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ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 1 Zumbi dos Palmares não tinha escravos: o Anacronismo de Narloch ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 2 Em memória de Zumbi, o líder negro palmarino. ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 3 ÍNDICE Prefácio..............................................................................................4 Introdução..........................................................................................6 Parte I Quem viveu próximo do poder no século 17 tinha escravos?...........7 Parte II Zumbi e o espírito humanista europeu............................................11 Parte III Falando de Zumbi?..........................................................................15 Parte IV O Anacronismo de Narloch..............................................................17 Parte V Marxistas criaram a imagem de Zumbi?..........................................21 Parte VI Objetivo de Leandro Narloch...........................................................28 PARTE VII Conclusão........................................................................................35 Bibliografia.....................................................................................37 ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 4 PREFÁCIO Poderiam dizer aos queridos leitores que essa obra vem em tempo tardio tendo em vista o objeto da mesma ser a análise de ideias contidas no Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, o qual, por sua vez, já está a um bom tempo no mercado. Todavia, pensando um momento e examinando o tema do polêmico livro, acredito não ser tarde e nem inoportuno o exame levando-se em conta o fato de o mesmo também abordar igualmente questões de longa data da história do nosso país e isso não foi empecilho algum para ser publicado e lido. Assim sendo, sinto-me tranquilo em relação ao tempo nesse aspecto, só lamentando tantas mentes inteligentes deixarem-se persuadir pelo conteúdo da obra sem ler praticamente nenhuma outra fonte abarcando o tema, principalmente fontes antigas de estudiosos africanistas do Brasil e obras de estrangeiros sobre nosso país da época colonial. Limitando-se os leitores à busca, no fim do livro de Narloch, de uma bibliografia para saber quais as fontes sem, contudo, consultá-las em si mesmas, ler os textos ou examinar atentamente suas palavras. Esse mal, porém, pode ser remediado para os que estiverem dispostos. Digo isso porque não são poucos os casos de indivíduos se revestindo falsamente com interesse na verdade histórica. Há uma multidão de leitores, e até pesquisadores, demonstrando falsamente intenção num diálogo das questões sobre Zumbi, mas bastam poucas palavras para percebermos a real disposição dos mesmos em apenas repetirem as ideias do livro daquele autor, sendo eles movidos em grande medida por uma conveniência própria que os leva a enxergarem e aceitarem de ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 5 braços abertos as inverdades da polêmica obra. Ademais, estes ávidos leitores de uma obra só, o Guia Politicamente Incorreto, parecem, por exemplo, acreditar na necessidade do reexame da história do líder palmarino contida no livro, mas não se conscientizam da necessidade do exame sobre as próprias ideias do autor, as quais, como será demonstrado, são passíveis de questionamentos e revisões. Pensam tais leitores, infelizmente, como um escultor que, tomando um trabalho de outro e pondo alguns retoques na obra, acredita ver diante de si a escultura definitiva, terminada, perfeita e acabada, a qual não há, do ponto de vista dele, necessidade de um novo retoque. Esse o perfil dos leitores do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, possuindo o livro creem estar de posse do parecer final da questão, a obra definitiva sobre o tema, a qual, por isso, não necessita, consonante com sua maneira distorcida de julgarem, um exame e questionamento sobre sua verdade. A propósito, estou inteiramente atento sobre o fato deste tratado igualmente ser passível de análises e questões, mas essa função caberá aos leitores, os quais, espero, tenham a verdade como norteador a partir de uma abordagem séria do problema. ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 6 INTRODUÇÃO A história do Brasil, como muitas outras, tem, por vezes, mais de uma versão. No que diz respeito à escravidão e especificamente a Zumbi dos Palmares, maior ícone da luta e liberdade do negro em nosso país, não foi diferente. Basta um pouco de pesquisa para sabermos, por exemplo, das versões da morte de Zumbi em obras de escritores antigos especializados no assunto, assim como a versão da existência de vários Zumbis na época do Quilombo. Uns falam de uma morte teatral ao se jogar o líder negro do alto de um penhasco com seu séquito preferindo a morte à escravidão e, outros, relatando como foi traído e pego num esconderijo, lutando valentemente até o fim quando os inimigos o encontraram. Em resumo, desde aquela época a verdade histórica sobre Zumbi era tarefa difícil, mas, graças a estudiosos sérios, muitas especulações rodeando o líder palmarino foram gradativamente desfeitas em benefício da verdade, da própria história do seu povo e do nosso país. Atualmente, entretanto, temos o Zumbi dos palmares novamente em foco e a tentativa de acrescentar novas ideias nitidamente depreciativas à história do mesmo. Então, tal como antes, faz-se necessário uma análise sobre essas ideias e vícios que tentam pintar na imagem da grande figura histórica que foi Zumbi dos Palmares. O exame aqui presente então abordará os trechos principais do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil do capítulo Zumbi tinha escravos, ou seja, sobre esse tema direcionado ao líder palmarino. ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 7 Parte I Quem viveu próximo do poder no século 17 tinha escravos? Temos na obra, entre outras coisas, o seguinte inicialmente: “Essa informação parece ofender algumas pessoas hoje em dia, a ponto de preferirem omiti-la ou censurá-la, mas na verdade trata-se de um dado óbvio. É claro que Zumbi tinha escravos. Na sua época, não havia nada de errado nisso. Sabe-se muito pouco sobre ele- cogita-se até que o nome mais correto seja Zambi-, mas é certo que viveu no século 17. E quem viveu próximo do poder no século 17 tinha escravos, sobretudo quem liderava algum povo de influência africana”. (Leandro Narloch, Guia Politicamente Incorreto da Historia do Brasil) Dando início à análise, pouco há de concreto nas palavras de Narloch. Temos aqui apenas argumentos, uma conjectura, e nenhum fato histórico ligado especificamente à Zumbi. Assim, como pode Narloch, sem dados, dizer ser claro que Zumbi tinha escravos? O autor iguala Zumbi aos senhores de escravos unicamente porque, naquela época, era tido como normal por alguns; mas isso, seja dito, era normal somente para a parte da sociedade sustentada pelo sistema escravista, não para a parcela dos negros explorados. No mais, como foi dito, notemos no trecho a ausência de dados históricos corroborando a maneira de pensar do autor. Falta algo dizendo expressamente e com todas as letras ser o líder Zumbi mais um senhor de escravos, agindo de modo igual aos escravocratas que ele próprio combateu. Ou seja, as palavras ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 8 de Narloch são uma conjectura,uma interpretação carente de sustentação para o que ele tenta afirmar do líder palmarino. Ligar, no mais, os costumes de uma época ou local à vida de um homem é uma mera suposição; seria simplesmente afirmar, por exemplo, que por sabermos ser o futebol um esporte comumente praticado no Brasil, devêssemos, por isso, afirmar que todo brasileiro joga futebol. Deveríamos até pensar, com esse tipo de raciocínio, que Zumbi também jogava futebol se não houvesse a diferença de tempo em que ele viveu. Todavia, seriamente falando, sabemos bem que, apesar de haver um costume numa sociedade, isso não significa serem todos adeptos do mesmo hábito; de modo que podemos encontrar, no nosso exemplo atual, pessoas que não jogam futebol, ainda que seja esse esporte uma paixão nacional. Logo, basear-se num costume local para determinar a vida de uma pessoa em específico não é um fato, mas, como dito, uma suposição. Continuemos analisando pelo campo da lógica a argumentação para ver o que encontramos. Para prosseguirmos, a situação dos quilombos e do próprio Zumbi diferiam bastante em comparação à vida dos senhores de terras e do sistema escravista da época para Narloch tentar, no livro, igualar todos como escravizadores. Em verdade estavam eles em lados opostos, de um lado o senhor de engenho querendo escravizar e doutro lado o negro lutando pela liberdade. Ademais, caso Zumbi fosse um escravocrata como os senhores de engenho, seria mais conveniente tê-lo como aliado, não como inimigo; no entanto, isso obviamente nunca aconteceu. Para se ter uma noção lembremos que havia um constante estado de guerra ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 9 entre palmarinos e o sistema escravista, uma situação de conflito pior, segundo os próprios portugueses, que a ameaça feita pelos holandeses anos antes com as incursões nas costas da Bahia e a invasão em Pernambuco em 1624 e 1630 respectivamente. Não sem motivo o escritor Mario Freitas ratifica que, no dizer dos governadores da capitania pernambucana, a guerra contra Palmares foi a mais cruenta guerra colonial pernambucana, muito mais cruenta que a guerra dos holandeses, consequentemente temos, nesse contexto, lados opostos, não havendo como igualar Zumbi com escravocratas. Zumbi, além disso, foi figura singular na história de modo a ser inadequado pensar ter ele agido tomando por base os vícios e costumes do sistema que ele combateu. Sistema esse, seja dito, ele e outros negros do Quilombo dos Palmares estavam também fora porque, no sistema escravista, os negros do quilombo só tinham lugar, na realidade, como escravos e eram vistos como tais. Logo, repito, não há como afirmarmos a figura de Zumbi como um escravocrata atribuindo ao mesmo o modo de agir dos senhores que viviam num sistema que ele não apenas estava fora como também morreu combatendo. Lembremos, em acréscimo, que, apesar de alguns negros ou negras terem conseguido ascender socialmente nesse sistema a ponto de terem escravos, esses mesmos negros não lutaram como Zumbi contra a escravidão. Por conseguinte, nem a esses pode alguém forçar uma equiparação com Zumbi alegando, como o autor do livro deseja, que “quem viveu próximo do poder no século 17 tinha escravos”. Logo é incoerente ou, melhor dizendo, contraditório ver o líder negro como escravagista. ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 10 Por fim, encerrando essa primeira análise, não sem motivos os negros buscaram liberdade e segurança nas florestas acolhedoras dos Palmares, tal como diz o autor Edison Carneiro nas primeiras páginas do seu livro O Quilombo dos Palmares. Se Zumbi e os demais negros do quilombo fossem adeptos da escravidão, não iriam para o Quilombo, mas sim ficariam nas fazendas ou cidades onde era comum o sistema escravista e nem seriam vistos como inimigos do poder estabelecido na época, mas sim como potenciais aliados. Por tanto, de tudo dito nesse trecho extraído do livro de Narloch, apenas uma pequena parte pode ser considerada como certa quando, se referindo à Zumbi, diz o autor: “mas é certo que viveu no século 17”. Sendo assim, tanto em relação aos fatos históricos como no campo da lógica argumentativa, não é possível considerarmos que Narloch prova ter sido Zumbi um dono de escravos. ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 11 Parte II Zumbi e o espírito humanista europeu Prosseguindo com outras informações na obra de Narloch temos: “É difícil acreditar que no meio das matas de Alagoas, Zumbi tenha se adiantado ao espírito humanista europeu ou se adiantado aos ideais de igualdade, liberdade e fraternidade da Revolução Francesa. É ainda mais difícil quando consultamos os poucos relatos de testemunhas que conheceram Palmares. Eles indicam o esperado: o quilombo se parecia com um povoado africano, com hierarquia rígida entre reis e servos. Os moradores chamavam o lugar de Ngola Janga, em referência aos reinos que já existiam na região do congo e de Angola”. (Narloch, Guia Politicamente Incorreto da Historia do Brasil) Nessa parte não temos Narloch tentando provar que Zumbi tinha escravos, mas, ainda assim, tentando, por outra via, depreciar a imagem do líder negro. Para começarmos, diferentemente do dito pelo autor, não é difícil acreditar que Zumbi, naquela época, tenha se adiantado ao espírito humanista europeu ao pensar em ideais de igualdade, liberdade e até fraternidade. Recordemos serem os escravos a parcela da população mais sofrida pela falta de liberdade; os quais eram vistos como mercadorias ou peças para o trabalho, numa tentativa de tirar deles o caráter humano, objetivando o lucro por meio do seu serviço forçado. Consequentemente, diante dessa conjuntura de exploração, os negros foram os primeiros em meio à sociedade escravista a clamar e lutar, alguns deles pela liberdade que antes ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 12 tinham quando ainda moravam em suas terras na África e outros pela liberdade nunca antes conhecida por terem nascidos de pessoas escravizadas. Sobre o fato de ter ocorrido no meio das matas de Alagoas o pensamento de liberdade, seja dito e lembrado que antes mesmo de ir para as matas, ainda nos navios negreiros quando era transportado para o Brasil, o negro já lutava contra o cativeiro com este pensamento de libertação. Isso sem mencionar os conflitos em terras africanas, ainda entre tribos, quando guerreava contra outros que tentavam alimentar o comércio de escravos. Portanto antes de adentrar nas matas brasileiras, na fuga do cativeiro, nos quilombos, o negro pensou nas mais diversas formas de viver livre e junto com os seus irmãos de maneira igual; em suma, bem antes das florestas o negro guerreava encontrando, por fim, no Palmares aquilo que ele buscava. Além do mais, imaginar negros fugindo e considerar que estes não pensavam na ideia de liberdade é um raciocínio tanto quanto incompatível ou até mesmo absurdo, tamanha a contradição. Isso, no entanto, só revela a intenção de Narloch de distorcer, por todos os meios possíveis, os fatos. Por isso, seja dito: ao viver num sistema escravocrata não é de admirar ver o negro se adiantando em relação ao espírito humanista europeu no que diz respeito à liberdade, igualdade e fraternidade. Noutra parte, tentando fortalecer a sua tese anterior, Narloch informa que o Quilombo parecia com povoado africano com servos e reis- como se isso fosse motivo para vermos a impossibilidade de ideais da Revolução Francesa entre homens vivendo naquelas condições. Narloch parece esquecer, involuntariamente ou voluntariamente, que, diferente de muitos negros do continente ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 13 africano, diversosnegros no Brasil passaram pelos mais variados castigos, humilhações, injustiças advindas da cobiça do homem branco adepto da exploração, sendo praticamente impossível para um individuo aceitar isso contra si mesmo sem pensar nalgum momento em sua própria liberdade. Sobre isto citemos alguns exemplos relatados de punições e castigos empregados. Vejamos: 1-Depois de sofrer os horrores das travessias marítimas no bojo dos navios negreiros e de ser humilhado nos mercados de escravos, experiências comuns em toda América- estava o negro indefeso ante todos os castigos engendrados pelo sadismo do senhor; 2-Se desagradava ao senhor era metido no tronco- pescoço, pés e mãos imobilizados entre dois grandes pedaços de madeira retangular ou, mais raramente, de ferro, presos a cadeado- ou supliciado com viramundo, um pequeno instrumento de ferro, que prendia pés e mãos do escravo, forçando-o a uma posição incomoda durante vários dias; 3-Se o castigo devia ser mais prolongado, o negro era supliciado com o cêpo, um longo toro de madeira que devia carregar à cabeça e que prendia, por uma corrente, ao tornozelo; 4-Se fugia era castigado com libambo- uma argola de ferro que rodeava o pescoço do negro, com uma haste terminada por um chocalho- com a gargalheira ou com a golilha, sistemas de correntes de ferro que impediam os movimentos. Outras vezes os escravos fugitivos eram contidos por peias ligadas por correntes de ferro ao tornozelo, cujo peso os impedia de caminhar; 5-Se furtava, prendiam-lhe à cara uma mascará de folha de Flandres, com pequenos orifícios para a respiração, fechada no ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 14 occipício a cadeado, ou ainda penduravam-lhe às costas, numa golilha, uma placa de ferro com dizeres aviltantes, como “ladrão” e “ladrão e fujão”; 6-Se o senhor queria obter uma confissão do negro, comprimia-lhe os polegares com os anjinhos, dois anéis de ferro que diminuíam à medida que se torcia um pequeno parafuso, provocando-lhe dores horríveis; 7-O negro era supliciado publicamente, quando as suas faltas eram consideradas mais graves, com um chicote especial de couro cru, o bacalhau, nos pelourinhos existentes nas cidades. O rigor do cativeiro obviamente não se resumia a esses horrores. Os negros padeciam inúmeros outros males impostos pelo ódio desumano dos senhores de terra da época. Logo, diante disso, percebemos o quão importante para muitos negros era o desejo de liberdade, um ideal nascido muito antes da Revolução Francesa e de, por conseguinte, antes do espírito humanista europeu. ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 15 Parte III Falando de Zumbi? Continuemos e vejamos outras ideias presentes no Guia Politicamente Incorreto: “Ganga Zumba, tio de Zumbi e o primeiro líder do maior quilombo do Brasil, provavelmente descendia de imbangalas,‘os senhores da guerra’ da África Centro-Ocidental. Os imbangalas viviam de um modo similar ao dos moradores do Quilombo dos Palmares. Guerreiros temidos, eles habitavam vilarejos fortificados, de onde partiam para saques e sequestros dos camponeses de regiões próximas. Durante o ataque a comunidades vizinhas recrutavam garotos- que depois transformariam em guerreiros- e adultos para trocar por ferramentas e armas com os europeus”. (Narloch, Guia Politicamente Incorreto da Historia do Brasil) Analisando, com atenção, esse trecho do livro percebemos que o autor ocupa-se de Ganga Zumba, líder do Quilombo dos Palmares antes de Zumbi. Todavia lembremos ser o título desse capítulo do livro o seguinte: “Zumbi tinha escravos”. Ou seja, em lugar de tratar aqui da vida de Zumbi, o autor trouxe para exame a vida do tio dele, Ganga Zumba. Como se, com isso, devêssemos atribuir necessariamente à Zumbi o que foi praticado pelo tio. Pior, o autor prossegue dizendo ser Ganga Zumba provavelmente um descendente de imbangalas conforme podemos ver acima. Repito, o autor fala PROVAVELMENTE e, a partir desse provavelmente, prossegue nas palavras enumerando características dos imbangalas como se estivesse, desse modo, saindo do ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 16 PROVAVELMENTE para o CERTAMENTE haja vista a determinação e o modo enfático das palavras nessa parte da obra. Em suma, trata-se também de outra conjectura a qual percebemos Narloch agindo novamente no campo da probabilidade sem embasamento histórico algum, mas que, no fim, aborda a questão como se fosse algo certo, mesmo desprovido de certezas e ainda atribuindo a outra pessoa, a Zumbi, por ter sido esse sobrinho de Ganga Zumba. Os laços familiares, ademais, não levam os seus membros a compartilharem necessariamente as mesmas ideias. Enquanto Ganga Zumba, por exemplo, tentou um acordo de paz com os portugueses onde seria concedida a liberdade apenas para os negros do quilombo, Zumbi, a seu turno, desejou a liberdade de todos, tanto dos quilombolas como daqueles que ainda estavam escravizados e fora do quilombo. Em suma, Leandro Narloch fez, como dizem, uma colcha de retalhos com quaisquer ideias na tentativa, novamente, de difamar Zumbi, tentando igualar pelo parentesco quando sabemos que até irmãos gêmeos podem ser muito diferentes no modo de agir. ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 17 Parte IV O Anacronismo de Narloch Noutro ponto temos: “Para obter escravos, os quilombolas faziam pequenos ataques a povoados próximos.‘Os escravos que, por sua própria indústria e valor, conseguiam chegar aos Palmares, eram considerados livres, mas os escravos raptados ou trazidos à força das vilas vizinhas continuavam escravos’, afirma Edison Carneiro no livro O Quilombo dos Palmares, de 1947”. (Narloch, Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil) Esse é um dos principais pontos do livro tentando defender a ideia de Zumbi como senhor de escravos. Para começar o exame desse trecho, onde Narloch se utiliza das palavras de um historiador e pesquisador da temática africana e escravidão, Edison Carneiro, é preciso deixar nítido algo simples, mas que passou desapercebido aos olhos de muitos: Edison Carneiro não fala de Zumbi, ele se referiu, nesse trecho, ao Quilombo dos Palmares de uma época anterior ao nascimento de Zumbi. Apesar de Zumbi dos Palmares ser abordado na obra de Carneiro, nessa parte do livro o estudioso das questões africanas no Brasil não toca no nome de Zumbi. Em verdade seria impossível até para Carneiro falar do líder negro nesse trecho, pois, como dito, a informação refere-se a um Palmares anterior à Zumbi. Podemos comprovar isso na fonte dessa informação de Edison Carneiro, uma ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 18 obra publicada anos antes de Zumbi ter nascido. A obra a qual estamos nos referindo, contendo a informação, é o livro O Brasil Holandês, escrito por Gaspar Barléu e publicado em 20 de abril de 1647. Essa é a fonte de Carneiro, a qual o mesmo informa no final de seu livro como bibliografia útil, mas não mencionada por Narloch ou, melhor dizendo, nunca sendo citada pelo autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil. Sobre a obra de Gaspar Barléu, este escreve sobre diversos aspectos do Brasil em relação à terra, clima, geografia, costumes, cultura e a constituição do povo da época, entre os quais os negros e o Quilombo de Palmares. Sendo narrado os feitos do conde Maurício de Nassau na época dos seus anos de governo no Brasil, com Gaspar Barléu encarregado de escrever sobre o trabalho o qual foi publicado, como dito, em 1647. Ocorre que na data da publicação da obra de Barléu, o líder negro Zumbi não havia, repito, nem ao menos nascido. Palmares evidentemente já existia, maso grande líder negro não. Assim, além de Edison Carneiro não mencionar no trecho supracitado por Narloch o nome de Zumbi, o mesmo escritor (Carneiro) se baseou nas informações de um livro publicado quando Zumbi não existia. Vejamos as palavras usadas nesse antigo livro- O Brasil Holandês- ao se referir à Palmares para compararmos com as de Edison Carneiro. Gaspar Barléu diz: “Qualquer escravo que leva de outro lugar um negro cativo fica alforriado; mas consideram-se emancipados todos quantos espontaneamente querem ser recebidos na sociedade.” (O Brasil Holandês, Gaspar Barléu) ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 19 Enquanto Edison Carneiro diz as mesmas coisas, mas com outras palavras: “Os escravos que, por sua própria indústria e valor, conseguiam chegar aos Palmares, eram considerados livres, mas os escravos raptados ou trazidos à força das vilas vizinhas continuavam escravos” (O Quilombo dos Palmares, Edison Carneiro) Ou seja, como já foi dito, a fonte de Edison Carneiro é um livro escrito em 1647; enquanto o próprio Zumbi, segundo consta, veio a nascer somente anos depois, entorno de 1655. Havendo, desse modo, uma diferença de oito anos entre um e outro, cometendo Leandro Narloch um anacronismo ao tomar como fonte a informação duma obra que, por sua vez, baseou-se num texto anterior ao nascimento de Zumbi dos Palmares. A obra de Gaspar Barléu pode ser consultada aqui nesse link, encontrando a informação citada na página 334 do documento em PDF onde fala sobre a Descrição dos Palmares grandes e pequenos: https://www.mediafire.com/file/ml17j3in8ni3w3f/O_BRASIL_HOLAND%CAS.pdf /file Ou pode ser baixada a obra de Barléu neste outro link da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM), órgão da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da Universidade de São Paulo (USP) com a informação na página 273 do PDF: https://digital.bbm.usp.br/bitstream/bbm/4496/1/039738_COMPLETO.pdf Voltando ao exame, como, então, atribuir a Zumbi algo dito por um livro escrito antes dele nascer, uma obra que se refere apenas aos https://www.mediafire.com/file/ml17j3in8ni3w3f/O_BRASIL_HOLAND%CAS.pdf/file https://www.mediafire.com/file/ml17j3in8ni3w3f/O_BRASIL_HOLAND%CAS.pdf/file ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 20 eventos da época de sua publicação? É simplesmente impossível e ilógico o raciocínio de Narloch, não havendo forma de aceitar, com base nisso, Zumbi como escravizador. Esse o equívoco do autor, o Anacronismo de Narloch. Um dos maiores equívocos relacionados à história do Brasil. O erro de Leandro Narloch está em ter adotado os estudos mais recentes sobre Zumbi, repetindo e fazendo conjecturas sem se preocupar em analisar as fontes primárias- ele próprio afirma esse procedimento como poderemos ver até o final desse tratado. ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 21 Parte V Marxistas criaram a imagem de Zumbi? Trazendo à tona agora uma análise sobre a relação dos marxistas e a história de Zumbi, conforme vemos no livro de Narloch, o autor diz: “Apesar disso, Zumbi ganhou um retrato muito diferente de historiadores marxistas das décadas de 1950 a 1980. Décio Freitas, Joel Rufino dos Santos e Clóvis Moura fizeram do líder negro do século 17 um representante comunista que dirigia uma sociedade igualitária. Para eles, enquanto fora do quilombo predominava a monocultura de cana-de-açúcar para exportação, faltava comida e havia classes sociais oprimidas e opressoras (tudo de ruim), em Palmares não existiam desníveis sociais, plantavam- se alimentos diversos e por isso havia abundância de comida (tudo de bom)”. (Narloch, Guia Politicamente Incorreto da Historia do Brasil) Falar de Zumbi como uma imagem de escritores marxistas seria algo realmente a ser pensado, mas isso ocorreria apenas se a história do líder negro fosse contada somente pelos três escritores citados. É sabido, no entanto, que outros africanistas, pesquisadores e estudiosos do assunto falaram não apenas de Zumbi, mas também de Palmares, como também sobre a história do Brasil no período da escravidão. Permitindo a cada um de nós ter ciência dos fatos e relatos, desde a forma como negros foram trazidos da África para servirem de mão de obra escrava aqui, onde muitos deles padeceram nas péssimas condições da travessia ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 22 transatlântica, óbitos no trabalho forçado ou pelos castigos sem que nenhum tipo de justiça olhasse para eles ou a qual pudessem recorrer sendo, pelo contrário, a escravização do negro considerada e vista por muitos como justa. Tudo isso aos olhos de vários estudiosos, não apenas os três citados por Narloch. Acrescentemos a isso haver também, de certa maneira, uma classe que era exploradora (escravizadores) e noutra ponta uma classe explorada (escravizados)- tal fato em nossa história não foi invenção de marxistas. Surgindo deste modo o Quilombo e a necessidade de uma ordem nesse último que permitisse o mesmo a sua existência e preservação. Existindo nele, diferentemente das palavras escritas por Narloch, uma abundância de recursos para todos conforme informações de documentos portugueses à época de 1694. Num desses documentos é dito sobre o valor das terras de Palmares: “[...]as terras que se vão conquistando aos Palmares, e outras muitas desertas que ficaram livres com sua total destruição, são as de maior importância e valor que se acham em todas aquelas capitanias de Pernambuco, não só pelo grande da sua extensão, mas pelo abundante dos pastos para os gados, utilidades das madeiras, sítios para engenhos e a capacidade para todos gêneros de lavouras de mantimentos...” (Documento nº 29 de 25 de novembro de 1694, As Guerras nos Palmares, Ernesto Ennes) Isso demonstra o valor da terra e, mais uma vez, a desatenção de Narloch para com os documentos antigos sobre Palmares e seu desconhecimento do tema. Devendo, além da terra que tudo ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 23 concedia, ser dito sobre a extensão dos bosques onde viveram os palmarinos que, no dizer de outro documento da época, fazia maior circunferência que todo o reino de Portugal. Logo, havia sim abundância de recursos para todos do quilombo. Todavia o autor, Leandro Narloch, prossegue, noutro ponto, falando da possibilidade de invenção do nome Francisco atribuído à Zumbi pelo jornalista Décio Freitas, dito como marxistas. Dentro daquilo que explicou Narloch no Guia Politicamente Incorreto, o máximo que pode ter sido criado por Décio Freitas foi a parte da história relacionada ao local em que Zumbi cresceu e o nome do líder negro; pois, conforme pode ser lido, Freitas dizia ter documentos (cartas) sobre a infância de Zumbi comprovando ter este crescido num convento em Alagoas e que se chamava Francisco. As cartas, no entanto, jamais foram mostradas por Freitas. O problema desse pequeno detalhe é Narloch se apegar ferreamente e expandir, por assim dizer, a ideia de que tudo mais foi invenção objetivando assim tirar o crédito de outros fatos relacionados ao líder negro e o Quilombo dos Palmares. Contudo, isso é apenas mais um argumento de Narloch. Seria como alguém mostrando uma pequena alteração, ou erro, encontrado numa página de um livro e, a partir disso, afirmar estar equivocada toda a obra ou que todo o restante foi inventado pelos autores. É simplesmente, de uma forma ilógica, julgar o todo por uma parte. O jornalista revela-se também bastante tendencioso em mais trechos do livro, pois critica outros autores devido, segundo vemos, a linha de pensamento marxista deles. Contudo o mesmo Narloch parece esquecer ter feito uso das obras desses pesquisadoresconsiderados marxista para tentar defender seus próprios pontos de ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 24 vista e interpretações. Basta lembrarmos das citações utilizadas com trechos do livro de Edison Carneiro tentando mostrar ser Zumbi um senhor de escravos como vimos na Parte IV desse tratado. Uma leitura atenta no trabalho da historiadora Andressa Merces revela ser Edison Carneiro um dos precursores do marxismo na historiografia de Palmares. Vejamos um trecho: “No início da historiografia marxista estariam seus escritores muito próximos aos membros dos Institutos Históricos. Como foi o caso do alagoano Alfredo Brandão, que teria presidido o Instituto de Alagoas e depois passou a explorar o episódio do Quilombo ao lado dos autores Arthur Ramos e Edison Carneiro, precursores do marxismo na historiografia de Palmares.” (Zumbi: Historiografia e Imagens, Andressa Merces Barbosa dos Reis) Isso, porém, não foi empecilho para Narloch fazer uso da obra desse autor. Se a linha de pensamento dos escritores levasse os mesmos a inventarem uma imagem de Zumbi e Palmares, Narloch deveria se mostrar pouco inclinado a citar trechos dos livros deles em sua obra visando defender as suas próprias interpretações. Como havia dito, daquilo visto no Guia Politicamente Incorreto, a invenção de alguns autores (especificamente Décio Freitas) deve ser resumida apenas ao verdadeiro nome de Zumbi bem como o local onde cresceu o líder negro, isto por falta de provas concretas apresentadas. Aproveitando ainda o trabalho da historiadora Andressa Barbosa, vejamos as palavras da mesma sobre os ditos marxistas e Palmares. Em sua tese de mestrado ela escreve: ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 25 “Nessa bibliografia de viés marxista há um esforço em caracterizar Palmares como a primeira luta de classes na História do Brasil.” A mesma também fala: “...os quilombos eram considerados um local privilegiado para convivência de práticas culturais diferentes, pois, segundo Arthur Ramos e Edison Carneiro, a população de Palmares seria caracterizada pela variedade de raças. Contudo, estes estudos foram prejudicados pelo cenário político de meados do século XX, como muitos destes pesquisadores eram comunistas estiveram por muito tempo sob a vigilância do Estado Novo, o qual proibira a manifestação de ideais marxistas a partir de 1935.” Notemos que os estudos desses autores foram prejudicados pela situação política da época, o Estado Novo, isto é, não houve uma refutação de seus trabalhos pela descoberta de outros documentos ou novos dados históricos e pesquisas, mas sim uma tentativa de impedi-los devido a linha de pensamento de seus autores segundo as considerações do Estado na época. Noutras palavras, não houve necessariamente a reprovação de suas pesquisas dentro do campo de estudo, mas unicamente vigilância sobre o trabalho deles por motivos políticos. Ademais, a mesma autora diz o seguinte sobre Edison Carneiro: “Foi através desta obra (O Quilombo dos Palmares) que a imagem de Zumbi consolidou-se na historiografia. Edison Carneiro canalizou todas as alterações que vinham ocorrendo desde o início do século XX, visto que neste primeiro momento ainda era posta em dúvida a existência de Zumbi. No presente texto, o autor (Edison Carneiro) ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 26 congregou as informações dispersas sobre Zumbi na historiografia e na cultura popular.” Ou seja, no final das contas, não houve de Edison Carneiro, considerado precursor dos marxistas, invenção. Enquanto a existência de Zumbi ainda era uma dúvida, Edison Carneiro trabalhou sanando a questão sem se basear em ideias marxistas, mas sim coligindo dados históricos para encontrar e demonstrar a verdade. No fim, a própria autora Andressa Barbosa revela dúvida sobre o fato de a linha marxista ter ou não influenciado a obra de Edison Carneiro.Temos: “Contudo, o autor Edison Carneiro apresentou novos valores para narrar o assassinato de Zumbi. Talvez, por causa de sua filiação comunista e vivendo durante a ditadura varguista, passou a destacar o caráter rebelde e guerreiro de Zumbi...” E essa influência nos estudos sobre Zumbi, caso existisse, visaria apenas destacar a luta de Zumbi, como diz a autora, não necessariamente alterar ou inventar. Logo, nas palavras de Andressa Barbosa, nada indica com exatidão que Edison Carneiro acrescentou algo à figura de Zumbi. Edison Carneiro, além disso, demonstra no seu livro as suas fontes de modo que é possível, a qualquer um, descobrir se o mesmo modificou ou não a forma como ele descreveu os fatos e Zumbi. Resumindo, não temos as provas de Décio Freitas em relação ao nome e local no qual diz que Zumbi cresceu; isso, contudo, em nada diminui o valor e importância de Zumbi na luta dos negros. Ademais temos o expoente dos marxistas, Edison Carneiro, não ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 27 inventando imagens de Zumbi, mas sim juntando informações de vários anos consolidando o personagem histórico do líder de Palmares. Na ausência, por conseguinte, das provas de Décio Freitas, deve-se apenas deixar em aberto a verdade referente a esses dois pormenores inerentes à história do líder palmarino: ter nascido num convento em Alagoas e o nome Francisco. Os demais acontecimentos consequentemente relacionados ao principal negro dos Palmares e ao próprio Quilombo não perdem em importância e nem em veracidade. A tentativa de Narloch foi utilizar-se de um detalhe, a ideia de serem pesquisadores marxistas, para, com isso, repito, tentar retirar o crédito dos escritores que trataram de Zumbi e, consequentemente, apagar tudo aquilo atribuído ao chefe de Palmares por esses estudiosos afirmando ele serem invenções, tal como o ocorrido com o nome Francisco atribuído à Zumbi, haja vista nunca terem sido apresentadas as provas por Décio Freitas- isto, contudo, não inviabiliza as demais informações sobre Zumbi dos Palmares. ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 28 Parte VI Objetivo de Narloch Com uma obra tão polêmica surgiu essa pequena questão: qual o objetivo de Narloch? Logo no começo do livro temos uma breve resposta. O autor diz: “Uma pequena coletânea de pesquisas históricas sérias, irritantes e desagradáveis, escolhidas com o objetivo de enfurecer um bom número de cidadãos.” (Narloch, Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil) Tais palavras satisfazem os menos exigentes e agradam à parcela de leitores simpatizantes do racismo, principalmente àqueles com parentesco ou uma linhagem ligada a adeptos do sistema escravista à semelhança dos antigos donos de escravos e senhores de engenho da época. O livro de Narloch, por conseguinte, é um prato cheio para os descendentes desse sistema e seus partidários, bem como para os que são contra a causa dos negros de antes e de hoje; nada melhor para o racista escondido no íntimo dessas pessoas do que ter um livro dando voz a toda aversão contida em seus pensamentos encobertos contra o negro, tentando desconstruir a imagem do herói de um povo cuja exploração e violência sofrida encontrava limite, muitas vezes, apenas na morte do explorado. Todavia, as palavras de Leandro Narloch na obra não respondem inteiramente à pergunta, ou seja, qual o objetivo do autor. Mas Narloch revela, noutros meios, fora da obra, a sua real intenção. ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 29 Buscamos então essas outras fontes, as quais surgiram devido a polêmica criada entorno do tema abordado, o que levou a mesma a ser lida por muitos e incentivou entrevistas em programas de televisão, rádios e amigos de profissão do jornalista a daremseu parecer sobre o assunto. Descobrimos deste modo informações relevantes, possibilitando compreender melhor o pensamento do autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil. Vejamos agora as ideias de Leandro Narloch não escritas em seu livro. 1-Qual a intenção de Narloch com o livro? Segundo o próprio Narloch, a intenção é, basicamente, incomodar. Como observamos, ele realmente incomodou e enfureceu, tal como diz na obra; mas em entrevistas o autor revela que a intenção é, além de incomodar, ganhar dinheiro. Por isso, a obra de Narloch está longe de ser um trabalho sério e igual ao de pesquisadores e historiadores buscando e examinando verdades. Temos ciência de estudiosos analisando fontes documentais, tradições orais, fontes primárias tudo, em suma, com o intuito de nos aproximar do passado, daquilo que ocorreu muito antes de nós. Narloch, porém, é diferente. Em entrevistas revela como intenção não apenas enfurecer e irritar, mas sim ganhar dinheiro. Tal resposta podemos ver quando um historiador entrevista Leandro Narloch no programa Aprovado em Cachoeira na Bahia. Vejamos entre 1:43 até 1:59 do link https://www.youtube.com/watch?v=5TxQTVZrHuE ou no link https://www.youtube.com/watch?v=JlzwQkzt-SI&t=114s. Lá o entrevistador pergunta para Narloch: -A ideia era incomodar? https://www.youtube.com/watch?v=5TxQTVZrHuE https://www.youtube.com/watch?v=JlzwQkzt-SI&t=114s ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 30 Narloch responde: -Uma das ideias era incomodar, a outra era ganhar dinheiro. Narloch, então, não visa a verdade, os fatos. Por isso estão enganados os leitores que se apegam fortemente ao livro julgando encontrar na obra eventos históricos. Leitores estes que enriqueceram o jornalista na ilusão de terem em mãos verdades não contadas em escolas e faculdades- mas sim, como observamos, serem falsas. 2-Quem Narloch quis enfurecer? Narloch trabalhou para enfurecer e incomodar a esquerda brasileira. Ele próprio, inicialmente, tenta esconder a definição política que possui; mas podemos descobrir analisando outras entrevistas. Numa dessas entrevistas feitas, no programa de televisão Agora é Tarde, Narloch demonstra sua intenção de não revelar uma definição política pessoal. Veja no link https://www.youtube.com/watch?v=0DxbmU1Z4sM ou nesse https://www.youtube.com/watch?v=KwAGFclgU3g&t=3s em 5:12. O apresentador pergunta: -Você tem uma definição política? Narloch lhe responde: -Eu sou “palmeirense”. https://www.youtube.com/watch?v=0DxbmU1Z4sM https://www.youtube.com/watch?v=KwAGFclgU3g&t=3s ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 31 Ou seja, responde de forma irônica, como uma brincadeira, mas logo depois revela, na mesma entrevista, não ser de esquerda. Veja nos mesmos links anteriores em 7:45. Temos o apresentador novamente perguntando no vídeo: -Você hoje diz que não tem definição ideológica. Narloch fala: -Esquerda provavelmente eu não sou né!?! -Mas você era de esquerda? -Era, era. Ou seja, Narloch era de esquerda, agora não é mais. Revelando, assim, ser de direita- algo ainda mais nítido para quem acompanhou o debate entre ele e Fernando Morais na 7ª Festa Literária Internacional de Pernambuco (Fliporto) em 2011. No encontro Narloch tenta defender a ideia do capitalismo ser bom para os pobres, mas Fernando Morais logo menciona a situação drástica dos mais humildes vivendo próximos à região onde está acontecendo o evento demonstrando, assim, o quanto Narloch foi infeliz em suas considerações. Noutra entrevista, o jornalista Narloch revela, sem rodeios, ser antimarxista. Tal dito podemos constatar em entrevista feita num programa da Univesp TV. Veja em 3:37 do link https://www.youtube.com/watch?v=bNyx5Mwt0BY) ou em 3:24 do link https://www.youtube.com/watch?v=V8a2azsqYjI&t=20s. Temos o apresentador indagando: https://www.youtube.com/watch?v=bNyx5Mwt0BY https://www.youtube.com/watch?v=V8a2azsqYjI&t=20s ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 32 -É uma história antimarxista? E Leandro Narloch respondendo: -Em verdade antimarxista sou eu. Isto é, temos a definição ideológica do autor, o qual naturalmente escreveu não para enfurecer os de direita, mas sim os de esquerda e marxistas. Não sem motivo temos ele também afirmando ser a obra não um trabalho imparcial, mas sim parcial e que se deve ter muito cuidado ao pensarem inserir a mesma nas escolas. Entre 3:47 até 4:10 do link anterior https://www.youtube.com/watch?v=bNyx5Mwt0BY ou 3:34 até 3:57 do segundo link https://www.youtube.com/watch?v=V8a2azsqYjI&t=20s , vemos o seguinte, é dito: -Você fez a história com seu viés antimarxista. Narloch responde: -Deixa eu explicar. Eu fui, nessa nova história do Brasil, coletando só o que fosse antimarxista. Por isso que falo que o livro não é imparcial. E continua Narloch: “Muita gente me fala: 'pô, você acha que o (seu) livro devia ser ensinado nas escolas, os alunos deveriam usar?' Eu falei: 'olha, cuidado porque ele (o livro) é tão parcial quanto o livro que critico'.” (Narloch) Sobre essas palavras, acredito que um trabalho cujo objetivo dizem ser demonstrar verdades, mas que coleta apenas um lado dos fatos, não pode jamais ser levado em conta. Não há verdades, há https://www.youtube.com/watch?v=bNyx5Mwt0BY https://www.youtube.com/watch?v=V8a2azsqYjI&t=20s ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 33 somente meias verdades, inverdades, argumentos falaciosos que enganaram os leitores. 3-Para enfurecer os marxistas e os de esquerda Narloch inventou alguma coisa? Dessa coletânea de estudos e citações antimarxistas, Narloch diz não ter inventado nada na sua obra tal como podemos ver ao ser ele entrevistado por um jornalista da revista Veja. Olhemos no link https://www.youtube.com/watch?v=bjB64raROI4 em 1:35 ou noutro link https://www.youtube.com/watch?v=Ri0_a0djjtE&t=10s também no mesmo tempo. Vemos o jornalista do programa falando: -Você capturou verdades, verdades incomodas? -Claro que sempre com minha óptica, capturei só aquilo que irritava. Mas fiquei tentado a inventar umas coisas, mas me segurei, não inventei não. No entanto, o jornalista Leandro Narloch fala o contrário, em outra entrevista, agora no programa chamado Programa Namoral. Vejamos agora em 2:50 do link https://www.youtube.com/watch?v=zv4WNJT0PCc ou assista em 0:08 do link https://www.youtube.com/watch?v=iGVYdfQg1wA&feature=youtu.be. Leandro Narloch fala sobre o livro, no vídeo, o seguinte: “Posso dizer que uma ou outra coisa eu exagerei, foi eu que disse.” (Leandro Narloch autor do Guia Politicamente Incorreto do Brasil) https://www.youtube.com/watch?v=bjB64raROI4 https://www.youtube.com/watch?v=Ri0_a0djjtE&t=10s https://www.youtube.com/watch?v=zv4WNJT0PCc https://www.youtube.com/watch?v=iGVYdfQg1wA&feature=youtu.be ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 34 Concluindo, Leandro Narloch, autor do Guia Politicamente Incorreto do Brasil, escreveu para irritar e enfurecer esquerdistas e marxistas, objetivando ganhar dinheiro com a venda do livro devido a polêmica gerada pelas ideias presentes na obra; ideias antimarxistas escritas com a óptica do autor, exagerando num ponto e noutro do seu texto objetivando o lucro independente de ir contra a história e os fatos. Grande prova da sua pouca atenção para com a história é a falta de análise de documentos bem como, por incrível que pareça, a ausência de consultas à fontes primárias. Aqui ele diz em 3:20 do link https://www.youtube.com/watch?v=bNyx5Mwt0BY ou em 3:07 do link https://www.youtube.com/watch?v=V8a2azsqYjI&t=61s. “A minha postura foi bem de jornalista, eu não fui em fontes primárias, não analisei documentos, nada disso. Eu só tentei trazer para o leitoressa nova história do Brasil.” (Leandro Narloch) Em resumo, todos as pessoas que leram e propagaram essas informações como verdades, durantes anos, foram ludibriadas. Tudo que a maior parte dos leitores fez foi realizar o sonho de Narloch de torná-lo rico e disseminar, por todos os cantos, uma mentira a respeito de Zumbi dos Palmares. Essa sendo uma das maiores ofensas à história de um povo e que certamente, não sendo divulgada a verdade, aparecerão aqueles que, acreditando nas palavras de Narloch, desejaram, por ignorância, relegar Zumbi ao esquecimento. https://www.youtube.com/watch?v=bNyx5Mwt0BY https://www.youtube.com/watch?v=V8a2azsqYjI&t=61s ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 35 PARTE VII Conclusão Em fim, concluímos esse trabalho, mas caso ainda não acredite, caro leitor, mesmo diante de tantos relatos, indicação de fontes, informações de outras obras e as palavras do próprio autor fora do livro, convido-lhe a apresentar os motivos de suas dúvidas; pois, como dito no começo desse tratado, essa obra também é passível de questionamento, desde que haja de fato algum. Peço-lhe, contudo, que não tenha o dinheiro, o preconceito ou o racismo como norteador, mas sim a verdade como guia. Fiquemos, por último, com algumas palavras direcionadas ao líder palmarino. Assim testemunharam os antigos sobre ele dizendo: “Negro de singular valor, grande ânimo, e constância rara. Este é o espectador dos mais, porque a sua indústria, juízo e fortaleza aos nossos serve de embaraço, aos seus de exemplo…” (Relação das guerras feitas aos Palmares de Pernambuco no tempo do Governador Pedro de Almeida de 1675 a 1678) ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 36 ZUMBI DOS PALMARES Estátua em homenagem ao líder do Quilombo dos Palmares, localizada na Praça da Sé, Centro Histórico, Salvador/Bahia. ZUMBI DOS PALMARES NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH 37 Bibliografia BARLÉU, Gaspar, O Brasil Holandês sob o Conde João Maurício de Nassau, Ministério da Educação, 1940. CARNEIRO, Edison, O Quilombo dos Palmares, Civilização Brasileira,1966. DRUMMOND, Conselheiro, Relação das Guerras feitas aos Palmares de Pernambuco no tempo do governador D. Pedro de Almeida de 1675 a 1678, Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1859. ENNES, Ernesto, As Guerras nos Palmares, Companhia Editora Nacional,1938. FREITAS, Mario Martins de, Reino Negro de Palmares, Biblioteca do Exército, 1988. REIS, Andressa Merces Barbosa dos. Zumbi: Historiografia e imagens. 148 f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de História, Direito e Serviço Social da Universidade Estadual Paulista - UNESP, São Paulo, 2002 RODRIGUES, Nina, Os Africanos no Brasil, Nacional/Brasiliana 9, São Paulo, 1932. SANTOS, Joel Rufino dos. Zumbi. São Paulo: Ed. Moderna, 1985 A. F .M. J
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