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Aula 2_CH_Atualidades_Crise humanitaria em Mianmar

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Crise humanitária em Mianmar
Alessandra de Fátima Alves 2
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CRISE HUMANITÁRIA EM MIANMAR
A República da União de Mianmar é um país, localizado no sul do continente asiático, que possui fronteiras 
com Bangladesh, Índia, China, Laos e Tailândia. Essa variedade de vizinhos proporcionou a Mianmar um vasto con-
tato com diferentes grupos étnicos, permitindo a inclusão dessa diversidade em seu território. Embora, a princípio, 
pareça algo bom, no caso de Mianmar, esse “mix cultural” não ocorreu de maneira pacífica, acabando por resultar 
em conflitos internos entre grupos étnicos de classes dominantes e minorias, que acontecem há décadas e, até 
hoje, não foram resolvidos.
Em 1937, os britânicos desmembraram a Birmânia da Índia, a qual se desenvolveu economicamente porque 
o povo cultivava arroz, além de explorar a teca e a borracha, o que foi significativo durante o período colonial. 
Na época da Segunda Guerra Mundial, o país foi cenário de lutas sangrentas por uma série de anos, tendo sido 
ocupado pelas tropas japonesas.
Mianmar tornou-se independente do Reino Unido, em 4 de janeiro de 1948, com o nome oficial de União 
da Birmânia. A vida política da Birmânia, a partir de então, foi muito conturbada – apesar da consagração consti-
tucional dos Estados autônomos estabelecidos para os grupos étnicos shan, karen, kachin e chin, ocorreram muitas 
tentativas de separação. Em 1962, um golpe de Estado, liderado pelo general Ne Win, aboliu a constituição e deu 
início a um governo militar, o qual procedeu para que boa parte do sistema econômico fosse socializado. Em 1988, 
o povo manifestou seu descontentamento com décadas de má gestão da economia e um novo governo militar 
alterou o nome do país para União de Mianmar. Em 1990, foram realizadas eleições para a Assembleia Nacional, 
vencidas pelo partido oposicionista Liga Nacional pela Democracia (LND), apesar da recusa do governo militar em 
entregar o poder. Um ano depois, a secretária-geral da LND, Aung San Suu Kyi, foi agraciada com o Prêmio Nobel 
da Paz.
Em 1992, as guerrilhas de grupos étnicos minoritários foram reprimidas, o que causou a fuga de milhares 
de pessoas para países limítrofes. O general Than Shwe sucedeu Saw Maung como chefe de Estado. Em 1997, os 
Estados Unidos e a União Europeia castigaram Mianmar por violar direitos humanos.
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Em 2007, por ocasião de uma reunião de 100 
mil manifestantes em Rangum, o exército deteve cer-
ca de 6 mil prisioneiros civis e matou 31 pessoas. Em 
2008, o país foi devastado pelo ciclone Nargis, que 
matou 134 mil pessoas e deixou 2,4 milhões de ha-
bitantes desabrigados. Em novembro de 2010, acon-
teceram as primeiras eleições para o poder Legislativo, 
em 20 anos. Os partidos políticos pró-forças armadas 
conseguiram cerca de 80% das vagas.
A crise e seus antecedentes
Mianmar possui uma das maiores diversidades 
étnicas, contabilizando 135 etnias apenas em seu ter-
ritório, com aproximadamente 52 milhões de habitan-
tes. Em razão disso, desde 1948, quando conquistou 
sua independência dos britânicos, foi palco para uma 
série de conflitos entre o governo central e grupos mi-
noritários que buscavam formar Estados separados ou 
autônomos.
No sul e sudeste asiáticos, a religião compõe 
uma peça central da sociedade, por vezes influencian-
do processos políticos. A religião principal em Mianmar 
é o budismo, representado por 87,9% da população. 
Em seguida, aparecem os cristãos (6,2%), muçulmanos 
(4,3%), animistas (0,8%) e hindus (0,5%), de acordo 
com o Ministério do Trabalho, Imigração e População 
de Mianmar.
A população budista ‘bramá’ ou ‘birmane’, por 
ser o maior grupo étnico no país, domina o campo 
político-econômico, possuindo uma série de benefícios. 
Ao longo da formação do país, esse grupo exerceu sua 
influência inúmeras vezes para defender seus interes-
ses. Assim, conflitos entre o governo central e grupos 
étnicos com menor representatividade, como os muçul-
manos rohingyas, tornaram-se comuns.
Desde a independência em 1948, conflitos 
separatistas na então chamada Birmânia foram res-
ponsáveis por uma grande instabilidade política que 
culminou na instalação e manutenção de um regime 
ditatorial. Em 1962, um golpe comunista depôs o go-
verno civil e instalou um governo militar que permane-
ceu no poder até 2016.
Em um contexto de precarização da economia, 
violência policial e escândalos de corrupção, um mo-
vimento que viria a ser conhecido como Revolta 8888 
tomou forças, encabeçando a luta pela redemocratiza-
ção do país. Em resposta aos protestos, o governo pas-
sou a aplicar a lei marcial, utilizando-a para retaliar os 
efeitos do movimento pró-democracia – o que gerou 
um total de 3 mil pessoas mortas.
Além disso, o governo militar mudou o nome 
do país de Birmânia, como era chamado pelos co-
lonizadores ingleses antes da independência, para 
Mianmar. A mudança tinha como objetivo representar 
uma ‘libertação’ do passado colonial, mas ambos os 
nomes possuem a mesma origem: o nome da etnia do-
minante do país, Bramá.
Devemos destacar, porém, os efeitos políticos 
dessa mudança. Até hoje, os simpatizantes do regime 
militar usam o nome Mianmar, enquanto aqueles en-
gajados em uma luta pró-democracia continuam usan-
do o nome Birmânia, por não acreditarem que um go-
verno ilegítimo possa fazer uma mudança tão grande 
quanto a do nome do país.
Em decorrência das pressões nacional e inter-
nacional, em 1990 os militares promoveram eleições 
diretas para formação de uma Assembleia Constituin-
te. O que eles não esperavam era que o partido NLD 
(da sigla em inglês Liga Nacional pela Democracia) 
conseguiria 475 das 485 cadeiras para a Assembleia.
Aung San Suu Kyi, líder do NLD, foi uma figu-
ra importante nesta conquista. Filha única do general 
Aung San, herói da independência birmanesa, Suu Kyi 
acabou se envolvendo, por acaso, na luta pelo fim da 
ditadura militar, pois até então morava em Oxford, na 
Inglaterra, e havia retornado a Mianmar para cuidar de 
sua mãe doente. Os militares, revoltados com o resul-
tado, anularam a eleição e condenaram Suu Kyi a 20 
anos de prisão. Por conta de sua luta e resistência, ela 
ganhou o Nobel da Paz, em 1991.
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Apenas em 2008, após os protestos antigover-
namentais chamados de Revolução do Açafrão, o país 
iniciou uma suposta abertura gradual, prometendo 
uma nova Constituição popular, a ser aprovada por 
meio de um referendo. Porém, os militares estipularam 
um dispositivo legal que impedia as mães de filhos es-
trangeiros, ou de dupla nacionalidade, a disputarem a 
Presidência – essa era precisamente a situação de Suu 
Kyi, mãe de dois meninos que nasceram em Londres.
Revolução do Açafrão (2008)
Em 2015, novas eleições elegeram o candidato 
Htin Kyaw, do partido de Suu Kyi. Em contrapartida, 
ele empossou Suu Kyi como ministra de Relações Ex-
teriores, cargo que está hierarquicamente acima do 
presidente em Mianmar. Dessa forma, foi instalado o 
primeiro governo civil no país, após 54 anos de gover-
no militar.
Apesar do processo de democratização tomar 
forma no país, a situação não tem melhorado para os 
rohingyas e as demais minorias étnicas. Desde 2012, 
ondas de violência orquestradas por grupos extremis-
tas de maioria budista, no Estado de Rakhine, deixa-
ram mais de 10 mil mortos, milhares de casas e edifica-
ções muçulmanas destruídas e milhares de refugiados 
deslocados para países vizinhos. Essas perseguições 
são associadas, principalmente, aos grupos naciona-
listas Movimento 969 e Exército Democrático Budista 
dos Karen, compostos, majoritariamente, por monges 
autodenominados ‘budistas radicais’. Apesar de se di-
zerem absolutamente contrários à violência e levarem 
em seus nomes menções às virtudes de Buda, seus 
discursos têm servido de base para atos violentos ao 
definir os muçulmanos como ‘o inimigo’ contra quem 
se deve lutar para a proteção de uma nação budista.
Valeressaltar que a etnia e a religião destes 
povos não são historicamente conflitantes. De acordo 
com Juliane Schober, diretora do Centro de Pesquisa 
Asiático e professora de Estudos Religiosos da Univer-
sidade do Arizona, o que tem levado a relação entre 
eles a um conflito desta proporção é a associação de 
privilégios políticos para um grupo predominante, de 
forma a segregar os demais.
A fim de analisar os acontecimentos recentes, é 
necessário entender que os rohingyas têm sido margi-
nalizados, desde antes da independência de Mianmar, 
e que nunca alcançaram os mesmos direitos que os de-
mais cidadãos do país. Os rohingyas representam cerca 
de 3 milhões dos 60 milhões de habitantes de Mian-
mar e são, predominantemente, encontrados no Esta-
do de Rakhine, anteriormente conhecido como Arakan, 
no oeste do país. Suas origens são difíceis de serem 
traçadas, pois os eventos que levaram à expansão do 
islamismo em Mianmar ainda são desconhecidos. Exis-
tem, porém, duas teorias principais sobre sua chegada: 
são indígenas do Estado de Rakhine ou são benga-
lis que chegaram por meio da expansão do comércio 
muçulmano, datada de cerca do século VIII d.C. Já em 
1948, o governo central, recentemente independente 
dos britânicos, aprovou uma lista de etnias reconheci-
das oficialmente – lista essa que excluía os rohingyas.
A partir dos anos 1970, os efeitos do gover-
no militar birmanês intensificou ainda mais a onda de 
perseguição às minorias não reconhecidas, afetando 
radicalmente a comunidade rohingya. Durante as dé-
cadas de 1960 e 1970, estouraram várias rebeliões e 
persistiram as tensões entre a maioria budista e as mi-
norias hinduísta, muçulmana e cristã por todo o país. O 
governo central (dominado por budistas bramá), perce-
bendo a diversidade como uma ameaça ao seu poder, 
não só negligenciou a demarcação de novas fronteiras, 
mas também restringiu a expressão étnica, política e 
social dos povos minoritários.
Desde então, os rohingyas sofrem com a gra-
dual supressão de direitos, tais como o acesso à cida-
dania (eles são apátridas), a proibição ao casamento, 
às viagens sem a permissão das autoridades, ao di-
reito de possuir terra ou propriedade e de ensinar as 
suas próprias línguas étnicas. Todos esses fatores ge-
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ram um clima de completo abandono por parte do Es-
tado, o que resulta em desobediência civil e violência 
organizadas. Atualmente, o Estado de Rakhine é uma 
das regiões mais miseráveis do país, atingindo níveis 
de 78% de pobreza. Para Tun Khin, ativista de direitos 
humanos e presidente da Burkinabé Rohingya Orga-
nization UK, a causa da perseguição exacerbada a 
esse grupo étnico deve-se ao fato de serem um alvo 
fácil para os ultranacionalistas de Myanmar: “Os ro-
hingyas são um grupo étnico diferente, eles têm uma 
aparência e religião diferentes”.
Essas longas décadas de isolamento criaram 
preconceito e ressentimento no Estado de Rakhine, o 
que têm fomentado um clima de desconfiança e de-
sinformação, que tornou tal segregação não apenas 
física, mas intelectual.
Reações internacionais 
sobre Mianmar
Nos últimos anos, atos violentos que acontece-
ram em Mianmar tornaram-se notícia mundialmente. 
Em maio de 2012, uma mulher foi violentada e as-
sassinada por três muçulmanos. No mês seguinte, dez 
homens muçulmanos foram mortos em um ônibus 
como forma de retaliação pelo crime cometido contra 
a jovem. O tema foi discutido na Assembleia Geral da 
ONU e os líderes de países muçulmanos, assim como o 
então secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, exigiram 
mais ações para dar um fim à violência.
Os atos violentos não terminaram em 2012. Em 
2016, três estações da Polícia da Guarda de Fronteira 
foram saqueadas por muçulmanos. Mais eventos como 
esse ocorreram nos dias seguintes, desencadeando um 
estado de violência crescente. O governo de Mianmar 
criou novas comissões para monitorar e investigar as 
alegações de abuso de direitos humanos, entretanto, 
não houve resultados satisfatórios, uma vez que não 
são abordadas questões centrais de identidade e cida-
dania dos rohingyas.
Aung San Suu Kyi recusa-se a discutir o assunto 
com profundidade, o que lhe tem rendido duras críticas 
da comunidade internacional, inclusive, de companhei-
ros vencedores do Prêmio Nobel da Paz. Em janeiro de 
2017, 23 ativistas expressaram sua desaprovação em 
relação às medidas tomadas pelo governo de Suu Kyi 
em uma carta. Apesar das críticas, sua popularidade foi 
pouco prejudicada nacionalmente.
Desde agosto de 2017, quando os conflitos se 
intensificaram, a ONU calcula que aproximadamente 
655 mil rohingyas tenham se deslocado em busca de 
refúgio. Além dessa grande quantidade de refugiados, 
calcula-se que mais de 300 mil já estavam na fronteira 
devido aos êxodos anteriores. As Nações Unidas consi-
deram que a crise de refugiados em Mianmar é a pior 
desde a década de 1990, quando ocorreu o genocídio 
em Ruanda.
Em novembro de 2017, o Conselho de Segu-
rança da ONU pediu que o governo reduzisse o uso da 
força militar e da violência na região. A ONU considera 
que os conflitos constituem uma limpeza étnica, acu-
sação que continua a ser negada pelos governantes. 
As organizações internacionais possuem pouco poder 
de ação sobre o país, mas a pressão para uma efetiva 
adoção dos direitos humanos continua.
O governo de Mianmar tem uma difícil tarefa: 
reconciliar as demandas de 135 grupos étnicos – não 
apenas os rohingyas, mas outros grupos minoritários 
também sofrem discriminação. A marginalização afeta 
não somente o campo político e econômico, abrangen-
do também a privação de direitos à religião, linguagem 
e cultura.
Também em 2017, durante a visita do papa ao 
país, o chefe das Forças Armadas afirmou que ‘não há 
discriminação em Mianmar’, e parabenizou os militares 
pela ‘manutenção das organizações que tratam de di-
reitos humanos’. O governo – que nega repetidamente 
as acusações de genocídio – defende que os recen-
tes ataques são uma resposta aos crimes cometidos 
contra soldados birmaneses. Em relação aos rohingyas 
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mortos, o governo alega que eram terroristas, sendo 
também responsabilizados pela destruição de suas 
próprias casas e vilas.
Para o governo de Mianmar, o ato de ceder 
direitos às minorias seria ‘desvantajoso e perigoso’, 
uma vez que se tornariam uma ‘ameaça’ à população 
budista bramá. Alguns dos motivos que, para eles, sus-
tentam a perseguição aos rohingyas são:
 a crescente taxa de natalidade desse grupo 
étnico;
 a incompatibilidade da cultura rohingya e bu-
dista bramá;
 a crescente participação rohingya nas ativida-
des econômicas locais; e
 a ameaça à segurança no Estado de Rakhine 
devido aos recentes conflitos na região.
É importante ressaltar que tais argumentos são 
baseados em motivações racistas e preconceituosas, 
utilizados pelo governo para justificar suas ações, in-
fluenciando fortemente a população birmanesa.
O principal local de destino dos refugiados 
rohingyas é Bangladesh, que tem enfrentado dificul-
dades para acomodar o enorme fluxo de pessoas que 
chega diariamente ao país. Devido a essa situação, 
Mianmar e Bangladesh estabeleceram, em 2018, um 
calendário para repatriar centenas de milhares de ro-
hingyas. O governo aceitou receber 1,5 mil pessoas por 
semana, mas o número ainda é pequeno, estimando-
-se dez anos para repatriar todos os refugiados. Como 
foi acordado entre os dois países, a repatriação deve 
ser sempre voluntária.
Mesmo assim, muitas famílias ainda sentem-
-se inseguras em serem repatriadas, uma vez que seus 
direitos à cidadania continuam a ser negados, sem 
qualquer garantia de segurança ou direito reservados. 
Dessa forma, a Acnur (Alto Comissariado das Nações 
Unidas para os Refugiados) defende que o retorno 
deva acontecer somente quando os refugiados senti-
rem-se seguros e protegidos.
APROFUNDE SEUS CONHECIMENTOS
 1. (Unicamp 2019)Recentemente, em Mianmar, a minoria étni-
ca rohingya foi vítima de graves massacres e 
assassinatos praticados por grupos extremis-
tas da maioria étnico-religiosa do país. Entre 
2017 e 2018, os atos de violência provoca-
ram deslocamentos forçados de aproxima-
damente 650 mil rohingyas principalmente 
para um dos países vizinhos.
Com a ajuda do mapa anterior, assinale a 
alternativa que indica, respectivamente, o 
principal país para onde se deslocam os ro-
hingyas e as correntes religiosas seguidas 
por essa minoria étnica e pela maioria da 
população de Mianmar.
a) Bangladesh; mulçumana e budista.
b) Índia; católica e hindu.
c) Tailândia; católica e mulçumana.
d) China; hindu e budista.
 [A] Os rohingya são uma minoria étnica 
muçulmana que se concentra no Estado de 
Rakhine, localizado no oeste de Mianmar, 
um país de maioria budista, que atravessou 
uma longa ditadura militar e que está em 
democratização nos últimos anos. Os rohin-
gya são discriminados em seu próprio país, 
seus direitos de cidadania não são reconhe-
cidos e têm dificuldade de acesso aos servi-
ços públicos. A violenta repressão do gover-
no de Mianmar contra os rohingya, liderada 
pelas Forças Armadas, desencadeou uma cri-
se migratória na Ásia. Refugiados rohingya 
migraram para Bangladesh, Índia, Tailândia, 
Malásia e Indonésia.
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Crise humanitária em Mianmar

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