade para outra. O tempo do ano 2000 terá a mesma duração que o de 1500 ou o do:! 1970, mas não o mesmo significado econômico. Se o relógio econômico fosse realizável, como· observa Guitton, não coincidiria com o relógio solar. Em conseqüência, ao "nacionalismo de espera" é mais racional opor a construção antecipadora, menos ambiciosa no seu dimensionamento imaginário, porém econômica e social mente tangível. No que diz respeito às condições estruturais, um dos fatores superenfatizados tem sido a simetria ou igualdade econômica das unidades que se integram, embora diversos analistas, como Bruce M. Russett, por exemplo, 5 sustentem, fundados nas próprias ex periências de estruturação dos mercados internos dos países hoje desenvolvidos, que o modelo de Deutsch, a que já se fez referência, ou seja, da força propulsiva dos núcleos centrais, seja mais per suasivo à luz dos fatos. 4 The role of time in economic theOTY. 1934. ;; Russett, Bruce M. International region.s and the international system: a study in political ecology. Neo-empresa e integração 89 o debate do aspecto em apreço tem conotações políticas e econômicas que reclamam avaliação mais precisa. Do ponto de vista político, já se salientou como a integração regional hipersensibiliza, além dos limites do real econômico, os sentimentos nacionais dos parceiros quanto às desigualdades que os separam. Daí a atuação do nacionalismo emocional, bem como a problemática da distribuição dos benefícios, que vai gerar uma "política de status", em detrimento da cooperação. Aliás, com re ferência à repartição dos benefícios associativos, é importante discenir a distribui cão real das suas dimensões em termos de imagem política, qu~ podem ser altamente perturbadoras de uma percepção operacional por parte dos atores. Do ponto de vista econômico, embora não seja possível extra polar pura e simplesmente para o plano internacional as estratégias de alargamento do mercado interno, tais como a clássica formu lação de Rosenstein-Rodan sobre os "blocos de investimento", algumas clarificações podem ser tentadas, embora as experiências de integração transnacional sejam ainda recentes e não muito numerosas para permitir ilações mais conclusivas. É observação corrente que, em termos de nível de desenvol vimento, tomando-se o PNB per capita como indicador, nas orga nizações econômicas regionais não-hegemônicas, quanto maior for a correspondência entre os níveis de desenvolvimento dos parcei ros, tanto mais elevada será a integração do comércio regional. No seu já mencionado estudo comparativo, J. S. Nye observa que, nos esquemas atuais de integração econômica (mercado comum ou zona de livre comércio), níveis superiores a 20% de comércio intra-regional (em oposição ao comércio com o resto do mundo), só têm sido alcançados por associações entre países que não apre sentam disparidades entre as suas rendas per capita, superiores à proporção de 2: 1 (Portugal é a exceção, na Zona Européia de Livre Comércio). Quando se trata de mensurar a desigualdade, em termos de porte das economias (sendo o PNB o indicador), o "efeito-di mensão", ainda segundo o mesmo autor, configura-se de modo diverso nos países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Com referência aos primeiros, observam-se níveis elevados de integração comercial, em esquemas associativos que envolvem países com disparidades de dimensionamento econômico (em PNB) superiores à relação 5 para 1. Já no caso de países sub desenvolvidos, integrações comerciais superiores a 20% só têm ocorrido no caso de associações entre países com disparidades de porte econômico (em termos de PNB) de magnitude inferior a 90 R.C.P. 4/72 2,5 para 1, o que permite arriscar a generalização de que, quanto mais reduzida a renda e o bem-estar, mais agudas são as contes tações em torno da distribuição dos benefícios associativos. Neste último caso, as convergências e os antagonismos de posições entre os parceiros evocam a imagem do besouro que, pelas leis da aerodinâmica, teoricamente não poderia voar, em virtude do seu peso, o que faz com que esse inseto, desafiando a augusta autoridade de Newton, como comenta Galbraith, mante nha-se no ar com o permanente medo de cair: é um inseto afor tunado, mas inseguro. Embora a ação dos governos seja decisiva, fazem-se necessá rias, ante este leque de impossibilidades diversificadas, novas fontes propulsoras de iniciativas, como se analisará a seguir. 3. A complementariedade das elites Na integração latino-americana, um dos grandes objetivos, teori camente definidos, tem sido a meta da complementação industrial. No caso específico da ALALC, por exemplo, a celebração de acor dos com essa finalidade foi prevista pelo próprio Tratado de Mon tevidéu, nos artigos 16 e 17, tendo sofrido evolução limitativo operacional, sobretudo com a Resolução 99 (IV) . Grandes esperanças foram depositadas na complementariedade, quer dentro da ALALC, quer interblocos, com o Mercado Comum Centro Americano, 6 ou em subblocos, como o Andino. A complementação visa sobretudo a suprimir fronteirastecno lógicas entre economias de mercado reduzido e a evitar a superpo sição industrial, geradora de subutilização da capacidade instalada, tornando-a superior à oferta efetiva, em numerosos setores. Numa avaliação dos resultados das "negociações seletivas", tendentes à celebração de acordos de complementação industrial, a revista Indústria e Produtividade, editada pela Confederação Nacional da Indústria (do Brasil), no número especial sobre a matéria, de fevereiro de 1971, enfatizou o caráter limitado das metas que se alcançaram, contrastando a média de um acordo por ano, em 10 anos, com as 11 mil concessões pactuadas em Listas Nacionais, no mesmo período. Não podendo, pelos limites impostos ao trabalho, entrar no mérito da comparação acima referida, desejaria apontar uma causa mais profunda para a decepção empresarial: a carência de com plementariedade entre as elites que deveriam liderar o processo. \) Cf. Moscarella, Joseph. La integración económica centroamericana. In: Wionczek, Miguel E., ed. Integracián de América Latina. Neo-empresa e integração 91 As laboriosas negociações diplomáticas, que no campo da complementariedade estão condicionadas pelo impulso e o hori zonte empresarial, passaram a constituir um insumo maciço para um exercício de "varejo integrativo". Na dinâmica global da América Latina, dois tipos sociopro fissionais ainda estão em posição indefinida, num modelo neofuncionalista de integração: o político e, em certa medida, como conseqüência o estadista e o empresário. De fato, se a América Latina ainda não produziu propriamente o "latinocrata", à seme lhança dos chamados "faceless E'UTocrats", das Comunidades Européias, o indispensável tecnicismo que deve cercar as nego ciações integrativas é, pelo menos, uma escola de peritos, com indiscutível efeito homogeneizador, ainda que de intensidades diversas. O mesmo não ocorre com o político e o empresário, cuja tipo logia, na América Latina, extremamente diversificada, complexa e contrastada, reflete marcante tendência paroquialista. Em países como o Brasil, que realizaram, em curto período de tempo, apreciável salto modernizador, o político tradicional acelerou a sua obsolescência, enquanto o empresário individual se diluiu, em benefício da abertura e modernização da empresa. Dentro desse quadro, emergiu a figura do tecnocrata, produto híbrido da teorização com a experiência, esta última nem sempre tão larga quanto a imaginação, mas forçado pelas circunstâncias a suprir as deficiências do político obsoleto e do empresário pro vinciano. Quanto a este último, o tipo mais relevante, do ponto de vista negativo, em matéria de integração, é o que se poderia denominar o "empresário-Maginot", com as suas estreitas linhas de segurança consolidadas ao longo do tempo e firmemente convicto de qUI;! as virtudes eternas da não-competividdade, política e legal mente asseguradas, o colocarão a salvo de contratempos moderni zadores. Para o empresário desse gênero, medidas como o alarga mento da fronteira dos recursos naturais, pela extensão do mar territorial a 200 milhas, pouco significam, porquanto a sua mente continua tributária da regra clássica de 6 milhas, que era o limite do alcance de fogo do canhão convencional. De nada adianta am pliar os recursos e manter a mentalidade estreita, não se aperce bendo de que, se a pesca tem limites e condições, as possibilidades de comercialização não esbarram em balizas jurídicas, desde que a engenhosidade empresarial saiba localizá-las e estruturá-las com suporte do setor público, que é o que vem sendo iniciado no Brasil, neste caso específico, através dos acordos de pesca. 92 R.C.P. 4/72 Apesar dos considerávl;!is avanços, em termos de pensamento integrativo, na América Latina, os exemplos acima citados mos tram que a complementariedade das elites se restringe ao setor tecnocrático e, quando muito, em faixas limitadas, a algumas áreas universitárias. Se aos tecnocratas cabe grande parte do mérito pelos êxitos já alcançados, é forçoso reconhecer que, depois de certo ponto, as virtudes do técnico se transformam em limi tações, em razão da dificuldade de associação da competência profissional com a liderança política. Já se disse, com grande dose de ironia, que tecnocrata é o que erra de acordo com as normas, podendo estabelecer-se a recíproca de que o político e o empresário procuram acertar, em desacordo com as regras. Para assegurar uma efetiva complementariedade econômica na América Latina, a complementariedade das elites - empresa rial, política e técnica - é um pressuposto indispensável. Ousando ir mais longe, não seria impróprio prever-se uma complemen tariedade de nacionalismos operacionais, pois, como assinalou François Perroux,; um autêntico e efetivo nacionalismo latino americano deve consistir no propósito deliberado de colocar a ciência moderna, a tecnologia e a indústria a serviço de povos específicos e de qualquer cultura aberta ao futuro. Um estilo de vida e uma vontade política, diz ainda o autor de L' économie du XXe. siede, são os recursos da grande "nação de nações", vital e insubstituível, na evolução deste século XX. Neste sentido, a abertura plurinacional que vem desenvol vendo o Governo brasileiro no setor externo, bem como a dina mização econômica da diplomacia continental, constituem auspi cioso impulso, que caberá ao setor empresarial maximizar, com vistas à criação de um efetivo sistema de segurança econômica na América Latina, pré-requisito que, cada vez mais, se identifica com a segurança tout court. 4. A neo-empresa: um problema de demografia A empresa moderna, notadamente a empresa multinacional, foi a grande resposta, em termos organizacionais, à transformação que, graças aos modernos processos de comunicação, criou padrões mundiais de consumo, com notável reforço do chamado "efeito de demonstração". As respostas político-institucionais, mesmo no 7 Perroux, François. Multinational investment and the analysis of develop ment and integration poles. In. Multinational inveBtment in the economic developm.ent and integrotion of Latin America. p. 124. Neo-empresa e integração 93 caso das formas mais evoluídas de integração, tais como o Mercado Comum Europeu, ainda ficaram aquém da eficiência da grande empresa internacional. Uma das preocupações dominantes na década de 60 e que se está tornando ainda mais aguda neste início dos anos 70 é o pro blema demográfico, nos seus múltiplos aspectos de crescimento, distribuição e criação de empregos. Embora tais preocupações tenham-se limitado à população biológica, Kenneth E. Boulding ~ e Erik Dahmen, 9 posteriormente, através de conceitos tais como o de bloco de desenvolvimento, de nascimento e morte das firmas, evidenciaram a necessidade do estudo da demografia das empresas que, à semelhança da população biológica, são conjuntos renová veis e não podem ser plenamente identificadas com as pessoas físicas que as operam. Dahmen, sueco, discípulo de Schumpeter e de Akerman, mos trou, no seu citado trabalho, como a economia de seu país, no período entre as duas guerras mundiais, pode ser explicada, em grande parte, em função da coexistência e de luta entre firmas de idades diferentes. A partir dessa observação, seria necessário pesquisar em que medida uma determinada estrutura de idade das empresas determina o tipo de desenvolvimento. É o que sugere Henri Guitton, ao visualizar a construção de um histograma sim ples, que serviria de base a um estudo estático e dinâmico, de curto e de longo prazo. De início, far-se-ia um corte estático, na realidade de uma época, operação que se repetiria, cada cinco ou dez anos, para verificar-se a pulsação dos histogramas e a con seqüente transformação das estruturas em função da idade das empresas. É evidente que a idade empresarial não seria determi nada pelo simples critério cronológico do seu nascimento, devendo intervir fatores múltiplos, comoa renovação ou estagnação tecno lógica, a modernização gerencial, a ampliação ou retração dos seus mercados, etc. No caso da América Latina, impõe-se uma transformação no sentido do "realismo empresarial", atitude que, no caso do cha mado "milagre brasileiro", foi uma das determinantes decisivas. Na América Latina, a avaliação empresarial proposta é ainda mais complexa, e, por outro lado, necessária, em razão do entrelaça mento empresarial entre setor público e privado, em numerosos empreendimentos de grande porte e elevada significação estra tégica para o desenvolvimento. ~ Boulding, Kenneth E. A reconstTuction oi economics. 1950. cap 11: The age structure of capital. 9 Dahmen, Erik. Technology, inovation and industrial transformation. 94 R.C.P.4172 Aliás, é curioso observar um paradoxo da modernização latino-americana, verificando-se como as técnicas de sofisticação empresarial ainda estão largamente desacompanhadas de uma correspondente formação do empresário. É a neo-empresa sem o neo-empresário o que leva a tratar a desejada integração em termos de "varejo tarifário". Sem pretender exaurir nem solucionar estas especulações sobre tema tão aliciante, pelas suas agudas tensões entre impos sibilidades, desejaria apenas focalizar algumas diretrizes já pro postas, bem como sugerir alguns caminhos do tipo daqueles que, como dizem os espanhóis, só se constroem caminhando. Seria la mentável se a América Latina se satisfizesse com a complemen tariedade semântica, multiplicando neologismos sobre a integração, para rebatizar obsoletas estruturas que permaneçam. A América Latina pode ser vista como um amplo mercado, com sua população superior a 270 milhões de habitantes, feita a óbvia ressalva de que mercado não se identifica com população, o que é uma decorrência da distinção entre demanda efetiva e potencial. No caso de integração latino-americana, o incremento da demanda efetiva, através de maior intercomunicação de mercados nacionais, esbarra em obstáculos políticos legítimos, que não seria racional ignorar. Em lúcida monografia apresentada ao CIAP, o Professor João Paulo de Almeida Magalhães acentuou, com pro priedade, que o economista não pode qualificar de "irracional" a decisão de sacrificar certa margem de bem-estar material em favor de valores éticos, como, por exemplo, a manutenção da identi dade nacional. Conseqüentemente, modelos multiangulares de integração, como os preconizados por François Perroux para a América La tina, baseados em pólos de multiindustrialização e multinaciona lização 10 sofrem as limitações decorrentes da inter-relação entre Produto Regional Bruto e Produto Nacional Político. As limita ções apontadas com relação ao modelo Perroux são válidas, mu tatis mutandis, para todas as demais estratégias de blocos de desen volvimento, voltadas apenas para a ampliação do mercado continental, sem considerar os fatores meta-econômicos. Em contrapartida, porém, os nacionalismos operacionais, na Região, podem revelar áreas de complementariedade que, do ponto de vista da integração, constituiriam as chamadas "zonas de indiferença". Em tais zonas é que deveriam concentrar-se, pre- 1" Perroux. op. cito p. 114-6. Neo-empresa e integração 95 ferentemente, modelos como o de Perroux e de Rosenstein-Rodan, bem como estratégias para o fortalecimento dos grupos empresa riais regionais, semelhantes às que o Professor João Paulo de Al meida Magalhães preconiza, no trabalho acima citado e em outros, para o revigoramento do empresariado nacional. É evidente que tal estratégia reclamaria definições seguras acerca do papel que se atribuiria à participação extracontinental (financiamentos, investimentos diretos externos, tecnologia, capa cidade gerencial) no processo, bem como um esforço de programa ção inter-empresarial, escalonado no tempo, a exemplo do desar mamento tarifário, previsto pelo Tratado de Montevidéu e diver sas vezes reformulado. A partir dos estudos de demografia empresarial, anteriormente referidos, talvez pudesse a América Latina, que já dispõe de múl tiplos foros empresariais, visualizar uma grande Conferência Em presarial, que viria constituir um curso de ação adicional para o fortalecimento do trabalho dos Governos, proporcionando às labo riosas negociações diplomáticas uma visão macroempresarial das perspectivas de integração, complementar às construções originadas do setor público. Na realidade, em qualquer sistema econômico, é inarredável a presença da empresa e dos estímulos, de natureza diversa, que lhe incentivem a eficácia. Samuel Pisar, advogado internacional norte-americano e especializado em negociações com o Leste Euro peu, refere, no seu livro As armas da paz, suas conversações com um dirigente de empresa petrolífera soviética, uma "firma transi deológica", como o autor a denomina, em que ambos, com boa dose de humor, não reconheciam grandes diferenças operacionais nos métodos de conquista de mercados externos, praticados por um e outro lado, a tal ponto que o gerente soviético se dizia merecedor de uma condecoração de Bob Kennedy pela sua contribuição ao êxito da legislação antitruste. Em conclusão, importa relembrar que a América Latina não deve esquecer a existência das suas empresas e suas empresas não devem ignorar o mercado real e potencial da Região. Já dizia Bau delaire que a pior astúcia do diabo é persuadir-nos de que ele não existe. 96 Conheça as obras de Ciência Política editadas pela Fundação Getulio Vargas. Peça nosso catálogo. O endereço é: F.G.V., Serviço de Publicações, Praia de Botafogo, 188, Caixa Postal 21.120, ZC-05. R.C.P. 4/72
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