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As sociedades de economia mista

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AS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA * 
1. Introdução 
SARAH CASTELO BRANCO MONTr.:a~O* * 
1. Introdução; 2. Surgimento da economia mista na rea­
lidade brasileira; 3. Análise doutrinária (características 
do instituto); 4. As sociedades de economia mista e a lei 
das sociedades anônimas; 5. Conclusão. 
A Companhia ou sociedade anoruma de economia mista não é uma fórmula 
nova. "No caso do século XVI e no começo do século seguinte criou-se o Es­
tado nacional da época mercantilista", como registra Trajano Miranda Val­
verde!. 
Vamos observar que as grandes companhias coloniais nasceram na Inglaterra 
e na Holanda, onde o Estado absolutista procurou incentivá-las "dando-Ihes 
vida, conferindo valores, privilégios, monopólio e extensíssímas atribuições 
administrativas, já então absorvidas na órbita política do Estado nacional", 
como nos afirma o mesmo autor, in verbis. 
O Estado nelas participava tanto de forma direta como indireta, estando dis­
posto a correr riscos do empreendimento. No entanto, estas companhias procu­
ravam atuar, em terras conquistadas, como verdadeiros órgãos da administra­
ção do Estado, onde era reservado o direito de nomear elevados funcionários 
ou na aprevação da escolha feita pelos co-participantes. 
A Rainha Elizabeth da Inglaterra, no ano de 1599, fez a entrega da primeira 
carta de incorporação da Companhia das lndias Orientais ao Duque de Cum­
berland e aos 125 sócios, onde lhes foram concedidas pelo governo real o di­
reito exclusivo de fazer relações comerciais com as lndias Orientais e demais 
países a leste do Cabo da Boa Esperança e o estreito de Magalhães. 
Os Estados gerais dos países Baixos Unidos, em 1602, fundaram companhia 
com o mesmo nome, e no ano de 1621 a Companhia das lndias Ocidentais, 
ambas cem o objetivo de enfrentar o poderio marítimo inglês e espanhol e 
conquistar grandes e ricas regiões recém-descobertas ou descobrir novas terras. 
O centro do mercado de capitais encontrava-se localizado em Amsterdã no 
século XVII. 
• O presente trabalho, apresentado ao Curso de Direito Empresarial, promovido pelo 
Centro de Atividades Didáticas do Indipo, mereceu nota máxima e está sendo publicado 
por decisão do conselho editorial da Revista de Ciência Política. 
** Coordenadora da Comissão Permanente de Licitação da Companhia Energética do 
Amazonas (Ceam). 
1 Valverde, Trajano de Miranda. Sociedades anônimas ou companhias de economia mista. 
Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, FGV, 1(2):430, abro 1945. 
R. C. pol., Rio de Janeiro, 29(4):106-120, out./dez. 1986 
Ao gemo Colbert,· que· adquiriria ·0 Estado mercantilista, cabia auxiliar os 
seus propósitos políticos, o capital comercial e o capital de financiamento, que 
se apresentavam abundantes, e cujos possuidores ou representantes; ávidos de 
multiplicar os haveres, procuravam dar o necessário apoio à nova ordem eco­
nômica do Estado nacional. Com isso foi instituído um sistema que era consi­
derado como protecionista rígido, e que se exteriorizava por medidas de assis­
tência às atividades mercantis e de controles delas, objetivando dinamizar o 
dsenvolvimento das indústrias incipientes e defender o comércio nacional no 
âmbito interno, como externo, e no seu relacionamento com as colônias, cuja 
produção de consumo estava sob guarda do monopólio da metrópole. 
Themístocles Brandão Cavalcanti reconhece que "o processo de criação de 
empresas estatais, mais de natureza jurídica de direito privado, já vem de 
longe".2 Pode-se dizer que foi uma manifestação, não digo do Estado interven­
cionista, mas do Estado se apresentando no setor da vida mdustrial ou comer­
cial, competindo com a livre iniciativa. 
Para isso, foi de extrema necessidade que a estrutura das entidades assim 
criadas se desintegrasse da estrutura do E~tado para se incorporar a um regime 
jurídico próprio das empresas privadas, mais flexível, obedecendo aos precei­
tos da legislação privada. 
Assim, as disposições administrativas se reduzem às relações com o Estado, 
pois o seu mecanismo operacional regula-se pela legislação comercial. 
A forma da sociedade por ações, que foi organizada e estruturada pelas 
companhias do século XVI, tornou-se possível sendo posta em prática a associa­
ção do capital privado com os recursos pecuniários do Estado ou de coletivida­
des públicas: "le jour ou l'action, ou l'obligation a été inventée, une veritable 
révolutioll économique a été óperée"3. A limitação dos riscos de participantes, 
a possibilidade de constituir a sociedade com grande número de sócios, não 
raramente muitos deles sem se conhecerem; a facilidade da substituição dos 
sócios pela simples transferência das partes ou ações em que se divide o capital 
social, e a elasticidade do regime administrativo da companhia ou sociedade 
anônima, punham a serviço do Estado nacional daquela época uma instituição 
que se prestava admiravelmente aos fins de sua política expansionista. 
Os particulares não puderam constituir companhia ou sociedade anônima 
sem prévia autorização do Estado durante o período de mais de dois séculos. 
Somente nos fins do século passado pelo regime do período liberal, é que o 
Estado abriu mão, em que certos países, do privilégio de autorizar a consti­
tuição de companhias ou sociedades por ações, sem todavia deixar de fazer 
a sua rescrva quanto às companhias que mais de perto interessavam à economia 
nacional ou se propunham a estabelecer relações diretas com o público. 
O movimento liberal, que se expandia glorioso pelo mundo, abrangendo 
tanto a ordem política quanto a ordem econômica, achou na burguesia enrique­
cida o sustentáculo do Estado constitucional. No entanto, era combatida de 
forma coerente a intervenção do Estado na ordem econômica. A prévia autori­
zação para que se formassem as companhias ou sociedades anônimas foi aba­
tida, inicialmente na França, e posteriormente quase que totalmente nos países 
2 Cavalcanti, Themístocles Brandão. Empresas públicas e sociedades de economia mista. 
Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, FGV, v. 128, jun. 1977. 
3 Janet. Le capital, la spéculation et la fiance XIX. Paris, 1892. 159 p. 
As sociedades ... 107 
de origem latina. O liberalismo econômico não podia conceder ao 'Estado esta 
última intervenção na organização das empresas sob forma anônima. Portanto, 
as grandes e poderosas companhias do século passado e do começo deste conse­
guiram, conjugadas interna e externamente com outras organizações do mesmo 
gênero, dominar o Estado e os mercados internacionais. As nações mais fracas, 
que possuíam seus territórios e riquezas com capacidade suficiente para assegu­
rar o bem-estar da humanidade, puderam sentir o peso dessas organizações in­
ternacionais modernas, as quais tinham ou têm sede, e impediam, como ainda 
insistem na má política de impedir que as nações mais jovens realizassem a 
justa aspiração de se libertarem dessa tutela de exploração. 
O ponto mais alto a que chegaram nos domínios da ciência e da técnica foi 
alcançado no século XIX. Caracterizaram-se como instrumentos de ação econô­
mica, social e política no seio das nações amadurecidas, Eltravés de métodos e 
processos do capitalismo absorvente, sempre em busca de lucros mais elevados. 
Em tal ambiente não podiam mais surgir as sociedades de economia mista. 
Os cartéis, os trustes, os consórcios, as holding companies assumiram, com van­
tagens e sem maior preocupação para os Estados industriais, o papel que anti~ 
gamente desempenhava o Estado nacional absolutista. 
Porém "as contradições sociais das largas camadas marginalizadas do bem­
estar econômico e social permitiram que a liberêade política, até então virtual 
monopólio de uma classe, se tomasse de todos pelo sufrágio universal, possibi­
litando que a derrota da ordem liberal não fosse apenas doutrinária, mas efeti­
va, com a interferência do Estado na economia".4 
A intetvenção do Estado na ordem econômica, qualquer que seja a estrutura 
política e social, é um fenômeno que se generalizoumuito rápido após a guerra 
de 1914. Variam as causas dessa intervenção e os seus fins, de conformidade 
com os princípios ou normas gerais que norteiam a política econômica social 
do Estado: em busca de um ideal com justiça ou com o objetivo de impulsionar 
a exploração industrial das riquezas naturais e a instalação de indústrias bási­
cas nos países em que não faltam matérias-primas; na contingência de criar ou 
fundar empresas públicas dotadas de personalidade jurídica, ou instituições de 
direito comum, como as sociedades de economia mista. Neste último caso a em­
presa há de ter fim lucrativo, pois que, se assim não fosse, é claro que os par­
ticulares não concorreriam com os seus capitais para a constituição da sociedade. 
2. Surgimento da economia mista na realidade brasileira 
"No Brasil, a primeira sociedade de economia mista foi o Banco do Brasil, 
fundado pelo alvará de 12 de outubro de 1808, do Príncipe Regente."5 
O alvará fixou as bases da constituição da sociedade anônima e lhe outorgou 
os estatutos. A primeira nominata dos membros da junta adminh:trativa e da 
diretoria, fê-la o Príncipe Regente, que no alvará equiparou os honorários dos 
administradores e fiscais (diretores) do Banco aos que fossem pagos aos ministros 
oficiais da Real Fazenda, associando capitais públicos e privados. 
4 Sá, Afrânio de, Sociedade de economia mista, Revista de Ciência Política, Rio de J a­
neiro, FGV, v. 26, abr. 1983. 
~ Figueiredo, Lúcia Vale. Empresas públicas e sociedades de economia mista. Revista dos 
Tribunais, Rio de Janeiro, 1978. 
108 R.C.P, 4/86 
Caio TácitoS qualifica que seu ingresso na vida econômica do país se apre­
senta com o Instituto de Resseguros do Brasil em 1939, Companhia Siderúrgica 
Nacional em 1941, e Companhia Vale do Rio Doce em 1942. Dando prossegui­
mento à Companhia Nacional de Alcalis em 1943, Hidrelétrica do São Francis­
co em 194-5 e Fábrica Nacional de Motores em 1946; criações estas que incidi­
ram ao t~mpo do Estado Novo, quando o Poder Legislativo ficou concentrado 
em mãos do presidente da República, e que o advento do Estado de direito d~ 
mocrático determinou que as novas empresas públicas fossem ungidas pelo 
parlamento através de leis sucessivas que originaram a Petróleo Brasileiro S.A. 
(Petrobrás, em 1953), Rede Ferroviária Federal em 1957, agrupando todas as 
ferrovias da União, e Centrais Elétricas Brasileiras (Eletrobrás), em 1961, hol­
ding do sistema brasileiro de eletricidade. 
Percebemos, por conseguinte, que "essas entidades não se originaram em fun­
ção de um estatuto legal ou de normas doutrinárias, ou por efeito de linhas it~ 
rativas jurisprudenciais; o que não constitui fato significativo, pois a realidade 
econômica sempre procede sua regulação jurídica, bastando recordar a le~ra de 
câmbio como típica criação do comerciante, em face de necessidades emergen­
tes e inadiáveis. Toma-se relevante, portanto, que o afloramento dessas figuras 
jurídicas é consectário indispensável da política de intervenção estatal no do­
mínio econômicoJJ1
• 
A sociedade de economia mista no Brasil não recebeu a devida regulamenta­
ção legal. A Constituição da República a ela se refere apenas para estabelecer 
que, quando for utilizada para explorar a atividade econômica, deve operar sob 
as mesmas normas aplicáveis às empresas privadas, inclusive quanto ao direito 
do trabalho e das obrigações (art. 170, § 2.0
), e sujeitar o seu pessoal à proibi­
ção de cumulação de cargos, funções ou emprego que especifica (art. 99, § 2.0
). 
Essas referências constitucionais vão reafirmar o caráter paraestatal das socieda­
des de economia mista, cada vez mais próximas do Estado, sem contudo inte­
grar sua estrutura orgânica ou adquirir personalidade pública. 
Por outro turno, em alguns países foram criadas as empresas estatais de par­
ticipação exclusiva do Estado, organizações de uma única pessoa - o Estado 
- enquanto que em outr05, ao lado das entidades públicas sob a forma de em­
presa, foram também criadas sociedades chamadas mistas, de diversos sócios, 
com a participação do Estado e dos particulares.8 
Razões de ordem econômica motivaram essa participação, como a escassez de 
recursos públicos, com o propósito de atrair poupanças privadas, a conveniên­
cia de interessar o público em investimentos do Estado. Por exemplo, na Fran­
ça, ao lado dos établissements publics de caractere industrial et commercial, que 
são empresas do Estado, existem sociedades de economia mista. O mesmo ocor­
re na Itália, com a organizacione economici publici; nos EUA e na Inglaterra 
prevalece o estilo public cooperation on business cooperatíon, que são empre­
sas do Estado mas são regidas por princípios de direito privado. 
t Tácito. Caio. As empresas públicas no Brasil. Revista de Direito Administrativo, Rio de 
Janeiro, FGV, abr.!jun. 1966. 
7 Sá, Afrânio de. Revista de Ciência Política, Rio de Janeiro. FGV, v. 26, abr. 1982. 
, Sherwood, Frank. Textos sobre empresas públicas. Rio de Janeiro. FGV, 1976. 
As sociedades ... 109 
Podemcs notar que a tendência no direito estrangeiro, segundo o ProL The· 
místocles Cavalcanti,9 é considerar essas empresas como públicas, embora obe­
deçam a regime administrativo e comercial mais próximo das empresas priva­
das. Já nos países anglo-saxões, a diferença entre o público e o privado não é 
nítida. Pode-se dizer que ali somente existe o direito privado que regula 
todos os tipos de relações jurídicas. 
Um dos primeiros trabalhos, no Brasil, sobre as empresas públicas, deve-se 
a Bilac Pinto, em conferência realizada em 1952, no Instituto de Direito Públi­
co e Ciência Política da Fundação Getulio Vargas, onde sustentou a necessida· 
de de sua criação demonstrando suas características externas e internas, após 
uma análise comparativa do problema. 
Para Bilac Pinto as características externas são: 
a) adotam a forma das empresas comerciais comuns (sociedades por ações, so­
ciedade ue responsabilidade limitada) ou recebem do legislador estruturação 
específica; 
b) a propriedade e a direção são exclusivamente governamentais; 
c) têm personalidade jurídica de direito privado. 
As características internas são: 
a) completa autonomia técnica e administrativa; 
b) capitalização inicial; 
c) possibilidade de recorrer a empréstimos bancários; 
d) possibilidade de reter lucros para ampliar o capital de giro e constituir re­
servas; 
e) liberdade em matéria de despesas; 
f) flexibilidade e rapidez de ação; 
g) capacidade para acionar e serem acionadas; 
h) regime de pessoa idêntico ao das empresas privadas.lo 
Daí se deduz que uma sociedade de economia mista, como de resto em qual­
quer sociedade, verificam-se dois níveis de relações: 
a) o das externas, as quais se desenvolvem entre a sociedade e os terceiros que 
com ela contratam ou de alguma forma se relacionam; 
b) o das relações internas, as quais têm lugar entre acionistas, destes para com 
a sociedade, e ainda entre os controladores e a administração da sociedade. 
A atividade econômica da sociedade situa-se ao nível das relações externas, 
na qual se projeta para fora, alcançando os terceiros que com ela contratam, 
9 Cavalcanti, Themístocles Brandão. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, 
FGV. v. 128, out./dez. 1977. 
10 Pinto, Bilac. O declínio da sociedade de economia mista e o advento das modernas 
empresas públicas. Revista de Direito Admillistrativo, Rio de Janeiro, FGV, v. 32. 
110 R.C.P. 4/86 
devendo essa atividade subordinar-ee, rigorosamente, às mesmas normas aplica­
das às empresas privadas (Constituição federal, art. 170, § 2.°). 
A falta de sucesso de certas empresas de economia mista cujo capital em 
ação não conseguiu atrair a iniciativa privada, deixando o Estado como o único 
acionista da empresa, e mesmo a existência de autarquias que funcionaram me­
lhor com a empresa privada, levou os planejadores de reforma administrativa 
a admitir a criação desse tipo de empresa colocada ao lado das empresas de eco­
nomia mista edelas diferenciadas, principalmente, pelo grau de participação 
do Estado na formação de seu capital, sendo ele o único titular. 
Anote-se, ademais, que esse tipo de empresa não deixa, entretanto, de criar 
certos problemas "decorrentes principalmente da necessidade da conciliação do 
público com o privado, isto é, de investimento público sob a forma de empresa 
privada. A simples necessidade do controle público constitui uma dificuldade 
para a integração no regime privado"Y 
Diferenças sensíveis entre empresas públicas e empresas de economia mista, 
public corporation e business corporation, estariam na formação do capital, na 
sua divisão ou não em ações, no regime de administração, de controle etc. 
No trabalho de Hauson12 podem-se verificar as divergências existentes e as 
conseqüentes confusões, o que envolve necessariamente a sua natureza jurídica. 
Entretanto, não será difícil situar em duas categorias as diversas tendências -
empresa pública com a aproximação estatal, e empresa de economia mista, mais 
aproximada do sistema de gestão privada da estrutura jurídica da entidade e a 
formação de seu capital, como afirma F. Vitto13 e também Godchot.H 
Se existem medidas excepcionais com relação à acumulação e outras medidas 
da mesma natureza, elas decorrem de lei expresa, o que basta para legitimá-las. 
Por isso é que geralmente se distinguem as autarquias das entidades paraesta­
tais, aquelas incorporadas na organização administrativa do Estado como órgão 
de colaboração. 
O Decreto-Iei n.O 200, de 25 de fevereiro de 1967, com redação que lhe foi 
dada pelo Decreto-Iei n.O 900, de 29 de setembro de 1969, ao dispor sobre a 
Reforma Administrativa, estabeleceu em seu art. 5.° os seguintes conceitos:15 
"art. 5.° Para os fins deste decreto-Iei considera-se: 
I - Autarquia ( ... ) 
II - Empresa pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de di­
reito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criada por 
lei para a exploração de atividade econômica que o governo seja levado a exer­
cer por força de contingência ou de conveniência administrativa, podendo re­
vestir-se de qualquer das formas admitidas em direito. 
IH - Sodedade de economia mista - a entidade dotada de personalidade ju­
rídica de direito privado, criada por lei para exploração de atividade econômi-
11 Magalhães, Celso. Sociedade de economia mista. Revista do Serviço Público, Rio de 
Janeiro, Dasp. 
12 Hauson. A. H. Public enterprise and economic development. p. 321. 
13 Vitto, F. Controllo della empresa publica. p. 128. 
14 Godchot, J. E. Les sociétés d'économie mixte et l'amenagement territoire. Paris,1958. 
15 Senado Federal. Reforma administrativa, organização da administração federal, Decreto­
lei n." 200/67. Texto atual., anoto Brasília, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1981. p. 2-3. 
As sociedades ... 111 
ca, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto perten­
çam em sua maioria à União, a entidade de administração indireta. 
As diferenças entre as duas espécies apresentam-se nitidamente, em primeiro 
lugar quanto à forma, onde a empresa pública admite ser qualquer uma previs­
ta em direito ou ainda podendo receber "estruturação específica", como explica 
Bilac Pinto. Já nas sociedades de economia mista a ação administrativa não é 
discricionf.ria, mas está vinculada ao comando posto na lei, em que a forma se 
apresentará sempre anônima, possuindo o Estado a maioria das ações com di­
reito a voto e restrições para explorar atividades econômicas.16 
Com relação ao capital, "o controle majoritário da sociedade de economia 
mista continua sendo da União ou de entidade da administração indireta, en­
quanto que na empresa pública desaparece a exclusividade do capital como re­
ferencial, pois ao lado de uma empresa pública pura de capital exclusivo da 
União surge outro tipo no qual a referência se fixará na maioria do capital vo­
tante sempre da União, admitindo que outras pessoas jurídicas e entidades se­
jam partícipes. A exclusividade se toma relativa, pois enquanto na sociedade de 
economia mista o controle pode ser exercido por outra entidade da administra­
ção indireta quando não for pela União, na empresa pública o controle conti­
nua a ser da Umão, sob forma majoritária ou total, já que a nova redação do 
Decreto-lei n.O 900/69, art. 5.°, admite outros participantes, e não vedou a pos­
sibilidade da União criar empresa pública com capital formado exclusivamente 
com seus recursos" .17 
A distinção apresenta-se também constitucionalmente. O art. 110 da Consti­
tuição federal dispõe expressamente "que os litígios decorrentes das relações 
de trabalho dos servidores com a União, inclusive as autarquias e as empresas 
públicas, qualquer que seja seu regime jurídico, processar-se-ão perante os juí­
zes federais, devendo ser interposto recurso, se couber, para o Tribunal Federal 
de Recursos", entendimento ampliado pelo inciso I do art. 125 da Constituição 
federal para "as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pú­
blica federal forem interessadas na posição de autores, rés, assistentes ou apoen­
tes, exceto as de falência e as sujeitas à justiça eleitoral e à militar". Podemos 
compreender, portanto, que em se tratando de foro, a empresa pública está 
nivelada à União e às autarquias, mesmo sendo de direito privado, onde o 
mesmo ocorre com as sociedades de economia mista. 
As empresas públicas e a sociedade de economia mista constituem-se e extin­
guem-se por lei. 
Um de seus traços característicos é que devem necessariamente perseguir ° 
próprio escopo: isto é, criadas pelo Estado para um determinado fim, encon­
tram-se cotadas pela finalidade definida pela lei criadora. 
Por mais distintas sejam as duas espécies do gênero empresa pública, "ambas 
estão assentadas na mesma origem, enraizadas no capital e finalidade públicos, 
o que as identifica fundamentalmente, não podendo ser confundidas com as 
16 Ramos, José Nabatino. Empresas públicas. Revista de Direito Administrativo, Rio de 
Janeiro, FGV, v. 107, jan./mar. 1972. 
17 Sá, Afrânio de Revista de Ciência Política, Rio de Janeiro, FGV, v. 26, abro 1983. 
112 R.C.P. 4/86 
empresas privadas onde haja capital estatal mas não exista fim público, como 
registra Caio Tácito".18 
Podemos, assim, concluir a segunda parte deste trabalho, dizendo que em 
nosso sistema administrativo existem dois tipos de empresa de estrutura priva­
da. As empresas públicas, somente de capital público, e as sociedades de econo­
mia mista, de que participa, com o Estado, o capital privado. 
O Prof. Themístocles Cavalcanti cita alguns exemplos bem característicos de 
empresas públicas: "Banco Nacional da Habitação, Banco Nacional de Desen­
volvimento Econômico, Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. 
Já as sociedades de economia mista apresentam-se de formas diversas: Petro­
brás, Eletrobrás, Telebrás, Cia. Siderúrgica Nacional, Cia. Vale do Rio Doce 
e Banco do Brasil".19 
3. Análise doutrinária (características do instituto) 
Muito se tem discutido sobre o conceito de sociedade de economia mista na 
doutrina. Os critérios conceituais apresentam-se sob formas variadas. Alguns 
autores consideram que para sua configuração basta a simples conjugação de 
capitais públicos e privados. Contudo, esse conceito é econômico e não jurídico. 
Verifica-se, portanto, que no campo jurídico, uma determinada corrente en­
tende que o que singulariza a sociedade de economia mista é a possibilidade 
de o poder público que a cria (por lei) afastar, através de sua legislação especí­
fica, as normas comuns societárias e comerciais em geral, de que se revestem em 
grande parte. Outra corrente entende que só pode existir sociedade de economia 
mista ao nível federal, no Brasil, posto que aquelas normas específicas, para 
poderem derrogar as normas comerciais, devem também ser de cunho comercial, 
e como somente a União tem competência para legislar sobre o direito comer­
cial (art. 8.°, inciso XVII, alínea b, da Constituiçãofederal), só ela pode criar 
. aquelas sociedades; a primeira corrente entende que estados e municípios po­
dem criar sociedades de economia mista, posto que aquelas normas específicas 
que fazem emanar são de direito administrativo e não de direito comercial, e 
não derr0gam as normas comerciais, sediando-se noutro campo de interesses 
(públicos). 
A Emenda Constitucional n.O 7, de 13 de abril de 1977, em seu art. 205, fez 
com que tal divergência perdesse sentido, quando sufraga o seguinte: "as ques­
tões entre a União, os estados, o Distrito Federal, os municípios e respectivas 
autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista, ou entre umas 
e outras, serão decididas pela autoridade administrativa, na forma da lei, res­
salvado ao acionista procedimento anulatório dessa decisão" (grifo nosso). 
A partir do momento em que a Constituição prevê a existência de sociedade 
mista ao nível estadual e municipal, não há que se cogitar mais da divergência 
doutrinária apontada. 
1B Tácito, Caio. Controle de empresas do estado. Revista de Direito Administrativo, Rio 
de Janeiro, FGV. v. 111, jan./mar. 1973. 
19 Cavalcanti, Themístocles Brandão. Empresa pública e sociedade de economia mista. 
Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, FGV, abr./jun. 1977. 
As sociedades ... 113 
Aliás, a realidade existente já testemunhava a verdade imposta pelo texto 
constitucional - entre nós, de há muito encontramos, ao lado das sociedades 
de economia mista federais, as estaduais e municipais. 
Um outro critério jurídico é o de saber se as sociedades de economia mista são 
instrumentos do Estado, apenas para intervenção no domínio econômico, ou 
se podem existir para gerir serviços públicos. 
Uma corrente entende que sociedades de economia mista seriam aquelas cria­
das para a exploração de atividades econômicas. Lastreiam o raciocínio no art. 
170, § 2.° da Constituição e no Decreto-Iei n.o 200/67 (alterado pelo Decreto­
lei n.O 900/69), afirmando: "este diploma (para nós de aplicação apenas à 
União) definiu, no seu art. 5.°, tanto a empresa pública como a sociedade de 
economia mista, como sendo aquelas que têm por função explorar atividades 
econômicas".20 Desta forma, só poderia existir sociedade de economia mista ao 
nível federal por Eer a intervenção no domínio econômico de competência pri­
vativa da União. 
Toshio Mukai considera o raciocínio inteiramente defensável escrevendo: 
"Em primeiro lugar, a norma constitucional não impõe ao intérprete a extra­
ção de um comando obrigatório, no sentido de que as empresas públicas e as 
sociedades de economia mista só passam a existir para a exploração de ativida­
des econômcias."21 O § 2.° do art. 170 da Constituição (Emenda n.O 1/69) de­
termina que quando o Estado explorar atividades econômicas através de em­
presas públicas e sociedades de economia mista, estas deverão estar regidas in­
teiramente pelas normas aplicáveis às empresas privadas. 
Destarte, parece-nos que os estados e municípios podem criar sociedades de 
economia mista, não só para prestação de serviços públicos como para explora­
ção de atividades econômicas.22 
Conclui-se, pois, que o critério que se refere à predominância da atividade 
exercida pela sociedade de economia mista é insuficiente para caracterizá-la. 
O Decreto-lei n.o 200/67, com a redação dada pelo Decreto-lei n.O 900/69, 
ao dispor sobre a Reforma Administrativa, estabelece (art. 5.°, inciso IH) em 
definição analítica elementos caracterizadores deste instituto (SEM): a) perso­
nalidade jurídica de direito privado; b) criação por lei; c) objeto ligado a ex­
ploração de atividade econômica; d) forma de sociedade anônima; e) controle 
majoritário da União ou de entidades da administração indireta. 
A sociedade de economia mista, como pessoa jurídica de direito privado, de­
ve realiZar, em seu nome, por sua conta e risco, atividades de utilidade pública, 
mas de natureza técnica, industrial ou econômica, suscetíveis de produzir renda 
e lucro; o Estado tem interesse na sua execução, mas reputa inconveniente ou 
inoportuno ele próprio realizar, e por isso outorga ou delega a uma organização 
privada, com a participação majoritária no capital e na direção da empresa, o 
20 Mukai, Toshio. A sociedade de economia mista na lei da S. A. Revista de Direito Ad­
ministrativo, Rio de Janeiro, FGV, v. 136, 1979. 
21 Id. ibid. p. 298. 
22 Saraiva, Oscar. Novas formas de delegação administrativa do estado, as sociedades de 
economia mista e as funções públicas. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, 
FGV, 1977. 
114 R.C.P. 4/86 
que a torna mista. O poder público . incentiva e faz realizar, assim, atividades 
úteis aos seus próprios serviços, ou ao público em geral, nos setores em que a 
sua atuação direta seja desaconselhável, como registra o Prof. Hely Lopes Mei­
relles.21 
Raymond Racine observa que "embora as sociedades de economia mista se­
jam reguladas pelo direito privado, estão sob o domínio do direito público".24 
Tal interpretação não as assemelha às entidades estatais, nem aos entes autár­
quicos, uma vez que cada uma dessas instituições tem características próprias, 
privilégios distintos e objetivos diversos. 
Sendo paraestalal, a sociedade de economia mista ostenta estrutura e funcio­
namento da empresa particular. 
A expressão economia mista tem sido considerada, no sentido de conjugação 
de capitais públicos e privados, para fins de interesse coletivo. 
Consagrou-se, legislativamente, o entendimento que antes mesmo do D2Cre­
to-lei n.O 200/67 já se vinha afirmando na doutrina e na jurisprudência m .. sen­
tido de que somente por lei pode ser constituída uma sociedade de economia 
mista. 
Na realidade, "a lei não a constitui", tanto que a Constituição observará a 
forma própria prevista na lei das sociedades anônimas, mas é da lei - lei espe­
cífica - que deriva o caráter de economia mista da sociedade. E não basta uma 
lei genérica, posto que neste caso ter-se-ia uma autorização para criar socieda­
des, mas não a atribuição à sociedade a ser criada do caráter da economia ~ 
que é um justamento aos fins do Estado - somente possível em concreto". 
Portanto, é a lei que sagra a economia mista; isto não se faz através de autori­
zação genérica. 
"0 objeto da sociedade de economia mista tanto pode ser um serviço pú­
blico ou de utilidade pública, corno uma atividade econômica empresarial."~5 
Quando estiver relacionada a serviço público ou a utilidade pública, a liberdade 
operacional é ampla e irrestrita; quando for atividade econômica, fica limitada 
aos preceitos constitucionais da subsidiaridade e da não-competitividade com a 
iniciativa privada, sujeitando-se as normas aplicáveis às empresas congêneres 
particulares e ao regime tributário comum, pois é dever do Estado dar prefe­
rência, estímulo e apoio à iniciativa privada para o desempenho de atividade 
econômica (Constituição da República, art. 170 e §§ 1.0 a 3.°). 
A forma utilizada para sociedade de economia mista só pode ser anomma. 
Sendo adotada essa forma, a sociedade deve organizar-se e reger-se pelas normas 
pertinentes (Lei n.O 6.404, de 15 de dezembro de 1976, arts. 235 a 242). Toda­
via, nem por isso fica a entidade estatal instituidora impedida de estabelecer 
normas administrativas para a consecução dos objetivos estatutários e para o 
controle finalístico da sociedade. Esses preceitos administrativos devem ser esta­
belecidos na lei que autoriza a criação da sociedade, devendo, no essencial, 
ser reproduzidos no estatuto. 
~ Meirelles. Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro 11. ed. atual. São Paulo, 
Revista dos Tribunais, 1985. 
24 Racine, Rayrnond. Au service des nationalisation. Paris, 1935. p. 23. 
15 Borba, José Edvaldo Tavares. Direito societário. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1986. 
p. 370. 
As sociedades .. , 115 
4. As sociedades de economia mista e a lei das sociedades anônimas 
A Lei federal n.O 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (Lei das sociedades anô­
nimas), trata das sociedadesde economia mista em oito artigos e sete parágra­
fos, que constituem o seu capítulo XIX. 
O § 2.° do art. 170 da Constituição federal, como peça de resistência, dispõe 
que "as empresas públicas e sociedades de economia mista reger-se-ão pelas nor­
mas aplicáveis às empresas privadas, inclusive quanto ao direito do trabalho e 
ao das obrigações". Nessa linha, se obrigatoriamente a forma de sociedade de 
economia mista é anônima, sua regência se dará pelas normas de direito priva­
do aplicáveis a esse tipo societário, como esclarece a exposição justificativa das 
principais inovações do projeto de lei relativo às sociedades por ações, consig­
nando que "a lei das sociedades anônimas, além de dispor sobre essa forma de 
sociedade quando utilizada pelo setor privado, é lei geral das sociedades de eco­
nomia mista, que por ela se regem, com as derrogações constantes das leis es­
peciais que autorizam a sua constituição".26 
Egberto Lacerda Teixeira e J .A. Tavares Guerreir027 aclamam a solução, 
considerando a presença da companhia de economia mista no mercado de capi­
tais "coletando com grande sucesso as poupançai do público investidor", e ten­
do em vista "a conveniência de se protegerem adequadamente as minorias acio­
nárias que participam dessa modalidade societária. Entendimento que se abriga 
em José Washington Coelho, dizendo que a pedra angular da lei é a "proteção 
dos direitos dos acionistas minoritários", sendo razão básica da existência do 
capítulo XIX, de tal sorte que os deveres e responsabilidades do acionista con­
trolador (arts. 116 e 117) aplicam-se à pessoa jurídica (art. 238) que detém a 
maioria do capital com direito de voto. 
Analisaremos agora sucessivamente as várias normas contidas no capítulo 
XIX. .' 
A discussão básica quanto ao art. 235 decorre de ter sujeitado as sociedades 
de ecnomia mista às normas da lei das sociedades anônimas e às disposições es­
peciais da lei federal, parecendo excluir, a contrario sensu, as normas estaduais 
ou municipais, no caso de sociedades criadas pelo estado ou pelo município. 
A crítica feita pelo Prof. José Washington Coelho mostra que a declaração 
enunciada na face do art. 235 - "as sociedades de economia mista estão su· 
jeitas a esta lei" - visa deixar bem claro que a presença do Estado, embora 
mude até a nomenclatura designativa, não importa o deslocamentc de jurisdi­
ção, inclusive no que tange à Comissão de Valores Mobiliários.2s 
A interpretação lógica e sistemática do art. 235, caput, autoriza considerar a 
empresa regida pela legislação das sociedades anônimas e outras normas fede­
rais no tocante ao direito comercial e regida pela lei da entidade que a criou 
no que se refere à~ peculiaridades de caráter administrativo. 
26 Lei das sociedades por ações e do mercado de valores mobiliários. Porto Alegre, Sulina, 
1977. 71 p. 
ri Teixeira, Egberto Lacerda & Guerreiro, J. A. Tavares. Das sociedades anônimas no 
direito brasileiro. São Paulo, José Bushatsky, 1979. 115 p. 
28 Coelho, José Washington. Aspectos polêmicos da nova lei das sociedades anônimas. 
São Paulo, Resenha Universitária, 1977. 195 p. 
116 R.C.P. 4/86 
Podemos, pois, inferir da lição dos mestres, que pretenderam dizer que a 
empresa de economia mista se rege pelas disposições da lei das sociedades anô­
nimas, sem prejuízo das normas contidas na lei que autorizou a suá constituição, 
lei que, evidentemente, conforme o caso, poderá ser federal, estadual ou muni­
cipal. 
Portanto, o art. 235, como finalidade, consiste em assegurar na empresa de 
economia mista, aos minoritários, os mesmos direitos e garantias de que gozam 
os acionistas nas demais sociedades anônimas, sem prejuízo das disposições es­
peciais da lei que autorizou a criação da empresa. 
O § 1.° do art. 235 esclarece que as companhias abertas de economia mista 
estão sujeitas às normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários. Trata­
se de preceito redundante e despiciendo, pois, aplicando a lei das sociedades 
anônimas às sociedades de economia mista, e dando a legislação competência à 
Comissão de Valores Mobiliários, a norma ·somente seria oportuna se estabele­
cesse um regime distinto. Onde a lei não distingue, ao intérprete é defeso dis­
tinguir. 
O § 2." esclarece que não são sociedades de economia mista, para os fins da 
lei das sociedades anônimas, as empresas das quais as sociedades de economia 
mista participam minoritariamente ou majoritariamente, aplicando-se as normas 
da lei, sem a incidência das determinações específicas do capítulo XIX. O le­
gislador excluiu d.J rol das sociedades de economia mista as chamadas empre­
sas mistas de segundo grau. 
Alguns autores não admitem uma participação majoritária da economia 
mista em outra empresa, que não tenha sido autorizada por lei. De qualquer 
forma, o esclarecimento definitivo resulta da combinação do § 2.° do art. 235 
com o § 1.0 do art. 237: a participação terá que ser autorizada por lei, mas 
não muda a natureza da participada. 
Esclarece o art. 236, caput, que a sociedade de economia mista, para se 
constituir, depende de prévia autorização legislativa, que conforme o caso p0-
derá ser federal, cstadual ou municipal. 
O preceito reproduz princípios do art. 5.° do Decreto-Iei n.O 200/67, sendo 
considerado assim dispensável por alguns autores. O disposto no parágrafo 
único do art. 236, prevendo a aquisição por desapropriação, elide o direito 
de recesso. 
O art. 237 da Lei n.O 6.404/76 explicita que "somente poderá explorar os 
empreendimentos ou exercer as atividades previstas na lei que autorizou sua 
constituição. A esse respeito a exposição justificativa da lei das sociedades 
anônimas ressalta a simetria do dispositivo com o § 2.° do art. 2.° da mesma 
lei, afirmando sua razão de ser na defesa da minoria e ainda "se o objeto que 
autorizou a sua criação está definido em lei especial, seria injurídico pudesse 
ela desconhecê-Io, violá-lo e, por deliberação própria, lançar-se em outros 
empreendimentos" .29 
J á tendo abordado o § 1.° do art. 237, cumpre apenas alertar que a parti­
cipação das instituições financeiras fica adstrita ao que estabelecer o Banco 
Central (§ 2.°). 
29 Mayer. Luis Rafael. Parecer n.O L-154, Proc. n.O 019-C-77PR-3.644/77. DOU, Seção 1, 
Parte 1,26 jul. 1977. p. 9.519-21. 
As sociedades ... 117 
o art. 238 incorpora à socie.dade de economia mista a figura do acionista 
controlador, caracterizados os deveres no art. 116 e no art. 117 as responsabi­
lidades, na lei anônima. 
É incontestadamente acertada a decisão do legislador de equiparar, no caso, 
a responsabilidade do acionista controlador na empresa de economia mista 
à existente nas demais companhias, pois, tanto a pessoa jurídica de direito 
público como as outras pessoas jurídicas que compõem a administração indi­
reta podem, evidentemente, em tese, violar obrigações e deveres que a lei lhes 
atribui. 
O problema torna-se complexo e de solução difícil no caso de eventual con­
flito de interesse entre os acionistas majoritários e os minoritários. 
Entendemos, portanto, que a faculdade admitida pela lei de fazer prevalecer 
interesse público significa somente que os minoritários não poderão impedir 
a atuação das sociedades de economia mista em tais hipóteses, mas não quer 
dizer que não haja, em tais situações, a responsabilidade do acionista majo­
ritário. 
Tratando-se de empresas, não é possível confundir os vários interesses em 
jogo e identificar todas as situações como de interesse público, pois podem 
ser distintos os interesses da União, do estado e do município, do ponto de 
vista econômico. A prevalência do interesse da União a justifica, mas, se causar 
prejuízo, deve ser indenizado. Não é mais possível consagrar no campo pú­
blico, como no campo privado, a irresponsabilidade do acionista ou da própria 
autoridade pública. 
Algumas vezes esse tipo de solução já tem sido adotado. Pensamos, no caso 
das crises de determinada empresa que o Governo decidiu salvar, o BNDE 
não quis assumir os prejuízos, solicitandoao governo federal que desse uma 
solução na qual os prejuízos não o onerassem. Na realidade, trata-se de situa­
ções com efeitos múltiplos, pois até a gestão do diretor ou administrador de 
empresas públicas ou sociedades de economia mista "pode ser apreciada de 
modo diferente, em virtude de aceitação de operações de caráter social e polí­
tico, ensejando, em determinados casos, uma responsabilidade civil e, em 
outros, uma redução de gratificação ou a ausência da mesma, em decorrência 
de inexistência de lucros provocada por decisão política", como expõe Amoldo 
Wald.30 
A conclusão a que chegamos é, pois, no sentido de que deve prevalecer o 
interesse público, mas se a orientação tomada importa em abuso de poder do 
acionista controlador, os acionistas minoritários terão o direito de ser inde­
nizados. 
Os arts. 239 e 240 tratam do Conselho de Administração e do Conselho 
Fiscal. 
Estabelece o art. 239 a obrigatoriedade do colegiado e assegura à minoria 
o direito de eleger no mínimo um dos conselheiros. Poderá eleger mais pela 
aplicação do voto múltiplo (art. 141). O seu parágrafo único equipara os ad­
ministradores em deveres e responsabilidades aos administradores de compa­
nhias abertas. 
JO Wald. Amoldo. As sociedades de economia mista e a nova lei das S.A. Rev. de Inf. 
Legislativa, Brasília, n. 54, abr.!jun. 1977. 
118 R.C.P. 4/86 
o art. 240 estipula o funcionamento permanente obrigatório do Conselho 
Fiscal, esclarecendo o critério para eleição dos seus membros: um dos seus 
membros e respectivo suplente será eleito pelas ações ordinárias minoritárias 
e outro pelas ações preferenciais, se houver. 
O art. 241 admite a limitação da correção monetária do ativo permanente 
desde que haja, para tanto, autorização do ministério de sua vinculação. En­
tendemos que, no campo estadual, a autorização pode e deve ser do Secretário 
de Estado de sua jurisdição. 
Segundo o Prof. José Washington Coelho "há sociedade de economia mista 
que, valendo-se da não obrigatoriedade da correção monetária do ativo imo­
bilizado, deixou seus imóveis prisioneiros do valor histórico. Daí resulta dis­
tância, às vezes gigantesca, entre o valor contabilmente registrado e o real".31 
Vale alertar que a faculdade foi utilizada em alguns casos com notório abuso 
para efeito de fabricação de lucros fictícios. 
Finalmente o art. 242 estabelece três normas que são as seguintes: 
a) os bens das sociedades de economia mista são penhoráveis; 
b) as sociedades de economia mista não estão sujeitas à falência; 
c) o acionista controlador responde subsidiariamente pelas obrigações das so· 
ciedades de economia mista. 
Quanto à penhorabilidade e à possibilidade de executar os bens das socie­
dades de economia mista, não há importante inovação do legislador, uma vez 
que a matéria já tinha sido tratada pelo Código Civil e pelo Código de Pro­
cesso Civil, que não consideram tais bens como sendo públicos, admitindo, 
conseqüentemente, que possam ser penhoráveis e executáveis. 
Hely Lopes Meirelles registra que "tais bens e rendas podem ser utilizados, 
onerados, alienados, sempre na forma do estatuto de sociedade, independen­
temente de autorização especial do Executivo e do Legislativo, porque essa 
autorização está implícita na lei instituidora da entidade e na fixação de seus 
objetivos empresariais". 32 
Quanto ao descabimento da falência, trata-se de norma oportuna e que aten­
de à própria evolução do direito no sentido de dar soluções mais realistas aos 
casos de insolvência, tentando recorrer, sempre que possível, a formas de reor­
ganização empresarial. As soluções específicas dadas por outras normas legais 
ao caso das instituições financeiras e das seguradoras justificam, para atender 
à sistemática do nosso direito, que se estabeleça também regime especial para 
as empresas mistas. 
A responsabilidade do acionista controlador, embora criticada por alguns 
como medida discriminatória ou até inconstitucional, parece uma solução ra­
cional diante da impossibilidade de ser requerida a falência. 
Parece-nos que, com a nova lei, destinada basicamente à grande empresa 
privada nacional, uma nova fase se inicia para a vida das socieddes de eco­
nomia mista. 
31 Coelho, José Washington. Aspectos polêmicos da nova lei das sociedades anônimas. São 
Paulo, Resenha Universitária, 1977. 197 p. 
32 Meirelles, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 11. ed. atual. São Paulo, 
Revista dos Tribunais, 1981. 347 p. 
4.s sociedades ... 119 
5. Conclusão 
A nova lei das sociedades anônimas traçou, com características marcantes, 
um novo perfil jurídico das sociedades de economia mista, inovando muito com 
relação ao quadro definido pelo Decreto-lei n.O 200/67. Reclama, do intérprete 
e do aplicador, cautela e sensibilidade, de modo a evitar que o passado regido 
por lei diversa acabe dominando, por comodismo ou acomodação, o futuro que 
reclama criatividade. 
O preceito, prisioneiro da inércia, é mau conselheiro. A lei nova, onde 
inova, deve ser conduzida com grandeza. 
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