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Política na América Latina Alessandra de Fatima Alves 8 3 POLÍTICA NA AMÉRICA LATINA Um breve histórico O panorama político latino-americano que está emergindo deve ser enxergado à luz da história recente da região. No início do século XX, os países do continente viveram um período de modernização das estruturas po- líticas, sociais e culturais, marcado pela urbanização acelerada e pela emergência de líderes populistas de grande carisma, como o brasileiro Getúlio Vargas e o argentino Juan Domingo Perón. A era do populismo foi seguida por um ciclo de ditaduras militares, que ocuparam o poder em boa parte dos países latino-americanos, de meados dos anos 1960 ao início dos anos 1990. A transição gradual para a democracia se deu em um contexto de alta do petróleo e ameaça de hiperinflação. Para enfrentar a crise, muitos países da América latina adotaram, então, políticas macroeconômicas de tendência neoliberal, caracterizadas por privatizações, contenção de gastos e corte de benefícios sociais. O ano de 2018 ficou marcado pelas eleições presidenciais na Colômbia, no Brasil, no Paraguai, na Costa Rica, no México e na Venezuela. Em todos os casos, exceto na Venezuela, também aconteceram eleições legislativas. Contudo, os acontecimentos eleitorais mais significativos foram a eleição do esquerdista Andrés Manuel López Obrador, no México, e do ultradireitista Jair Messias Bolsonaro, no Brasil. As vitórias de Obrador e de Bolsonaro produziram um furacão político nesses países, tendo em vista que são as duas maiores democracias e maiores economias da América latina com uma alternância política historicamente sem antecedentes, e, agora, em sentidos ideológicos completamente opostos. As recentes eleições presidenciais também abriram os olhos do mundo para a insatisfação de bolivianos, equatorianos, chilenos, argentinos e uruguaios para com os seus atuais governos. De fraudes políticas à péssima ad- ministração, o povo latino acusa seus líderes de diferentes erros e exige mudanças imediatas. México Em julho de 2018, ocorreram as eleições presidências no México, em um contexto profundamente instável do ponto de vista político. Durante o mandato do liberal Enrique Peña Nieto, houve sinais de esperança e desen- volvimento socioeconômico no país, devido às reformas obtidas com apoio e consenso da população. Porém, no segundo mandato do presidente, essa imagem de esperança havia se perdido – principalmente em decorrência dos 4 casos de corrupção de políticos próximos a ele, além do aumento crescente da violência no país, ligado ao narcotráfico e à desigualdade social. O candidato eleito, Andrés Manuel López Obra- dor, foi candidato por duas vezes (em 2006 e 2012) e é líder do Movimento de Regeneração Nacional (More- na), um partido que criou à sua imagem e semelhança. AMLO, como é conhecido entre os mexicanos, tem 64 anos e, em sua campanha, apresentou-se como um can- didato antissistema, além de capitalizar o cansaço da população após seis anos do governo de Enrique Peña Nieto, que teve um mandato marcado pela corrupção e por denúncias de violações dos direitos humanos. López Obrador faz juramento durante sua posse como novo presidente do México. O Morena conseguiu também a maioria dos gover- nos (seis de nove), entre eles o da capital Cidade do Mé- xico. Esse triunfo implicou uma mudança radical no mapa político dos 32 Estados mexicanos, que, até então, eram governados, majoritariamente, por uma alternância das bancadas tradicionais, como o governista Partido Revolu- cionário Institucional (PRI) e o conservador, PAN. Isso signi- fica dizer que a coalizão política de apoio a López Obrador obteve a maioria absoluta em ambas as casas. O problema é que muitos mexicanos e analistas criticam a falta de propostas concretas e o que chamam de retórica “populista“. Muitos de seus eleitores expres- sam dúvidas sobre seu programa, ao mesmo tempo que ressaltam a necessidade de uma mudança. A violência, que é um dos maiores problemas do México, atinge níveis alarmantes a cada ano. Em 2017, o país registrou 25.339 assassinatos – o mais violento em duas décadas. A questão da violência no México passa pelos conflitos de mais de uma década entre militares e cartéis do tráfico de drogas – esses, inclusive, lutam entre si; em grupos menores, traficantes lutam por rotas de trá- fico e territórios para vender os entorpecentes. Estima-se que mais de 200 mil pessoas morreram desde dezembro de 2006, quando o governo lançou a operação militar antidrogas, segundo dados oficiais que não detalham quantos casos estariam ligados ao crime. A plataforma de AMLO, no entanto, prevê uma posição mais liberal em relação à solução do problema no país. Em ou- tubro, o então presidente eleito reconheceu a legalização de certas drogas como parte de uma estratégia mais ampla de combate à pobreza e ao crime. Na mira de uma possível legalização, estão a maconha e o ópio. AMLO, inclusive, disse que procuraria pagar mais aos agricultores pelo mi- lho, como forma de dissuadi-los de plantar sementes de papoula, que é a matéria-prima do ópio. Na política externa, a maior questão de Obrador é, evidentemente, a relação com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Porém, apesar dos discursos duros do estadunidense contra imigrantes ilegais mexicanos – a quem chamou de estupradores e traficantes – e da posição política praticamente oposta, a relação entre os dois presi- dentes começou boa. O futuro governo de AMLO concordou em apoiar o plano de Trump para mudar a política de fronteira en- tre os dois países. Pela nova proposta, quem quiser se refugiar nos Estados Unidos terá de esperar no México enquanto o processo segue pelos tribunais estadunidenses. Nem sem- pre os migrantes de países como Guatemala, Honduras e El Salvador foram bem recebidos no México. Se na capital o governo instalou um grande campo para acolher a ca- ravana, em Tijuana, cidade fronteiriça, houve protestos de mexicanos contra a presença dos migrantes. A questão migratória interessa a AMLO porque, neste ano, o México teve de lidar com caravanas de mi- grantes de países da América Central. Esse grupo tenta passar, desde outubro, para os Estados Unidos usando a fronteira mexicana. Caso AMLO consiga adotar uma postura dura com imigrantes de outros países da América latina e ain- da dis- suadir os mexicanos de cruzar a fronteira com os EUA, é possível que o presidente mexicano tenha relação ainda melhor com Trump. No entanto, o muro prometido pelo 5 presidente dos EUA na fronteira com o México pode di- ficultar a conversa dos dois líderes. Isso porque Trump é a favor não só de cercar a divisa como de obrigar, de alguma forma, o vizinho a pagar pela obra. Setores à direita da política mexicana, inclusive, consideram AMLO “populista e chavista“. A equipe eco- nômica de AMLO, então, tenta desfazer essa imagem. Carlos Urzua, escolhido pelo presidente mexicano para comandar o Ministério das Finanças ainda na campanha, disse que se reuniu com mais de 65 fundos de investimen- to, dizendo a eles que o candidato está comprometido a dar autonomia ao banco central, uma livre flutuação de moeda, livre comércio e manter um controle sobre gastos. Além disso, a reformulação do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) – agora Acordo Estados Unidos–México–Canadá (Usmca, na sigla em in- glês) – parece ter jogado a favor de AMLO. O presi- dente mexicano enviou um representante às negociações com os vizinhos a favor do acordo. Assim, os três países da Améri- ca do Norte assinaram um novo tratado. O México consi- dera a negociação com Trump vital, uma vez que 80% das exportações do país têm como destino os Estados Unidos, seu maior sócio comercial. Outra situação polêmica é que o asilo político por razões humanitárias a Evo Morales colocou o México à frente dos Governos progressistas da América Latina. Uma liderança que o Executivo de Andrés Manuel López Obra- dor havia serecusado a aceitar desde que assumiu a presi- dência há um ano. As circunstâncias, no entanto, levaram o México a dar um passo adiante, em consonância também com a tradição do acolhimento, demonstrada tanto com o exílio republicano espanhol quanto com os refugiados da América Central. Até agora, fiel ao seu ideário político, López Obra- dor havia cumprido seu velho slogan que diz: “Não se pode ser luz na rua e escuridão em casa”. Na crise vene- zuelana, ele ficou o máximo que pôde à margem. O México foi a única potência latino-americana que não reconheceu Juan Guaidó como presidente interino e, embora não te- nha apoiado Nicolás Maduro, sempre optou pela via do diálogo à qual recorre o presidente venezuelano. Tudo mu- dou com Evo Morales. Diante do descrédito do bloco bolivariano, o nau- frágio de Cuba como referência ideológica e à espera da posse de Alberto Fernández, López Obrador ficou sozinho à frente de um bloco de esquerda que olha para os lados à procura de referências. O presidente mexicano e seu chan- celer (ministro das Relações Exteriores), Marcelo Ebrard, um dos ministros mais eficazes e efetivos de seu gabinete, surgem como figuras de consenso na hora de unificar uma voz latino-americana. À sua frente, há um bloco de direita tão antagônica que vai de Bolsonaro a Piñera, no qual o único amálgama é o ódio a Maduro. Até agora López Obrador havia esquivado o com- promisso internacional e os recorrentes acenos da esquer- da. Desde que chegou ao poder, há um ano, não viajou a nenhum evento internacional de relevância – esteve au- sente na cúpula do G20 em Osaka e na Assembleia Geral da ONU – na verdade, não viajou para o exterior e nem sequer aos Estados Unidos, com cujo Governo teve que enfrentar uma crise migratória. Ignorou continuamente os gestos amistosos de Nicolás Maduro e se recusou a ingres- sar no Grupo de Puebla, promovido pelo presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández. Ao evento realizado em Buenos Aires, que teve a presença do próprio Fernández e dos ex-presidentes José Mujica, Dilma Rousseff e Ernesto Samper – e que comemorou a saída de Lula da prisão –, enviou o subsecretário para a América Latina. Grupo de Puebla é um fórum político e aca- dêmico composto por representantes políticos de esquerda do mundo. Fundado em 12 de Julho de 2019 na cidade mexicana de Puebla. Segundo seus fundadores, o principal objetivo é articular idéias, modelos produtivos, programas de desenvolvimen- to e políticas estaduais progressistas. A repercussão da decisão de conceder asilo a Mo- rales nas relações com os Estados Unidos também é um ponto de interrogação. Ebrard disse que não deve afe- tar o novo tratado de livre comércio que também inclui o Canadá (TMEC) – cuja entrada em vigor depende da aprovação do Congresso dos Estados Unidos – e nem a relação com o Governo de Donald Trump, porque se baseia no respeito mútuo. Candidato Andrés Manuel López Obrador, duas vezes candidato e líder do Movimento de Regeneração Nacional (Morena), líder nas pesquisas de intenção de voto. 6 Colômbia O candidato de direita Iván Duque, 41 anos, foi eleito para presidir a Colômbia até 2022. Apoiado pelo ex-presiden- te Álvaro Uribe, que governou o país entre 2002 e 2010, ele obteve 54% dos votos e venceu o esquerdista Gustavo Petro no segundo turno das eleições presidenciais, disputadas em junho de 2018. As eleições aconteceram em meio a uma grande expectativa de definições estruturantes a partir da consolidação do processo de pacificação das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), após o acordo selado em novembro de 2016, com o ex-presidente Juan Manuel Santos, que deixou o cargo depois de dois mandatos como responsável por findar os conflitos armados com a guerrilha mais antiga da América latina, o que lhe rendeu o Prêmio Nobel da Paz, em 2016. A postura contrária de Duque em relação ao acordo com as Farc o ajudou a ser eleito. Contudo, a oposição que o novo presidente deve sofrer nesse tema será forte: a preferência pelo “não“ no plebiscito Um dos líderes das Farc, Rodrigo Londono, conhecido como Timochenko, chegou a se candidatar à presidên- cia. Ele precisou retirar a candidatura por problemas de saúde. Outro trunfo de Duque na campanha era um discurso forte contra a corrupção, prometendo, inclusive, pena de prisão “com grades“, segundo o programa eleitoral. Além disso, o discurso a favor da empresa privada e pelo corte de impostos chamou a atenção do eleitorado colombiano. Outro ponto relevante foram suas propostas pró- -mercado, que o deixa como “amigo” do mercado financeiro. Iván Duque, candidato presidencial colombiano, durante campanha em Bogotá 7 Para melhorar os índices sociais, o novo presi- dente deseja por em prática o que chama de “economia laranja“. Isso é, segundo o próprio presidente eleito em entrevista ao jornal espanhol El País: “Estamos falando das artes, dos meios de comunicação, das criações fun- cionais como a arquitetura, o desenho, a publicidade, o patrimônio arqueológico, a gastronomia, os museus, as bibliotecas“. Em seu programa de governo, Duque se comprometeu a criar um Fundo Nacional para o Desen- volvimento da Economia Laranja. Com isso, o novo presi- dente pretende duplicar o PIB do setor criativo até 2025. No entanto, o que se viu ao longo de 2019 fo- ram focos de descontentamento em vários setores da sociedade colombiana. Em novembro de 2019, cente- nas de milhares de colombianos foram as ruas para pro- testar, no que se chamou de primavera colombiana, que culminou em uma greve de grandes proporções. Os fatores dessa insatisfação foram: 1. O suposto 'pacotaço' Segundo convocações de manifestações, o go- verno Duque prepararia um "pacotaço" de me- didas que vão impactar pensões, idade de apo- sentadoria e salário mínimo para jovens. O governo nega, afirmando que não existe ne- nhuma reforma previdenciária apresentada nem nenhuma reforma laboral. Ao mesmo tempo, medidas de impacto social haviam sido esbo- çadas por pessoas e organizações próximas ao governo, incluindo o ex-presidente e senador Álvaro Uribe, líder do governista Partido Centro Democrático. 2. A educação Parte importante do público presente nas mani- festações são jovens de universidades públicas e privadas, que já haviam se mobilizado em outros momentos do ano. Eles pedem mais investimen- tos em educação e o cumprimento de acordos firmados em 2018. Eles também se queixaram da violência policial nas manifestações atuais, particularmente do esquadrão antidistúrbios. 3. Mortes de indígenas, líderes sociais e ex- -guerrilheiros Outra queixa dos manifestantes é por medidas de proteção para indígenas e líderes sociais, alvos de uma onda de assassinatos — dezenas morreram desde que Duque assumiu o poder, há 15 meses. A situação é particularmente delicada no depar- tamento (Estado) de Cauca, região montanhosa que vive espiral de violência pela presença de gru- pos armados dissidentes das Farc (Forças Arma- das Revolucionárias da Colômbia), paramilitares e narcotraficantes. Miguel Ceballos, alto comissariado da paz no- meado por Duque para liderar um plano de ação social para Cauca, anunciou, depois de assassi- natos ocorridos em outubro, investimento de US$ 390 milhões para infraestrutura, cobertura sanitá- ria e educação na região. O governo anunciou também o envio de 2,5 mil militares, medida questionada por alguns líderes indígenas que discordam da militarização. Segundo dados de organizações sociais, houve mais de 400 assassinatos de líderes sociais, de- fensores do meio ambiente, ativistas e ex-guerri- lheiros nos últimos quatro anos na Colômbia. 4. O cumprimento do processo de paz Grupos sociais pedem mais compromisso do go- verno com a implementação do acordo de paz firmado com as Farc em 2016, no governo an- terior — particularmente do ponto 4 do acordo, que previa a substituição gradual e voluntária de cultivos de drogas por outras alternativas de subsistência em comunidades maispobres. Isso, 8 segundo especialistas, tem contribuído para a crise de insegurança que vive a população indígena do país. Ao mesmo tempo, o governo reforçou ope- rações contra dissidências das Farc, algumas das quais reverberaram fortemente no país. Em uma delas, ao menos oito jovens menores de idade foram mortos durante uma ação em um acampa- mento guerrilheiro. Essa combinação de fatores é apontada como potencial causa de uma redução na popularidade de Duque, que está em seu nível mais baixo desde que ele assumiu a Presidência, em agosto de 2018. Pesquisa da empresa Gallup em outubro de 2019 apontou que o índice de reprovação do presidente chegou a 69%, contra 26% de aprovação. Formalmente, a convocação da greve nacional veio das centrais operárias. O Comando Nacional Unitário, que reúne várias dessas organizações, convocou, desde outubro, a mobilização contra o pacotaço de Duque, como são chamadas várias de suas políticas econômicas. A Colômbia é um país muito desigual e, embora a economia seja uma exceção na região – cresceu 3,3% no terceiro tri- mestre –, o desemprego aumentou até voltar ao número simbólico dos dois dígitos. Os sindicatos se opõem com particular ênfase às reformas trabalhis- ta e previdenciária. O Governo sustenta que essas reformas não foram definidas e serão consertadas, mas os trabalhadores argumentam que vários por- ta-vozes do Executivo indicaram que elas visam à flexibilização trabalhista e ao enfraquecimento da Colpesiones, o organismo estatal que administra as aposentadorias, em favor dos fundos privados. Além disso, o governo deve voltar a passar pelo Congresso uma reforma tributária, que foi objeto de resistência. Inclusive, um dos primeiros pedidos dos organizadores da greve era a retirada da refor- ma tributária. Venezuela A Venezuela está passando por um dos períodos mais difíceis de sua história recente. A crise socioeconômi- ca e política que a Venezuela tem sofrido desde o final do governo de Hugo Chávez, adentrando o atual governo de Nicolás Maduro, com a queda do produto interno bruto (PIB) nacional e per capita entre 2013 e 2017 tem sido mais grave do que a dos Estados Unidos, durante a gran- de depressão. Durante o ano de 2016, por exemplo, a in- flação foi de 800% e a economia contraiu-se em 18,6%. Eleito em 2013, Nicolás Maduro, ao assumir a presidência da Venezuela, deu continuidade à maioria das políticas econômicas de Hugo Chávez. Contudo, Maduro também teve de enfrentar a alta taxa de inflação e a grande escas- sez de bens que foram herdados do governo anterior. O governo atribui a crise não somente à queda dos preços do petróleo, em 2013, mas também, ao boicote externo. A Venezuela tem as maiores reservas de petróleo do mundo, e tal recurso é praticamente a única fonte de receita externa do país. A aposta no petróleo foi segura durante anos e deu bons resultados nos momentos em que o preço do barril estava alto. Entre 2004 e 2015, nos governos de Hugo Chávez e no início do de Nicolás Ma- duro, o país recebeu 750 bilhões de dólares provenientes da venda de petróleo. O governo chavista aproveitou essa chuva dos chamados “petrodólares“ para financiar desde programas sociais a importações de praticamente tudo que era consumido no país. Mas, em 2014, o preço do petróleo desabou, em parte devido à recusa do Irã e da Arábia Saudita em assi- narem um compromisso para reduzir a produção. Outros fatores foram a desaceleração da economia chinesa e o cres- cimento, nos EUA, do mercado de produção de óleo e gás pelo método fracking (fraturamento hidráulico de rochas). Com a queda do preço do petróleo e uma redução no fluxo de divisas, o governo passou a imprimir mais di- nheiro para cobrir o rombo nas contas públicas, e isso foi gerando cada vez mais inflação. Ao tentar supervalorizar a moeda venezuelana, o governo provocou distorções de valores que, além de causarem a crise de desabasteci- mento, contribuíram para um cenário de hiperinflação. A escassez na Venezuela tem sido predominante a partir da promulgação de controles de preços e outras políticas econômicas de Hugo Chávez. Sob a política eco- nômica do governo Maduro, a maior escassez ocorreu devido à política do governo venezuelano de retenção de dólares de importadores somada aos controles de preços. A escassez ocorre com produtos que foram regulamenta- 9 dos pelo governo, tais como leite, vários tipos de carne, frango, café, arroz, óleo, farinha, manteiga e, também, com produtos de necessidades básicas, como produtos de higiene pessoal e remédios. A Venezuela vive também uma intensa crise polí- tica. O país está dividido entre os chavistas e os oposito- res, que esperam o fim dos 19 anos de poder do grupo que, atualmente, se reúne em torno do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV). Nos últimos anos, a inde- pendência entre os poderes se reduziu na prática, o que contribuiu ainda mais para a situação crítica atual. Em 2007, em seu segundo mandato, Chávez conseguiu, por meio de um referendo com voto popular, aprovação para alterar a constituição e mudar a regra de reeleição para presidente. Desde então, os presidentes venezuelanos passaram a poder concorrer a reeleições sem limites. O chavismo, projeto de poder que se consolidou a partir da primeira eleição de Hugo Chávez, tem como elementos centrais uma atuação muito maior do Estado e a defesa de medidas que ampliam a participação social na política – um exemplo é a organização de “comunas“ nos bairros mais carentes das principais cidades, órgãos que se articulam, por sua vez, com o Legislativo local para apresentar demandas e controlar o fluxo de entrada de alguns programas sociais. Também é caracterizado por uma política “antim- perialista“, defendendo a integração dos povos sul-ame- ricanos para combater a influência dos Estados Unidos na região. No chavismo, o mandatário tem seu poder basea- do num forte militarismo. Maduro herdou uma Venezuela já entrando em colapso econômico e tomou medidas que contribuíram ainda mais para a crise. No início de 2014, o país foi to- mado por uma onda de protestos contra Maduro. Em maio de 2018, Maduro foi reeleito com 68% dos votos, numa eleição contestada dentro e fora do país. O mandatário foi reconduzido ao cargo num pleito que teve 54% de abstenção. Toda essa instabilidade política contribuiu para agravar a crise venezuelana. Após a reeleição de Madu- ro, a OEA (Organização dos Estados Americanos) pediu a suspensão da Venezuela da entidade. O Brasil, além de EUA, Canadá, Argentina, Peru e México, entre outros, foi um dos países que pediu a suspensão da Venezuela da organização continental, alegando desrespeito à Carta Democrática Interamericana e ilegitimidade da reeleição de Maduro. A Venezuela já havia se adiantado a esse processo e pedido seu desligamento da OEA em 2017, alegando que a organização estaria dominada pelas “forças impe- riais“ estadunidenses. Esse fato, no entanto, não impede que o processo de suspensão continue e que o país sinta seus efeitos diplomáticos. A suspensão significaria que to- das as nações americanas confirmaram que a Venezuela não segue mais a ordem democrática. Em junho do mes- mo ano, quando houve a assembleia da OEA, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Aloysio Nunes Ferreira, afirmou que o governo de Maduro tem características de um regime que não é democrático, como perseguição da oposição, falta de liberdade de imprensa e ausência de liberdade de organização política. Após a reeleição, diversos países anunciaram sanções contra o governo de Maduro. Em 21 de maio de 2018, uma ordem executiva baniu o envolvimento de cidadãos estadunidenses em negociações de títulos da dívida da Venezuela e de outros ativos. Diante desse cenário, a Venezuela tenta enxergar seu futuro político sob a direção de um bloco opositor unido por poucos elementos além do sentimento antichavista. O ambiente socioeconômico, no plano interno, e a conjunturaregional, no externo, elegeram um líder improvável – o presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, de 35 anos – para o que pode ser o maior triunfo da oposição em duas décadas. Autoproclamado “presidente interino“ da república, Guaidó, no entanto, já atrai a desconfiança dos demais opositores. 10 Guaidó recebeu apoio dos Estados Unidos, Bra- sil, Canadá, Colômbia e Argentina. Além disso, a União Europeia pediu que fossem convocadas novas eleições e expressou seu apoio à Assembleia Nacional da Vene- zuela, liderada por Guaidó. Mas há um pequeno grupo de países que apoiam Maduro, entre eles Rússia, China, Turquia, Irã, México, Cuba, entre outros. fo nt e: M ig ue l G ut ie rr ez – A gê nc ia E FE Confronto entre manifestantes e a Guarda Bolivariana, em Caracas, na Venezuela (maio de 2017) Aconteceu no final do mês de fevereiro, a reunião do Grupo de Lima, em Bogotá, capital da Colômbia. Du- rante o encontro, o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, reforçou apoio a Juan Guaidó como presidente da Vene- zuela e promoveu novas sanções ao regime de Maduro. Entre os participantes da cúpula, estavam o vi- ce-presidente brasileiro, general Hamilton Mourão, e o ministro brasileiro das Relações Exteriores, Ernesto Araú- jo, além do próprio Guaidó. O objetivo do encontro era buscar soluções para restabelecer a democracia venezue- lana e argumentar, junto ao Tribunal Penal Internacional, acerca da gravidade da crise humanitária, da negação de Maduro ao fechar a fronteira com o Brasil e do acesso da população à ajuda humanitária internacional, com o envio de alimentos, medicamentos e demais itens de pri- meira necessidade que chegariam ao país. O Grupo de Lima foi criado em 2017 por inicia- tiva do governo peruano, com o objetivo de pressionar para o restabelecimento da democracia na Venezuela. Integram o grupo os chanceleres de países como Ar- gen- tina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guate- mala, Paraguai, Peru, entre outros. Ainda no final de fevereiro de 2019, o presiden- te interino autoproclamado da Venezuela, Juan Guaidó, chegou ao Brasil para reunião com o presidente Jair Bolsonaro e o ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo. O Brasil não reconhece a legitimidade do governo de Nicolás Maduro, junto com outros países da América latina, União Europeia e os Estados Unidos. Boa parte da comunidade internacional cobra Guaidó quanto à con- vocação de novas eleições presidenciais no país. Outro compromisso previsto no Brasil é o encontro do presi- dente interino com representantes de outros países com embaixada em Brasília, apoiadores de seu governo Bolívia Em 14 de agosto de 2018, Evo Morales cumpriu 12 anos, 6 meses e 23 dias no cargo, superando, desta forma, Vitor Paz Estenssoro, presidente após a revolução de 1952, que havia acumulado 12 anos no comando do governo boliviano, ainda que de maneira descontínua (1952-1956, 1960-1964, 1985-1989). De tal forma, Evo se converte no presidente mais longevo da história da república boliviana, e, logo, do Estado Plurinacional da Bolívia. Este recorde se sustenta em três grandes vitó- rias nas eleições presidenciais de 2005 (54% dos votos), 2009 (64%) e 2014 (61%); assim como em dois referen- dos, o revogatório de 2008 (75%) e o constitucional de 2009 (61%). Apesar da ampliação da democracia conquistada pelo governo de Evo Morales durante 12 anos, a mística do processo de mudança foi se esgotando, e a mudança já não poderia ser representada por quem está há uma década transformando a Bolívia com uma gestão de governo baseada na nacionalização dos hidrocarbone- tos, uma nova constituição que outorga direitos a quem nunca os teve e estabilidade econômica. Algumas das mudanças políticas implementa- das pelo governo Evo ampliaram as tensões entre o governo federal e os departamentos. A mudança mais polêmica e de maior repercussão talvez tenha sido a mudança na lei nº 3058, de 17 de maio de 2005, conhecida como Lei dos Hidrocarbonetos, que modificou a distribuição dos royalties do petró- leo e do gás. A renda advinda da exploração destes 11 recursos ficava com os departamentos e foi federa- lizada, o que gerou fortes embates entre o governo e as províncias mais ricas em ambos, como Santa Cruz. As tensões foram intensificadas nos últimos anos e surgiram pressões por maior autonomia, no- tadamente da parte dos departamentos mais ricos (Santa Cruz, Tarija, Beni e Pando), que inicialmente defendiam as mudanças na distribuição dos im- postos e a escolha dos seus próprios governantes. Grupos oposicionistas das regiões mais ricas do país, a chamada “meia-lua“ (departamentos de Beni, Pando, Tarija e Santa Cruz), exigem a devolução de uma porcentagem do imposto sobre hidrocarbonetos, usado pelo governo para financiar um programa de previdên- cia social. Eles também querem a autonomia adminis- trativa dos Estados, que foi votada e aprovada em refe- rendos. Ainda rejeitam a proposta da nova constituição, de cunho estatizante, e protestam pelo fato de seu pro- jeto ter sido aprovado sem a presença da oposição. A Bolívia é palco de violentos protestos nos de- partamentos (Estados) do leste, que ameaçam a expor- tação de gás para seus vizinhos – entre eles o Brasil. Segundo a ONU, quase 3 milhões de pessoas, em um país cujo censo não chega a 11 milhões, saíram da pobreza e se incorporaram a esta difusa “classe mé- dia”. Contudo, apesar de ser o país da América do Sul cuja economia mais cresce durante os últimos anos, pas- sou menos de um ano e meio entre a vitória de 61% das urnas e a derrota de 49% no referendo. Porém, de ma- neira paradoxal, não há oposição política, sendo os meios de comunicação, hoje, o principal partido de oposição. A oposição não conseguiu construir uma liderança, e está fragmentada e sem projeto político. Seu único discurso é o slogan “Bolívia diz não”, o que parece ser o sufi- ciente para colocar em dificuldades o governo de forma temporária, mas não para vencer uma eleição. Sua úni- ca alternativa real é Carlos Mesa, ex-vice-presidente de Gonzalo Sánchez de Lozada, tão bom historiador como mau político e, provavelmente, o presidente mais insegu- ro da história boliviana. Diante de um cenário ideológico bastante distinto em países vizinhos, com presidentes de direita na Argen- tina, Chile, Brasil, Colômbia, Paraguai e Peru, o boliviano tem adotado uma postura pragmática, de se aproximar de países estratégicos para a economia da Bolívia, como o Brasil, mas com algumas rusgas com líderes vizinhos, principalmente no Chile, com quem a Bolívia tem uma disputa histórica por uma saída para o mar. Em 20 de outubro de 2019 foi realizada a eleição presidencial e Evo Morales, com 47% dos votos foi reelei- to outra vez , num processo eleitoral não muito transpa- rente e com muitas acusações de manipulação e indícios de fraudes, que acabaram gerando uma desconfiança no processo eleitoral. Com o aumento da vulnerabilidade da situação de Evo Morales em meio à desconfiança, líderes da oposi- ção apostam na mobilização popular e passam a radicali- zar seus discursos. Os protestos de rua contra o resultado das eleições foram ganhando força ao longo de todo país – inclusive em La Paz, onde, historicamente, o presidente tinha o maior apoio. Houve uma escalada da violência nas manifestações e em certo momento a própria polícia se negou a conter os manifestantes e, por fim, aliou-se à população nos protestos contra Evo, que tomaram o país nas semanas seguintes. Críticos e apoiadores de Morales se enfrentaram nas ruas e a violência deixou pelo menos três mortos e centenas de feridos durante esse período. As Forças Armadas declararam que não agiriam contra os manifestantes. Somado a isso, as acusações de corrupção e a política ambiental controversa, no dia 10 de novembro, depois de 13 anos no poder, Evo Morales renuncia, jus- tificando sua decisão como uma forma de evitar a conti- nuidade da violênciano país. O que aconteceu em seguida é o principal ponto que entra na discussão para classificar a saída do presi- dente como simples renúncia ou como golpe de Estado: no mesmo dia em que Evo comunicou a convocatória de novas eleições, o Comandante das Forças Armadas da Bolívia, general Williams Kaliman, divulgou um comuni- cado em nome do alto comando sugerindo a saída de Morales como forma de resolver o impasse político em vista das eleições presidenciais. Evo Morales veio a públi- co na mesma noite anunciar sua renúncia ao lado de seu 12 vice-presidente, Álvaro García Linera, que disse que tam- bém deixaria seu cargo. A definição de golpe de Estado é a destituição forçada do chefe de Estado. As alegações de que o que aconteceu na Bolívia pode ser caracterizado como golpe partem do princípio de que Evo foi pressiona- do pelas Forças Armadas a deixar o poder, mesmo após já ter comunicado que convocaria novas eleições. Morales encontra-se agora em asilo no México. Dois dias depois da sua saída a senadora Jeanine Añez se autodeclarou presidente interina da Bolívia, aproveitando-se do vácuo de poder provocado pelas renúncias conjuntas. Cientistas políticos afirmam que a posse da senadora foi ilegítima, alegando que a sessão no Congresso em que ela se au- toproclamou não tinha quórum, além de tal ato não ser previsto na Constituição boliviana. A senadora anunciou que convocará novas eleições. Brasil Eleito com mais de 57,7 milhões de votos, Jair Messias Bolsonaro, de 63 anos, assumiu a Presidência do Brasil com muitas promessas: atacar a corrupção, combater a escalada do crime, reanimar a economia e lutar contra os vícios do sistema político. Bolsonaro ascendeu do baixo clero da Câmara dos Deputados ao cargo máximo do país defendendo uma agenda liberal no campo econômico e conservado- ra em relação à segurança e aos costumes. O Brasil ainda buscava digerir o fim do regime autoritário que terminou em 1985, quando, em junho de 1993, Bolsonaro subiu ao pódio da Câmara dos De- putados para proclamar-se “a favor da ditadura militar“ e exigir o fechamento do Congresso. Ao longo de sua trajetória política, Bolsonaro se notabilizou por uma ex- tensa lista de declarações polêmicas (e até criminosas) proferidas como homem público. Em entrevistas, programas de TV e em discursos no plenário, defendeu a ditadura militar e disse ser favo- rável à tortura; afirmou orgulhar-se de ser homofóbico e que preferia ver um filho seu morrer do que aparecer “com um bigodudo por aí“; disse que não pagaria o mesmo salário a homens e mulheres se fosse empre- sário, “porque elas engravidam“; e declarou que o país seria melhor se a ditadura tivesse matado mais gente, incluindo o então presidente Fernando Henrique Cardo- so, o qual deveria ter sido “fuzilado. Em um dos episódios mais polêmicos de sua trajetória, Bolsonaro disse à deputada Maria do Rosário (PT-RS) que ela “não merecia ser estuprada“. Direito de imagem: Zeca Ribeiro. Agência Câmara. Image caption. Em alguns dos episódios mais polêmicos de sua tra- jetória, ele disse à deputada Maria do Rosário (PT--RS) que ela “não merecia ser estuprada“, afirmando que a mesma o teria chamado de estuprador; também homenageou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, a quem se referiu como “o terror de Dilma Rousseff“, ao proferir seu voto em favor do impeachment da ex-presidenta, em 2016. Ustra comandou o DOI-Codi, órgão de repres- são da ditadura, onde Dilma e outros 500 presos políticos fo- ram torturados, segundo a Comissão Nacional da Verdade. Durante a campanha presidencial, a extensa lis- ta de falas polêmicas foi evocada à exaustão por seus oposi- tores, que a viam como argumentos incontorná- veis para estimular o voto contra Bolsonaro. O que para muitos era inaceitável, para outros pareceu secundário ou mesmo contou pontos positivos, transmitindo uma imagem de franqueza e dialogando com valores de uma sociedade conservadora, no que se refere a desigualdades históricas de raça, gênero e classe. Nas fases finais da corrida presidencial, ataques contra mulheres e pessoas LGBT foram vistos como um sinal de que a retórica agressiva do candidato do PSL po- deria avalizar crimes de ódio. A equipe de campanha de Bolsonaro reagiu dizendo que os números de ataques re- gistrados estavam dentro das estatísticas históricas do país e que não tinha ocorrido um aumento fora da curva. Com o mote #EleNão, grupos feministas organizaram uma cam- panha contra Bolsonaro, levando manifestantes para as ruas de mais de cem cidades brasileiras na semana antes do primeiro turno – o que estimulou, por outro lado, atos favoráveis ao então candidato em várias delas. 13 Quando Jair Bolsonaro foi eleito para seu sétimo mandato como deputado federal, em 2014, confidenciou ao deputado Alberto Fraga que estava “cansado“ de tan- tos anos no cargo – havia resolvido arriscar voos mais al- tos, como a presidência. Ele havia sido reeleito com 464 mil votos no Rio de Janeiro, o recorde no Estado, e o bom resultado o inspirou. Seus apoiadores diziam que ele já ha- via alçado um teto e que não cresceria mais que isso, e essa descrença se baseava em sua trajetória pouco ex-pressiva como deputado do baixo clero no Congresso. Em 27 anos, Bolsonaro transitou por oito partidos e só conseguiu em- placar dois projetos de lei (dos 171 apresentados). Além disso, com suas posições polêmicas, não era visto como um candidato que pudesse obter ampla adesão. Até que determinada constelação de fatores fez isso mudar. Muitos cientistas políticos dizem que a democracia brasileira abriu uma série de portas, e Bolsonaro conseguiu entrar. Movimentos de direita que começaram a despontar já nos protestos de junho de 2013 ganharam força e maior organização com os protestos exigindo o impeachment de Dilma Rousseff, realizados entre 2015 e 2016. Além do impeachment, os fatores que prepararam o terreno para a eleição de Bolsonaro incluíram a escalada do crime no Brasil – com 63 mil mortes violentas no país, em 2017 –, a lenta recuperação da recessão econômica em que o país mergulhou durante o governo Dilma e os escândalos de corrupção revelados pela Lava Jato. Já Fernando Haddad, que foi oficializado como substituto de Lula menos de um mês antes do primeiro turno, teve um rápido crescimento nos primeiros dias, mas logo esbarrou na grande rejeição ao PT. Apesar de ter passado para o segundo turno, Had- dad não superou Bolsonaro na rodada final. A candidatura de Bolsonaro foi impulsionada por promessas de tolerância zero com o crime e a corrupção, de colocar a economia nos trilhos, de governar sem o “to- ma-lá-dá-cá“ de Brasília, de enxugar a máquina adminis- trativa e de expurgar o Partido dos Trabalhadores do po- der. Também apelou ao forte sentimento antipetista com ataques verbais violentos durante a campanha – falando, por exemplo, em “fuzilar a petralhada“ e prometendo que “esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria“, em discurso ao vivo pelo celular a uma semana do segundo turno. A bancada evangélica foi parte do tripé que sustentou sua candidatura. Ele subiu com o apoio das bancadas “BBB“ no Congresso – representando a “bala“ (defensores do acesso às armas), o “boi“ (agronegócio) e a “Bíblia“ (evangélicos). O ministério que Bolsonaro construiu ao seu re- dor reflete suas raízes militares, a agenda conservadora no âmbito dos costumes, acenos às bancadas evangéli- cas, da bala e ruralista e o alinhamento ideológico à di- reita, com dois nomes indicados pelo filósofo Olavo de Carvalho, um “guru“ do pensamento conservador emer- gente no país. Os contingenciamentos no orçamento das uni- versidades federais anunciado pelo MEC causaram os primeiros grandes protestos contra Bolsonaro em 15 de maio de 2019 com um conjunto de manifestações e greves no ensino no contexto de cortes em pesquisa e educação anunciados pelo governo. Principalmente a União Nacional dos Estudantes(UNE) e os sindicatos convocaram as manifestações, às quais aderiram outras entidades e instituições. Os protestos relacionam-se aos bloqueios no orçamento da educação e da pesquisa, de- cretados pelo ministro Abraham Weintraub. Na educação, os cortes do governo alcançam 7,4 bilhões de reais. In- vestimentos em pesquisa, como bolsas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CA- PES), foram cortados. Enquanto as polícias militares dos estados não estimaram o número de manifestantes, a UNE afirmou que houve 1,5 milhão de pessoas nas ruas em mais de 200 cidades de todos os estados do país e Distrito Federal (DF). No dia 30 de maio, as manifestações estudantis se repetiram e foram registrados protestos em, pelo me- nos, 126 cidades de 25 estados e do DF. O Ministério da Educação (MEC) reagiu e emitiu, no mesmo dia da segunda onda de manifestações, uma nota oficial em que 14 afirma que "professores, servidores, funcionários, alunos, pais e responsáveis não estão autorizados a divulgar e estimular protestos durante o horários escolar". Segundo o comunicado da pasta, "nenhuma instituição de ensi- no pública tem prerrogativa legal para incentivar movi- mentos político-partidários e promover a participação de alunos em manifestações". No dia 31, no entanto, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou que a nota fosse cancelada em até dez dias e exigiu que o MEC pro- mova uma "imediata retratação pública", determinando ainda que o ministério não tente cercear a liberdade dos professores, estudantes, servidores e pais e respeite "ma- nifestação livre de ideias e divulgação do pensamento nos ambientes universitários, de universidades públicas e privadas e Institutos Federais de Ensino. Depois de 17 meses, entre controvérsias como mi- nistros investigados e com currículos falsos, o caso Quei- roz, as candidaturas de fachada do PSL, a indicação do filho, Eduardo Bolsoonaro, como embaixador nos EUA, os desmatamentos e incêndios na Amazônia, houve tam- bém a tentativa de interferência na Polícia Federal Em agosto, Bolsonaro anunciou que o comando da Polícia Federal no Rio de Janeiro seria trocado por questões de "gestão e produtividade". Uma nota oficial da PF, no entanto, negou problemas de desempenho da chefia. O superintendente da PF no Rio era o delegado federal Ricardo Saadi e o nome escolhido pelo diretor- -geral da PF, Maurício Valeixo, para substituir Saadi seria o do delegado Carlos Henrique Oliveira Sousa, superin- tendente em Pernambuco. No entanto, após a PF indicar publicamente o escolhido, Bolsonaro afirmou que o indi- cado seria, na verdade, o superintendente no Amazonas, Alexandre Silva Saraiva, e emendou sua declaração afir- mando que "quem manda sou eu". No mesmo dia, en- tretanto, Bolsonaro disse que a decisão final "tanto faz". Historicamente, a escolha de superintendentes era feita pelo diretor-geral, sem ingerência do governo. Por isso, delegados chegaram a cogitar um pedido de demissão coletiva e o presidente da Associação Nacional de Dele- gados de Polícia Federal (ADPF), Edvandir Felix de Paiva, afirmou que a influência do presidente deveria se limitar à escolha do diretor-geral. A PF manteve a escolha de Sousa para o cargo no Rio. No dia 24 de abril de 2020, Sérgio Moro deixou o Ministério da Justiça após anunciar a sua demissão em um pronunciamento oficial depois de um ano e quatro meses no cargo. A decisão teria sido motivada pela exo- neração do diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Va- leixo, por parte do presidente da República, sem o conhe- cimento do ministro. Segundo Moro, Bolsonaro lhe teria dito que desejava indicar para a direção da PF alguém de seu contato pessoal, de quem pudesse receber infor- mações sobre investigações em andamento no Supremo Tribunal Federal. Moro afirmou ainda que não havia assi- nado o decreto de exoneração, embora seu nome tenha sido incluído na publicação, que é a assinatura digital do documento. Declarou também que o presidente não ha- via apresentado justificativa para a troca do comando da PF, descumprindo o compromisso de que teria concedido "carta branca" para fazer nomeações. Outra fato impactante dentro do governo de Bol- sonaro veio com a chegada da pandemia do novo Coro- navírus ao país, que gerou uma tensão entre o presidente e o ministro da saúde, Henrique Mandetta. Enquanto o presidente Bolsonaro defende o isolamento vertical, mé- todo que consiste em isolar o grupo de risco como por exemplo idosos, o ministro defende o isolamento hori- zontal, isolamento total (método usado pela maioria dos países). No dia 2 de abril, o presidente chegou a dizer em entrevista que "falta humildade" a Mandetta e que ne- nhum ministro é "indemissível". Mandetta permaneceu no cargo até 16 de abril de 2020, quando foi exonerado e substituído pelo médico oncologista Nelson Teich. Em 28 de abril de 2020, dia em que o Brasil atin- giu a marca de 5 mil mortes registradas por COVID-19, Bolsonaro se envolveu em outra polêmica. Ao ser ques- tionado sobre o número de mortes no Brasil ter ultrapas- sado o da China, respondeu "E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre". A declaração foi criticada por profissionais da área da saú- de, jornalistas, intelectuais e movimentos sociais. Uma breve retrospectiva da política latino-americana Como pudemos observar, o tema corrupção foi uma das principais bandeiras das campanhas eleitorais. E foi por denúncias de corrupção e compra de votos para impedir um impeachment que o presidente do Peru, Pedro Pablo Kuczynski apresentou sua carta de renúncia ao congresso peruano, e um novo presidente tomou posse: o vice Martín Vizcarra. Desde outubro de 2017, Vizcarra também era embaixador do Peru no Ca- nadá e, portanto, estava baseado em Ottawa, capital do país norte-americano. 15 PPK renunciou às vésperas de o congresso vo- tar, pela segunda vez em três meses, sua destituição. As acusações são que ele teria “permanente incapaci- dade moral” de presidir o país, o que, por lei, é motivo para retirá-lo do cargo. A razão seriam laços irregulares de PPK com a construtora brasileira Odebrecht. Mas o que motivou mesmo a renúncia foram vídeos em que parlamentares da oposição tratam de compras de voto com integrantes do governo, para votar a favor de PPK no primeiro processo de impeachment, em dezembro de 2017. O deputado Kenji Fujimori é um dos que apa- recem nos vídeos. A divulgação foi por conta do seu partido, Força Popular, liderado por Keiko Fujimori, sua irmã e desafeto político. Keiko nega ser responsável pela gravação e divulgação. . Protesto na capital Lima No Peru, é proibida a reeleição presidencial. Se concluir o atual mandato, Vizcarra governará até 2021. Ainda é incerto se seu governo conseguirá passar incó- lume aos casos de corrupção no país, e se ele garantirá governabilidade diante de um congresso com maioria opositora. No entanto, uma coisa é certa: é grande a mudança no perfil de quem está no comando do Peru. No sistema político peruano, uma série de nor- mas dá ao congresso o poder de desaprovar um minis- tro e, por lei, ele precisa renunciar em até 72 horas. Isso pode ocorrer também com toda a equipe ministerial de uma só vez. Em um governo com minoria parlamentar, como o de PPK e o de Vizcarra, essa prerrogativa do congresso pode gerar instabilidade e crises políticas. O clima social e político é ainda mais grave na Nicarágua, onde os protestos estudantis e de grupos de oposição foram e continuam a ser violentamente repri- midos pelo governo do presidente Daniel Ortega, cada vez mais isolado da comunidade internacional. Como visto as diversas alternâncias políticas à direita coincidem com a virada à esquerda de uma das maiores democracias da região. A consolidação das ins- tituições democráticas em diversos países coincide com os desafios a ela ou com a deterioração continuada da democracia em outros.
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