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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE 
INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SOCIEDADE E DESENVOLVIMENTO REGIONAL 
BACHAREL EM CIÊNCIAS ECONÔMICAS 
 
 
 
 
GABRIEL ROSA NUNES 
 
 
 
 
 
 
ENTRE SUBSTÂNCIAS E PESSOAS: 
o caráter necropolítico da “guerra às drogas” 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CAMPOSDOS GOYTCAZES, RJ 
2023 
GABRIEL ROSA NUNES 
 
 
 
 
 
 
ENTRE SUBSTÂNCIAS E PESSOAS: 
o caráter necropolítico da “guerra às drogas” 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao 
Instituto de Ciências da Sociedade e 
Desenvolvimento Regional, da Universidade 
Federal Fluminense, como requisito parcial 
para conclusão do curso de Bacharel em 
Ciências Econômicas. 
 
Orientador: Prof. Dr. Maracajaro Mansor 
Silveira 
 
 
 
 
 
 
CAMPOS DOS GOYTACAZES, RJ 
2023 
GABRIEL ROSA NUNES 
 
 
 
ENTRE SUBSTÂNCIAS E PESSOAS: 
o caráter necropolítico da “guerra às drogas” 
 
 
 
 
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao 
Instituto de Ciências da Sociedade e 
Desenvolvimento Regional, da Universidade 
Federal Fluminense, como requisito parcial 
para conclusão do curso de Bacharel em 
Ciências Econômicas 
 
 
 
Aprovada em 13 de dezembro de 2023. 
 
BANCA EXAMINADORA 
_____________________________________________ 
Prof. Dr.Maracajaro Mansor Silveira – UFF 
 
_____________________________________________ 
Prof. Drª. Daniela Franco Cerqueira – UFF 
 
_____________________________________________ 
Prof. Drª. Vanessa Lopes Teixeira– UFF 
 
_____________________________________________ 
Prof. Drª Renata de Souza Francisco - UENF 
 
CAMPOS DOS GOYTACAZES, RJ 
2023 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
Em primeiro lugar, quero agradecer a minha querida e tão amada mãe por ser a 
pessoa incrível que foi e continua ser ao longo da minha jornada neste plano. Sem todo o 
esforço feito para que não faltasse meios para eu ter acesso aos estudos nada disso seria 
possível, como gostamos de brincar “lá em casa, algumas vezes, faltou comida, mas nunca 
livros”. 
Quero deixar também meu agradecimento a minha vovó Cida, a melhor vovó do 
mundo! Uma mulher que criou 6 filhos apesar de todas as dificuldades impostas pela trágica 
condição social de ser uma mulher negra e pobre. A minha avó é o principal motivo de eu 
falar sobre esse tema e ter optado por cursar ciências econômicas. 
Gostaria de agradecer aos meus amigos pois sem eles jamais conseguiria sobreviver 
na cidade de Campos dos Goytacazes. Em especial o GB que acompanhou grande parte da 
minha trajetória e muitas vezes, com seu afeto, carinho, escuta, troca, atenção e amizade me 
mostrou que a experiência de ser um homem negro pode e deve ser muito melhor do que é. 
Markin e Ícaro, meus amigos de infância, que me motivam a ser uma pessoa melhor e sempre 
apoiaram meus sonhos incondicionalmente. 
Aos amigos que moraram comigo depois da pandemia (Art, Méu, Fábio Zé e Fábio 
Punk) também gostaria de expressar meus agradecimentos porque compartilhamos 
experiências únicas e incríveis dotadas de amor, momentos que por muitas vezes me expandiu 
no sentido de ser amado e amar, com certeza me fizeram aprender o sentido de família. 
Reconheço que não sou uma pessoa fácil de conviver, eles me mostraram que mesmo assim é 
sempre possível vivermos amorosamente com quem se gosta. Menciono neste parágrafo, 
ademais, a minha tropinha da terapia (Vinicin, Italin, Hugão, Thomaz, Ancorano, Careca, 
Rasta e Andrei) que fazem meus dias melhores quando estamos juntos compartilhando de 
momentos engraçados descontraídos, estar com vocês é sempre muito bom. 
Acredito que a vida é bem melhor quando vivemos coletivamente e que essa visão 
individual de tudo, faz parte de um sistema que nos aprisiona e reduz nossas experiências. Por 
isso, meu agradecimento aos coletivos negros Dores Enjauladas, Balbúrdia e Mercedes 
Baptista. Esses coletivos ajudaram a me constituir enquanto intelectual, artista e negro. 
Por último, mas não menos importante, gostaria de agradecer ao meu amigo e 
orientador Maracajaro. Ele mudou minha vida dentro da academia seja por meio das aulas ou 
do simples fato de perguntar como estou, dentro do curso foi único professor a trazer autores 
não convencionais e repetitivos, depois aceitou embarcar na aventura da elaboração desta 
pesquisa, obrigado maraca! 
RESUMO 
 
 
Essa pesquisa busca evidenciar que a política de combate às drogas é permeada pela 
necropolítica e que essa prática resulta, na maioria das vezes, em mortes de corpos negros. 
Para o embasamento da discussão, trago conceitos como a necropolítica, a construção social 
do negro brasileiro, proibicionismo e valor das drogas que ajudam a compreender e expandir 
os conhecimentos acerca do tema. A análise sobre a questão é importante pois mostra que a 
história econômica brasileira atua na perpetuação do negro como classe subalterna na 
sociedade. Nesse sentido, as matérias do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) 
também fomentam o debate. 
 
 
Palavras-chave: Necropolítica. Drogas. Mercadorias. Economia Brasileira. 
 
ABSTRACT 
 
 
This research seeks to highlight that the policy to combat drugs is permeated by necropolitics 
and that this practice results, most of the time, in deaths of black bodies. To support the 
discussion, I bring concepts such as necropolitics, the social construction of black Brazilians, 
prohibitionism and the value of drugs that help to understand and expand knowledge on the 
topic. The analysis of the issue is important because it shows that Brazilian economic history 
acts in the perpetuation of black people as a subordinate class in society. In this sense, articles 
from the Institute of Applied Economic Research (IPEA) also encourage debate. 
 
 
Keywords: Necropolitics. Drugs. Goods. . Brazilian economy. 
 
SUMÁRIO 
 
 
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 10 
2 NECROPOLÍTICA ........................................................................................................... 134 
2.1 A RELAÇÃO ENTRE POLÍTICA E MORTE ............................................................. 15 
2. 2 TERROR MODERNO .................................................................................................... 18 
3 CONSTRUÇÃO SOCIAL E DO SER NEGRO NO BRASIL ........................................ 22 
3.1 PÓS ABOLIÇÃO .............................................................................................................. 23 
3. 2 CONJUNTO DE LEIS, A PERPETUAÇÃO DO NEGRO COMO SUBHUMANO 25 
3. 2. 1 Pito do Pango ................................................................................................................. 27 
3. 2. 2 Lei da Vadiagem ............................................................................................................ 28 
4 O PROIBICIONISMO E O USO DAS DROGAS ............................................................ 31 
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 39 
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 44 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
10 
1 INTRODUÇÃO 
A ação de combate às drogas implica uma série de decisões políticas e econômicas que 
afetam diretamente o cotidiano da sociedade, seja individualmente ou na maneira conjunta 
que vivemos. No Brasil, em especial no estado do Rio de Janeiro, só cresce o número de 
vítimas. A necropolítica é o principal aparato que explica a soberania Estatal no direito de 
fazer morrer, definindo assim, quem deve morrer e quem deve viver. Este trabalho tem por 
objetivos destacar a relevância e fazer com que cada vez mais economistas discutam acerca 
do tema, pois há uma relação direta com a economia brasileira, tanto no passado quanto nos 
dias atuais. Além de evidenciar as frequentese graves “falhas” do Estado que implicam no 
genocídio da população pobre, em especial os negros e negras. 
Necropolítica, que é definido como ato soberano de categorizar as pessoas entre quem 
deve morrer e viver, segundo o próprio autor, se caracteriza pela união de 3 estruturas de 
poder (a biopolítica somado ao estado sítio e estado exceção) em que a raça é o principal elo 
de ligação entre eles. Achile Mbembe, criador da teoria, diz que a primeira forma dessa nova 
forma de horror é vista nos regimes coloniais e também apartheid. Uma das ações que 
legitima a dominação europeia é a definição de uma ordem jurídica. Esta ordem é ancorada 
por postular a igualdade jurídica e a territorialização do Estado soberano. A igualdade jurídica 
entre os terrenos se trata sobre o “direito de fazer guerra” , já a territorialização vem para 
determinar as fronteiras disponíveis para apropriação cultural. 
Fazendo uma correlação entre o que representa o direito de fazer guerra e a 
territorialização, temos que qualquer Estado tem a função de matar ou negociar a paz dentro 
do território estabelecido globalmente, ou seja, ele define seus próprios campos de batalha. 
Nesse contexto, a ordem jurídica europeia atua na distinção das regiões do mundo disponíveis 
para apropriação colonial. 
O Brasil, a partir da dominação europeia, está fadado a ser vítima da necropolítica e 
desde que iniciou-se a política do combate às drogas, essa relação só tende a aumentar. 
Daniela Ferrugem, autora do livro“Guerra às drogas e a manutenção da hierarquia racial” é 
muito assertiva ao falar que a política de combate às drogas é a única no mundo que busca um 
objetivo inalcançável. Pois as substâncias psicoativas estão presentes na sociedade desde 
sempre. O uso e a relação com as drogas são proporcionais ao tempo em que se vive, cada 
sociedade em sua determinada época usa de forma única. 
No capitalismo, vivemos a base do consumo, é o que dita a forma como usamos, ou 
seja, consumimos drogas. A relação do consumo como se dá nos dias atuais tem muito a ver 
com que Marx discute com o conceito de fetiche da mercadoria. 
11 
Uma vez que as mercadorias refletem a relação social dos produtores com o trabalho 
total, através disso que os produtos do trabalho se tornam mercadorias, o fetichismo é o 
produto da mão humana ao se apresentar no mundo das mercadorias, advindo do caráter 
social do trabalho que produz mercadorias. Dessa forma, consumir drogas se associa com o 
fetichismo, porque é a partir dele que as relações sociais passam a existir no consumo da 
mercadoria, trazendo esse cunho do excesso e depois atua também como afirmação social, 
prazer proibido, sensação de acesso. O caráter adoecedor desse sistema se mostra também no 
consumismo desenfreado que desumaniza cada vez mais a vida e as relações sociais 
existentes, resultando em privações básicas daquilo que é essencial, viver! Antes de 
debatermos sobre vícios em substâncias, devemos atentar para a discussão do vício em 
consumo, o que faremos a partir da importante discussão de Henrique Carneiro a respeito 
desse tópico. 
Ele ressalta que o ato de consumir drogas é uma condição eterna e foi potencializada 
na era mercantil e industrial, nos dias atuais tomou dimensões gigantescas. “Drogas para 
trabalhar, para dormir, para fazer sexo, para vencer a tristeza, o cansaço, o tédio, o 
esquecimento, a desmotivação.” (Carneiro, 2019, n.p). 
Somos todos drogados, mas se define pouco explicitamente a natureza comum de se 
tomar remédios psicoativos, bebidas alcoólicas, tabaco, café e substâncias ilícitas, 
separados por cargas simbólicas altamente significativas decorrentes de seus 
diferentes regimes de normatização. (CARNEIRO, 2019, n.p). 
 
As possíveis doenças causadas pelo uso das drogas seriam justificativas para um 
regimento diferente, porém a ciência mostra o contrário. Os países centrais, desde o fim do 
século XIX, estabeleceram um estatuto e imputaram às drogas uma separação em três 
categorias distintas: as substâncias ilícitas, lícitas medicinais e as lícitas recreativas. 
Se tratando especificamente do Brasil, que é o primeiro país do mundo a ter uma lei 
que criminaliza o uso da maconha, o pito do pango1. A lei foi responsável pela criminalização 
da maconha no estado do Rio de Janeiro, em 1830. E a forma que era consumida por pessoas 
negras, sendo vista como crime fumar em cachimbos de barro, evidenciando cada vez mais o 
racismo. 
O pito do pango, como passou a ser chamada a maconha, justamente por consumida 
em cachimbos pelos negros dos Palmares. Isso faz do país um exemplo muito específico e 
único e nos remete a pensar a construção da sociedade brasileira, em especial a sociedade 
 
1O pito do pango era um dos nomes dados à maconha, assim como Fumo de Angola. O primeiro lugar do mundo 
a criminalizar a maconha foi o Rio de Janeiro, através da Lei do Pito do Pango, de 4 de outubro de 1830 da 
Câmara Municipal do Rio de Janeiro. 
12 
negra brasileira. Verifica-se que desde o princípio negros e brancos são tratados de formas 
diferentes perante a justiça legal. 
Verifica-se nas posturas da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, em sessão de 4 de 
outubro de 1830, na Seção Primeira Saúde Pública, Título 2º, Sobre a Venda de 
Gêneros e Remédios, e sobre Boticário, entrou em vigor o seguinte § 7 
É proibida a venda e o uso do “Pito do Pango”, bem como a conservação dele em 
casas públicas: os contraventores serão multados, a saber, o vendedor em 20$000, e 
os escravos, e mais pessoas que dele usarem, em 3 dias de cadeia. 
 
A história do capitalismo europeu por muito tempo foi sobre a busca por substâncias 
psicoativas e especiarias, se tornando um dos principais fatores da expansão do mercado 
mundial. Assim, Carneiro mais uma vez traz algo bastante assertivo. “A história das drogas é, 
assim, antes de tudo, a história de suas regulações, da construção de seus regimes de 
circulação e das consequentes representações culturais e políticas de repressão, incitação ou 
tolerância.” (Carneiro, 2019, n.p). A modernidade está diretamente ligada com a produção da 
subjetividade e inserção das drogas de maneira global, fazendo parte até do desempenho fabril 
e militar, mais que isso, elas constituem uma demanda burguesa de instigação intelectual. 
Na obra de Abdias Nascimento, é ressaltada a construção social do negro brasileiro e 
como diversas políticas no âmbito social e econômico atuaram na manutenção de pessoas 
negras em classes subalternas. Destacando o mito da “democracia racial” como mecanismo de 
genocídio que ainda nos dias atuais acontece. E os processos de escravidão, a exploração 
sexual da mulher negra africana, o mito do “africano livre” e o embranquecimento da raça são 
componentes dessa estratégia claramente orquestrada pelas classes dominantes. 
Os avanços tecnológicos somados ao avanço do liberalismo e neoliberalismo trazem 
uma dualidade que é vista no sentido de ampliar desigualdades, e, ao mesmo tempo, mudam 
as relações sociais com as várias inovações tecnológicas. Estes avanços influenciam as 
decisões políticas sobre o consumo e relação com as drogas, de modo geral. Além disso, a 
ideia de reduzir a participação do Estado na economia a fim de gerar divisas é mexer 
diretamente na capacidade de arrecadação e, consequentemente, na oferta de políticas 
públicas que visam reduzir as desigualdades latentes, dadas desde a invasão europeia com o 
objetivo de estabelecer colônias. 
A ideia liberal, diferente daquela presente na época dos fisiocratas, aqui e em qualquer 
lugar, até mesmo nos “países desenvolvidos", faz com que a desigualdade passe a ser uma 
forma de política pública, aumentando ainda mais a dependência do colonizador, no que tange 
a uma balança comercial desfavorável e em muitos momentos superavitária. As crescentes 
disparidades podem ser e são produzidas com o aval do Estado, explicadopelo conceito de 
13 
necropolítica de Achille Mbembe. 
Essa noção de biopoder é suficiente para contabilizar as formas contemporâneas em 
que o político, por meio da guerra, da resistência ou da luta contra o terror,faz do 
assassinato do inimigo seu objetivo primeiro e absoluto? A guerra, afinal, é tanto 
um meio de alcançar a soberania como uma forma de exercer o direito de matar. 
(MBEMBE, 2018, p. 7) 
 
Desde a Primeira Guerra Mundial, os países hegemônicos perceberam o quanto é 
lucrativo promover guerras. Não é por acaso que logo após a Segunda Guerra Mundial, com 
objetivo claro de se consolidarem no poder, deflagraram novamente um conflito, dessa vez, 
sem enfrentamento direto, dando origem à Guerra Fria. O liberalismo, assim como todas as 
relações políticas modernas que se conhece hoje, é baseado na soberania e poder. 
Assim, o liberalismo age no sentido de retirar direitos, a partir da redução dos gastos 
sociais mais que compensados com aumentos de gastos para arcar com os “serviços da 
dívida” resultando em crise sucessiva no balanço de pagamento por meio de menor 
participação do governo e geração de divisas. O capital externo que entrou no Brasil sempre 
foi recompensado de forma demasiadamente satisfatória, principalmente pelo fato de usarem 
um sistema que por muitas vezes se baseia na exploração de uma determinada raça ou classe 
de pessoas. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
14 
2 NECROPOLÍTICA 
Este capítulo propõe mostrar e introduzir o conceito de necropolítica, pois acredito que 
é impossível definir algo tão rico e complexo que envolve, senão todas as áreas das ciências 
humanas, quase todas. 
Baseado no conceito de biopoder investigando conhecimento de soberania e estado de 
exceção. A compreensão desse tema ajuda a entender todo processo de “guerra as drogas” e a 
morte de corpos negros, muitas vezes aparado pelo sistema penal legal em todas as épocas pós 
transação transatlântica. 
Partindo do ponto em que a expressão máxima da soberania é o poder e capacidade de 
ditar quem pode viver e quem deve morrer e assim definindo como soberano quem exerce 
controle da mortalidade, como traz o autor. O ensaio procura entender as interpelações que 
surgem após o conceito de biopoder. 
 
[...] quais condições práticas se exerce o poder de matar deixar viver ou expor à 
morte? Quem é o sujeito dessa lei ? O que a implementação de tal direito nos diz 
sobre a pessoa que é, portanto, condenada à morte e sobre a relação que opõe essa 
pessoa a seu ou sua assassino/a? Essa noção de biopoder é suficiente para 
contabilizar as formas contemporâneas em que o político, por meio da guerra, da 
resistência ou da luta contra o terror, faz do assassinato do inimigo seu objetivo 
primeiro e absoluto? (MBEMBE, 2018, p. 6) 
 
Para Foucault, segundo Mbembe, o conceito de biopoder se refere ao domínio da vida 
sobre o qual o poder estabeleceu o controle. Biopoder contabiliza as formas contemporâneas 
em que o político, por meio da guerra, da resistência ou da luta contra o terror, faz do 
assassinato do inimigo seu objetivo primeiro e absoluto. Destacando a função da modernidade 
como um fator presente na origem de vários conceitos de soberania. 
A construção social moderna de que a razão age no sentido de ser como a verdade do 
sujeito e a política é o exercício da razão na esfera pública, tem -se que exercer a razão e 
exercer a liberdade é elemento chave para autonomia individual. Por meio da modernidade, se 
ignora e generaliza alguns fatores essenciais para o entendimento detalhado, pois a política 
contemporânea reforçou as teorias normativas da democracia. 
Com isso, pressupõe-se que a produção de normas gerais sociais seja feita por povo 
em que homens e mulheres sejam livres e iguais. Ainda, que estes homens e mulheres sejam 
sujeitos completos, capazes de autoconhecimento, autoconsciência e autorrepresentação. A 
soberania passa a ser um duplo processo de “auto instituição” e “autolimitação”. 
A necropolítica está relacionada com as soberanias cujo projeto central é a 
instrumentalização generalizada da existência humana e a destruição material de corpos 
humanos e populações. Mostrando como a relação entre política e morte, e, também o terror 
15 
moderno elucidam como a necropolítica age. Dessa forma, Mbembe (2018) concluiu que o 
direito de matar com o estado exceção e estado de sítio são bases normativas do direito de 
matar e articulam a necropolítica definitivamente. 
2.1 A RELAÇÃO ENTRE POLÍTICA E MORTE 
Para falar dessa relação, é preciso antes compreender o que Mbembe aponta o trabalho 
da morte, que, por sua vez, tem papel fundamental no exercício da soberania. Ele destaca 
primeiro a soberania relacionada ao estado de exceção. A definição da palavra “exceção” 
segundo o dicionário2 refere-se a “aquele que se desvia ou exclui de regras e padrões”. Assim, 
as ações policiais que visam o combate às drogas que acontece no Brasil, mais 
especificamente no Rio de Janeiro, em dias atuais, por ter suas ações de repressão 
majoritariamente nas periferias, sendo estas, território à margem da sociedade, por isso 
ausentes de atenção e cuidado do Estado estão diretamente ligadas a necropolítica. 
Num ponto em que a soberania é também exercida na capacidade da sociedade do 
desenvolvimento ou formação das instituições dentro das definições sociais e imaginárias 
oriundas de uma expressão de autonomia, a soberania da qual a necropolítica traz é referente a 
instrumentalização generalizada existência humana e a destruição material de corpos humanos 
e populações. 
Categorizando a morte e a vida, é possível uma análise para além da modernidade, 
dado esse objetivo, Mbembe traz as contribuições hegelianas acerca da relação da morte com 
o “devir sujeito”. Ele entende que a concepção de morte, na visão de Hegel, parte de um 
duplo entendimento da negatividade. Por um lado, nega a natureza ( mostrada no esforço para 
reduzir a natureza a suas próprias necessidades) e por outro, a transformação da negatividade 
por meio do trabalho e da luta. Esse processo é o enfrentamento da morte por meio da luta e 
do trabalho. Ao mesmo tempo em que se “cria um mundo” esse movimento expõe o ser 
humano a sua própria negatividade. 
Ainda, no modelo hegeliano, a morte é essencialmente voluntária. “É o resultado de 
riscos conscientemente assumidos pelo sujeito” (MBEMBE, 2018, p.11). É nesse paralelo 
com a morte que o ser humano se torna sujeito em que a transposição significa suportar o 
trabalho da morte e tal suporte se traduz na definição de Hegel da vida do espírito. Tal vida, é 
a ciência da morte e conviver com ela. Logo, o exercício do espírito só se dá no desprender 
 
2Oxford Languages 
16 
absoluto de si. A política, assim posta, é a morte que vive um humano. Mbembe afirma que 
isso também é a definição de soberania, pois arrisca a totalidade de uma vida. 
Continuando a ideia de que morte estrutura a ideia de soberania, política e sujeito são 
usadas as contribuições de Georges Bataille para elucidar o pensamento de Mbembe. Bataille 
se diferencia de Hegel em três pontos: 1) a morte e a soberania como momento de maior 
intensidade de troca e superabundância; 2) sustenta a morte como prejuízo absoluto e 3) 
correlaciona morte, soberania e sexualidade. 
No primeiro ponto, ele destaca que a morte representa a redução do indivíduo a nada, 
porém não se define, estritamente, ao aniquilamento do ser. O argumento dele difere do 
Hegel, pois o caráter significativo da morte deixa de ser principal, eliminando a ideia de 
“meio para a verdade”. Já no segundo, a diferença está presente na medida em que o modelo 
hegeliano mantém a morte no campo da economia do conhecimento absoluto e da 
significação. Bataille diz que a morte é antieconômica, pois é o próprio princípio do excesso, 
irreversível e sem reservas. Por último, a sexualidade associadaà violência e a quebra dos 
limites de si e do corpo através do acesso orgíaco e excremental. Com isso, a perda dos 
limites que distinguem fatos e fantasias revelam os atributos mortais associadas ao sexo. 
Em linhas expressas, a soberania é a supressão do medo da morte impelida ao sujeito. 
Assim, a soberania se define em demandar o risco de morte. Mbembe ressalta que a 
modulação de Bataille se relaciona com política, pois se trata da insubordinação de 
proibições. A política não trata mais do avanço dialético da razão e sim a disparidade posta 
em prática na violação de um tabu. Mbembe deduz, a partir disso, que a política é o trabalho 
da morte. 
A soberania manifestando-se exclusivamente no direito de matar é descrita na união da 
teoria foucaultiana com estado exceção e sítio. Mbembe investiga a base normativa do direito 
de matar por intermédio do estado de exceção relacionada à inimizade. Aqui o poder recorre 
perenemente à exceção, à emergência e à ideia falsa de um inimigo. Nas próprias palavras do 
autor “Em outras palavras, a questão é: qual é, nesses sistemas, a relação entre política e 
morte que só pode funcionar em um estado de emergência?”. (Mbembe, 2018, p.17). 
A investigação parte do ponto que a teoria foucaultiana atua com base numa divisão 
vivos e mortos, configurando-se a definição de poder relacionada a um campo biológico. 
Agindo como filtro da vida e da morte, o controle, quando num campo biológico, se exerce na 
divisão da espécie humana em grupos, e, desses, subgrupos. Para Foucault a censura biológica 
entre “uns e outros” é o racismo. E destaca que a “raça” está intrínseco ao conceito de 
biopoder porque as políticas ocidentais, em sua maioria, são baseadas em conceitos de raça, 
17 
principalmente no sentido de desumanização de povos estrangeiros. Podendo-se assim, definir 
o racismo como a tecnologia que permite o exercício do biopoder. Ressalta a importância que 
Arendt dá ao relacionar que a política de raça está diretamente ligada com a política de morte. 
“Na economia do biopoder, a função do racismo é regular a distribuição da morte e 
tornar possíveis as funções assassinas do Estado” (Mbembe, 2018, p.18). Na visão de 
Mbembe, essa é a condição que normaliza o fazer morrer da teoria foucaultiana. O autor diz 
também que a soberania, na modernidade, se trata também do ponto em que se admite que 
outro oferece perigo a minha vida. Para Foucault fica evidente que todos os Estados modernos 
agem sob o direito de matar e mecanismos de biopoder. 
Tendo em vista, que Foucault caracteriza o Estado Nazista como o precurssor na 
consolidação do direito de matar, se tornando um conglomerado de racismo, assassinato e 
suicídio. Mbembe relaciona a forma de extermínio nazista com o imperialismo colonial, 
justamente pela “serialização de mecanismos técnicos para conduzir as pessoas à morte” e no 
fato de eleger o outro como um atentado a minha vida, em que, só a morte deste corrobora o 
potencial da minha vida e segurança. 
Analisando brevemente um pouco da história conhecida e tida como aceita, na época 
do imperialismo colonial, diversas formas de extermínio se mostram a partir da serialização 
de mecanismos desenvolvidos entre Revolução Industrial e a Primeira Guerra Mundial para 
conduzir as pessoas à morte. “As “inovações” nas tecnologias de assassinato visam não só 
“civilizar” as maneiras de matar e também eliminar um grande número de vítimas em um 
espaço relativamente curto de tempo”. (Mbembe, 2018, p.22). Mbembe destaca que o papel 
destas, é de fazer surgir essa vontade social de querer matar o inimigo do Estado. Se outrora, 
o povo era a realidade concreta, agora é figura retórica, enquanto categoria política. 
De acordo com os teóricos do terror, como cita o autor, é possível a distinção entre o 
“erro” do cidadão e o “crime” do contra revolucionário dentro da política. O terror se converte 
em um modo de determinar o absurdo no corpo político, a política se torna a força móvel da 
razão e também a tentativa falha de criar um espaço em que o “erro” seria reduzido, a 
verdade, reforçada, e o inimigo, exterminado. As diversas teorias sobre a dominação e a 
emancipação baseadas em concepções sobre a verdade e o erro se interligam por meio do 
terror. 
Mbembe aponta que quando Marx fala de trabalho e obra, há um equívoco. Veja, 
partindo do ponto em que ele é o ciclo interminável de produção e consumo necessário à 
manutenção da vida humana, ao passo que, a obra é a criação de artefatos duráveis que se 
somam ao mundo das coisas. A busca pela liberdade e acesso ao real, por si só torna o 
18 
processo violento. No marxismo clássico, as relações sociais devem ser desmercantilizadas 
pela força. 
Ele argumenta que o trabalho é a autocriação histórica da humanidade, segundo as 
teorias marxianas, conflito sobre os caminhos que levam à verdade da História, e assim, 
superam o capitalismo, sua forma mercadoria e as contradições que coligam ambas. Ainda, o 
pensamento marxista, traz que o advento do comunismo e a abolição das relações de troca 
mostraria as coisas como são, excluindo a diferença entre sujeito e objeto, o ser e a 
consciência. Logo, a verdadeira liberdade humana é a extinção da produção de mercadorias. 
Observa-se que o movimento de desmercantilização procedeu na militarização do 
trabalho, ausência de distinção entre sociedade e Estado, e, por assim, sociedade e o terror 
revolucionário. 
Essa busca pela humanidade também é excluir a pluralidade social, para além disso, é 
apontar que assim como no capitalismo a generalização das relações sociais é o que impede a 
verdadeira liberdade! O que nos remete às soluções generalizadas mundiais na política de 
guerra às drogas. A pluralidade social é o motivo pela qual a superação das divisões de classe, 
o fim do Estado e a prática da tão ansiada “humanidade” não se tornam concretas. 
“A configuração atual das políticas de álcool e drogas no Brasil se origina do 
paradigma proibicionista que data da virada do século e teve seus parâmetros desenhados na 
década de 1980 quando passa a se basear em uma lógica explicitamente belicista. A Ditadura 
militar foi um período de forte endurecimento nas políticas antidrogas no Brasil, contribuindo 
para a acentuação da violência policial.” (POLITIZE, 2022) 
Por fim, tem-se que o sujeito marxiano moderno tenta até a morte praticar sua 
soberania. Situação semelhante acontece nos pensamentos hegelianos, pois dominação e 
emancipação é a busca pela verdade e a morte. Ao realizar essas duas inferências sobre Hegel 
e Marx, a perspectiva que se estabelece é a do terror e morte para a realização do telos da 
história. 
2. 2 TERROR MODERNO 
Mbembe diz que em qualquer relato histórico a escravidão expressa o terror moderno. 
A escravidão transatlântica é o primeiro estado de biopolítica conhecido, a forma plantation se 
trata de um estado de exceção. 
Sob esse estado, o humano, na condição de escravo, é meramente mercadoria, dessa 
forma, tem um preço e como propriedade tem um valor. A partir disso, é importante refletir a 
19 
condição mercadoria citada, pois assim como no caso das drogas, essa atribuição reflete o 
caráter da relação social na sua forma comércio. Neste subtópico se faz uma correlação entre 
entre mercadorias (droga e escravizado) a fim de mostrar que a narrativa do terror moderno 
sempre encontra um jeito de se fazer presente quando falamos de necropolítica e suas 
implicações sociais de uma maneira geral. 
A vontade geral de eliminar o inimigo do Estado e a produção do terror de forma 
estruturada, uma vez que se define as drogas como as substâncias usadas pelo inimigo e, a 
partir disso, todo e qualquer usuário de droga oferece perigo à vida do Estado. 
 
 As drogas se destacam entre o conjunto dos bens consumíveis e entre os 
 não-duráveis que são absorvidos pelo corpo, tal como os alimentos, porpossuírem uma peculiar condição exacerbada a partir do século XX: 
uma 
 inflação de valor. (CARNEIRO, 2019, n. p). 
 
Carneiro, explora quais demandas específicas as drogas possuem que as diferencia dos 
alimentos, por meio da reflexão do valor. Para ele, o valor contemporâneo se dá na união de 
três subtópicos próprios: 1) valor de uso; 2) valor de troca e 3) valor de signo. Como 
explicitado, na era moderna e contemporânea, essas formas têm um caráter sempre excessivo. 
Assim, o uso acompanha o mesmo ritmo da expansão das tecnologias de si e da 
autonomia subjetiva, condicionada fortemente a um fetichismo da mercadoria. Veja, a 
expansão das tecnologias de si e a autonomia subjetiva agem no sentido de cada vez mais 
debatermos o controle dos corpos junto com a capacidade de saber difinir individualmente o 
que me faz bem ou não. O que torna esse uso um “excesso autodestrutivo”. 
 Ele aponta que o valor de troca é dependente não só da demanda crescente, mas do 
mecanismo do proibicionismo que é responsável por criar uma especulação de rentabilidade 
financeira de extrema desregulamentação e ligados ao circuito de tráficos ilícitos em geral. 
 
Muito além do que pode estar inscrito no produto como lucro potencial entre o 
diferencial do preço do produto e do custo de produção, ele absorve um custo da 
proibição, que remunera a ilicitude com monopólio, imposição de preços, ausência 
de controles, adulteração, extorsão e violência como regras da desregulação. 
(CARNEIRO, 2019, n.p.) 
 
Dessa forma, ele conclui que o valor das drogas é também determinado por ser fruto 
da proibição, pois o preço, além da cifra monetária, tem externalidade. Na economia a 
externalidade é atribuída ao custo indireto em perdas humanas ou sociais que venham a surgir. 
E disserta mais: “mais do que do uso abusivo, do sistema da proibição e de sua imposição em 
escala global − o law and enforcement estadunidense em aplicação planetária”. (Carneiro, 
20 
2019, n.p). 
O valor de signo atua na bipolaridade do prazer e da dor. Devido seu duplo caráter 
permite uma única relação em que o ato libidinal de desejo e paixão se confunda com seu 
estigma e outras definições pejorativas dotadas de preconceitos sociais. Nas próprias palavras 
de Carneiro: “Seu maior valor de signo é a proibição, no que se refere às drogas “ilícitas”. A 
proibição confere um valor de tabu!”. (Carneiro, 2019, n.p). 
Para Mbembe (2018), a condição de escravizado significa a dominação absoluta, 
alienação de nascença e morte social e isso implica numa tripla perda, em que: 1) perda do 
lar; 2) perda de direitos sobre seu corpo; 3) perda do estatuto político. Assim como o valor das 
drogas, essa condição também é oriunda da aglutinação entre 3 pontos, com uma diferença 
relacionada ao proibicionismo, mas da mesma forma que se dão as condições de valor de uso 
e de troca no caráter excessivo. O contexto político-jurídico da plantation é absolutamente o 
lugar onde o escravo pertence ao senhor, dessa forma, não é uma comunidade, pois, numa 
comunidade, todos têm direito de fala e pensamento e devem exercer tal direito. A biopolítica 
nesse caso, é reforçada pelo fato do escravo ser mantido vivo, que segundo o autor, se refere a 
um “estado de injúria". Assim, é mantido vivo, porém, numa condição de violência extrema e 
na ausência da humanidade. Violência torna-se etiqueta e caracteriza essa época. 
Ele ressalta ainda que nas colônias e sob regime do apartheid que surge essa forma 
peculiar de terror, pois a condição de escravizado elabora diferentes óticas “sobre o tempo, o 
trabalho e sobre si mesmo” (Mbembe, 2018, p.30). Na plantation, as relações entre vida e 
morte se cruzam. Esse terror é a definição de necropolítica, pois aglutina o biopoder, estado 
exceção e estado de sítio. A raça é o que une esses três conceitos. 
A partir dessas diferentes óticas é que reside o “segundo elemento paradoxal do 
mundo da plantation como manifestação do estado de exceção” (Mbembe, 2018, p.30). Esse 
segundo elemento se trata justamente na capacidade do escravizado, ao mesmo tempo que se 
restringe a ferramenta ou objeto, extrair da maioria dos objetos uma representação e 
aprimorar, destacando papel do escravo como ser detentor de demonstrar as relações humanas 
sociais por meio de outro. 
A conquista colonial mostrou uma capacidade de violência desconhecida do mundo. 
Fazendo uma analogia com que Foucault considera o nazismo, em que acredita-se como a 
extensão dos métodos violentos condicionados aos “selvagens” para manutenção da vida dos 
povos “civilizados” da Europa. 
Contudo, fica evidente que tanto na filosofia moderna quanto na política europeia, a 
colônia é onde a soberania consiste no exercício de um poder à margem da lei e no qual a 
21 
“paz” só se alcança por meio da guerra. 
Na colônia, através da dominação, estabeleceu-se a criação de uma ordem jurídica 
europeia baseada no princípio de postular a igualdade jurídica de todos os Estados. A 
igualdade aqui trata-se do direito e manutenção de “fazer guerra”. Isso é assegurar que 
qualquer Estado tem a função de matar ou negociar a paz proeminentemente. 
Outro ponto em que se baseia a ordem é a territorialização do Estado soberano, nessas 
condições, a determinação de fronteiras age na distinção das regiões do mundo disponíveis 
para a apropriação colonial. Esse processo é essencial para a validação da colônia como 
território de terror, a guerra passa a ser entre Estados “civilizados”. 
Mbembe ainda coloca que o Estado é central na guerra, pois, antes de tudo, é uma 
organização política e um símbolo de moralidade. Logo, verifica-se a situação das colônias 
como fronteiras que, por sua vez, são selvagens que ali habitam. Nesse território não existe a 
organização estatal. A diferença entre inimigos e criminosos deixa de existir, a colônia é o 
local que controle e garantia da ordem judicial pode ser suspenso. 
A afirmação racial que inferioriza os originários e a ausência de vínculo entre 
conquistador e nativos fomentam a ideia de que as colônias podem ser governadas sem lei 
nenhuma. Na visão europeia, os ditos “selvagens” eram animais, pois se viam como 
componentes da natureza, assim, seres que carecem do caráter específico humano. 
Ironicamente, nos dias atuais, se discute sobre condições climáticas, ao mesmo passo que não 
se consideram como parte da natureza. 
Por tudo explicitado, o direito soberano de matar não tem nenhuma regra nas colônias. 
O terror colonial, se entrelaça, constantemente, com um imaginário colonialista, caracterizado 
por terras selvagens, em que morte e ficções criam o efeito de verdade. Numa guerra colonial, 
a paz não é a consequência natural. 
 
 
 
 
 
 
 
22 
3 CONSTRUÇÃO SOCIAL E DO SER NEGRO NO BRASIL 
Este capítulo visa mostrar como o processo de construção social brasileiro foi pautado 
na “superiodade” que o europeu acredita ter, constantes covardias e violências contra os 
povos negro e indígena e uma “falsa liberdade”. Uma análise feita sobre o período de terror 
(período colonial) e o pós. Como isso desencadeou diversas outras atrocidades que fazem 
parte da formação do Estado nação. 
A construção da sociedade brasileira é um conjunto de processos, muitas vezes 
violentos, que refletem a falsa democracia que se observa nos dias atuais. A ideia de uma 
democracia racial, que nunca existiu por aqui, contribuiu para inferencias que fogem a 
realidade e atuam na perpetuação do negro como subhumano, assim nos mostra Abdias 
Nascimento. O que se verifica desde a invasão europeia é uma frequente desvalorização do 
negro como humano e execução de políticas higienistas. 
Abdias parte do princípio da unidade do negro e não considera as diversas formas que 
o europeu tende a subclassificar os negros entre pardos, mestiços, mulatos etc. Com isso, faz 
uma crítica ao conceito de morenidade de Freyre, pois é altamente tendencioso e tem umobjetivo velado, um embranquecimento da pele e da cultura do negro através do total 
desaparecimento do descendente de África num sentido físico e espiritual. 
No Brasil, é a escravidão que define a qualidade, a extensão, e a intensidade da 
relação fisica e espiritual dos filhos de três continentes que se encontraram: 
confrontando um ao outro no esforço épico de edificar um novo país, com suas 
características próprias, tanto na composição étnica do seu povo quanto na 
especificidade do seu espírito - quer dizer, uma cultura e uma civilização com seu 
próprio ritmo e identidade. (NASCIMENTO, 1978, p.48) 
 
Ao longo da escravização, a capacidade de violência do europeu ficou evidente. 
Porém, o pós também mostrou uma violência ímpar, seja no descarte de pessoas quando 
deixavam de ser úteis nas atividades impostas ou mesmo na “liberdade do negro”. Quando 
não tinham mais serventias ou eram abarcados por algum tipo de enfermidade, os negros 
escravizados eram descartados como lixo contando com a própria sorte. 
Abdias destaca que desde 1530 já existia a raça negra brasileira exercendo seu papel 
como força de trabalho e que 5 anos mais tarde já havia regulação do comércio de escravos. 
Para ele, os ciclos econômicos do açúcar, a mineração e o café foram fundamentais no 
processo distribuição dos negros ao longo do território. 
A partir disso, define que sem o negro escravizado jamais existiria estrutura 
econômica, pois o país foi fundado sob signo parasita do imperialismo, e assim, os negros 
sustentaram as classes dirigentes. 
23 
Maringoni (2011. ANO 8. EDIÇÃO) diz num relato ao IPEA (Instituto de Pesquisa 
Econômica Aplicada) que a campanha abolicionista organizada acontece no fim do século 
XIX, mesmo com rebeliões e a organização de quilombos desde o século XVI. A Sociedade 
Brasileira Contra a Escravidão3 (SBCE) foi fundada no fim de agosto de 1880, a partir disso, 
começa a se debater no parlamento sobre o projeto de libertação geral, puxado por Joaquim 
Nabuco (1849-1910). 
Ele relata que em 1884, na província do Ceará já havia movimentação popular pela 
libertação dos negros e que isso foi possibilitado por forte seca que atingiu a regiao por volta 
de 1877, crise na lavoura e ação libertária de grupos urbanos. A partir disso, diversas 
províncias do Brasil aderiram ao abolicionismo. 
Mesmo com a revolta da elite cafeeira que aumentou a repressão a aqueles que fugiam, 
principalmente na província do Rio de Janeiro, o movimento de libertação rapidamente 
ganhou força no Brasil. 
Veja, quando se retira o poder de uma pessoa de exercer sua força de trabalho por 
meio de um processo extremamente violento e depois o “solta” na sociedade sem nenhum tipo 
de apoio político ou recurso, nada mais é que assassinato legalizado direto e indireto. 
Agora, fazendo uma reflexão sobre a abolição, em que surgiu a ideia de “liberdade” do 
negro, observa-se mais uma vez mal caratismo e covardia. Pois é extremamente fácil conceder 
liberdade a um povo sem nenhuma condição de ser livre e depois ainda lhe oferecer uma vaga 
num exército ofertando liberdade para lutar as guerras da época, guerras estas feitas pelos 
próprios colonizadores, ou seja, os negros deixaram de ser escravos para serem escudo 
humano. Essa abolição retira a responsabilidade dos senhores; do Estado e da igreja sobre o 
genocídio que o negro brasileiro sofre até hoje na tão famosa terra brasilis. 
3.1 PÓS ABOLIÇÃO 
Logo após se declarar o fim da escravidão, o Estado começou, em 1870, um programa 
de trazer europeus para fazer o trabalho que outrora era do povo de África, porém nada se 
assemelhava ao processo anterior que tinha na sua base uma grande desumanização. 
Os europeus, aqui chegados, vieram para trabalhar nas lavouras e tinham direitos, ao 
passo que a população negra não tinha acesso à educação, direitos ou mercado de trabalho. O 
que fica evidente é o ódio do europeu ao negro, pois ao negar as condições de inserção social 
 
3A Sociedade Brasileira Contra a Escravidão (SBCE) foi uma instituição brasileira criada pelo engenheiro André 
Rebouças em parceria com o parlamentar e escritor Joaquim Nabuco, e o advogado e jornalista José do 
Patrocínio em 7 de setembro de 1880, com o propósito de lutar contra a escravidão no Brasil. A escravatura foi 
abolida no país em 1888. 
24 
de um novo povo proclamado como parte da sociedade que literalmente sugou seu sangue, os 
condiciona a um novo estado econômico, político e cultural de “escravidão-em-liberdade” 
como nos explicita o grande Abdias Nascimento. 
Este novo estado que a população negra é submetida, antes de tudo, mostra que 
determinado povo específico está fadado a pobreza e desigualdade, além de ajudar na 
compreensão do que ocorre nos dias atuais. 
Em novembro de 2022 o site de notícias da rede globo, G1, publicou uma reportagem 
baseada numa pesquisa do IBGE de 2021 em que a proporção de pretos e pardos entre os 
pobres chegou ao dobro em relação aos brancos, como apontou a pesquisa4 do IBGE (Instituto 
Brasileiro de Geografia e Estatística). 
“Pesquisa do IBGE divulgada nesta sexta-feira (11) mostra que, em 2021, 
considerando-se a linha de pobreza monetária proposta pelo Banco Mundial, a proporção de 
pessoas pobres no país era de 18,6% entre os brancos e praticamente o dobro entre os pretos 
(34,5%) e entre os pardos (38,4%). Os dados são do estudo Desigualdades Sociais por Cor ou 
Raça no Brasil.” (G1, 2022) 
Segundo o próprio Abdias, o branqueamento da raça no Brasil é uma estratégia de 
genocídio, uma vez que uma das operações deste lamentável processo era o estupro da mulher 
negra feito pela classe dominante e se estendeu por décadas e décadas. Os mulatos, oriundos 
do abuso dos europeus, foram bastante importantes para consolidar a teoria da “democracia 
racial” que supostamente ocorria. Mais que isso, os mulatos representam o fim da “ameaça 
racial” e ponto que começa a se eliminar a raça negra do país, sendo assim o primeiro passo 
da “branquificação sistemática do povo brasileiro”.(Nascimento, 1978, p.69). 
O mulato mesmo tendo funções diferentes do negros no período da escraviza gução, 
como capitão do mato, por exemplo, ainda ocupava o mesmo lugar social no sentido de 
desprezo, preconceito e discriminação pois se tratava de uma sociedade brasileira 
institucionalmente branca. 
Assim, o genocídio se dá, na forma mais pura e simples, por meio da aglutinação da 
mulatarização com o abuso das mulheres negras. A mestiçagem representa a inviabilização de 
crescimento da população negra e também indício de discriminação, já que é resultado de 
estupros e amancebamento. 
O outro pilar do embranquecimento foi a imigração, que, por sua vez, se fazia valer 
tendo em vista que a população brasileira era considerada feia e inferior geneticamente devido 
 
4Dados disponíveis em https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/11/11/proporcao-de-pobres-pretos-e-pardos-
chega-ao-dobro-em-relacao-aos-brancos-mostra-o-ibge.ghtml 
25 
a presença do negro africano. Dessa forma, era necessário que os valores mais fortes das raças 
europeias se fizessem presentes. A vontade de acabar com o negro era tão grande que se criou 
diversas teorias racistas disfarçadas de ciencia para justificar. Nas palavras de Abdias: “Desde 
o fim do século XIX, o objetivo estabelecido pela política imigratória foi o desapericimento 
do negro através da ‘salvação’ do sangue europeu, e este alvo permanaceu como ponto central 
da política nacional durante o século XX”. (Nascimento, 1978, p.71). 
Como se pode notar, o negro sempre ocupou o lugar do “indesejável” no imaginário 
do ser brasileiro, sempre fizeram tudo para causar seu fim. Outra reflexão que se pode tirar é 
que o negro é, em primeiro lugar, resistência. Ser negro no Brasil é saber que sempre tentarão 
te eliminar de todas as formas possíveis. 
3. 2CONJUNTO DE LEIS, A PERPETUAÇÃO DO NEGRO COMO SUBHUMANO 
Já foi mostrado nesse trabalho que após a abolição, os negros não tinham nenhuma 
garantia de seus direitos, na verdade tinham leis que proibiam acessos das pessoas negras em 
determinados espaços institucionais, como saúde e educação. 
Gilberto Maringoni destaca que o processo abolicionista foi importante pela 
mobilização que gerou nas classes sociais e que mesmo assim era um projeto de caráter 
soberano a fim da manutenção da hierarquia racial percebida nos dias atuais. 
 
A campanha abolicionista, em fins do século XIX, mobilizou vastos setores da 
sociedade brasileira. No entanto, passado o 13 de maio de 1888, os negros foram 
abandonados à própria sorte, sem a realização de reformas que os integrassem 
socialmente. Por trás disso, havia um projeto de modernização conservadora que não 
tocou no regime do latifúndio e exacerbou o racismo como forma de discriminação. 
(MARINGONI 2011. ANO 8. EDIÇÃO 70) 
 
E também Florestan Fernandes (2008), no seu clássico livro A integração do negro na 
sociedade de classes mostra que 
 
A desagregação do regime escravocrata e senhorial se operou, no Brasil, sem que se 
cercasse a destituição dos antigos agentes de trabalho escravo de assistência e 
garantias que os protegessem na transição para o sistema de trabalho livre. Os 
senhores foram eximidos da responsabilidade pela manutenção e segurança dos 
libertos, sem que o Estado, a Igreja ou qualquer outra instituição assumisse encargos 
especiais, que tivessem por objeto prepará-los para o novo regime de organização da 
vida e do trabalho. (...) Essas facetas da situação (...) imprimiram à Abolição o 
caráter de uma espoliação extrema e cruel”. (FERNANDES, 2008, p.462-463) 
 
Para Maringoni, Florestan é assertivo, pois a maneira como se deu o processo de 
libertação não considerou fatores essenciais à integração de fato. Ele parte do pressuposto que 
o que permitiu o escravismo no Brasil foi o avanço do capitalismo. 
26 
Umas das formas mercadológicas desse sistema reside na presença de um mercado 
consumidor e que estes, cada vez mais, tenham condições de consumir. O escravizado, assim 
acabava sendo antieconômico e contrário ao desenvolvimento econômico. 
Maringoni também traz que a acelerada transformação pela qual o país passava nas 
três décadas finais do século XIX, impulsionada pelo ciclo econômico do café, consolidou o 
setor exportador como principal polo econômico e responsável pela ligação do país com o 
mercado mundial. 
Nessa época de supremacia do império britânico, fica também marcada a expansão da 
economia internacional e a busca de matérias primas que alimentaram a Segunda Revolução 
Industrial. Esses dois processos levaram a uma série de investimentos nos países invadidos. 
A grande verdade desse processo todo de libertação é que em nenhum momento se 
pensou na humanização do povo africano. Pensou-se na liberação das forças produtivas dos 
custos de manutenção de um grande contingente de força de trabalho confinada, assim, a 
escravidão era um obstáculo ao desenvolvimento econômico. Não é à toa que a proclamação 
da república veio apenas 16 meses depois da Lei Áurea. 
Devido a quantidade exorbitante de imigrantes, os ex-escravos tornaram-se um 
exército industrial suplente e descartável, sem força política na nova forma de governo 
republicano. 
Maringoni destaca que ex escravos, se tornaram os “indesejados dos novos tempos” 
após se juntarem aos pobres, sem contar toda a discriminação racial. Para exemplificar a 
situação da época, o relato do historiador Luiz Edmundo (1878-1961) em seu livro O Rio de 
Janeiro do meu tempo, no trecho referente ao morro de Santo Antônio e as miseráveis 
moradias e vielas: “Por elas vivem mendigos, os autênticos, quando não se vão instalar pelas 
hospedarias da rua da Misericórdia, capoeiras, malandros, vagabundos de toda sorte: mulheres 
sem arrimo de parentes, velhos que já não podem mais trabalhar, crianças, enjeitados em meio 
a gente válida, porém o que é pior, sem ajuda de trabalho, verdadeiros desprezados da sorte, 
esquecidos de Deus...(...) No morro, os sem- -trabalho surgem a cada canto”. 
Com o fim da guerra do Paraguai (1864-1870) a agricultura de exportação vivia, na 
época, seu auge. O que atraiu o interesse inglês, que, por sua vez, injetou um grande fluxo de 
capitais a fim de desenvolver a infraestrutura de transportes (ferrovias, construção de estradas 
e companhias de bonde) e práticas ligadas à exportação (bancos,armazéns e beneficiamento). 
Nesse período, o império britânico era supremo e a demanda crescente de matérias 
primas junto com a expansão da economia internacional resultou num ciclo de investimentos 
nos países explorados. O historiador Eric Hobsbawm assinala em A era dos impeŕios: “O 
27 
investimento estrangeiro na América Latina atingiu níveis assombrosos nos anos 1880, 
quando a extensão da rede ferroviária argentina foi quintuplicada, e tanto a Argentina como o 
Brasil atraíram até 200 mil imigrantes por ano”. 
A partir de 1870, com incentivo da entrada de imigrantes, escravos e assalariados 
convivem num mesmo ambiente.Segundo o IBGE, entre 1871 e 1880, chegam ao Brasil 219 
mil imigrantes. Na década seguinte, o número saltou para 525 mil. E, no último decênio do 
século XIX, após a Abolição, o total soma 1,13 milhão. 
A oligarquia agrária de outrora passou a ser a burguesia florescente, com isso, novas 
relações sociais foram estabelecidas e, consequentemente, mudando o funcionamento do 
Estado e as características do mercado de trabalho. Os ex-escravos ficam obsoletos a partir 
disso, correspondendo a um capital fixo em que o ciclo dura exatamente a vida útil deste 
indivíduo, dessa forma, estabelece-se uma carga de sobre trabalho a ser produzido. Ao passo 
que o assalariado providencia o sobretrabalho sem adiantamento ou risco, tornando assim, o 
capitalismo incompatível com a escravidão. 
A origem das favelas é consequência natural de um processo desumano fantasiado de 
libertação dos escravizados. Elas se constituem, dessa forma, como um estado exceção pós 
abolicionista onde a ausência de leis e condições de se viver são características marcantes. O 
novo regime imprimia a falsa ideia de mudança com o novo tempo, porém a democratização 
social e possíveis mobilidades de classe não faziam parte da oligarquia, pois é assim que a 
estrutura elitista e excludente se consolida. 
O Estado cumprindo seu papel opressor, por meio das autoridades que agem como 
literalmente como força, se mostrou impiedoso na perseguição dos capoeiras, negros e pobres 
majoritariamente, que praticavam a dança pelas ruas do Rio de janeiro. 
3. 2. 1 Pito do Pango 
Todo esse processo de emancipação mostrado e com as devidas análises feitas, deixa 
claro o verdadeiro objetivo da abolição no qual o negro sempre foi visto como a força passiva 
incapaz de lutar pelos seus direitos, assim o movimento contra o sistema opressor não vinha 
das ruas ou do desejo de um povo de ser livre, mas sim de um acordo entre fazendeiros e 
Estado. 
O Estado é peça fundamental na subalternização do negro por meio da legislação e na 
forma de operá-los, a primeira lei que deixa claro isso é a PITO DO PANGO (1830). 
A maconha, que por ser consumida em cachimbos de barro, pelos negros dos 
Palmares, foi batizada dessa forma PITO DO PANGO, passou a ser demonizada pela forma 
28 
que era fumada pelas pessoas negras escravizadas, criminaliza-se por se fumar em cachimbos 
de barro. 
O Brasil, foi o primeiro lugar no mundo a criminalizar a maconha, mostrando sua forte 
ligação com o racismo. Um trecho de um jornal da época traz 
Verifica-se nas posturas da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, em sessão de 4 de 
outubro de 1830, na Seção Primeira Saúde Pública, Título 2º, Sobre a Venda de 
Gêneros e Remédios, e sobre Boticário, entrou em vigor o seguinte § 7 
É proibida a venda e o uso do “Pito do Pango”, bem como aconservação dele em 
casas públicas: os contraventores serão multados, a saber, o vendedor em 20$000, e 
os escravos, e mais pessoas que dele usarem, em 3 dias de cadeia. 
 
A diferença de punição entre pretos e brancos escancara o projeto racista de 
encarceramento em massa já naquela época, isso é o que muitos anos mais tarde Silvio de 
Almeida, hoje ministro dos direitos humanos, viria a definir como racismo estrutural. Nesta 
dimensão, as instituições são racistas pois a sociedade corrobora em suas estruturas jurídicas, 
políticas e econômicas a autopreservação dos brancos com a manutenção de seus privilégios. 
Para Silvio Almeida, existem dois tipos de discriminação, enviesados do ponto de 
vista econômico e estrutural, traduzindo-se em: 1. Políticas econômicas estabelecem 
privilégios para o grupo racial dominante ou prejudicam as minorias; 2. O Racismo faz com 
que a pobreza seja ideologicamente incorporada quase que como uma condição biológica de 
negros e indígenas, naturalizando a inserção no mercado de trabalho de grande parte das 
pessoas identificadas com esses grupos sociais. 
3. 2. 2 Lei da Vadiagem 
Durante o período colonial e imperial no Brasil, existiam leis que tratavam da 
chamada "ociosidade" ou "vadiagem". Uma das mais conhecidas foi a Lei de Terras de 1850, 
que tinha como objetivo regularizar a posse de terras no país, mas também continha 
disposições relacionadas à mão de obra. 
A Lei de Terras de 1850 estabelecia que terras devolutas (terras não ocupadas ou 
utilizadas) poderiam ser apropriadas por qualquer cidadão que as tornasse produtivas. No 
entanto, essa lei também tinha disposições sobre a ocupação da terra para evitar a vadiagem, 
exigindo que as terras fossem utilizadas de forma produtiva. Isso visava incentivar a 
colonização e a produção agrícola. 
Em relação à vadiagem, outras leis e decretos do período imperial também tratavam do 
assunto. O Código Criminal de 1830, por exemplo, estabelecia penas para vadios e mendigos, 
com o objetivo de forçar a inserção dessas pessoas no mercado de trabalho. Essas leis 
refletiam o contexto social e econômico da época, marcado pela transição do sistema 
29 
escravista para o trabalho livre e assalariado. A ideia por trás dessas leis era garantir a ordem 
social, incentivar a produção e evitar a ociosidade. 
É importante observar que o conceito de vadiagem nessas leis muitas vezes refletia 
preconceitos e discriminações sociais da época. A aplicação dessas leis resultou em injustiças 
e impactos desproporcionais sobre determinados grupos sociais, como a população negra e os 
mais pobres. 
O Código Criminal de 1830, também conhecido como Código do Império, foi uma 
legislação penal promulgada durante o período imperial brasileiro. Ele tinha como objetivo 
estabelecer normas e penas para crimes diversos. No contexto da vadiagem, o Código 
Criminal de 1830 continha disposições específicas relacionadas a vadios e mendigos. 
De acordo com esse código, consideravam-se vadios aqueles que não tinham ocupação 
lícita e não podiam comprovar meios de subsistência. Os mendigos, por sua vez, eram 
definidos como aqueles que pediam esmolas sem razão justificável. Ambos eram 
considerados passíveis de punição. 
As penas para vadios e mendigos eram diversas e incluíam prisão, trabalho forçado e 
outras formas de coerção. Essa abordagem refletia a preocupação do Estado em garantir a 
ordem social e estimular a produtividade da população. 
Isso fica evidente ao atinar ao fato que havia a transição do trabalho escravo para o 
trabalho livre, por isso, muitas vezes, foram aplicadas de maneiras discriminatórias e afetaram 
de maneira desproporcional os negros e pobres. 
O processo de favelização5 no Rio de Janeiro tem raízes históricas complexas que 
estão relacionadas a uma série de fatores, incluindo a urbanização acelerada, migrações 
internas, pobreza, falta de políticas habitacionais adequadas e desigualdades socioeconômicas. 
Embora o Código Criminal de 1830 não seja diretamente responsável pelo fenômeno da 
favelização, algumas dinâmicas históricas e políticas relacionadas à vadiagem e ao controle 
social podem ter influenciado indiretamente o desenvolvimento das favelas. 
Durante o processo de urbanização acelerada no século XX, o Rio de Janeiro passou 
por um intenso êxodo rural, com muitas pessoas migrando para a cidade em busca de trabalho 
e melhores condições de vida. A falta de políticas habitacionais adequadas resultou na 
formação de assentamentos informais, que posteriormente se tornaram favelas. 
 
5 "O processo de favelização no Brasil teve início no final do século XIX, quando aconteceu a abolição da 
escravidão. A falta de renda das pessoas ex-escravizadas e a discriminação para com elas fizeram com que se 
deslocassem para áreas mais afastadas dos centros das cidades e construíssem habitações de mais baixo custo." 
Veja mais sobre "Favelização" em: https://brasilescola.uol.com.br/geografia/favelizacao-segregacao-urbana.htm 
 
30 
Ao longo do século XX, o Estado brasileiro, em diferentes momentos, adotou medidas 
repressivas em relação às favelas. Durante períodos de autoritarismo, como durante a ditadura 
militar (1964-1985), houve ações de remoção forçada de favelas em nome de projetos de 
modernização urbana. A repressão estatal incluiu demolições de casas, remoção de moradores 
e ações que muitas vezes violavam os direitos humanos. 
A estigmatização histórica associada às áreas de favelas contribuiu para a 
marginalização social e econômica de seus habitantes. A visão estigmatizada dos residentes 
das favelas muitas vezes levou a abordagens policiais mais agressivas, alimentando um ciclo 
de pobreza, estigmatização e repressão. As dinâmicas econômicas, sociais e políticas ao longo 
do tempo desempenharam papéis significativos na formação e evolução das favelas no Rio de 
Janeiro e em outras cidades brasileiras. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
31 
4 O PROIBICIONISMO E O USO DAS DROGAS 
Neste capítulo tem a intenção de relacionar o proibicionismo e uso de drogas, trazendo 
contribuições de dois autores, de áreas diferentes do conhecimento que de certa forma se 
complementam muito, são eles: Henrique Carneiro e Daniela Ferrugem. 
Como já mencionado, por muito tempo a história do capitalismo se confunde com a 
busca por especiarias e o uso das drogas está tão intrínseco na humanidade quanto o hábito de 
beber água. Assim Carneiro mostra que “Há cerca de 400 anos, começava essa revolução na 
economia, nos costumes, na vida cotidiana, o advento do consumo de massas do álcool 
destilado, do tabaco, do chocolate, do café e do chá, acompanhados, é claro,pelo consumo 
crescente do açúcar”.(Carneiro, 2019, p.187). 
Henrique Carneiro analisa criticamente o proibicionismo, examinando como as 
políticas de controle de drogas evoluíram ao longo do tempo e como essas políticas impactam 
as sociedades. Ele questiona as motivações por trás do proibicionismo e destaca suas 
consequências sociais, econômicas e de saúde pública. 
E argumenta que interesses econômicos desempenham um papel significativo no 
proibicionismo. A criminalização das drogas, por toda a relação já mostrada, serve a 
interesses de setores industriais e econômicos, muitas vezes vinculados à produção de 
substâncias farmacêuticas e à manutenção de certos mercados. 
O proibicionismo também é visto por ele como uma ferramenta de controle social e 
manutenção da ordem, dessa forma, se mostrando também mais um aparato do Estado no 
exercício da soberania. Ao criminalizar o consumo de drogas, o Estado busca impor normas 
sociais e controlar comportamentos considerados indesejáveis, muitas vezes associando o uso 
de drogas a ameaças à ordem pública. 
Destacando o viés racial e social nas políticas proibicionistas, argumenta que essas 
políticas frequentemente recaem de maneira desproporcional sobrecomunidades 
marginalizadas. A criminalização do uso de drogas pode, segundo ele, perpetuar 
desigualdades sociais e raciais. 
O moralismo e o conservadorismo também são identificados como motivações por trás 
do proibicionismo. Crenças culturais e morais arraigadas, muitas vezes ligadas a valores 
tradicionais, influenciam a adoção e a manutenção de políticas que criminalizam o uso de 
drogas. O autor observa que a influência de organizações internacionais, como as Nações 
Unidas, e acordos internacionais sobre drogas, pode motivar os Estados em desenvolvimento 
32 
a adotarem políticas proibicionistas para se adequarem a padrões internacionais, mesmo que 
essas políticas possam não ser as mais eficazes ou justas. 
Para falar sobre uso de drogas é necessário saber quem usa, quais os riscos de usar, o 
motivo do uso e diversas outras questões que advém do hábito. Por isso, contribuições como 
as de Ferrugem, são essenciais para o objetivo proposto. 
 
No âmbito dos usos de drogas, este saber da experiência individual e coletiva não só 
é desvalorizado como é criminalizado, exige-se a abstinência do uso para um 
cuidado ofertado. Solicita-se que a pessoa que está atrapalhada com seu uso, deixe 
de usar, para só depois ter ajuda. Um contrassenso, além do que a pessoa que usa 
drogas é a única que pode dizer como usa, em que condições e quais as estratégias 
que ela adota para se cuidar. Cabe ao profissional auxiliar a ressignificar estes usos e 
ampliar as estratégias de cuidado, qualificando-as, diversificando-as e ofertando 
outras. (FERRUGEM, 2018, p.19) 
 
Aqui ela discute a abordagem tradicional em relação ao uso de drogas destacando a 
desvalorização e criminalização da experiência individual e coletiva associada a esses 
contextos. O trecho argumenta contra a abordagem de exigir abstinência imediata como 
condição para receber ajuda, apontando que a pessoa que usa drogas é a única que pode 
verdadeiramente relatar como, quando e em que condições ela faz uso, assim como as 
estratégias que adota para se cuidar. 
Sugere uma abordagem mais compreensiva, na qual os profissionais devem trabalhar 
em conjunto com as pessoas que usam drogas, ajudando a ressignificar esses comportamentos 
e ampliando as estratégias de cuidado. Isso implica reconhecer a autonomia da pessoa, 
entender suas necessidades individuais e oferecer uma gama de opções de suporte, em vez de 
impor abordagens padronizadas. 
Ferrugem destaca o papel das substâncias psicoativas nas relações que nós humanos 
criamos, assim “E o que isso tem a ver com Substâncias Psicoativas? Tudo, diz de nossa 
humanidade, da relação que estabelecemos com as palavras, com as pessoas e com as 
substâncias”. (Ferrugem, 2018, p.19) 
O trecho citado diretamente destaca a conexão profunda entre o uso de substâncias 
psicoativas e a natureza humana. A autora menciona que a relação com substâncias 
psicoativas não é apenas sobre os efeitos físicos ou psicológicos dessas substâncias, mas é 
uma parte intrínseca da experiência humana. Há uma reflexão sobre a relação entre as 
palavras, as pessoas e as substâncias, sugerindo que o uso de drogas não pode ser 
compreendido isoladamente, mas sim como parte integrante da complexidade da condição 
humana. 
33 
Ao citar o psiquiatra e professor universitário Antônio Nery Filho, que afirma que os 
humanos usam drogas porque se tornaram humanos, sugere que o uso de substâncias 
psicoativas está enraizado em aspectos fundamentais da experiência humana, possivelmente 
relacionados a busca por alterações de consciência, prazer, autodescoberta ou outros motivos. 
Isso destaca a importância de uma compreensão mais ampla e humanizada do uso de 
substâncias, afastando-se de estigmatizações simplistas. Por isso destaca também que a guerra 
às drogas tem um caráter único e inatingível. 
Assim, ainda traz as seguintes sentenças “Na guerra às drogas, as substâncias outrora 
plantas e sementes, assumem o protagonismo, a centralidade no debate. Quando decretamos 
guerra e as combatemos, são às substâncias que decretamos guerra?”. (Ferrugem, 2018, p.20). 
Abordando a ideia de como, na chamada "guerra às drogas", as substâncias em si 
assumem um papel central e de destaque no debate. A expressão "guerra às drogas" refere-se 
às políticas e estratégias governamentais voltadas para a repressão do tráfico e consumo de 
substâncias psicoativas ilegais. 
A pergunta levantada propõe uma reflexão crítica sobre a abordagem tradicional na 
guerra às drogas. Ao declarar guerra às substâncias, a abordagem foca nas plantas e sementes 
que contêm os compostos químicos proibidos, muitas vezes criminalizando tanto os usuários 
quanto os produtores dessas substâncias. 
Essa abordagem deve e merece ser alvo de críticas, pois não considera os fatores 
sociais, econômicos e de saúde envolvidos no uso de drogas. A pergunta sugere a necessidade 
de uma análise mais ampla, que leve em conta não apenas as substâncias em si, mas também 
os contextos sociais, as razões individuais para o uso e as implicações mais amplas das 
políticas de combate às drogas. 
Ao afirmar que “Na sociedade capitalista somos condicionados ao consumo, vamos 
moldando nossas relações com família, amigos, amores, sexo, comida e drogas a partir desta 
modulação” (Ferrugem, 2018, p.21) encontra os pensamentos de Carneiro. Há uma reflexão 
sobre como, na sociedade capitalista contemporânea, as relações são moldadas em grande 
parte pelo consumo. O consumo não se limita apenas a bens materiais, mas também afeta a 
forma como as pessoas se relacionam com aspectos importantes de suas vidas, como família, 
amigos, amores, sexo, comida e drogas. 
Na sociedade capitalista contemporânea, as relações sociais, em geral, são 
influenciadas e moldadas pelo consumo. Isso significa que a cultura do consumo vai além da 
simples aquisição de bens materiais; ela permeia vários aspectos da vida cotidiana, incluindo 
34 
as relações interpessoais e a forma como as pessoas se relacionam com diferentes esferas de 
suas vidas. 
O consumo, nesse contexto, não se restringe apenas à compra de produtos tangíveis. 
Ele também se estende a experiências, ideias, imagens e estilos de vida. O que as pessoas 
consomem não é apenas um objeto físico, mas também conceitos, narrativas e símbolos que 
moldam a maneira como elas se vêem e interagem com o mundo ao seu redor. 
Consumir tem um impacto significativo nas relações interpessoais. Por exemplo, as 
interações familiares podem ser influenciadas pelo tipo de estilo de vida que a sociedade de 
consumo promove. As expectativas em torno do que é considerado "bem-sucedido" ou 
"desejável" podem moldar as dinâmicas familiares, criando pressões e aspirações específicas. 
A menção a "drogas" no contexto do consumo destaca como até mesmo as relações 
com substâncias psicoativas podem ser moldadas pelo consumo. O uso pode ser influenciado 
por fatores culturais e sociais, e o consumismo pode desempenhar um papel na busca por 
experiências que proporcionem satisfação instantânea ou escapismo. 
Quando Ferrugem faz referência à citação de Alves sobre o consumismo como "via 
grotesca de escape do vazio existencial" destaca a ideia de que, em uma sociedade orientada 
para o consumo, as pessoas podem recorrer ao ato de consumir como uma tentativa de 
preencher lacunas emocionais ou encontrar significado. Essa busca incessante por novas 
experiências ou bens pode refletir um vazio existencial mais profundo. 
Cada uma dessas afirmações destaca como a sociedade de consumo não é apenas sobre 
aquisição material, mas também sobre como essa mentalidade permeia e influencia aspectos 
fundamentais da vida cotidiana e das relações interpessoais. Essa perspectiva destaca a 
necessidade de uma análise crítica das dinâmicas sociais e culturais para compreendermos 
como o consumo molda a experiência humana. A análise crítica das dinâmicas sociais e 
culturais que moldam a experiência humanaatravés do consumo revela uma série de aspectos 
complexos e, muitas vezes, problemáticos. 
O consumo está vinculado à criação de padrões de valor e autoestima. Em sociedades 
de consumo, a posse de determinados bens ou a adesão a estilos de vida específicos pode ser 
associada ao sucesso pessoal. Isso cria pressões sociais para se conformar a esses padrões, 
levando a uma busca incessante por validação externa através do consumo. 
As dinâmicas de consumo perpetuam desigualdades sociais. A capacidade de 
participar plenamente da sociedade de consumo pode depender de fatores econômicos, 
criando divisões entre aqueles que podem acessar determinados bens e serviços e aqueles que 
35 
não podem. Isso contribui para a exclusão social e para a ampliação das disparidades 
econômicas. Logo, a sociedade do consumo é definitivamente soberana e excludente. 
O modelo de consumo desenfreado frequentemente ignora as preocupações ambientais 
e de sustentabilidade. A produção em massa e o descarte de bens têm consequências 
significativas para o meio ambiente. A exploração de recursos naturais e a produção de 
resíduos contribuem para problemas como a poluição, as mudanças climáticas e a degradação 
do ecossistema. 
A cultura do consumo promove a obsolescência planejada, onde produtos são 
projetados para terem uma vida útil limitada, incentivando a substituição constante. Isso não 
apenas contribui para o desperdício, mas também perpetua um ciclo de consumo 
insustentável, onde a novidade e a substituição contínua são valorizadas em detrimento da 
durabilidade e qualidade. 
A busca incessante por mais, muitas vezes impulsionada pela publicidade e pelas 
mídias sociais, pode ter impactos significativos na saúde mental. A comparação constante 
com os outros em termos de posses materiais e estilo de vida pode levar a sentimentos de 
inadequação, ansiedade e insatisfação, contribuindo para problemas de saúde mental. 
A sociedade de consumo tende a commodificar não apenas bens tangíveis, mas 
também experiências e relacionamentos. A busca por experiências "instagramáveis" ou a 
valorização de relacionamentos com base em critérios superficiais podem levar a uma 
superficialidade nas interações humanas e na busca por satisfação momentânea em detrimento 
de conexões significativas. 
O consumo excessivo pode levar a uma identidade superficial baseada no que uma 
pessoa possui, usa ou faz, em vez de quem ela é intrinsecamente. Isso cria uma narrativa em 
que o valor pessoal está diretamente ligado à capacidade de consumir, dificultando o 
desenvolvimento de uma identidade autêntica e independente do consumo. 
A análise crítica dessas dinâmicas destaca a necessidade de repensar os modelos de 
consumo e buscar alternativas que promovam a equidade, a sustentabilidade e a autenticidade, 
ou seja, devemos repensar a maneira como vivemos. 
Neste contexto a droga, todas elas, as prescritas com a finalidade de apaziguar 
sofrimentos ou as proscritas utilizadas com a mesma finalidade ou como 
dispositivo de prazer, se inserem como mais uma substância a ser consumida. E 
neste bojo, algumas pessoas podem estabelecer relações de abuso e prejuízo com 
substâncias psicoativas. (FERRUGEM, 2018, p.22) 
 
Esse trecho destaca a inclusão das drogas, tanto as prescritas para aliviar sofrimentos 
quanto as proscritas usadas para prazer ou outros propósitos, como mais uma categoria de 
36 
substância consumida na sociedade de consumo. Reconhecendo que, dentro desse contexto, 
algumas pessoas podem desenvolver relações problemáticas, caracterizadas por abuso e 
prejuízo, com substâncias psicoativas.Essa perspectiva alinha-se com a compreensão de que o 
uso de substâncias psicoativas não ocorre em um vácuo, mas é influenciado por fatores 
sociais, culturais e individuais. 
A menção a drogas prescritas destinadas a apaziguar sofrimentos sugere a 
medicalização de certos comportamentos ou estados mentais. Ao mesmo tempo, a referência a 
drogas proscritas usadas para prazer aponta para o aspecto recreativo ou hedonístico do 
consumo de substâncias. Ambos os usos podem coexistir e são influenciados por normas 
sociais e culturais. 
A inserção das drogas como mais uma categoria de substância consumida destaca 
como as pessoas podem recorrer a diferentes formas de consumo para lidar com necessidades 
psicológicas, sejam elas relacionadas ao alívio do sofrimento, à busca de prazer ou a outros 
propósitos. Isso sugere a complexidade das motivações por trás do uso de substâncias. 
Ao reconhecer que algumas pessoas podem estabelecer relações de abuso e prejuízo 
com substâncias psicoativas, o trecho destaca os riscos associados ao consumo. O abuso pode 
levar a consequências adversas para a saúde mental, física, social e econômica, sublinhando a 
importância de abordagens de saúde pública que considerem a prevenção e o tratamento de 
problemas relacionados ao uso de substâncias. 
A inclusão da análise dentro do contexto social e cultural enfatiza que as relações com 
as drogas não são uniformes, variando de acordo com normas, valores e práticas em diferentes 
comunidades e momentos históricos. Isso destaca a necessidade de abordagens flexíveis e 
culturalmente sensíveis na compreensão e abordagem das questões relacionadas ao uso de 
substâncias. 
A observação sobre relações de abuso e prejuízo também destaca a importância de 
uma abordagem holística ao lidar com problemas de substâncias. Isso envolve não apenas 
tratar os sintomas do abuso, mas também abordar fatores subjacentes, como contextos sociais, 
emocionais e psicológicos, para promover uma recuperação mais eficaz. 
Temos vivenciado no Brasil um processo que tenta construir no imaginário social 
uma imagem – conceito de usuários de drogas, que não corresponde ao real. Ao 
extrair a autonomia e a capacidade de decisão das pessoas que fazem uso de drogas 
e, na mesma esteira, atribuírem o estereótipo de zumbis incontroláveis e temíveis. 
Incapazes de controlar seus impulsos, ou seria a sociedade incapaz de lidar com 
pessoas que assumem seus desejos e suas subjetividades desviantes? (FERRUGEM, 
2018, p.25) 
 
37 
Este trecho destaca uma preocupação sobre a construção de uma imagem 
estigmatizada e distorcida dos usuários de drogas no Brasil. Como a construção de 
estereótipos em torno dos usuários de drogas, argumentando que essa representação não 
corresponde à realidade. A descrição de "zumbis incontroláveis e temíveis" sugere a criação 
de uma imagem que desumaniza e demoniza essas pessoas, retirando-lhes sua autonomia e 
capacidade de tomar decisões. 
A observação de que a sociedade tenta extrair a autonomia e a capacidade de decisão 
das pessoas que usam drogas destaca uma narrativa que desconsidera a diversidade de 
experiências e contextos individuais. Isso contribui para práticas discriminatórias e políticas 
públicas que não são baseadas em uma compreensão realista dos desafios enfrentados pelos 
usuários de drogas. 
A pergunta final levanta uma reflexão sobre se a sociedade é incapaz de lidar com 
pessoas que assumem seus desejos e subjetividades desviantes. Aqui, há uma provocação 
sobre a capacidade da sociedade em aceitar e compreender a diversidade de experiências 
humanas, especialmente aquelas que não se enquadram nas normas sociais tradicionais. 
Estigmatizar os usuários de drogas pode ter sérias consequências, incluindo a criação 
de barreiras ao tratamento e à busca de ajuda. O estigma impede que as pessoas procurem 
assistência devido ao medo de julgamento, marginalização ou represálias. 
Ao questionar a construção estigmatizada dos usuários de drogas, destaca a 
importância da empatia e compreensão na abordagem dessas questões. Uma abordagem mais 
humanizada e informada poderia levar a políticas públicas e práticas que respeitem a 
dignidade e os direitos das pessoas que usam drogas. 
Esse trecho reflete uma preocupação com a narrativa estigmatizante que muitas vezes 
envolveusuários de drogas, chamando a atenção para a necessidade de uma abordagem mais 
realista, empática e centrada nos direitos humanos ao lidar com questões relacionadas ao uso 
de substâncias. 
A fim de materializar e dar razão a tudo explicitado anteriormente, destaco mais um 
caso absurdo que ocorreu na cidade maravilhosa, Rio de Janeiro. 
O caso do menino João Pedro, morto em 19/05/2020 mostra como age a força policial 
nos ambientes periféricos, como a necropolítica e a ação do combate às drogas impactam a 
vida nas periferias. “O adolescente João Pedro Matos Pinto, 14 anos, foi morto com um tiro 
na barriga após uma operação conjunta da Polícia Federal e da Polícia Civil no Complexo do 
Salgueiro, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro. Resgatado por um helicóptero do Corpo de 
38 
Bombeiros, o jovem desapareceu por horas e foi encontrado apenas na manhã desta terça-feira 
(19/5) pela família no Instituto Médico Legal de Tribobó, na mesma cidade.” (El País, 2020). 
A necropolítica, conceito cunhado por Achille Mbembe, refere-se ao exercício do 
poder político por meio do controle da vida e da morte. No contexto da morte de João Pedro, 
a ação policial no Complexo do Salgueiro é uma das mais diversas formas de manifestação 
de necropolítica. Operações de segurança que resultam em mortes, especialmente de jovens 
em comunidades marginalizadas, ilustram como algumas vidas são consideradas dispensáveis 
ou descartáveis pelo aparato estatal. 
A valorização desigual das vidas é evidenciada pela vulnerabilidade de jovens como 
João Pedro diante da presença policial em suas comunidades. A falta de cuidado com a vida 
desses indivíduos revela dinâmicas sociais e políticas que perpetuam desigualdades e 
injustiças. 
A guerra às drogas muitas vezes leva a abordagens policiais agressivas, especialmente 
em comunidades urbanas. A proibição das drogas contribui para a militarização da polícia, 
aumentando a probabilidade de confrontos violentos durante operações. A morte de João 
Pedro é uma consequência trágica dessa abordagem, destacando como políticas 
proibicionistas podem resultar em impactos devastadores para a juventude, particularmente 
em comunidades carentes. 
Além disso, a criminalização das drogas frequentemente afeta de maneira 
desproporcional comunidades marginalizadas, contribuindo para a estigmatização e ações 
violentas por parte das forças de segurança. 
A violência policial, em muitos casos, é uma expressão da necropolítica, pois implica 
no uso excessivo da força que pode resultar em mortes injustificadas. No caso de João Pedro, 
sua morte é um exemplo gritante de como a violência policial pode ceifar vidas jovens, muitas 
vezes baseada em estereótipos raciais e socioeconômicos. 
A morte de João Pedro destaca a necessidade urgente de repensar as práticas policiais, 
promover uma abordagem mais centrada nos direitos humanos e buscar soluções para 
questões sociais, como a desigualdade e o acesso precário a oportunidades para jovens em 
comunidades vulneráveis. 
39 
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
Quando Ferrugem afirma que “São os negros que se encontram em situação de maior 
vulnerabilidade quando em uso de drogas” (Ferrugem, 2018, p.28) deixa clara a relação com a 
necropolítica nos tempos modernos. Destacando uma preocupação adicional com as 
disparidades e desigualdades que permeiam as questões relacionadas ao uso de drogas. 
A observação ressalta as disparidades raciais no contexto do uso de drogas. Isso 
mostra que, dentro da sociedade brasileira, os indivíduos negros enfrentam desafios e 
vulnerabilidades específicas quando se trata de questões relacionadas a substâncias 
psicoativas. 
A população negra enfrenta estigma e discriminação adicionais, que são agravados 
quando se trata de uso de drogas. As políticas de drogas historicamente se concentraram em 
práticas de criminalização, e isso afeta desproporcionalmente as comunidades negras, levando 
a uma maior vulnerabilidade. 
A afirmação sugere que os negros podem enfrentar dificuldades específicas no acesso 
a recursos e tratamento para questões relacionadas ao uso de drogas. Isso pode ser atribuído a 
uma série de fatores, incluindo desigualdades econômicas, falta de acesso a serviços de saúde 
mental e barreiras estruturais que impactam as comunidades negras de maneira 
desproporcional. 
Ressalta a importância de considerar o impacto do racismo estrutural nas dinâmicas 
relacionadas ao uso de drogas. Questões como a criminalização do uso de drogas e a 
seletividade do sistema de justiça criminal têm efeitos adversos sobre as comunidades negras, 
exacerbando a vulnerabilidade social.A interseção de raça, classe social e gênero cria 
experiências únicas de vulnerabilidade que exigem intervenções específicas e sensíveis às 
diferenças. 
Por fim, a autora escancara a necessidade de políticas mais antirracistas e equitativas 
no campo das políticas de drogas. Isso inclui não apenas a reforma das leis relacionadas às 
drogas, mas também a abordagem de fatores sociais mais amplos que contribuem para as 
disparidades observadas. 
Achille Mbembe propõe o termo "necropolítica" para descrever o uso político do 
poder de vida e morte. Ele examina como certas populações são submetidas a condições de 
vida que implicam uma forma de morte social e política, muitas vezes através de práticas 
como a violência estatal, o genocídio e a marginalização sistemática. 
A percepção da existência do Outro como um atentado contra minha vida, como 
uma ameaça mortal ou perigo absoluto, cuja eliminação biofísica reforçaria meu 
40 
potencial de vida e segurança, é este, penso eu, um dos muitos imaginários de 
soberania, característico tanto da primeira quanto da última 
modernidade.(MBEMBE, 2018, p.19-20) 
 
A passagem ressalta que a percepção do "Outro" como uma ameaça mortal é 
característica da imaginação de soberania. Essa percepção é usada para justificar ações 
violentas do Estado contra grupos considerados perigosos, subversivos ou inimigos, 
resultando em violência estatal. 
A ideia de que a eliminação biofísica do "Outro" reforçaria o potencial de vida e 
segurança é uma lógica que usa-se para revelar a violência estatal. O Estado, percebendo uma 
ameaça à sua soberania ou estabilidade, recorre à repressão violenta como meio de eliminar a 
suposta ameaça. 
O genocídio, que é a tentativa deliberada e sistemática de destruir um grupo étnico, 
racial, religioso ou nacional, é visto como o extremo dessa lógica de soberania. A ideia de que 
a eliminação física do "Outro" reforça a segurança e a vitalidade do grupo dominante leva a 
práticas genocidas, onde a aniquilação de comunidades inteiras é justificada em nome da 
preservação da ordem e do poder. 
Mbembe menciona que esse imaginário de soberania é característico tanto da primeira 
quanto da última modernidade. Isso reflete uma continuidade de padrões de pensamento que 
persistem ao longo do tempo, adaptando-se a diferentes contextos históricos. Em diferentes 
momentos da história moderna, vimos exemplos de violência estatal e genocídio, justificados 
por essa lógica de soberania e percepção do "Outro" como ameaça existencial. 
A relação entre a passagem de Achille Mbembe e a situação nas favelas do Rio de 
Janeiro, especialmente em relação ao termo "traficante" e às ações policiais, pode ser 
analisada sob a ótica da percepção do "Outro" como uma ameaça à vida, contribuindo para a 
manutenção da hierarquia social. 
O termo "traficante" é associado, nas representações sociais, a uma ameaça à ordem 
pública e à segurança. Essa percepção do "traficante" como um elemento perigoso contribui 
para a construção de uma narrativa em que a presença dessas figuras é vista como uma 
ameaça existencial, refletindo a ideia presente na passagem de Mbembe. 
A percepção do "traficante" como uma ameaça é usada para justificar ações policiais 
intensivas nas favelas. Operações policiais visam a eliminação do queé considerado ameaça, 
e essa lógica leva a práticas violentas que têm um impacto desproporcional sobre 
comunidades inteiras. 
41 
A ideia de que a eliminação biofísica do "traficante" reforçaria a segurança e a 
vitalidade do Estado está alinhada com o imaginário de soberania estatal. O Estado, ao lidar 
com grupos considerados ameaçadores, evidencia as ações violentas em nome da preservação 
da ordem e da autoridade. 
As ações policiais frequentemente afetam desproporcionalmente os residentes das 
favelas, levando a violações dos direitos humanos e contribuindo para a vulnerabilidade 
dessas comunidades. Perpetuando um ciclo de desconfiança nas instituições estatais e reforçar 
a marginalização social e econômica dessas áreas. 
A associação do termo "traficante" com ameaças à segurança e a subsequente 
justificação de ações policiais contribuem para a manutenção da hierarquia social. Isso porque 
tais práticas atingem grupos já marginalizados, reforçando a desigualdade social e econômica 
existente. 
A análise dessa relação destaca a necessidade de uma abordagem mais justa e 
equitativa nas políticas de segurança, evitando a estigmatização generalizada e promovendo 
práticas que abordem as raízes estruturais dos problemas sociais. 
O caso da morte de João Pedro6, um menino de 14 anos morto a tiros durante uma 
operação policial, pode ser relacionado com as discussões anteriores sobre a percepção do 
"Outro" como uma ameaça, o termo "traficante", ações policiais em favelas do Rio de Janeiro 
e a manutenção da hierarquia social. 
O caso de João Pedro destaca como a percepção do "Outro" como ameaça tem 
consequências devastadoras, especialmente quando essa percepção é aplicada 
indiscriminadamente a pessoas em comunidades marginalizadas. João Pedro, um adolescente 
inocente, foi vítima dessa percepção errônea. 
O termo "traficante" é associado a estigmatização e pode ser usado como justificativa 
para ações policiais agressivas. No entanto, casos como o de João Pedro evidenciam os 
perigos dessa estigmatização, pois indivíduos inocentes podem ser prejudicados devido a 
generalizações prejudiciais. 
A morte desse menino destaca os impactos negativos das ações policiais 
desproporcionais em comunidades vulneráveis. Essas ações resultam em mortes 
injustificadas, traumatizando famílias e comunidades inteiras, enquanto o objetivo declarado 
de promover segurança se perde. 
 
6informações detalhadas sobre o caso disponíveis em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57121830 
42 
A tragédia envolvendo João Pedro também ilustra como a violência estatal, quando 
direcionada a certas comunidades, contribui para a manutenção da hierarquia social. 
Comunidades marginalizadas, frequentemente associadas a termos como "traficantes", 
enfrentam não apenas desafios sociais e econômicos, mas também a ameaça constante de 
violência estatal. 
O caso de João Pedro destaca a necessidade urgente de uma mudança estrutural nas 
políticas de segurança, com foco em abordagens mais justas, transparentes e sensíveis às 
comunidades. Isso inclui revisão de práticas policiais, políticas de segurança pública e uma 
avaliação crítica da percepção do “Outro”. 
“Incidentes” como esse catalisam a mobilização social e a conscientização sobre as 
questões relacionadas à violência estatal. É fundamental que a sociedade exija prestação de 
contas, transparência e reformas substanciais nas instituições policiais para que tragédias 
semelhantes ocorram. 
Em resumo, esse caso destaca as consequências trágicas da percepção equivocada do 
"Outro" como ameaça, reforçando a necessidade de uma análise crítica das práticas policiais, 
políticas de segurança e da hierarquia social que perpetua desigualdades e injustiças. 
Essa pesquisa é introdutória no tema e deixa evidente a necessidade de que haja cada 
vez mais debates por parte dos economistas e até da sociedade brasileira, de modo geral. 
Foi mostrado que o Estado brasileiro é, no mínimo, omisso no que tange a diminuição 
das desigualdades sociais e raciais, dessa forma, tal qual como a “democracia racial” a 
democracia atual também é um mito baseado em falsos pressupostos. 
O caso do menino João Pedro é um exemplo que elucida as graves e constantes falhas 
do país, além de fomentar o argumento de todos os autores citados. Se relaciona com a 
necropolítica quando analisamos as considerações de Mbembe (2018) acerca da condição de 
escravizado. Sendo resultado de uma tripla perda, em que: 1) perda do lar; 2) perda de direitos 
sobre seu corpo; 3) perda do estatuto político. 
 Veja, o menino foi morto a tiros de policiais que invadiram sua casa. Partindo disso, 
convido o leitor a fazer uma breve análise dessa correlação. É sabido que a polícia não pode 
entrar em nenhum domicílio sem que haja um mandato judicial, a perda do lar se dá 
justamente no momento que a polícia invade a casa dele. Perda de direitos sobre seu corpo é 
referente ao fato que depois de morto, ele sumiu por horas e os pais só souberam notícia do 
corpo na manhã seguinte do ocorrido. Assim, a perda do estatuto político se nota quando uma 
criança de 14 anos é submetida a ataques policiais extremamente violentos a ponto de usarem 
granadas. Vale lembrar que todo cidadão tem o direito de ir e vir, mas principalmente todo 
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cidadão tem o direito de permanecer no seu próprio lar e não sofrer repressão de quem deve te 
proteger. 
A violência extrema da força estatal evidencia também o ódio ao “inimigo”. Tendo em 
vista que ação policial buscava prender traficantes, não conseguiu e resultou na morte de um 
pré adolescente inocente, nos remete ao apontamento de Daniela Ferrugem: “a guerra às 
drogas, além de irracional, uma vez que busca um objetivo inatingível, é letal”. (Ferrugem, 
2018, p.10). 
Infelizmente a ausência de políticas públicas a fim de cessar essa condição genocida 
da qual o negro brasileiro está fadado a ser vítima, só faz aumentar o número de corpos 
negros mortos com aval do Estado. Georges Bataille afirma que a morte é antieconômica e 
contra o desenvolvimento, o Brasil, enquanto “produtor de morte”, seria o inimigo da 
economia e do desenvolvimento? 
De certa forma, faz muito sentido se afirmar como inimigo da economia e do 
desenvolvimento, pois, assim, a elite brasileira se mantém no poder a fim de dar continuidade 
na perpetuação do horror e na marginalização das minorias, deixando claro o ato soberano de 
definir quem deve morrer e quem deve viver. 
As políticas realmente eficazes no combate às drogas não são mirabolantes ou 
requerem gasto excessivo de dinheiro, são as mesmas necessárias para que um cidadão exerça 
seu direito. Elas estão no âmbito social, como saneamento básico, acesso a cultura e 
educação, transporte de qualidade e segurança. 
 
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REFERÊNCIAS 
 
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literária, 2019. 
 
CAVALLINI, Marta. Proporção de pretos e pardos entre os pobres chega ao dobro em relação 
aos brancos, mostra o IBGE: Levantamento mostra ainda que, em 2021, a taxa de 
desocupação também era maior entre pretos e pardos. Enquanto entre a população branca era 
de 11,3 %, para a preta ficou em 16,5 % e para a parda, em 16,2 %,Rio de Janeiro:G1, 11 nov. 
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https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/11/11/proporcao-de-pobres-pretos-e-pardos-
chega-ao-dobro-em-relacao-aos-brancos-mostra-o-ibge.ghtml. Acesso em: 17 out. 2023. 
 
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horas sem saber seu paradeiro. Ponte Jornalismo, In: El País, 19 maio 2020. Disponível em: 
 
FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. Rio de Janeiro: 
Biblioteca azul, 2008. 
 
GUIMARÃES, Ligia. Quando o Estado mata nossos filhos a Justiça não acontece, diz mãe de 
João Pedro, um ano após o crime: Investigações estão paradasdesde outubro do ano passado, 
e policiais investigados seguem na atividade. ‘A impunidade está, sim, descarada’, afirma 
Rafaela, que fala sobre o desafio de seguir em frente sem respostas sobre o assassinato.São 
Paulo: BBCNewsBrasil, 14 maio 2021. Disponível em: 
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57121830.https://g1.globo.com/rj/rio-de-
janeiro/noticia/2021/05/14/quando-o-estado-mata-nossos-filhos-a-justica-nao-acontece-diz-
mae-de-joao-pedro-um-ano-apos-o-crime.ghtml. Acesso em: 29 nov. 2023. 
 
GUITARRARA, Paloma. Favelização. Brasil Escola. Geografia.Disponível em: 
https://brasilescola.uol.com.br/geografia/favelizacao-segregacao-urbana.htm. Acesso em 30 
de nov. 2023. Disponível em: https://brasil.elpais.com/sociedade/2020-05-19/jovem-de-14-
anos-e-morto-durante-acao-policial-no-rio-e-familia-fica-horas-sem-saber-seu-paradeiro.html. 
Acesso em: 29 nov. 2023. 
 
FERRUGEM, Daniela. Guerra as drogas e a manutenção da hierarquia racial, 2018. 
Dissertação (Mestrado em Serviço Social), Pontíficia Universidade Católica do Rio Grande 
do Sul, Rio Grande do Sul, 2018. Disponível em: 
https://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/7954. Acesso em: 29 nov. 2023. 
 
MARINGONI, Gilberto. O destino dos negros após a Abolição. Desafios do 
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https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&id=2673%3Acatid%3D28. 
Acesso em: 13 nov. 2023. 
 
MBEMBE, Achille. Necropolítica: Biopoder, soberania, estado de exceção, política da 
morte. Tradução Renata Santini. São Paulo: N-1 edições, 2018. 
 
NASCIMENTO, Abdias.O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo 
mascarado. São Paulo: Paz e Terra, 1978.

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