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Panorama Político na América Latina

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Política na América Latina
Alessandra de Fatima Alves 8
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POLÍTICA NA AMÉRICA LATINA
Um breve histórico
O panorama político latino-americano que está emergindo deve ser enxergado à luz da história recente da 
região. No início do século XX, os países do continente viveram um período de modernização das estruturas po- 
líticas, sociais e culturais, marcado pela urbanização acelerada e pela emergência de líderes populistas de grande 
carisma, como o brasileiro Getúlio Vargas e o argentino Juan Domingo Perón.
A era do populismo foi seguida por um ciclo de ditaduras militares, que ocuparam o poder em boa parte 
dos países latino-americanos, de meados dos anos 1960 ao início dos anos 1990. A transição gradual para a 
democracia se deu em um contexto de alta do petróleo e ameaça de hiperinflação. Para enfrentar a crise, muitos 
países da América latina adotaram, então, políticas macroeconômicas de tendência neoliberal, caracterizadas por 
privatizações, contenção de gastos e corte de benefícios sociais.
O ano de 2018 ficou marcado pelas eleições presidenciais na Colômbia, no Brasil, no Paraguai, na Costa Rica, no 
México e na Venezuela. Em todos os casos, exceto na Venezuela, também aconteceram eleições legislativas. Contudo, os 
acontecimentos eleitorais mais significativos foram a eleição do esquerdista Andrés Manuel López Obrador, no México, e 
do ultradireitista Jair Messias Bolsonaro, no Brasil. As vitórias de Obrador e de Bolsonaro produziram um furacão político 
nesses países, tendo em vista que são as duas maiores democracias e maiores economias da América latina com uma 
alternância política historicamente sem antecedentes, e, agora, em sentidos ideológicos completamente opostos.
As recentes eleições presidenciais também abriram os olhos do mundo para a insatisfação de bolivianos, 
equatorianos, chilenos, argentinos e uruguaios para com os seus atuais governos. De fraudes políticas à péssima ad-
ministração, o povo latino acusa seus líderes de diferentes erros e exige mudanças imediatas.
México
Em julho de 2018, ocorreram as eleições presidências no México, em um contexto profundamente instável 
do ponto de vista político. Durante o mandato do liberal Enrique Peña Nieto, houve sinais de esperança e desen-
volvimento socioeconômico no país, devido às reformas obtidas com apoio e consenso da população. Porém, no 
segundo mandato do presidente, essa imagem de esperança havia se perdido – principalmente em decorrência dos 
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casos de corrupção de políticos próximos a ele, além 
do aumento crescente da violência no país, ligado ao 
narcotráfico e à desigualdade social.
O candidato eleito, Andrés Manuel López Obra-
dor, foi candidato por duas vezes (em 2006 e 2012) e 
é líder do Movimento de Regeneração Nacional (More-
na), um partido que criou à sua imagem e semelhança. 
AMLO, como é conhecido entre os mexicanos, tem 64 
anos e, em sua campanha, apresentou-se como um can- 
didato antissistema, além de capitalizar o cansaço da 
população após seis anos do governo de Enrique Peña 
Nieto, que teve um mandato marcado pela corrupção e 
por denúncias de violações dos direitos humanos.
López Obrador faz juramento durante sua 
posse como novo presidente do México.
O Morena conseguiu também a maioria dos gover-
nos (seis de nove), entre eles o da capital Cidade do Mé-
xico. Esse triunfo implicou uma mudança radical no mapa 
político dos 32 Estados mexicanos, que, até então, eram 
governados, majoritariamente, por uma alternância das 
bancadas tradicionais, como o governista Partido Revolu-
cionário Institucional (PRI) e o conservador, PAN. Isso signi-
fica dizer que a coalizão política de apoio a López Obrador 
obteve a maioria absoluta em ambas as casas.
O problema é que muitos mexicanos e analistas 
criticam a falta de propostas concretas e o que chamam 
de retórica “populista“. Muitos de seus eleitores expres-
sam dúvidas sobre seu programa, ao mesmo tempo que 
ressaltam a necessidade de uma mudança.
A violência, que é um dos maiores problemas do 
México, atinge níveis alarmantes a cada ano. Em 2017, o 
país registrou 25.339 assassinatos – o mais violento em 
duas décadas. A questão da violência no México passa 
pelos conflitos de mais de uma década entre militares e 
cartéis do tráfico de drogas – esses, inclusive, lutam entre 
si; em grupos menores, traficantes lutam por rotas de trá-
fico e territórios para vender os entorpecentes.
Estima-se que mais de 200 mil pessoas morreram 
desde dezembro de 2006, quando o governo lançou a 
operação militar antidrogas, segundo dados oficiais que 
não detalham quantos casos estariam ligados ao crime. A 
plataforma de AMLO, no entanto, prevê uma posição mais 
liberal em relação à solução do problema no país. Em ou-
tubro, o então presidente eleito reconheceu a legalização 
de certas drogas como parte de uma estratégia mais ampla 
de combate à pobreza e ao crime. Na mira de uma possível 
legalização, estão a maconha e o ópio. AMLO, inclusive, 
disse que procuraria pagar mais aos agricultores pelo mi-
lho, como forma de dissuadi-los de plantar sementes de 
papoula, que é a matéria-prima do ópio.
Na política externa, a maior questão de Obrador 
é, evidentemente, a relação com o presidente dos Estados 
Unidos, Donald Trump. Porém, apesar dos discursos duros 
do estadunidense contra imigrantes ilegais mexicanos – a 
quem chamou de estupradores e traficantes – e da posição 
política praticamente oposta, a relação entre os dois presi-
dentes começou boa.
O futuro governo de AMLO concordou em apoiar o 
plano de Trump para mudar a política de fronteira en- tre 
os dois países. Pela nova proposta, quem quiser se refugiar 
nos Estados Unidos terá de esperar no México enquanto o 
processo segue pelos tribunais estadunidenses. Nem sem-
pre os migrantes de países como Guatemala, Honduras e 
El Salvador foram bem recebidos no México. Se na capital 
o governo instalou um grande campo para acolher a ca-
ravana, em Tijuana, cidade fronteiriça, houve protestos de 
mexicanos contra a presença dos migrantes.
A questão migratória interessa a AMLO porque, 
neste ano, o México teve de lidar com caravanas de mi-
grantes de países da América Central. Esse grupo tenta 
passar, desde outubro, para os Estados Unidos usando a 
fronteira mexicana.
Caso AMLO consiga adotar uma postura dura com 
imigrantes de outros países da América latina e ain- da dis-
suadir os mexicanos de cruzar a fronteira com os EUA, é 
possível que o presidente mexicano tenha relação ainda 
melhor com Trump. No entanto, o muro prometido pelo 
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presidente dos EUA na fronteira com o México pode di-
ficultar a conversa dos dois líderes. Isso porque Trump é a 
favor não só de cercar a divisa como de obrigar, de alguma 
forma, o vizinho a pagar pela obra.
Setores à direita da política mexicana, inclusive, 
consideram AMLO “populista e chavista“. A equipe eco- 
nômica de AMLO, então, tenta desfazer essa imagem. 
Carlos Urzua, escolhido pelo presidente mexicano para 
comandar o Ministério das Finanças ainda na campanha, 
disse que se reuniu com mais de 65 fundos de investimen- 
to, dizendo a eles que o candidato está comprometido a 
dar autonomia ao banco central, uma livre flutuação de 
moeda, livre comércio e manter um controle sobre gastos.
Além disso, a reformulação do Tratado de Livre 
Comércio da América do Norte (Nafta) – agora Acordo 
Estados Unidos–México–Canadá (Usmca, na sigla em in- 
glês) – parece ter jogado a favor de AMLO. O presi- dente 
mexicano enviou um representante às negociações com os 
vizinhos a favor do acordo. Assim, os três países da Améri-
ca do Norte assinaram um novo tratado. O México consi-
dera a negociação com Trump vital, uma vez que 80% das 
exportações do país têm como destino os Estados Unidos, 
seu maior sócio comercial.
Outra situação polêmica é que o asilo político por 
razões humanitárias a Evo Morales colocou o México à 
frente dos Governos progressistas da América Latina. Uma 
liderança que o Executivo de Andrés Manuel López Obra-
dor havia serecusado a aceitar desde que assumiu a presi-
dência há um ano. As circunstâncias, no entanto, levaram o 
México a dar um passo adiante, em consonância também 
com a tradição do acolhimento, demonstrada tanto com o 
exílio republicano espanhol quanto com os refugiados da 
América Central.
Até agora, fiel ao seu ideário político, López Obra-
dor havia cumprido seu velho slogan que diz: “Não se 
pode ser luz na rua e escuridão em casa”. Na crise vene-
zuelana, ele ficou o máximo que pôde à margem. O México 
foi a única potência latino-americana que não reconheceu 
Juan Guaidó como presidente interino e, embora não te-
nha apoiado Nicolás Maduro, sempre optou pela via do 
diálogo à qual recorre o presidente venezuelano. Tudo mu-
dou com Evo Morales.
Diante do descrédito do bloco bolivariano, o nau-
frágio de Cuba como referência ideológica e à espera da 
posse de Alberto Fernández, López Obrador ficou sozinho 
à frente de um bloco de esquerda que olha para os lados à 
procura de referências. O presidente mexicano e seu chan-
celer (ministro das Relações Exteriores), Marcelo Ebrard, 
um dos ministros mais eficazes e efetivos de seu gabinete, 
surgem como figuras de consenso na hora de unificar uma 
voz latino-americana. À sua frente, há um bloco de direita 
tão antagônica que vai de Bolsonaro a Piñera, no qual o 
único amálgama é o ódio a Maduro.
Até agora López Obrador havia esquivado o com-
promisso internacional e os recorrentes acenos da esquer-
da. Desde que chegou ao poder, há um ano, não viajou a 
nenhum evento internacional de relevância – esteve au-
sente na cúpula do G20 em Osaka e na Assembleia Geral 
da ONU – na verdade, não viajou para o exterior e nem 
sequer aos Estados Unidos, com cujo Governo teve que 
enfrentar uma crise migratória. Ignorou continuamente os 
gestos amistosos de Nicolás Maduro e se recusou a ingres-
sar no Grupo de Puebla, promovido pelo presidente eleito 
da Argentina, Alberto Fernández. Ao evento realizado em 
Buenos Aires, que teve a presença do próprio Fernández e 
dos ex-presidentes José Mujica, Dilma Rousseff e Ernesto 
Samper – e que comemorou a saída de Lula da prisão –, 
enviou o subsecretário para a América Latina.
Grupo de Puebla é um fórum político e aca-
dêmico composto por representantes políticos de 
esquerda do mundo. Fundado em 12 de Julho de 
2019 na cidade mexicana de Puebla. Segundo seus 
fundadores, o principal objetivo é articular idéias, 
modelos produtivos, programas de desenvolvimen-
to e políticas estaduais progressistas.
A repercussão da decisão de conceder asilo a Mo-
rales nas relações com os Estados Unidos também é um 
ponto de interrogação. Ebrard disse que não deve afe-
tar o novo tratado de livre comércio que também inclui 
o Canadá (TMEC) – cuja entrada em vigor depende da 
aprovação do Congresso dos Estados Unidos – e nem 
a relação com o Governo de Donald Trump, porque se 
baseia no respeito mútuo. 
Candidato Andrés Manuel López Obrador, duas vezes candidato e 
líder do Movimento de Regeneração Nacional (Morena), 
líder nas pesquisas de intenção de voto.
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Colômbia
O candidato de direita Iván Duque, 41 anos, foi eleito para presidir a Colômbia até 2022. Apoiado pelo ex-presiden-
te Álvaro Uribe, que governou o país entre 2002 e 2010, ele obteve 54% dos votos e venceu o esquerdista Gustavo Petro 
no segundo turno das eleições presidenciais, disputadas em junho de 2018.
As eleições aconteceram em meio a uma grande expectativa de definições estruturantes a partir da consolidação 
do processo de pacificação das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), após o acordo selado em novembro de 
2016, com o ex-presidente Juan Manuel Santos, que deixou o cargo depois de dois mandatos como responsável por findar 
os conflitos armados com a guerrilha mais antiga da América latina, o que lhe rendeu o Prêmio Nobel da Paz, em 2016.
A postura contrária de Duque em relação ao acordo com as Farc o ajudou a ser eleito. Contudo, a oposição que o 
novo presidente deve sofrer nesse tema será forte: a preferência pelo “não“ no plebiscito 
Um dos líderes das Farc, Rodrigo Londono, conhecido como Timochenko, chegou a se candidatar à presidên-
cia. Ele precisou retirar a candidatura por problemas de saúde.
Outro trunfo de Duque na campanha era um discurso forte contra a corrupção, prometendo, inclusive, pena 
de prisão “com grades“, segundo o programa eleitoral. Além disso, o discurso a favor da empresa privada e pelo 
corte de impostos chamou a atenção do eleitorado colombiano. Outro ponto relevante foram suas propostas pró-
-mercado, que o deixa como “amigo” do mercado financeiro.
Iván Duque, candidato presidencial colombiano, 
durante campanha em Bogotá
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Para melhorar os índices sociais, o novo presi-
dente deseja por em prática o que chama de “economia 
laranja“. Isso é, segundo o próprio presidente eleito em 
entrevista ao jornal espanhol El País: “Estamos falando 
das artes, dos meios de comunicação, das criações fun-
cionais como a arquitetura, o desenho, a publicidade, o 
patrimônio arqueológico, a gastronomia, os museus, as 
bibliotecas“. Em seu programa de governo, Duque se 
comprometeu a criar um Fundo Nacional para o Desen-
volvimento da Economia Laranja. Com isso, o novo presi-
dente pretende duplicar o PIB do setor criativo até 2025.
No entanto, o que se viu ao longo de 2019 fo-
ram focos de descontentamento em vários setores da 
sociedade colombiana. Em novembro de 2019, cente-
nas de milhares de colombianos foram as ruas para pro-
testar, no que se chamou de primavera colombiana, 
que culminou em uma greve de grandes proporções. Os 
fatores dessa insatisfação foram:
1. O suposto 'pacotaço'
Segundo convocações de manifestações, o go-
verno Duque prepararia um "pacotaço" de me-
didas que vão impactar pensões, idade de apo-
sentadoria e salário mínimo para jovens.
O governo nega, afirmando que não existe ne-
nhuma reforma previdenciária apresentada nem 
nenhuma reforma laboral. Ao mesmo tempo, 
medidas de impacto social haviam sido esbo-
çadas por pessoas e organizações próximas ao 
governo, incluindo o ex-presidente e senador 
Álvaro Uribe, líder do governista Partido Centro 
Democrático.
2. A educação
Parte importante do público presente nas mani-
festações são jovens de universidades públicas e 
privadas, que já haviam se mobilizado em outros 
momentos do ano. Eles pedem mais investimen-
tos em educação e o cumprimento de acordos 
firmados em 2018. Eles também se queixaram 
da violência policial nas manifestações atuais, 
particularmente do esquadrão antidistúrbios.
3. Mortes de indígenas, líderes sociais e ex-
-guerrilheiros
Outra queixa dos manifestantes é por medidas de 
proteção para indígenas e líderes sociais, alvos de 
uma onda de assassinatos — dezenas morreram 
desde que Duque assumiu o poder, há 15 meses.
A situação é particularmente delicada no depar-
tamento (Estado) de Cauca, região montanhosa 
que vive espiral de violência pela presença de gru-
pos armados dissidentes das Farc (Forças Arma-
das Revolucionárias da Colômbia), paramilitares 
e narcotraficantes.
Miguel Ceballos, alto comissariado da paz no-
meado por Duque para liderar um plano de ação 
social para Cauca, anunciou, depois de assassi-
natos ocorridos em outubro, investimento de US$ 
390 milhões para infraestrutura, cobertura sanitá-
ria e educação na região.
O governo anunciou também o envio de 2,5 mil 
militares, medida questionada por alguns líderes 
indígenas que discordam da militarização.
Segundo dados de organizações sociais, houve 
mais de 400 assassinatos de líderes sociais, de-
fensores do meio ambiente, ativistas e ex-guerri-
lheiros nos últimos quatro anos na Colômbia.
4. O cumprimento do processo de paz
Grupos sociais pedem mais compromisso do go-
verno com a implementação do acordo de paz 
firmado com as Farc em 2016, no governo an-
terior — particularmente do ponto 4 do acordo, 
que previa a substituição gradual e voluntária 
de cultivos de drogas por outras alternativas de 
subsistência em comunidades maispobres. Isso, 
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segundo especialistas, tem contribuído para a crise 
de insegurança que vive a população indígena do 
país. Ao mesmo tempo, o governo reforçou ope-
rações contra dissidências das Farc, algumas das 
quais reverberaram fortemente no país. Em uma 
delas, ao menos oito jovens menores de idade 
foram mortos durante uma ação em um acampa-
mento guerrilheiro. Essa combinação de fatores é 
apontada como potencial causa de uma redução 
na popularidade de Duque, que está em seu nível 
mais baixo desde que ele assumiu a Presidência, 
em agosto de 2018. Pesquisa da empresa Gallup 
em outubro de 2019 apontou que o índice de 
reprovação do presidente chegou a 69%, contra 
26% de aprovação.
Formalmente, a convocação da greve nacional 
veio das centrais operárias. O Comando Nacional 
Unitário, que reúne várias dessas organizações, 
convocou, desde outubro, a mobilização contra o 
pacotaço de Duque, como são chamadas várias de 
suas políticas econômicas. A Colômbia é um país 
muito desigual e, embora a economia seja uma 
exceção na região – cresceu 3,3% no terceiro tri-
mestre –, o desemprego aumentou até voltar ao 
número simbólico dos dois dígitos. Os sindicatos se 
opõem com particular ênfase às reformas trabalhis-
ta e previdenciária. O Governo sustenta que essas 
reformas não foram definidas e serão consertadas, 
mas os trabalhadores argumentam que vários por-
ta-vozes do Executivo indicaram que elas visam à 
flexibilização trabalhista e ao enfraquecimento da 
Colpesiones, o organismo estatal que administra 
as aposentadorias, em favor dos fundos privados. 
Além disso, o governo deve voltar a passar pelo 
Congresso uma reforma tributária, que foi objeto 
de resistência. Inclusive, um dos primeiros pedidos 
dos organizadores da greve era a retirada da refor-
ma tributária.
Venezuela
A Venezuela está passando por um dos períodos 
mais difíceis de sua história recente. A crise socioeconômi-
ca e política que a Venezuela tem sofrido desde o final do 
governo de Hugo Chávez, adentrando o atual governo de 
Nicolás Maduro, com a queda do produto interno bruto 
(PIB) nacional e per capita entre 2013 e 2017 tem sido 
mais grave do que a dos Estados Unidos, durante a gran- 
de depressão. Durante o ano de 2016, por exemplo, a in-
flação foi de 800% e a economia contraiu-se em 18,6%. 
Eleito em 2013, Nicolás Maduro, ao assumir a presidência 
da Venezuela, deu continuidade à maioria das políticas 
econômicas de Hugo Chávez. Contudo, Maduro também 
teve de enfrentar a alta taxa de inflação e a grande escas-
sez de bens que foram herdados do governo anterior. O 
governo atribui a crise não somente à queda dos preços 
do petróleo, em 2013, mas também, ao boicote externo.
A Venezuela tem as maiores reservas de petróleo 
do mundo, e tal recurso é praticamente a única fonte de 
receita externa do país. A aposta no petróleo foi segura 
durante anos e deu bons resultados nos momentos em 
que o preço do barril estava alto. Entre 2004 e 2015, nos 
governos de Hugo Chávez e no início do de Nicolás Ma-
duro, o país recebeu 750 bilhões de dólares provenientes 
da venda de petróleo. O governo chavista aproveitou essa 
chuva dos chamados “petrodólares“ para financiar desde 
programas sociais a importações de praticamente tudo 
que era consumido no país.
Mas, em 2014, o preço do petróleo desabou, em 
parte devido à recusa do Irã e da Arábia Saudita em assi-
narem um compromisso para reduzir a produção. Outros 
fatores foram a desaceleração da economia chinesa e o cres-
cimento, nos EUA, do mercado de produção de óleo e gás 
pelo método fracking (fraturamento hidráulico de rochas).
Com a queda do preço do petróleo e uma redução 
no fluxo de divisas, o governo passou a imprimir mais di- 
nheiro para cobrir o rombo nas contas públicas, e isso foi 
gerando cada vez mais inflação. Ao tentar supervalorizar 
a moeda venezuelana, o governo provocou distorções de 
valores que, além de causarem a crise de desabasteci- 
mento, contribuíram para um cenário de hiperinflação.
A escassez na Venezuela tem sido predominante 
a partir da promulgação de controles de preços e outras 
políticas econômicas de Hugo Chávez. Sob a política eco-
nômica do governo Maduro, a maior escassez ocorreu 
devido à política do governo venezuelano de retenção de 
dólares de importadores somada aos controles de preços. 
A escassez ocorre com produtos que foram regulamenta-
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dos pelo governo, tais como leite, vários tipos de carne, 
frango, café, arroz, óleo, farinha, manteiga e, também, 
com produtos de necessidades básicas, como produtos 
de higiene pessoal e remédios.
A Venezuela vive também uma intensa crise polí-
tica. O país está dividido entre os chavistas e os oposito-
res, que esperam o fim dos 19 anos de poder do grupo 
que, atualmente, se reúne em torno do Partido Socialista 
Unido da Venezuela (PSUV). Nos últimos anos, a inde-
pendência entre os poderes se reduziu na prática, o que 
contribuiu ainda mais para a situação crítica atual. Em 
2007, em seu segundo mandato, Chávez conseguiu, por 
meio de um referendo com voto popular, aprovação para 
alterar a constituição e mudar a regra de reeleição para 
presidente. Desde então, os presidentes venezuelanos 
passaram a poder concorrer a reeleições sem limites.
O chavismo, projeto de poder que se consolidou 
a partir da primeira eleição de Hugo Chávez, tem como 
elementos centrais uma atuação muito maior do Estado 
e a defesa de medidas que ampliam a participação social 
na política – um exemplo é a organização de “comunas“ 
nos bairros mais carentes das principais cidades, órgãos 
que se articulam, por sua vez, com o Legislativo local para 
apresentar demandas e controlar o fluxo de entrada de 
alguns programas sociais.
Também é caracterizado por uma política “antim-
perialista“, defendendo a integração dos povos sul-ame-
ricanos para combater a influência dos Estados Unidos na 
região. No chavismo, o mandatário tem seu poder basea-
do num forte militarismo.
Maduro herdou uma Venezuela já entrando em 
colapso econômico e tomou medidas que contribuíram 
ainda mais para a crise. No início de 2014, o país foi to-
mado por uma onda de protestos contra Maduro.
Em maio de 2018, Maduro foi reeleito com 68% 
dos votos, numa eleição contestada dentro e fora do país. 
O mandatário foi reconduzido ao cargo num pleito que 
teve 54% de abstenção.
Toda essa instabilidade política contribuiu para 
agravar a crise venezuelana. Após a reeleição de Madu-
ro, a OEA (Organização dos Estados Americanos) pediu a 
suspensão da Venezuela da entidade. O Brasil, além de 
EUA, Canadá, Argentina, Peru e México, entre outros, foi 
um dos países que pediu a suspensão da Venezuela da 
organização continental, alegando desrespeito à Carta 
Democrática Interamericana e ilegitimidade da reeleição 
de Maduro.
A Venezuela já havia se adiantado a esse processo 
e pedido seu desligamento da OEA em 2017, alegando 
que a organização estaria dominada pelas “forças impe-
riais“ estadunidenses. Esse fato, no entanto, não impede 
que o processo de suspensão continue e que o país sinta 
seus efeitos diplomáticos. A suspensão significaria que to-
das as nações americanas confirmaram que a Venezuela 
não segue mais a ordem democrática. Em junho do mes-
mo ano, quando houve a assembleia da OEA, o ministro 
das Relações Exteriores do Brasil, Aloysio Nunes Ferreira, 
afirmou que o governo de Maduro tem características de 
um regime que não é democrático, como perseguição da 
oposição, falta de liberdade de imprensa e ausência de 
liberdade de organização política.
Após a reeleição, diversos países anunciaram 
sanções contra o governo de Maduro. Em 21 de maio 
de 2018, uma ordem executiva baniu o envolvimento 
de cidadãos estadunidenses em negociações de títulos 
da dívida da Venezuela e de outros ativos. Diante desse 
cenário, a Venezuela tenta enxergar seu futuro político 
sob a direção de um bloco opositor unido por poucos 
elementos além do sentimento antichavista.
O ambiente socioeconômico, no plano interno, 
e a conjunturaregional, no externo, elegeram um líder 
improvável – o presidente da Assembleia Nacional, 
Juan Guaidó, de 35 anos – para o que pode ser o maior 
triunfo da oposição em duas décadas. Autoproclamado 
“presidente interino“ da república, Guaidó, no entanto, 
já atrai a desconfiança dos demais opositores.
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Guaidó recebeu apoio dos Estados Unidos, Bra-
sil, Canadá, Colômbia e Argentina. Além disso, a União 
Europeia pediu que fossem convocadas novas eleições 
e expressou seu apoio à Assembleia Nacional da Vene-
zuela, liderada por Guaidó. Mas há um pequeno grupo 
de países que apoiam Maduro, entre eles Rússia, China, 
Turquia, Irã, México, Cuba, entre outros.
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Confronto entre manifestantes e a Guarda Bolivariana, 
em Caracas, na Venezuela (maio de 2017)
Aconteceu no final do mês de fevereiro, a reunião 
do Grupo de Lima, em Bogotá, capital da Colômbia. Du-
rante o encontro, o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, 
reforçou apoio a Juan Guaidó como presidente da Vene-
zuela e promoveu novas sanções ao regime de Maduro.
Entre os participantes da cúpula, estavam o vi-
ce-presidente brasileiro, general Hamilton Mourão, e o 
ministro brasileiro das Relações Exteriores, Ernesto Araú-
jo, além do próprio Guaidó. O objetivo do encontro era 
buscar soluções para restabelecer a democracia venezue-
lana e argumentar, junto ao Tribunal Penal Internacional, 
acerca da gravidade da crise humanitária, da negação de 
Maduro ao fechar a fronteira com o Brasil e do acesso 
da população à ajuda humanitária internacional, com o 
envio de alimentos, medicamentos e demais itens de pri-
meira necessidade que chegariam ao país.
O Grupo de Lima foi criado em 2017 por inicia- 
tiva do governo peruano, com o objetivo de pressionar 
para o restabelecimento da democracia na Venezuela. 
Integram o grupo os chanceleres de países como Ar- gen-
tina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guate-
mala, Paraguai, Peru, entre outros.
Ainda no final de fevereiro de 2019, o presiden-
te interino autoproclamado da Venezuela, Juan Guaidó, 
chegou ao Brasil para reunião com o presidente Jair 
Bolsonaro e o ministro das Relações Exteriores Ernesto 
Araújo. O Brasil não reconhece a legitimidade do governo 
de Nicolás Maduro, junto com outros países da América 
latina, União Europeia e os Estados Unidos. Boa parte da 
comunidade internacional cobra Guaidó quanto à con-
vocação de novas eleições presidenciais no país. Outro 
compromisso previsto no Brasil é o encontro do presi-
dente interino com representantes de outros países com 
embaixada em Brasília, apoiadores de seu governo
Bolívia
Em 14 de agosto de 2018, Evo Morales cumpriu 
12 anos, 6 meses e 23 dias no cargo, superando, desta 
forma, Vitor Paz Estenssoro, presidente após a revolução 
de 1952, que havia acumulado 12 anos no comando do 
governo boliviano, ainda que de maneira descontínua 
(1952-1956, 1960-1964, 1985-1989). De tal forma, Evo 
se converte no presidente mais longevo da história da 
república boliviana, e, logo, do Estado Plurinacional da 
Bolívia. Este recorde se sustenta em três grandes vitó-
rias nas eleições presidenciais de 2005 (54% dos votos), 
2009 (64%) e 2014 (61%); assim como em dois referen-
dos, o revogatório de 2008 (75%) e o constitucional de 
2009 (61%).
Apesar da ampliação da democracia conquistada 
pelo governo de Evo Morales durante 12 anos, a mística 
do processo de mudança foi se esgotando, e a mudança 
já não poderia ser representada por quem está há uma 
década transformando a Bolívia com uma gestão de 
governo baseada na nacionalização dos hidrocarbone- 
tos, uma nova constituição que outorga direitos a quem 
nunca os teve e estabilidade econômica.
Algumas das mudanças políticas implementa- 
das pelo governo Evo ampliaram as tensões entre 
o governo federal e os departamentos. A mudança 
mais polêmica e de maior repercussão talvez tenha 
sido a mudança na lei nº 3058, de 17 de maio de 
2005, conhecida como Lei dos Hidrocarbonetos, 
que modificou a distribuição dos royalties do petró-
leo e do gás. A renda advinda da exploração destes
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recursos ficava com os departamentos e foi federa-
lizada, o que gerou fortes embates entre o governo 
e as províncias mais ricas em ambos, como Santa 
Cruz. As tensões foram intensificadas nos últimos 
anos e surgiram pressões por maior autonomia, no- 
tadamente da parte dos departamentos mais ricos 
(Santa Cruz, Tarija, Beni e Pando), que inicialmente 
defendiam as mudanças na distribuição dos im- 
postos e a escolha dos seus próprios governantes.
Grupos oposicionistas das regiões mais ricas do 
país, a chamada “meia-lua“ (departamentos de Beni, 
Pando, Tarija e Santa Cruz), exigem a devolução de uma 
porcentagem do imposto sobre hidrocarbonetos, usado 
pelo governo para financiar um programa de previdên-
cia social. Eles também querem a autonomia adminis-
trativa dos Estados, que foi votada e aprovada em refe-
rendos. Ainda rejeitam a proposta da nova constituição, 
de cunho estatizante, e protestam pelo fato de seu pro- 
jeto ter sido aprovado sem a presença da oposição.
A Bolívia é palco de violentos protestos nos de- 
partamentos (Estados) do leste, que ameaçam a expor- 
tação de gás para seus vizinhos – entre eles o Brasil.
Segundo a ONU, quase 3 milhões de pessoas, 
em um país cujo censo não chega a 11 milhões, saíram 
da pobreza e se incorporaram a esta difusa “classe mé-
dia”.
Contudo, apesar de ser o país da América do Sul 
cuja economia mais cresce durante os últimos anos, pas-
sou menos de um ano e meio entre a vitória de 61% das 
urnas e a derrota de 49% no referendo. Porém, de ma-
neira paradoxal, não há oposição política, sendo os meios 
de comunicação, hoje, o principal partido de oposição. A 
oposição não conseguiu construir uma liderança, e está 
fragmentada e sem projeto político. Seu único discurso 
é o slogan “Bolívia diz não”, o que parece ser o sufi-
ciente para colocar em dificuldades o governo de forma 
temporária, mas não para vencer uma eleição. Sua úni-
ca alternativa real é Carlos Mesa, ex-vice-presidente de 
Gonzalo Sánchez de Lozada, tão bom historiador como 
mau político e, provavelmente, o presidente mais insegu-
ro da história boliviana.
Diante de um cenário ideológico bastante distinto 
em países vizinhos, com presidentes de direita na Argen-
tina, Chile, Brasil, Colômbia, Paraguai e Peru, o boliviano 
tem adotado uma postura pragmática, de se aproximar 
de países estratégicos para a economia da Bolívia, como 
o Brasil, mas com algumas rusgas com líderes vizinhos, 
principalmente no Chile, com quem a Bolívia tem uma 
disputa histórica por uma saída para o mar.
Em 20 de outubro de 2019 foi realizada a eleição 
presidencial e Evo Morales, com 47% dos votos foi reelei-
to outra vez , num processo eleitoral não muito transpa-
rente e com muitas acusações de manipulação e indícios 
de fraudes, que acabaram gerando uma desconfiança no 
processo eleitoral.
Com o aumento da vulnerabilidade da situação 
de Evo Morales em meio à desconfiança, líderes da oposi-
ção apostam na mobilização popular e passam a radicali-
zar seus discursos. Os protestos de rua contra o resultado 
das eleições foram ganhando força ao longo de todo país 
– inclusive em La Paz, onde, historicamente, o presidente 
tinha o maior apoio. Houve uma escalada da violência 
nas manifestações e em certo momento a própria polícia 
se negou a conter os manifestantes e, por fim, aliou-se à 
população nos protestos contra Evo, que tomaram o país 
nas semanas seguintes. Críticos e apoiadores de Morales 
se enfrentaram nas ruas e a violência deixou pelo menos 
três mortos e centenas de feridos durante esse período. 
As Forças Armadas declararam que não agiriam contra os 
manifestantes.
Somado a isso, as acusações de corrupção e a 
política ambiental controversa, no dia 10 de novembro, 
depois de 13 anos no poder, Evo Morales renuncia, jus-
tificando sua decisão como uma forma de evitar a conti-
nuidade da violênciano país. 
O que aconteceu em seguida é o principal ponto 
que entra na discussão para classificar a saída do presi-
dente como simples renúncia ou como golpe de Estado: 
no mesmo dia em que Evo comunicou a convocatória de 
novas eleições, o Comandante das Forças Armadas da 
Bolívia, general Williams Kaliman, divulgou um comuni-
cado em nome do alto comando sugerindo a saída de 
Morales como forma de resolver o impasse político em 
vista das eleições presidenciais. Evo Morales veio a públi-
co na mesma noite anunciar sua renúncia ao lado de seu 
12
vice-presidente, Álvaro García Linera, que disse que tam-
bém deixaria seu cargo. A definição de golpe de Estado 
é a destituição forçada do chefe de Estado. As alegações 
de que o que aconteceu na Bolívia pode ser caracterizado 
como golpe partem do princípio de que Evo foi pressiona-
do pelas Forças Armadas a deixar o poder, mesmo após já 
ter comunicado que convocaria novas eleições. Morales 
encontra-se agora em asilo no México. Dois dias depois 
da sua saída a senadora Jeanine Añez se autodeclarou 
presidente interina da Bolívia, aproveitando-se do vácuo 
de poder provocado pelas renúncias conjuntas. Cientistas 
políticos afirmam que a posse da senadora foi ilegítima, 
alegando que a sessão no Congresso em que ela se au-
toproclamou não tinha quórum, além de tal ato não ser 
previsto na Constituição boliviana. A senadora anunciou 
que convocará novas eleições.
Brasil
Eleito com mais de 57,7 milhões de votos, Jair 
Messias Bolsonaro, de 63 anos, assumiu a Presidência 
do Brasil com muitas promessas: atacar a corrupção, 
combater a escalada do crime, reanimar a economia e 
lutar contra os vícios do sistema político.
Bolsonaro ascendeu do baixo clero da Câmara 
dos Deputados ao cargo máximo do país defendendo 
uma agenda liberal no campo econômico e conservado- 
ra em relação à segurança e aos costumes.
O Brasil ainda buscava digerir o fim do regime 
autoritário que terminou em 1985, quando, em junho 
de 1993, Bolsonaro subiu ao pódio da Câmara dos De-
putados para proclamar-se “a favor da ditadura militar“ 
e exigir o fechamento do Congresso. Ao longo de sua 
trajetória política, Bolsonaro se notabilizou por uma ex-
tensa lista de declarações polêmicas (e até criminosas) 
proferidas como homem público.
Em entrevistas, programas de TV e em discursos 
no plenário, defendeu a ditadura militar e disse ser favo- 
rável à tortura; afirmou orgulhar-se de ser homofóbico 
e que preferia ver um filho seu morrer do que aparecer 
“com um bigodudo por aí“; disse que não pagaria o 
mesmo salário a homens e mulheres se fosse empre-
sário, “porque elas engravidam“; e declarou que o país 
seria melhor se a ditadura tivesse matado mais gente, 
incluindo o então presidente Fernando Henrique Cardo- 
so, o qual deveria ter sido “fuzilado.
Em um dos episódios mais polêmicos de sua trajetória, Bolsonaro disse à 
deputada Maria do Rosário (PT-RS) que ela “não merecia ser estuprada“.
Direito de imagem: Zeca Ribeiro. Agência Câmara. Image caption.
Em alguns dos episódios mais polêmicos de sua tra-
jetória, ele disse à deputada Maria do Rosário (PT--RS) que 
ela “não merecia ser estuprada“, afirmando que a mesma 
o teria chamado de estuprador; também homenageou o 
coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, a quem se referiu 
como “o terror de Dilma Rousseff“, ao proferir seu voto em 
favor do impeachment da ex-presidenta, em 2016.
Ustra comandou o DOI-Codi, órgão de repres- são 
da ditadura, onde Dilma e outros 500 presos políticos fo-
ram torturados, segundo a Comissão Nacional da Verdade. 
Durante a campanha presidencial, a extensa lis- ta 
de falas polêmicas foi evocada à exaustão por seus oposi-
tores, que a viam como argumentos incontorná- veis para 
estimular o voto contra Bolsonaro. O que para muitos era 
inaceitável, para outros pareceu secundário ou mesmo 
contou pontos positivos, transmitindo uma imagem de 
franqueza e dialogando com valores de uma sociedade 
conservadora, no que se refere a desigualdades históricas 
de raça, gênero e classe.
Nas fases finais da corrida presidencial, ataques 
contra mulheres e pessoas LGBT foram vistos como um 
sinal de que a retórica agressiva do candidato do PSL po-
deria avalizar crimes de ódio. A equipe de campanha de 
Bolsonaro reagiu dizendo que os números de ataques re-
gistrados estavam dentro das estatísticas históricas do país 
e que não tinha ocorrido um aumento fora da curva. Com 
o mote #EleNão, grupos feministas organizaram uma cam-
panha contra Bolsonaro, levando manifestantes para as 
ruas de mais de cem cidades brasileiras na semana antes 
do primeiro turno – o que estimulou, por outro lado, atos 
favoráveis ao então candidato em várias delas.
13
Quando Jair Bolsonaro foi eleito para seu sétimo 
mandato como deputado federal, em 2014, confidenciou 
ao deputado Alberto Fraga que estava “cansado“ de tan- 
tos anos no cargo – havia resolvido arriscar voos mais al-
tos, como a presidência. Ele havia sido reeleito com 464 
mil votos no Rio de Janeiro, o recorde no Estado, e o bom 
resultado o inspirou. Seus apoiadores diziam que ele já ha-
via alçado um teto e que não cresceria mais que isso, e essa 
descrença se baseava em sua trajetória pouco ex-pressiva 
como deputado do baixo clero no Congresso. Em 27 anos, 
Bolsonaro transitou por oito partidos e só conseguiu em-
placar dois projetos de lei (dos 171 apresentados). Além 
disso, com suas posições polêmicas, não era visto como 
um candidato que pudesse obter ampla adesão. Até que 
determinada constelação de fatores fez isso mudar.
Muitos cientistas políticos dizem que a democracia 
brasileira abriu uma série de portas, e Bolsonaro conseguiu 
entrar. Movimentos de direita que começaram a despontar 
já nos protestos de junho de 2013 ganharam força e maior 
organização com os protestos exigindo o impeachment de 
Dilma Rousseff, realizados entre 2015 e 2016. Além do 
impeachment, os fatores que prepararam o terreno para 
a eleição de Bolsonaro incluíram a escalada do crime no 
Brasil – com 63 mil mortes violentas no país, em 2017 –, 
a lenta recuperação da recessão econômica em que o país 
mergulhou durante o governo Dilma e os escândalos de 
corrupção revelados pela Lava Jato. Já Fernando Haddad, 
que foi oficializado como substituto de Lula menos de um 
mês antes do primeiro turno, teve um rápido crescimento 
nos primeiros dias, mas logo esbarrou na grande rejeição 
ao PT. Apesar de ter passado para o segundo turno, Had-
dad não superou Bolsonaro na rodada final.
A candidatura de Bolsonaro foi impulsionada por 
promessas de tolerância zero com o crime e a corrupção, 
de colocar a economia nos trilhos, de governar sem o “to-
ma-lá-dá-cá“ de Brasília, de enxugar a máquina adminis-
trativa e de expurgar o Partido dos Trabalhadores do po-
der. Também apelou ao forte sentimento antipetista com 
ataques verbais violentos durante a campanha – falando, 
por exemplo, em “fuzilar a petralhada“ e prometendo 
que “esses marginais vermelhos serão banidos de nossa 
pátria“, em discurso ao vivo pelo celular a uma semana 
do segundo turno. A bancada evangélica foi parte do tripé 
que sustentou sua candidatura. Ele subiu com o apoio das 
bancadas “BBB“ no Congresso – representando a “bala“ 
(defensores do acesso às armas), o “boi“ (agronegócio) e 
a “Bíblia“ (evangélicos).
O ministério que Bolsonaro construiu ao seu re- 
dor reflete suas raízes militares, a agenda conservadora 
no âmbito dos costumes, acenos às bancadas evangéli-
cas, da bala e ruralista e o alinhamento ideológico à di-
reita, com dois nomes indicados pelo filósofo Olavo de 
Carvalho, um “guru“ do pensamento conservador emer-
gente no país.
Os contingenciamentos no orçamento das uni-
versidades federais anunciado pelo MEC causaram os 
primeiros grandes protestos contra Bolsonaro em 15 
de maio de 2019 com um conjunto de manifestações 
e greves no ensino no contexto de cortes em pesquisa 
e educação anunciados pelo governo. Principalmente a 
União Nacional dos Estudantes(UNE) e os sindicatos 
convocaram as manifestações, às quais aderiram outras 
entidades e instituições. Os protestos relacionam-se aos 
bloqueios no orçamento da educação e da pesquisa, de-
cretados pelo ministro Abraham Weintraub. Na educação, 
os cortes do governo alcançam 7,4 bilhões de reais. In-
vestimentos em pesquisa, como bolsas da Coordenação 
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CA-
PES), foram cortados. Enquanto as polícias militares dos 
estados não estimaram o número de manifestantes, a 
UNE afirmou que houve 1,5 milhão de pessoas nas ruas 
em mais de 200 cidades de todos os estados do país e 
Distrito Federal (DF).
No dia 30 de maio, as manifestações estudantis 
se repetiram e foram registrados protestos em, pelo me-
nos, 126 cidades de 25 estados e do DF. O Ministério 
da Educação (MEC) reagiu e emitiu, no mesmo dia da 
segunda onda de manifestações, uma nota oficial em que 
14
afirma que "professores, servidores, funcionários, alunos, 
pais e responsáveis não estão autorizados a divulgar e 
estimular protestos durante o horários escolar". Segundo 
o comunicado da pasta, "nenhuma instituição de ensi-
no pública tem prerrogativa legal para incentivar movi-
mentos político-partidários e promover a participação 
de alunos em manifestações". No dia 31, no entanto, o 
Ministério Público Federal (MPF) recomendou que a nota 
fosse cancelada em até dez dias e exigiu que o MEC pro-
mova uma "imediata retratação pública", determinando 
ainda que o ministério não tente cercear a liberdade dos 
professores, estudantes, servidores e pais e respeite "ma-
nifestação livre de ideias e divulgação do pensamento 
nos ambientes universitários, de universidades públicas e 
privadas e Institutos Federais de Ensino.
Depois de 17 meses, entre controvérsias como mi-
nistros investigados e com currículos falsos, o caso Quei-
roz, as candidaturas de fachada do PSL, a indicação do 
filho, Eduardo Bolsoonaro, como embaixador nos EUA, 
os desmatamentos e incêndios na Amazônia, houve tam-
bém a tentativa de interferência na Polícia Federal
Em agosto, Bolsonaro anunciou que o comando 
da Polícia Federal no Rio de Janeiro seria trocado por 
questões de "gestão e produtividade". Uma nota oficial 
da PF, no entanto, negou problemas de desempenho da 
chefia. O superintendente da PF no Rio era o delegado 
federal Ricardo Saadi e o nome escolhido pelo diretor-
-geral da PF, Maurício Valeixo, para substituir Saadi seria 
o do delegado Carlos Henrique Oliveira Sousa, superin-
tendente em Pernambuco. No entanto, após a PF indicar 
publicamente o escolhido, Bolsonaro afirmou que o indi-
cado seria, na verdade, o superintendente no Amazonas, 
Alexandre Silva Saraiva, e emendou sua declaração afir-
mando que "quem manda sou eu". No mesmo dia, en-
tretanto, Bolsonaro disse que a decisão final "tanto faz". 
Historicamente, a escolha de superintendentes era feita 
pelo diretor-geral, sem ingerência do governo. Por isso, 
delegados chegaram a cogitar um pedido de demissão 
coletiva e o presidente da Associação Nacional de Dele-
gados de Polícia Federal (ADPF), Edvandir Felix de Paiva, 
afirmou que a influência do presidente deveria se limitar 
à escolha do diretor-geral. A PF manteve a escolha de 
Sousa para o cargo no Rio. 
No dia 24 de abril de 2020, Sérgio Moro deixou 
o Ministério da Justiça após anunciar a sua demissão em 
um pronunciamento oficial depois de um ano e quatro 
meses no cargo. A decisão teria sido motivada pela exo-
neração do diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Va-
leixo, por parte do presidente da República, sem o conhe-
cimento do ministro. Segundo Moro, Bolsonaro lhe teria 
dito que desejava indicar para a direção da PF alguém 
de seu contato pessoal, de quem pudesse receber infor-
mações sobre investigações em andamento no Supremo 
Tribunal Federal. Moro afirmou ainda que não havia assi-
nado o decreto de exoneração, embora seu nome tenha 
sido incluído na publicação, que é a assinatura digital do 
documento. Declarou também que o presidente não ha-
via apresentado justificativa para a troca do comando da 
PF, descumprindo o compromisso de que teria concedido 
"carta branca" para fazer nomeações.
Outra fato impactante dentro do governo de Bol-
sonaro veio com a chegada da pandemia do novo Coro-
navírus ao país, que gerou uma tensão entre o presidente 
e o ministro da saúde, Henrique Mandetta. Enquanto o 
presidente Bolsonaro defende o isolamento vertical, mé-
todo que consiste em isolar o grupo de risco como por 
exemplo idosos, o ministro defende o isolamento hori-
zontal, isolamento total (método usado pela maioria dos 
países). No dia 2 de abril, o presidente chegou a dizer em 
entrevista que "falta humildade" a Mandetta e que ne-
nhum ministro é "indemissível". Mandetta permaneceu 
no cargo até 16 de abril de 2020, quando foi exonerado 
e substituído pelo médico oncologista Nelson Teich.
Em 28 de abril de 2020, dia em que o Brasil atin-
giu a marca de 5 mil mortes registradas por COVID-19, 
Bolsonaro se envolveu em outra polêmica. Ao ser ques-
tionado sobre o número de mortes no Brasil ter ultrapas-
sado o da China, respondeu "E daí? Lamento. Quer que 
eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre". A 
declaração foi criticada por profissionais da área da saú-
de, jornalistas, intelectuais e movimentos sociais.
Uma breve retrospectiva da 
política latino-americana
Como pudemos observar, o tema corrupção foi 
uma das principais bandeiras das campanhas eleitorais. 
E foi por denúncias de corrupção e compra de votos 
para impedir um impeachment que o presidente do 
Peru, Pedro Pablo Kuczynski apresentou sua carta de 
renúncia ao congresso peruano, e um novo presidente 
tomou posse: o vice Martín Vizcarra. Desde outubro de 
2017, Vizcarra também era embaixador do Peru no Ca- 
nadá e, portanto, estava baseado em Ottawa, capital do 
país norte-americano.
15
PPK renunciou às vésperas de o congresso vo- 
tar, pela segunda vez em três meses, sua destituição. 
As acusações são que ele teria “permanente incapaci- 
dade moral” de presidir o país, o que, por lei, é motivo 
para retirá-lo do cargo. A razão seriam laços irregulares 
de PPK com a construtora brasileira Odebrecht. Mas o 
que motivou mesmo a renúncia foram vídeos em que 
parlamentares da oposição tratam de compras de voto 
com integrantes do governo, para votar a favor de PPK 
no primeiro processo de impeachment, em dezembro 
de 2017. O deputado Kenji Fujimori é um dos que apa- 
recem nos vídeos. A divulgação foi por conta do seu 
partido, Força Popular, liderado por Keiko Fujimori, sua 
irmã e desafeto político. Keiko nega ser responsável 
pela gravação e divulgação.
.
Protesto na capital Lima
No Peru, é proibida a reeleição presidencial. Se 
concluir o atual mandato, Vizcarra governará até 2021. 
Ainda é incerto se seu governo conseguirá passar incó-
lume aos casos de corrupção no país, e se ele garantirá 
governabilidade diante de um congresso com maioria 
opositora. No entanto, uma coisa é certa: é grande a 
mudança no perfil de quem está no comando do Peru.
No sistema político peruano, uma série de nor-
mas dá ao congresso o poder de desaprovar um minis-
tro e, por lei, ele precisa renunciar em até 72 horas. Isso 
pode ocorrer também com toda a equipe ministerial de 
uma só vez. Em um governo com minoria parlamentar, 
como o de PPK e o de Vizcarra, essa prerrogativa do 
congresso pode gerar instabilidade e crises políticas.
O clima social e político é ainda mais grave na 
Nicarágua, onde os protestos estudantis e de grupos de 
oposição foram e continuam a ser violentamente repri-
midos pelo governo do presidente Daniel Ortega, cada 
vez mais isolado da comunidade internacional.
Como visto as diversas alternâncias políticas à 
direita coincidem com a virada à esquerda de uma das 
maiores democracias da região. A consolidação das ins-
tituições democráticas em diversos países coincide com 
os desafios a ela ou com a deterioração continuada da 
democracia em outros.

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