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7 M aterial para uso exclusivo de aluno m atriculado em curso de Educação a Distância da Rede Senac EAD, da disciplina correspondente. Proibida a reprodução e o com partilham ento digital, sob as penas da Lei. © Editora Senac São Paulo. Capítulo 1 Interações filosóficas entre arte e educação Este capítulo trata da relação entre arte e educação, em diversos aspectos. Começa com algumas considerações sobre os aspectos sub- jetivos e sociais envolvidos na delimitação do que se entende por arte e a constituição de seu campo no Ocidente. Destaca os principais desen- volvimentos históricos da ideia de arte e suas ressonâncias no ensino e na elaboração de um escopo teórico e prático da arte na educação. Em seguida, atém-se às ideias do filósofo alemão Friedrich Schiller sobre a formação estética, em especial aquelas desenvolvidas no livro A educação estética do homem: numa série de cartas (1989), no qual defende que a arte é matéria fundamental para a construção da mora- lidade e, por extensão, da vida em sociedade. A escolha de Schiller não é casual. Trata-se de um dos precursores da arte-educação, ao colocar em debate as relações entre arte e formação para a vida em sociedade. 8 Metodologias em arte-educação M at er ia l p ar a us o ex cl us ivo d e al un o m at ric ul ad o em c ur so d e Ed uc aç ão a D is tâ nc ia d a Re de S en ac E AD , d a di sc ip lin a co rre sp on de nt e. P ro ib id a a re pr od uç ão e o c om pa rti lh am en to d ig ita l, s ob a s pe na s da L ei . © E di to ra S en ac S ão P au lo .A relação entre arte e educação pode se centrar em diferentes eixos. Nem todos queremos ser artistas, mas todos podemos reconhecer a experiência estética que se manifesta em cada um no contato com as obras. Na sala de aula, há lugar para desenvolver a experiência e a expres- são artísticas, para cultivar valores e compreender melhor a si mesmo ou, simplesmente, para reforçar ou ilustrar o conteúdo de outras disciplinas por meio da arte. Não existe uso ou presença mais ou menos nobre da arte na educa- ção, e todas as possibilidades serão consideradas neste livro. Por isso, a última parte do primeiro capítulo tratará da situação contemporânea do ensino de arte. 1 A contribuição da arte para a educação Arte é uma daquelas ideias difíceis de definir. Faltam palavras para descrever a emoção diante de uma obra e os múltiplos sentidos que ela pode suscitar. Essa sensação é o que se costuma chamar de experi- ência estética, um aspecto simultaneamente subjetivo e social. Nossa apreciação depende de uma série de fatores, incluindo o contato pré- vio com conteúdos artísticos, nosso repertório e nossa formação. O sociólogo francês Pierre Bourdieu (2007) desenvolveu pesquisas que revelam como as escolas frequentadas durante o período de formação determinam as preferências artísticas das pessoas. De um ponto de vista subjetivo, há a experiência estética; de outro, as concepções de cada época e cada cultura sobre o que é arte. Refletindo sobre o sig- nificado de arte, o professor e crítico Alfredo Bosi (1989, p. 8) afirma: É preciso refletir sobre este dado incontornável: a Arte tem repre- sentado, desde a Pré-História, uma atividade fundamental do ser humano. Atividade que, ao produzir objetos e suscitar certos esta- dos psíquicos no receptor, não esgota absolutamente o seu senti- do nessas operações. Estas decorrem de um processo totalizante, que as condiciona: o que nos leva a sondar o ser da Arte enquanto modo específico de os homens entrarem em relação com o univer- so e consigo mesmos. 9Interações filosóficas entre arte e educação M aterial para uso exclusivo de aluno m atriculado em curso de Educação a Distância da Rede Senac EAD, da disciplina correspondente. Proibida a reprodução e o com partilham ento digital, sob as penas da Lei. © Editora Senac São Paulo. Como destaca Bosi (1989), a arte é uma forma de conhecimento baseada na percepção do mundo e no sentir das coisas. Analisando sob a perspectiva da expressão estética, no ato de o artista traduzir suas ideias ou emoções em formas plásticas ou outros processos cria- tivos, há também uma multiplicidade de fatores envolvidos. No ato criador da imagem, são postos em cena os elementos co- nhecidos pelo sujeito que cria. Ao criar, ele os transforma em algo novo que adquire significado na obra produzida. Como um jogo, o criador transforma o percebido em linguagem plástica e reconstrói a forma, dando-lhe significado. (PEREIRA, 2008, p. 17) A maioria das pessoas que frequentaram o ensino básico tem lembranças das aulas de artes. Muitas vezes, elas são associadas ao tempo lúdico, à recreação e ao descanso, momentos “não sérios” das horas passadas na escola. Também é comum que as artes apareçam como ilustração ou complemento de outras disciplinas. Outras vezes, elas são aplicadas na escola como forma de educação afetiva, para tratar de problemas disciplinares ou, no ensino médio, de tópicos sen- síveis da fase adolescente, como sexualidade, drogas e exposição nas redes sociais. Raramente as artes são ensinadas como expressões autônomas, com exceção da literatura, que tem um espaço nobre nos currículos. Na formação universitária, arte e educação constituem, hoje, cam- pos de investigação distintos, e, muitas vezes, a associação entre uma e outra não é tranquila, ainda que se fale de arte nos cursos de peda- gogia e haja disciplinas “da educação” nas licenciaturas em artes. A história da educação, no entanto, traz elementos instigantes para pensarmos a contribuição das artes na formação dos alunos, con- forme veremos panoramicamente a seguir. As artes estão presentes em toda a história da educação. Entre os gregos, a paideia (literalmente, “criação de meninos”) incluía a ini- ciação musical como uma forma de educação e tinha como princípio 10 Metodologias em arte-educação M at er ia l p ar a us o ex cl us ivo d e al un o m at ric ul ad o em c ur so d e Ed uc aç ão a D is tâ nc ia d a Re de S en ac E AD , d a di sc ip lin a co rre sp on de nt e. P ro ib id a a re pr od uç ão e o c om pa rti lh am en to d ig ita l, s ob a s pe na s da L ei . © E di to ra S en ac S ão P au lo .a transmissão de costumes coletivos. Ao longo do tempo, passou a incluir a dança e a literatura como instrumentos para o desenvolvi- mento de virtudes. Ainda que repleto de proibições, o ensino de artes continuou na Idade Média por meio da Igreja. O ensino escolástico1 incluía em seu currículo aulas de música e retórica. Como esse ensino dependia da autorização dos bispos, que, por medo de perder o poder, dificultavam a proliferação das escolas, surgiram as universitas, associações de professores e alu- nos que deram origem às universidades. Nestas, o ensino era dividido em quatro faculdades: direito, medicina, teologia e artes, sendo a última dirigida diretamente pelo reitor. Na Baixa Idade Média (séculos XII a XV), surgem as guildas, associa- ções profissionais que funcionam como corporações de ofício e exer- cem, entre outras funções, o ensino de atividades artesanais. Nessa época, os artistas plásticos não se diferenciavam de outros trabalha- dores manuais – o status dos artistas só passaria a ser diferenciado a partir do Renascimento. Tomemos como exemplo as duas pinturas a seguir. Ambas têm o mesmo título, Maestà, nome que os artistas da Idade Média e do Renascimento usavam para se referir às representações de Maria, mãe de Jesus, entronizada. As obras foram pintadas praticamente na mesma época: a primeira, por volta de 1290, e a segunda, por volta de 1306. Reparemos que, apesar de retratarem o mesmo tema, há diferenças sig- nificativas entre elas. Na primeira, os anjos são todos do mesmo tama- nho e não olham para Maria. Esta, por sua vez, segura frouxamente um Jesus bebê de tamanho desproporcional, muitomaior do que se supõe ser uma criança de colo, parecendo prestes a escorregar. Na segunda pintura, os anjos do fundo são menores do que os da frente, criando a ilusão de profundidade. Eles olham para Maria, compondo uma cena. 1 O termo “escolástica” se refere ao ensino feito pela Igreja na Idade Média, que gerou um modelo repetido em instituições judaicas e muçulmanas. 11Interações filosóficas entre arte e educação M aterial para uso exclusivo de aluno m atriculado em curso de Educação a Distância da Rede Senac EAD, da disciplina correspondente. Proibida a reprodução e o com partilham ento digital, sob as penas da Lei. © Editora Senac São Paulo. A imagem de Jesus bebê também é desproporcional, mas com uma diferença: ele está sentado com segurança no colo de sua progenitora. A ilusão de profundidade trazida pelas técnicas de perspectiva passa a sensação de paz e conforto. Para nossa surpresa, Cimabue, autor da primeira pintura, foi professor de Giotto, autor da segunda. Figura 1 – Maestà, Cimabue Fonte: Mei (2006). 12 Metodologias em arte-educação M at er ia l p ar a us o ex cl us ivo d e al un o m at ric ul ad o em c ur so d e Ed uc aç ão a D is tâ nc ia d a Re de S en ac E AD , d a di sc ip lin a co rre sp on de nt e. P ro ib id a a re pr od uç ão e o c om pa rti lh am en to d ig ita l, s ob a s pe na s da L ei . © E di to ra S en ac S ão P au lo . Figura 2 – Ognissanti Maestà, Giotto Fonte: The Yorck Project (2002). O que causa tanta diferença entre uma imagem e outra? Cimabue é um pintor da Baixa Idade Média, época em que a perspectiva ainda não havia sido inventada e os critérios que definiam uma obra de arte bem-feita eram diferentes daqueles que Giotto, um dos precursores do Renascimento, viria a defender. Não se trata de julgar qual deles era mais avançado ou pintava melhor. Ambos foram mestres em seus estilos. Neste e nos próximos capítulos, vamos refletir sobre como Giotto, tendo sido discípulo de Cimabue, pôde se diferenciar do seu professor, e, assim, pensaremos as relações entre arte e educação. 13Interações filosóficas entre arte e educação M aterial para uso exclusivo de aluno m atriculado em curso de Educação a Distância da Rede Senac EAD, da disciplina correspondente. Proibida a reprodução e o com partilham ento digital, sob as penas da Lei. © Editora Senac São Paulo. No livro O olhar renascente: pintura e experiência social na Itália da Renascença (1991), o historiador Michael Baxandall elucida questões centrais sobre a mudança radical operada pelo Renascimento no que se entende por arte e o seu impacto no ensino, com o qual lidamos até hoje. Baxandall (1991) dedica o segundo capítulo do livro à pers- pectiva e às formas criadas por essa técnica de desenho e pintura, um estilo cognitivo que é ensinado até hoje. No entanto, a revolução mais importante é a valorização da autoria, que definiu os contornos do campo artístico, criou as instituições de ensino de arte existentes ainda hoje, propiciou o aparecimento da crítica de arte e estabeleceu critérios de separação entre a Arte erudita (com inicial maiúscula) e as artes chamadas de populares. Analisando contratos entre artistas e mecenas, Baxandall cons- tata que houve, entre o final da Idade Média e o Renascimento, uma mudança na relação da sociedade com os artistas. Se antes os pinto- res eram contratados por encomenda para realizar tarefas específicas, sem ter os seus nomes reconhecidos, no Renascimento eles se torna- ram, sobretudo, criadores cujas obras precedem as relações comerciais de compra e aquisição. O pintor deixa de ser apenas um trabalhador manual para adquirir outro status, mais valorizado socialmente. Deixa as guildas para pertencer às academias, locais que promovem o ensino das artes e os dispositivos de consagração de um artista. A pintura, por sua vez, ganha espaço na filosofia e na história, passando a ser vista como uma forma de conhecimento. Não é por acaso que nos lembramos com mais facilidade de pin- tores que surgiram a partir do Renascimento e temos dificuldade, ou sequer conhecemos, artistas da Antiguidade ou da Idade Média. A autoria trouxe a ideia de que uma obra, para ser considerada Arte (com inicial maiúscula), deve ser única e exclusiva. Se hoje falamos em restauração de obras de arte – para que se aproximem, séculos depois, do que o artista fez em sua época –, é porque ainda valoriza- mos a autoria e a singularidade de cada criação. Ao contrário, a arte 14 Metodologias em arte-educação M at er ia l p ar a us o ex cl us ivo d e al un o m at ric ul ad o em c ur so d e Ed uc aç ão a D is tâ nc ia d a Re de S en ac E AD , d a di sc ip lin a co rre sp on de nt e. P ro ib id a a re pr od uç ão e o c om pa rti lh am en to d ig ita l, s ob a s pe na s da L ei . © E di to ra S en ac S ão P au lo .chamada de popular é anônima, reprodutível, pode ser modificada por quem a adquire e tem valor utilitário. Com esse novo sistema de funcionamento do campo artístico, as instâncias de aprendizado e legitimação também mudam. Surge a figura do crítico de arte, um conhecedor especializado que julga as obras a partir dos critérios determinados pelas academias, locais de aprendizagem e avaliação do fazer artístico. Ambos, crítica e aca- demia, concebem a ideia de “belas artes”, limitando as expressões artísticas que merecem ser chamadas de Arte (com inicial maiúscula) a certas linguagens (a princípio, pintura, escultura, música, dança e literatura). As demais linguagens eram consideradas artes aplicadas, desprestigiadas como mero trabalho manual, à exceção do teatro, cuja parte escrita era válida como literatura, ao passo que os artistas da cena (incluindo atores) não eram igualmente reconhecidos. Até o final do século XVIII, a crítica e as academias consolidaram o processo, iniciado no Renascimento, que criou regras para o fazer dos artistas. Ao mesmo tempo, o ensino de artes era objeto de investigação de filósofos que se dedicavam a entender a expressão e a experiência estéticas. Um deles, Friedrich Schiller, notabilizou-se por suas reflexões a respeito da aprendizagem artística, como veremos a seguir. 2 Schiller e a educação estética Friedrich Schiller foi um poeta, filósofo e historiador alemão que exerceu grande influência no pensamento estético da segunda metade do século XVIII até meados do século XIX. Uma de suas principais obras é A educação estética do homem: numa série de cartas (1989),2 um conjunto de cartas que escreveu em 1793 ao seu amigo, o Duque de Augustemburgo. Nelas, apresenta os seus ideais educativos, 2 A tradução utilizada neste livro é a de Roberto Schwarz e Márcio Suzuki (SCHILLER, 1989). 15Interações filosóficas entre arte e educação M aterial para uso exclusivo de aluno m atriculado em curso de Educação a Distância da Rede Senac EAD, da disciplina correspondente. Proibida a reprodução e o com partilham ento digital, sob as penas da Lei. © Editora Senac São Paulo. inseparáveis de suas concepções sobre a arte e contribuições para a formação das pessoas.3 A educação estética é um dos temas centrais do pensamento de Schiller. Suas ideias são precursoras do Romantismo, vindas do movi- mento literário alemão Sturm und Drang (Tempestade e Ímpeto), do qual fez parte. Esse movimento voltava-se contra o racionalismo ilu- minista, que colocava a razão acima de qualquer afeto, e o classicismo francês, que impunha regras rígidas para o fazer artístico. O Sturm und Drang defendia o sentimento e a emoção contra a frieza do racionalismo. Além disso, Schiller valorizou o teatro, linguagem que, em sua época, não fazia parte das belas artes. Schiller se tornou um autor bastante lido no século XIX e na virada para o século XX, quando suas ideias também foram consideradas para pensar o cinema como linguagem artística.Assim como a maioria dos intelectuais alemães do período, Schiller tinha muitas expectativas em relação à Revolução Francesa. A educa- ção estética do homem: numa série de cartas (1989) é uma obra que, em larga medida, busca entender o fracasso dessa revolução, que se trans- formou em um regime de terror e não levou adiante o lema “liberdade, igualdade e fraternidade”. Para Schiller, faltou elevar o caráter moral dos franceses, tocando suas almas com a beleza. A Revolução Francesa foi, para ele, um grande momento, mas que encontrou homens fracos. Era necessário, portanto, educação estética para chegar ao conhecimento e para desenvolver padrões morais elevados por meio da beleza.4 3 Sempre que possível, será evitado neste livro o uso da palavra “homem” como sinônimo de humanidade. Outras possibilidades, menos sexistas, terão preferência. 4 A ideia de beleza e o conceito de belo mudam conforme o período, o autor e a escola filosófica. Para Schiller, a beleza está diretamente relacionada com a liberdade, quando as formas expressam uma vontade pura, livre de qualquer interferência externa. Schiller também desenvolveu o conceito de beleza moral, expressão de uma bela alma. 16 Metodologias em arte-educação M at er ia l p ar a us o ex cl us ivo d e al un o m at ric ul ad o em c ur so d e Ed uc aç ão a D is tâ nc ia d a Re de S en ac E AD , d a di sc ip lin a co rre sp on de nt e. P ro ib id a a re pr od uç ão e o c om pa rti lh am en to d ig ita l, s ob a s pe na s da L ei . © E di to ra S en ac S ão P au lo .Para Schiller (1989), pela beleza, o homem sensível é conduzido à forma e ao pensamento e o homem espiritual é reconduzido à matéria e ao mundo sensível. Em outras palavras, a razão, sozinha, não conduziria os indivíduos à moralidade e à ética. Antes, a formação estética levaria à formação moral. É por meio da estética que o ser humano chegaria à sua humanidade máxima, pois a arte é o corolário da vida. É preciso que a beleza interfira em nossa realidade física para chegarmos à moralidade. Nesse sentido, Schiller ia contra o utilitarismo vigente em sua época. O belo suscita uma dimensão lúdica, essencial para a fruição estética. O homem deve ser moral, nem totalmente espírito, nem totalmente maté- ria. É preciso alcançar um equilíbrio entre o impulso sensível e o impulso racional, entre a forma e a matéria. Assim, o ensino de artes é uma formação ao mesmo tempo estética e moral, pois prepara os indivíduos para a liberdade. Só é realmente livre aquele que cultiva sua sensibilidade sem submeter-se cegamente aos imperativos da lei e da sociedade. Teatro, música, romance e poesia são tratados por Schiller como indispensáveis para a educação. PARA SABER MAIS Devido a problemas de saúde, Schiller morreu muito jovem, aos 46 anos. Sua importância para a cultura ocidental, porém, é tão vasta que pode ser observada em situações inusitadas: • Seu poema Hino da alegria (em alemão, An die freude), escrito em 1795, é a letra do quarto movimento da muito conhecida 9a Sinfonia de Ludwig van Beethoven. Uma versão legendada em por- tuguês está disponível no YouTube (BEETHOVEN..., 2018). • As ideias de Schiller chegaram ao Brasil no século XIX, vindas de traduções publicadas na França e em Portugal. Gonçalves Dias, autor da Canção do exílio, foi um grande fã de Schiller e preferiu ler suas obras diretamente em alemão. Especialistas apontam a influência de Schiller nas obras teatrais de Dias. 17Interações filosóficas entre arte e educação M aterial para uso exclusivo de aluno m atriculado em curso de Educação a Distância da Rede Senac EAD, da disciplina correspondente. Proibida a reprodução e o com partilham ento digital, sob as penas da Lei. © Editora Senac São Paulo. 3 A arte em diferentes abordagens pedagógicas contemporâneas Os fundamentos do campo artístico erigidos a partir do Renascimento, assim como as instituições para o ensino e a legitimação do fazer artís- tico deles decorrentes, começaram a ruir no final do século XIX. Em 1863, a Academia Francesa de Pintura e Escultura rejeitou uma quantidade tão grande de artistas em seu salão anual que o imperador Napoleão III determinou a abertura de uma exposição paralela, apelidada de Salão dos Recusados, que atraiu grande público e notabilizou artistas como Claude Monet e Édouard Manet. Uma das telas expostas, Almoço na relva, de Manet, foi ridicularizada pelos membros da Academia. Em res- posta, o pintor teria dito: “Riam, imbecis de Paris. Nós vamos conquistar vocês”. E, de fato, conquistaram. O Impressionismo abriu caminho para o surgimento das vanguardas e até mesmo da arte contemporânea. Figura 3 – Almoço na relva, Édouard Manet Fonte: Lejeune (2017). 18 Metodologias em arte-educação M at er ia l p ar a us o ex cl us ivo d e al un o m at ric ul ad o em c ur so d e Ed uc aç ão a D is tâ nc ia d a Re de S en ac E AD , d a di sc ip lin a co rre sp on de nt e. P ro ib id a a re pr od uç ão e o c om pa rti lh am en to d ig ita l, s ob a s pe na s da L ei . © E di to ra S en ac S ão P au lo .Não era somente nas artes visuais que o campo artístico começava a mudar. No teatro, surgiam os autores da chamada “crise do drama”, que escreviam sem se importar com o que ditavam as academias de letras. Na dança, Isadora Duncan libertava os movimentos da rigidez do balé clássico. Na mesma época, as inovações musicais de Debussy influen- ciavam compositores como Béla Bartók, Ravel e até mesmo o brasileiro Heitor Villa-Lobos. As academias deixavam de ser o local privilegiado de aprendizagem artística, abrindo espaço para os ateliês e as escolas livres. Foram surgindo métodos de ensino específicos para cada lingua- gem artística, para além do virtuosismo e do ensino da técnica, unindo as novas manifestações de vanguarda a inovações pedagógicas. É o caso do espontaneísmo de Isadora Duncan e dos estudos coreo- gráficos de Rudolf Laban, que foram determinantes para o ensino da arte-educação aplicada à dança por Maria Duschenes, no Brasil. No campo da filosofia, destaca-se John Dewey, filósofo estaduni- dense que colocou as experiências estéticas como ponto de partida para o ensino de artes. Para Dewey (2010), a arte propiciaria uma expe- riência consumatória no processo de ensino-aprendizagem. Ana Mae Barbosa, um dos nomes mais importantes da arte-educação no Brasil, lembra, porém, que uma visão equivocada sobre as artes na educação permeou o projeto modernista da Escola Nova no Brasil. Anísio Teixeira, que foi aluno de Dewey no Teachers College, da Columbia University, compreendeu que esse conceito se referia a uma parte final das ativida- des didáticas; Dewey, no entanto, pensava a experiência consumatória não como uma fase, mas como um procedimento que permeava todo o processo, fazendo uma ponte entre o teórico e o empírico, entre o vivido e sua reflexão crítica. Segundo Barbosa (2011), esse equívoco levou Teixeira a relegar a arte à função de ajudar a criança a organizar e fixar noções apreendidas em outras áreas de estudo.5 5 De acordo com Ana Mae Barbosa, Anísio Teixeira não foi o único a compreender dessa forma a ideia de experiência consumatória, que também esteve presente nas Escolas Progressistas da década de 1930, nos Estados Unidos. 19Interações filosóficas entre arte e educação M aterial para uso exclusivo de aluno m atriculado em curso de Educação a Distância da Rede Senac EAD, da disciplina correspondente. Proibida a reprodução e o com partilham ento digital, sob as penas da Lei. © Editora Senac São Paulo. Nos próximos capítulos, vamos abordar diferentes vertentes para refletir sobre o ensino de arte e para propor novas abordagens inclusi- vas e abrangentes. São muitas as possibilidades de ensino de arte. Há iniciativas focadas na formação da cidadania por meio do fomento a atividadesculturais. Pari passu, movimentos sociais têm incorporado expressões artísticas como veículo para denúncias e reivindicações. Da mesma forma, oficinas de arte visam empoderar segmentos estigmatiza- dos. A arte não é estática, mas está sempre em processo de renovação, e temas antes ignorados nos currículos passam a fazer parte dos espaços de ensino. Abordagens decoloniais, feministas, queer e não capacitistas ganham espaço tanto no ensino formal quanto nas instituições culturais. Figura 4 – The blue bra girls, Ghada Amer Uma escultura como The blue bra girls (Garotas do sutiã azul), de Ghada Amer, é uma expressão dessas novas demandas. A artista, nascida no Egito, teve como disparador para essa obra a foto de uma muçulmana durante os protestos na Praça Tahrir, no Cairo, em 2011. A imagem, que viralizou nas redes sociais, mostrava a mulher sendo arrastada por sua vestimenta, deixando à mostra suas roupas íntimas. 20 Metodologias em arte-educação M at er ia l p ar a us o ex cl us ivo d e al un o m at ric ul ad o em c ur so d e Ed uc aç ão a D is tâ nc ia d a Re de S en ac E AD , d a di sc ip lin a co rre sp on de nt e. P ro ib id a a re pr od uç ão e o c om pa rti lh am en to d ig ita l, s ob a s pe na s da L ei . © E di to ra S en ac S ão P au lo .A obra de Ghada Amer traz a imagem de várias mulheres em pé e se dando as mãos, remetendo à ideia de sororidade cara ao feminismo contemporâneo. Formada em belas artes, a artista encontrou formas de expressão bem diferentes daquelas ensinadas nas academias até o século XIX. Um trabalho como esse, relacionando a expressão subje- tiva, a formação em artes e a trajetória pessoal da artista, só é possível em nosso tempo. Concomitantemente, o advento de novas tecnologias é outro fator que impõe reflexões tanto sobre o estatuto da arte quanto sobre seu ensino. Essa discussão já se fazia quando surgiu o cinema, mas inten- sificou-se em anos recentes com as tecnologias digitais e on-line. Redes, algoritmos, inteligência artificial (IA), token não fungível (NFT), metaverso, realidade ampliada e outras novidades colocam em xeque até mesmo as rupturas do final do século XIX. Apesar do ambiente inovador, algumas vertentes modernas e con- temporâneas ainda instrumentalizam as artes na escola, fazendo-as de suporte ou ilustração para outras disciplinas. É o caso do uso de cinema em aulas de história ou de música em aulas de língua estrangeira. Esse uso instrumental descarta os aspectos afetivos da aquisição de conheci- mentos. Ainda que válidos – se bem conduzidos –, esses procedimentos se limitam ao uso aplicado das artes, impedindo os alunos de compreen- der as linguagens artísticas como expressão ou experiência. PARA SABER MAIS Livros para quem quiser aprofundar os tópicos desenvolvidos neste capítulo: • Isso é Arte? 150 anos de arte moderna do impressionismo até hoje, de Will Gompertz (2013). • A transfiguração do lugar-comum, de Arthur C. Danto (2011). • John Dewey e o ensino da arte no Brasil, de Ana Mae Barbosa (2011). • As regras da arte, de Pierre Bourdieu (1996). 21Interações filosóficas entre arte e educação M aterial para uso exclusivo de aluno m atriculado em curso de Educação a Distância da Rede Senac EAD, da disciplina correspondente. Proibida a reprodução e o com partilham ento digital, sob as penas da Lei. © Editora Senac São Paulo. Considerações finais A história da arte tem uma relação íntima com a filosofia da educa- ção e com os processos de ensino-aprendizagem. O conceito de arte muda conforme a cultura e o período histórico, e isso afeta diretamente a forma como a arte é inserida na educação. Neste capítulo, tratamos de quatro possibilidades: 1. A arte como ilustração ou aprofundamento de conhecimentos oriundos de outros campos disciplinares. 2. O ensino de arte como veículo para a formação de valores, agindo sobre o comportamento dos alunos. 3. A arte apresentada como forma de expressão dos alunos, condu- zindo-os para o aprendizado e o domínio técnico das linguagens. 4. O ensino da arte para ampliar as possibilidades de fruição e expe- riência estética dos estudantes. Cada professor, em sua prática – e de acordo com seus objetivos –, poderá enfatizar um ou outro aspecto, ou combiná-los entre si. Ao longo deste livro, essas quatro possibilidades serão apresentadas em relação às diferentes linguagens artísticas, em diferentes perspectivas históricas, metodológicas e didáticas, incluindo temas transversais como as questões identitárias e as novas tecnologias. É possível traçar uma linha que vai de Cimabue a Ghada Amer, pas- sando por Giotto e Manet, artistas que tiveram obras analisadas neste capítulo. As quatro obras remetem a diferentes momentos da história, com técnicas de composição próprias e visões diferentes sobre o ensino de arte. Cimabue viveu em um tempo no qual os artistas não se diferen- ciavam dos trabalhadores manuais, realidade diferente da encontrada por seu aluno Giotto. As regras da arte do tempo de Giotto, por sua vez, foram subvertidas pelo impressionista Manet, que rompeu com a 22 Metodologias em arte-educação M at er ia l p ar a us o ex cl us ivo d e al un o m at ric ul ad o em c ur so d e Ed uc aç ão a D is tâ nc ia d a Re de S en ac E AD , d a di sc ip lin a co rre sp on de nt e. P ro ib id a a re pr od uç ão e o c om pa rti lh am en to d ig ita l, s ob a s pe na s da L ei . © E di to ra S en ac S ão P au lo .Academia Francesa. Ghada Amer é uma expoente da arte contemporâ- nea que trouxe temas atuais como o feminismo e a Primavera Árabe. Sua educação formal quase não tem impacto sobre sua produção. Predominam na história da arte-educação didáticas pensadas para o ensino das artes visuais. No entanto, cada linguagem tem suas vertentes, o que será tema do próximo capítulo. Além disso, como fica a posição do educador quando ele mesmo é um artista? Essa questão é crucial para a compreensão mais ampla dos processos de ensino e aprendizagem. Referências BARBOSA, A. M. John Dewey e o ensino da arte no Brasil. São Paulo: Cortez, 2011. BAXANDALL, M. O olhar renascente: pintura e experiência social na Itália da Renascença. São Paulo: Paz e Terra, 1991. BEETHOVEN – sinfonia No. 9 - 4o movimento (legendada/traduzida). [S. l.: s. n.], 2018. 1 vídeo (13 min). Publicado pelo canal Vinícius Lz. Disponível em: https:// www.youtube.com/watch?v=tXqGqP8uZu0. Acesso em: 6 set. 2022. BOSI, A. Reflexões sobre a arte. São Paulo: Ática, 1989. BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre: Zouk, 2007. BOURDIEU, P. As regras da arte. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. DANTO, A. A transfiguração do lugar-comum. São Paulo: Cosac & Naify, 2011. DEWEY, J. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010. GOMPERTZ, W. Isso é arte? 150 anos de arte moderna do impressionismo até hoje. São Paulo: Zahar, 2013. IAVELBERG, R. Para gostar de aprender arte: sala de aula e formação de professores. Porto Alegre: Artmed, 2010. E-book. 23Interações filosóficas entre arte e educação M aterial para uso exclusivo de aluno m atriculado em curso de Educação a Distância da Rede Senac EAD, da disciplina correspondente. Proibida a reprodução e o com partilham ento digital, sob as penas da Lei. © Editora Senac São Paulo. LEJEUNE, G. Le déjeuner sur l’herbe, Edouard Manet, 1863. Marked with CC0 1.0. Disponível em: https://wordpress.org/openverse/image/2120a35c-b953- 46a8-a132-2b157638333f. Acesso em: 19 maio 2022. MEI, J. Madonna enthroned cimabue. Licensed under CC BY 2.0. Disponível em: https://wordpress.org/openverse/image/993be225-0dcd-43cb-b566- 4a2c58f94359. Acesso em: 19 maio 2022. PEREIRA, K. H. Como usar artes visuais na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2008. E-book. SCHILLER, F. A educação estética do homem: numa sériede cartas. São Paulo: Iluminuras, 1989. THE YORCK PROJECT (2002) 10.000 Meisterwerke der Malerei (DVD-ROM), distributed by DIRECTMEDIA Publishing GmbH.
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