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Autoras: Profa. Marina de Freitas Silva Profa. Michele Georges Issa Profa. Michelle Maria Gonçalves Barão de Aguiar Profa. Sabrina da Silva Sabo Colaboradores: Prof. Juliano Rodrigo Guerreiro Prof. Luiz Henrique Cruz de Mello Controle de Qualidade de Produtos Farmacêuticos Professoras conteudistas: Marina de Freitas Silva / Michele Georges Issa / Michelle Maria Gonçalves Barão de Aguiar / Sabrina da Silva Sabo © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) S586c Silva, Marina de Freitas. Controle de Qualidade de Produtos Farmacêuticos / Marina de Freitas Silva, Michele Georges Issa, Michelle Maria Gonçalves Barão de Aguiar, Sabrina da Silva Sabo. – São Paulo: Editora Sol, 2022. 216 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Controle. 2. Qualidade. 3. Validação. I. Silva, Marina de Freitas. II. Issa, Michele Georges. III. Aguiar, Michelle Maria Gonçalves Barão de. IV. Sabo, Sabrina da Silva. V. Título. CDU 615.1 U515.01 – 22 Marina de Freitas Silva Farmacêutica-bioquímica pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FCFRP-USP), mestre (2009) e doutora (2014) em Ciências pelo Programa de Fármaco e Medicamentos da FCF-USP, com ênfase em Biofarmácia e Farmacotécnica. Atualmente, é docente do curso de graduação em Farmácia e pós-graduação em Farmácia Clínica na Universidade Paulista. Docente do programa de pós-graduação do Instituto Racine e analista de bioequivalência na Hypera. Possui experiência em estudos de bioequivalência, biofarmacotécnica, correlação in vitro – in vivo (Civiv), modelagem farmacocinética in silico, desenvolvimento de formulações e desenvolvimento analítico e bioanalítico. Michele Georges Issa Farmacêutica (2007), mestre (2011) e doutora (2016) pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP), com estágio na University of East Anglia, Reino Unido. Foi analista de desenvolvimento analítico e farmacotécnico na Libbs Farmacêutica e atualmente é pós-doutoranda na FCF-USP, trabalhando em projetos de pesquisa no Laboratório de Desenvolvimento e Inovação Farmacotécnica (Deinfar). Atua como docente na Universidade Paulista desde 2010 e como professora colaboradora na FCF-USP desde 2020. Possui experiência em desenvolvimento de formulações, pré-formulação, dissolução e delineamento experimental. Michelle Maria Gonçalves Barão de Aguiar Farmacêutica (2003) e mestre em Ciências Farmacêuticas (2007) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutora em Ciências (2016) pelo Programa de Fármaco e Medicamentos da Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, é docente no curso de Farmácia da Universidade Paulista, orientadora de projetos de pesquisa de iniciação científica na mesma instituição e revisora do periódico Brazilian Journal of Pharmaceutical Sciences. Possui experiência nas áreas de controle de qualidade e tecnologia farmacêutica, com ênfase em temas como sólidos, sistemas farmacêuticos e mucoadesivos. Sabrina da Silva Sabo Farmacêutica pela Universidade São Francisco (USF) em 2009, possui especialização lato sensu em Microbiologia Ambiental e Industrial pela Sociedade Brasileira de Microbiologia (2011-2012), doutorado em Ciências pelo departamento de Tecnologia Bioquímico-Farmacêutica da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (2017) e pós-doutorado em Microbiologia Aplicada pela mesma instituição (2018). Docente na Universidade Paulista no curso de Farmácia desde 2019. Trabalhou durante sete anos (2005-2012) no Laboratório Universitário de Análises Clínicas do Hospital Universitário São Francisco (Bragança Paulista-SP), três dos quais atuou como responsável técnica pela unidade de microbiologia. Possui experiência com microbiologia clínica e industrial, sobretudo em processos biotecnológicos, com ênfase em bioprospecção e fermentação, bem como produção, purificação e aplicação de biomoléculas de interesse industrial. Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Profa. Sandra Miessa Reitora em Exercício Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini Vice-Reitora de Administração Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia Vice-Reitor de Extensão Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades do Interior Unip Interativa Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Angélica L. Carlini Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. Deise Alcantara Carreiro Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Lucas Ricardi Bruna Baldez Jaci Albuquerque Sumário Controle de Qualidade de Produtos Farmacêuticos APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................ 10 Unidade I 1 CONCEITOS BÁSICOS EM CONTROLE DE QUALIDADE ...................................................................... 11 1.1 Sistema da qualidade farmacêutica ............................................................................................ 11 1.1.1 O gerenciamento de qualidade e a garantia da qualidade.................................................... 13 1.1.2 Boas práticas de fabricação de medicamentos (BPF) .............................................................. 14 1.1.3 Controle de qualidade ......................................................................................................................... 16 1.2 Legislações relacionadas ao controle de qualidade ............................................................... 18 2 ANÁLISE FARMACOPEICA E ESPECIFICAÇÕES DA QUALIDADE ..................................................... 20 2.1 Especificações ........................................................................................................................................ 20 2.1.1 Especificações para matérias-primas ............................................................................................. 23 2.1.2 Especificações para materiais de embalagem ............................................................................. 24 2.1.3 Especificações para produtos intermediários e produtos a granel..................................... 25 2.1.4 Especificações para produtos acabados ........................................................................................ 25 2.2 Padrões de referência e substâncias químicas de referência ............................................. 27 2.3 Monografias .......................................................................................................................................... 28 2.4 Validação de método analítico ...................................................................................................... 30 3 AMOSTRAGEM .................................................................................................................................................. 31 3.1 Tipos de amostragem .......................................................................................................................... 33 3.2 Plano de amostragem .........................................................................................................................34 3.3 Técnicas de amostragem ................................................................................................................... 37 3.4 Preparo de amostras ........................................................................................................................... 38 3.4.1 Cálculos empregados no preparo das amostras ......................................................................... 41 4 MÉTODOS DE ANÁLISE DE MATERIAIS DE EMBALAGEM................................................................. 45 Unidade II 5 CONTROLE DE QUALIDADE DE MATÉRIAS-PRIMAS .......................................................................... 56 5.1 Ensaios de identificação .................................................................................................................... 56 5.1.1 Análise das características organolépticas ................................................................................... 56 5.1.2 Ensaios analíticos de identificação .................................................................................................. 57 5.2 Ensaios de pureza ................................................................................................................................. 62 5.2.1 Determinação do pH ............................................................................................................................. 62 5.2.2 Impurezas orgânicas: substâncias relacionadas ......................................................................... 63 5.2.3 Impurezas inorgânicas .......................................................................................................................... 65 5.3 Ensaios de doseamento ..................................................................................................................... 68 5.3.1 Métodos não instrumentais ............................................................................................................... 68 5.3.2 Métodos instrumentais ........................................................................................................................ 73 6 CONTROLE DE PRODUTOS ACABADOS ................................................................................................... 76 6.1 Líquidos .................................................................................................................................................... 76 6.1.1 pH ................................................................................................................................................................. 77 6.1.2 Aspectos reológicos ............................................................................................................................... 78 6.1.3 Características organolépticas e sensoriais .................................................................................. 80 6.1.4 Limpidez das soluções ........................................................................................................................... 81 6.1.5 Determinação de volume .................................................................................................................... 81 6.1.6 Teste de gotejamento ............................................................................................................................ 82 6.2 Semissólidos ........................................................................................................................................... 82 6.2.1 Ensaios físicos ......................................................................................................................................... 84 6.2.2 Ensaios químicos ..................................................................................................................................... 92 6.2.3 Ensaios microbiológicos ....................................................................................................................... 94 6.3 Sólidos .....................................................................................................................................................100 6.3.1 Peso ............................................................................................................................................................100 6.3.2 Aspecto .....................................................................................................................................................101 6.3.3 Dureza .......................................................................................................................................................102 6.3.4 Friabilidade (aparelho: friabilômetro) ...........................................................................................103 6.3.5 Desintegração (aparelho: desintegrador) ....................................................................................103 6.3.6 Dissolução (aparelho: dissolutor) ...................................................................................................105 6.3.7 Teor do princípio ativo ........................................................................................................................108 6.3.8 Uniformidade de doses unitárias ...................................................................................................119 6.3.9 Granulometria ....................................................................................................................................... 120 6.3.10 Ângulo de repouso ............................................................................................................................ 122 6.3.11 Umidade: Karl Fischer ou perda por dessecação (avaliação da quantidade de água no produto evitando alterações no produto) .......................................................................... 123 6.3.12 pH ............................................................................................................................................................ 123 Unidade III 7 CONTROLE DE QUALIDADE MICROBIOLÓGICO .................................................................................130 7.1 Controle microbiológico de produtos estéreis .......................................................................131 7.1.1 Principais fontes de contaminação microbiana .......................................................................131 7.1.2 Microrganismos de interesse farmacêutico .............................................................................. 134 7.1.3 Cinética de morte microbiana: aspectos logarítmicos ......................................................... 136 7.1.4 Nível de segurança de esterilidade (Sterility Assurance Level – SAL) ............................. 138 7.1.5 Teste de esterilidade ........................................................................................................................... 143 7.1.6 Teste de pirogênio ............................................................................................................................... 148 7.1.7 Salas limpas ............................................................................................................................................ 157 7.2 Controle microbiológico de produtos não estéreis ..............................................................167 7.2.1 Amostragem, preparação da amostra e diluições seriadas decimais para análises microbiológicas .............................................................................................................................. 167 7.2.2 Teste de limite microbiano e métodos de contagem .............................................................171 7.2.3 Pesquisa de patógenos ...................................................................................................................... 179 8 VALIDAÇÃO ANALÍTICA ...............................................................................................................................1888.1 Conceitos e importância .................................................................................................................188 8.1.1 Conceitos e definições ....................................................................................................................... 188 8.2 Principais parâmetros de validação ............................................................................................190 8.2.1 Seletividade .............................................................................................................................................191 8.2.2 Especificidade .........................................................................................................................................191 8.2.3 Precisão .................................................................................................................................................... 192 8.2.4 Exatidão ................................................................................................................................................... 192 8.2.5 Linearidade ............................................................................................................................................. 194 8.2.6 Limite de detecção .............................................................................................................................. 195 8.2.7 Limite de quantificação ..................................................................................................................... 196 8.2.8 Robustez .................................................................................................................................................. 196 8.2.9 Efeito matriz .......................................................................................................................................... 198 8.2.10 Estabilidade .......................................................................................................................................... 198 8.3 Validação de métodos microbiológicos .....................................................................................198 9 APRESENTAÇÃO Desde sempre a qualidade é um aspecto inerente à atividade produtiva. A partir do momento em que a fabricação de produtos farmacêuticos toma escalas ampliadas, ferramentas que auxiliam o controle da produção vão sendo desenvolvidas paralelamente ao surgimento de técnicas analíticas mais apuradas. Nesse sentido, o controle de qualidade – ferramenta da garantia da qualidade no contexto das boas práticas de fabricação (BPF) – é uma área extremamente abrangente e aplicável tanto na indústria farmacêutica quanto na farmácia de manipulação. Este livro-texto foi organizado de modo que seja inicialmente dada uma visão geral do controle de qualidade. Após discussão dos conceitos fundamentais, uma abordagem sobre análise farmacopeica e estabelecimento de especificações é apresentada, além de considerações sobre amostragem e preparo de amostras, sendo a unidade I finalizada com os métodos empregados para a avaliação de materiais de embalagem. A unidade II traz os métodos analíticos destinados à avaliação da qualidade de matérias-primas e produtos acabados, que foram divididos em produtos líquidos, semissólidos e sólidos. Neste ponto, são enfatizados os ensaios físico-químicos, alguns farmacopeicos e outros relativos ao próprio produto, sendo considerados não oficiais. O controle de qualidade microbiológico é abordado na unidade III, com a divisão dos produtos em estéreis e não estéreis. Será feita uma discussão dos principais testes microbiológicos empregados, além dos aspectos dos processos de esterilização e produção em ambientes controlados. Considerando que um método analítico deve ser desafiado de modo a demonstrar a sua adequabilidade à finalidade pretendida, no tópico final do livro-texto serão tratados os aspectos das validações de metodologia analítica e de ensaios microbiológicos. Ao passar por todo o conteúdo do livro-texto, o aluno terá uma boa noção do controle de qualidade de produtos manipulados e especialidades farmacêuticas. 10 INTRODUÇÃO Prezado aluno, A qualidade é questão fundamental na manipulação e produção de medicamentos e cosméticos. Dentro desse contexto, reside uma das principais atribuições do profissional farmacêutico: o controle de qualidade. Dada a sua importância, análises para atestar a qualidade, sejam elas de caráter físico-químico ou microbiológico, são realizadas em todas as fases da cadeia produtiva, desde a avaliação dos insumos, passando pelos produtos semiacabados e terminados. O farmacêutico é peça fundamental nesse processo, atuando diretamente na realização das análises. É de extrema relevância o desenvolvimento de habilidades para a execução de ensaios analíticos e interpretação de resultados, além do conhecimento das ferramentas relacionadas ao funcionamento e implantação do sistema de gerenciamento da qualidade e à aplicação das boas práticas de fabricação e das boas práticas de laboratório. Tendo em vista a importância dessas habilidades, o presente livro-texto foi elaborado com o intuito de convidá-lo a mergulhar nesse cenário, de modo que os princípios do controle de qualidade não apenas façam parte de sua vivência acadêmica, mas também sirvam de inspiração para a tomada assertiva de decisões na sua vida profissional. Esperamos que faça um bom proveito. Bons estudos! 11 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Unidade I 1 CONCEITOS BÁSICOS EM CONTROLE DE QUALIDADE A qualidade pode ser conceituada como um grupo de propriedades esperadas de um determinado produto. Quando esse produto é um medicamento, o campo de estudo que avalia tal quesito é chamado de controle de qualidade. Assim, o controle de qualidade é uma área dentro das ciências farmacêuticas que se apresenta como indispensável na produção de medicamentos. O conceito de qualidade em outras áreas produtivas pode refletir competitividade, satisfação do consumidor e preferências do usuário a um produto; porém, no caso de produtos farmacêuticos, é uma obrigação do fabricante assegurar sua qualidade (de acordo com a legislação sanitária). Isso porque tais produtos podem comprometer a saúde dos que fazem uso deles caso não atendam às especificações. A obrigatoriedade da qualidade em medicamentos deve ser cumprida e estar de acordo com a legislação sanitária vigente. A agência reguladora em território nacional é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável por redigir os atos normativos que orientam os estabelecimentos produtores de medicamentos. A produção de medicamentos, bem como as diretrizes da avaliação da qualidade, é norteada no Brasil pelas Resoluções RDC n. 301, de 21 de agosto de 2019 (a qual versa sobre as boas práticas de fabricação de medicamentos), e n. 67, de 8 de outubro de 2007 (que trata das boas práticas de manipulação de preparações magistrais e oficinais para uso humano em farmácias). A primeira refere-se ao setor industrial e a segunda, ao setor magistral. Todavia, não são apenas essas legislações que abordam a qualidade dos medicamentos, como poderá ser visto ao longo do livro-texto. A qualidade na produção de medicamentos refere-se a atender aos requisitos mínimos de qualidade, autenticidade e pureza dos produtos e das matérias-primas (insumos farmacêuticos ativos e excipientes). Esses requisitos, denominados especificações, estão estabelecidos em um compêndio farmacêutico oficial denominado Farmacopeia Brasileira, que atualmente encontra-se na 6ª edição, a qual foi publicada em 2019. 1.1 Sistema da qualidade farmacêutica Na indústria farmacêutica, para que a qualidade seja garantida e os produtos sejam confiáveis, deve ser implementado o sistema da qualidade farmacêutica. Esse sistema tem como objetivo estabelecer um modelo eficaz de gestão da qualidade para a indústria farmacêutica referente ao Guia Q10de Conselho Internacional sobre Harmonização de Requisitos Técnicos em Produtos Farmacêuticos para Uso Humano (em inglês, International Conference on Harmonisation of Technical Requirements for Registration of Pharmaceuticals for Human Use, ou ICH). O ICH congrega autoridade em todo o mundo 12 Unidade I na regulação de medicamentos e seus fabricantes. Assim, a Anvisa faz parte do ICH, o que permite sua participação na harmonização da legislação sanitária nacional com a legislação internacional. O sistema da qualidade farmacêutica foi um modelo proposto pelo ICH considerando os conceitos de qualidade da Organização Internacional de Padrões (em inglês, International Standards Organization, ou ISO). O objetivo é que esse modelo de sistema de qualidade possa ser implementado pelos fabricantes de medicamentos nas diferentes fases de vida do produto final. Apesar de o sistema da qualidade farmacêutica ter sido proposto por uma entidade internacional – o ICH –, ele se encontra completamente contemplado na legislação brasileira sanitária, mais especificamente na Resolução RDC n. 301, de 2019. Na figura a seguir estão descritos os níveis da qualidade e como ocorrem as relações entre eles. Sistema da qualidade farmacêutica Gerenciamento da qualidade Boas práticas de fabricação Controle de qualidade Controle de qualidade físico-químico Controle de qualidade microbiológico Figura 1 – Níveis da qualidade e suas relações O sistema da qualidade farmacêutica deve conter as seguintes exigências: • ser documentado e monitorado, através de revisão gerencial do próprio sistema pela equipe designada, com fim de permitir o aperfeiçoamento constante das práticas realizadas; • possuir recursos apropriados e satisfatórios, como instalações, equipamentos e pessoal; • para implementar ou alterá-lo, devem ser considerados os princípios sobre gerenciamento de risco (entende-se como risco à saúde a probabilidade de ocorrência de efeitos adversos relacionados a objetos submetidos a controle sanitário, segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde) (BRASIL, 2007b). Além disso, para que um sistema da qualidade farmacêutica seja considerado satisfatório, deve assegurar diversos quesitos, alguns descritos no quadro a seguir, segundo a Resolução RDC n. 301, de 2019. Ainda, a qualidade na produção de medicamentos de uso humano apresenta níveis, os quais 13 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS estabelecem relações entre si, conforme descrito na figura anterior. Desse modo, pode-se observar que há o sistema da qualidade farmacêutica, o gerenciamento da qualidade, as boas práticas de fabricação e o controle de qualidade. Quadro 1 – Quesitos para um sistema da qualidade adequado, segundo a legislação sanitária vigente A criação do produto deve ser realizada por meio de projeto, planejamento, implementação, manutenção e melhora constante de um sistema, o qual possibilite a fabricação reprodutível dos medicamentos, com suas devidas propriedades de qualidade A criação de medicamentos e seu desenvolvimento devem considerar as boas práticas de fabricação As atividades relacionadas à produção e ao controle de medicamentos devem ser especificadas de forma compreensível e de acordo com as boas práticas de fabricação As responsabilidades gerenciais devem ser claras e especificadas Deve-se assegurar que a fabricação, o fornecimento e o uso das matérias-primas e materiais de embalagem sejam apropriados É necessário realizar a escolha e o monitoramento dos fornecedores, e verificar a conformidade de cada recebimento dos fornecedores previamente aprovados (qualificação de fornecedores) A qualificação de fornecedores relaciona-se com o conhecimento do material oferecido pelo fornecedor, o que impacta diretamente na qualidade dos medicamentos fabricados a partir dele Os resultados da monitorização de produtos e processos devem ser considerados para a aprovação dos lotes, bem como na pesquisa de desvios e controle para desempenho do processo e para a qualidade do produto Deve-se realizar os controles requeridos para os produtos intermediários e outros controles em processo e validações A comercialização e a distribuição de medicamentos devem ser realizadas após a avaliação de cada lote de produto produzido e controlado, de acordo com seu registro e as normas relacionadas à produção, ao controle e à liberação dos medicamentos, pela pessoa designada pelo sistema da qualidade farmacêutica É necessário implementar mecanismos que assegurem que o armazenamento, a distribuição e o transporte de medicamentos sejam realizados para manter a qualidade durante a vida útil É preciso prover um processo de autoinspeção que analise periodicamente a afetividade do sistema da qualidade farmacêutica Adaptado de: Brasil (2019a). Pode-se notar que o conceito de qualidade vai além de verificar e analisar as matérias-primas, os produtos intermediários (produtos parcialmente fabricados e que ainda precisam ser submetidos a mais etapas de produção antes de se tornarem um produto a granel), os produtos a granel (produtos que foram completamente processados, mas ainda não se encontram em sua embalagem primária), os produtos acabados e os materiais de embalagem. De fato, a qualidade é de responsabilidade da administração da empresa detentora da autorização de fabricação do produto e relaciona-se com toda participação das equipes em todos os níveis da organização e com todas as ações que, em última instância, podem impactar direta ou indiretamente as propriedades, a estabilidade, a eficácia e a segurança dos medicamentos fabricados pela empresa. 1.1.1 O gerenciamento de qualidade e a garantia da qualidade No quesito qualidade, há diversos termos e definições que devem ser esclarecidos para melhor compreensão de como traçar estratégias periódicas e revisões contínuas dos parâmetros da qualidade. Alguns deles serão apresentados a seguir. 14 Unidade I O gerenciamento de qualidade abrange todas as esferas da produção de medicamentos que podem influenciar em sua qualidade. Ele é representado pelo somatório de todas as ações e arranjos realizados pela empresa fabricante para garantir a qualidade exigida dos medicamentos e, assim, permitir seu uso com segurança. Ainda, o gerenciamento da qualidade incorpora as boas práticas de fabricação. É um conjunto de ações gerenciais que ditam como a empresa estabelece sua política de qualidade, contemplando objetivos, responsabilidades, planejamentos e controles. Já a garantia da qualidade pode ser entendida como um conjunto de procedimentos e processos que busca a prevenção de deformidades, falhas e erros, evitando qualquer tipo de retrabalho e desvios de qualidade. Isso porque os custos financeiro e humano para reparar os desvios são inegavelmente maiores do que aqueles para a realização de treinamento de pessoal, qualificação de fornecedores e controle de qualidade de insumos e produtos acabados – sem contar a imagem negativa que fica para parte da população quando os desvios levam a recall de produtos, problemas de saúde (que podem ser graves) e pagamento de indenizações. Segundo a Resolução RDC n. 301, de 2019, o desvio pode ser definido como o não cumprimento de exigências estabelecidas pelo sistema de gerenciamento da qualidade farmacêutica. Na indústria farmacêutica, há um grupo de profissionais contratados que formam um departamento ou setor, de acordo com cada empresa, responsáveis pela garantia da qualidade. Eles realizam a verificação das atividades de toda a organização que podem impactar direta ou indiretamente com a qualidade dos produtos ali fabricados, assegurando que as medidas necessárias sempre serão tomadas por parte de cada profissional para alcance da qualidade. Entre essas ações e profissionais, encontra-se o controle de qualidade, responsável por avaliar a qualidade de insumos, produtos intermediários, produtos a granel, produtos acabados e materiais de embalagem, de acordo com as especificações.Este será o assunto do tópico 2 deste livro-texto. 1.1.2 Boas práticas de fabricação de medicamentos (BPF) Diferentemente de outros países, como os Estados Unidos, o Brasil teve sua agência reguladora criada bem recentemente, através da Lei n. 9.782, de 26 de janeiro de 1999. Anteriormente à criação da Anvisa, o próprio Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Vigilância Sanitária, tinha a função de controlar, regulamentar e inspecionar a produção e as demais atividades relacionadas a medicamentos, além de outros produtos e serviços de interesse para a saúde. Como marco regulatório, a primeira legislação sanitária que vigorou no Brasil referindo-se às BPF foi a Portaria SVS/MS n. 16, de 6 de março de 1995. Essa portaria foi baseada no Guia de Boas Práticas de Fabricação para a Indústria Farmacêutica, que foi redigido a partir de um fórum promovido pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Após alguns anos, já sob a responsabilidade da Anvisa, essa portaria foi revogada, e a agência publicou a Resolução RDC n. 134, de 13 de julho de 2001, seu primeiro ato normativo sobre BPF. Nela, novamente, as orientações da OMS foram acatadas a respeito da certificação da qualidade de medicamentos, e o documento contou com um roteiro de inspeção. 15 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Posteriormente, a Resolução RDC n. 134 foi revogada, e a Anvisa publicou então a Resolução RDC n. 210, de 4 de agosto de 2003, trazendo os critérios de avaliação do roteiro de inspeção para os fabricantes de medicamentos, pautados no risco à qualidade e à segurança dos produtos farmacêuticos. Essa resolução ainda consolida a obrigatoriedade de validação de metodologia analítica. Na sequência, a Resolução RDC n. 210 foi revogada e a Resolução RDC n. 17, de 16 de abril de 2010, tomou seu lugar. A legislação de 2010 abordava, além das BPF, pontos específicos como validação, água para uso farmacêutico, medicamentos fitoterápicos, produtos biológicos e principalmente produtos estéreis. Apresentou, ainda, a obrigação da validação de sistemas computadorizados. Posteriormente, essa resolução também foi revogada. Atualmente, é a Resolução RDC n. 301, de 2019, e suas instruções normativas que regem as BPF. Assim, as empresas fabricantes de medicamentos devem segui-las. Essa legislação é diferente das anteriores, pois apresenta na própria resolução o sistema da qualidade farmacêutica, mas as demais normas e diretrizes foram redigidas em instruções normativas. Acredita-se que essa forma visa facilitar novas publicações e alterações, já que a instruções apresentam trâmites para alteração mais fáceis quando comparados aos das resoluções. As instruções normativas e suas ementas são: Instrução Normativa IN n. 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47 e 48, que dispõem de BPF complementares a medicamentos estéreis; insumos e medicamentos biológicos; medicamentos radiofármacos; gases substâncias ativas e gases medicinais; medicamentos fitoterápicos; atividades de amostragem de matérias-primas e materiais de embalagens utilizados na fabricação de medicamentos; medicamentos líquidos, cremes ou pomadas; medicamentos aerossóis pressurizados dosimetrados para inalação; sistemas computadorizados utilizados na fabricação de medicamentos; radiação ionizante na fabricação de medicamentos; medicamentos experimentais; medicamentos hemoderivados; atividade de qualidade e validação; amostras de referência e retenção, respectivamente. Assim, é sabido que todas as etapas realizadas em medicamentos, como armazenamento, distribuição e transporte, podem influenciar na sua qualidade. Todavia, é a fabricação um dos pontos mais críticos e, por isso, deve ser de grande atenção para a autoridade sanitária. As boas práticas de fabricação são normas aplicáveis às atividades de produção de medicamentos, incluindo aqueles destinados a ensaios clínicos, assim como o armazenamento e distribuição de produtos para saúde. Elas visam garantir que as indústrias farmacêuticas atendam às exigências de identidade, teor, qualidade e pureza dos medicamentos. Os regulamentos definem critérios para todas as atividades envolvidas na produção de medicamentos industrializados, desde a aquisição de insumos farmacêuticos até a comercialização dos produtos, e ainda não isentam o fabricante de suas responsabilidades, caso os medicamentos apresentem desvios de qualidade ao chegar ao consumidor final. Para tanto, as BPF abrangem diversas áreas dentro da indústria farmacêutica, tais como as listadas a seguir. 16 Unidade I • Métodos: fabricação de produtos; validação de métodos; procedimentos apropriados; análises de insumos; produtos acabados, intermediários e a granel. • Equipamentos e infraestrutura: manutenção periódica; qualificação; limpeza; uso correto do maquinário; controle ambiental. • Insumos farmacêuticos: qualidade dos insumos farmacêuticos ativos, excipientes e materiais de embalagem; qualificação de fornecedores; atendimento às especificações para compra de materiais. • Pessoal: pessoal qualificado para desempenho de suas atividades; treinamentos e capacitação; infraestrutura adequada para o exercício de suas atividades. • Documentação: registro de todas as atividades realizadas. Para além disso, as BPF fazem parte do gerenciamento da qualidade e garantem que os medicamentos sejam continuamente produzidos e controlados, considerando os possíveis desvios de qualidade, quando esses são comparados ao pretendido e requerido à autoridade sanitária no registro do produto, na autorização para uso em ensaio clínico ou na especificação do produto. Desse modo, o cumprimento das BPF visa à diminuição de riscos inerentes a qualquer produção farmacêutica, os quais não podem ser detectados apenas em ensaios feitos em produtos acabados pelo controle de qualidade. 1.1.3 Controle de qualidade A qualidade dos medicamentos resulta em três propriedades essenciais que os medicamentos devem possuir: segurança, eficácia e estabilidade. A averiguação da qualidade exige que os profissionais que nela atuam tenham conhecimentos sólidos de diversas áreas. Sendo assim, o controle de qualidade de medicamentos é uma atividade privativa do profissional farmacêutico, segundo o Conselho Federal de Farmácia (CFF, 2002). Ainda, a administração superior das empresas fabricantes de medicamentos deve designar o responsável pelo controle de qualidade e este deve ter independência em relação ao responsável pela produção, para que não ocorram possíveis conflitos de interesse entre a produção e o controle. Ademais, o responsável pelo controle de qualidade tem como atribuições: aprovar ou reprovar matérias-primas, materiais de embalagem, produtos intermediários, a granel e acabados; aprovar as especificações, procedimentos de amostragem e métodos de análise do controle de qualidade; garantir treinamento e capacitação do pessoal que atua no controle de qualidade; avalizar que as validações obrigatórias sejam feitas; e assegurar que os ensaios necessários sejam feitos e devidamente documentados. Também é uma obrigatoriedade que a empresa detentora de registro de medicamentos tenha um departamento de controle de qualidade que conte com um ou mais laboratórios, infraestrutura, material e pessoal para o desempenho das atividades estabelecidas pela legislação sanitária vigente. O controle de qualidade é a parcela das boas práticas de fabricação e refere-se à coleta de amostras, às especificações e à realização de testes. Ainda compete a ele a organização, a documentação e os 17 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS procedimentos de liberação, os quais asseguram que os ensaios necessários e indispensáveis serão efetuados e que os materiais serão liberados para uso, ou os produtos serão liberados para comercialização e/ou distribuição, apenas quando sua qualidade for devidamente comprovada. Dessa forma, é o controle de qualidade o responsável por avaliar a qualidade das matérias-primasque serão empregadas para a fabricação dos medicamentos, bem como os materiais de embalagem e os medicamentos ali fabricados. Também é de sua responsabilidade realizar e monitorar os estudos de estabilidade dos produtos acabados. Para tanto, o controle de qualidade deve cumprir requisitos mínimos para averiguar adequadamente esses produtos, conforme a Resolução RDC n. 301, de 2019. Os requisitos são apresentados a seguir. • Possuir instalações apropriadas (infraestrutura, espaço, equipamentos, reagentes, materiais, utensílios, vidrarias, entre outras) na forma de laboratório, pessoal capacitado e treinado e procedimentos aprovados (devem estar acessíveis para amostragem e ensaio de matérias-primas, materiais de embalagem, produtos intermediários, a granel e acabados). • Recolher e manter em sua guarda amostras de matérias-primas, produtos acabados, intermediários, a granel e materiais de embalagem. • Ter métodos analíticos validados (a validação de metodologia analítica deve ser realizada conforme a Resolução RDC n. 166, de 24 de maio de 2017, e definida como a avaliação e sua comprovação de um método usando ensaios experimentais que confirmem e concedam resultados de que os requisitos para o uso de tal método são seguros e confiáveis), de acordo com a legislação sanitária vigente. • Documentar (manual ou eletronicamente) os procedimentos realizados de amostragem, inspeção e testes, e garantir que os desvios, se existirem, sejam categoricamente documentados e averiguados. • Ter guarda de amostras de referências de matérias-primas e produtos acabados para análises futuras, caso necessárias, e que devem ser mantidos de acordo com suas características e em conformidade à instrução normativa própria. • Garantir que todos os lotes só sejam liberados para comercialização e/ou distribuição após a sua certificação por pessoa encarregada do Sistema de Gestão da Qualidade. • Registrar os resultados dos ensaios feitos em produtos terminados, a granel, intermediários, materiais de embalagem e matérias-primas, segundo as suas especificações. • Registrar os resultados de inspeção. Tendo o departamento de controle de qualidade todo o aparato necessário para o desempenho adequado de suas atividades, suas obrigações dentro da indústria farmacêutica estão descritas no quadro a seguir. 18 Unidade I Quadro 2 – Atividades desempenhadas pelo departamento de controle de qualidade Assegurar a precisa etiquetagem dos recipientes onde serão acondicionados materiais e produtos Monitorar os estudos de estabilidade (curta e longa duração) de produtos acabados Participar da investigação de reclamações feitas à empresa sobre problemas de qualidade de medicamentos Supervisionar o controle de referência e/ou retenção de amostras de materiais e produtos Essas atividades desempenhadas pelo departamento de controle de qualidade são divididas em duas áreas a depender das análises. Quando os testes são de caráter físico e/ou químico, como o doseamento de insumo farmacêutico ativo ou desintegração de comprimidos, eles são feitos pelo controle de qualidade físico-químico. Já quando os ensaios são de caráter microbiológico, como contagem de microrganismos presentes em um produto não estéril, são realizados pelo controle de qualidade microbiológico. Ao longo deste livro-texto, serão descritos detalhadamente os aspectos físicos, químicos e microbiológicos das análises que devem ser realizadas para garantir que os produtos acabados apresentem a qualidade desejada pelos pacientes, e que esta seja uma obrigatoriedade do fabricante de medicamentos. 1.2 Legislações relacionadas ao controle de qualidade Segundo Abbagnano (2007), lei pode ser definida como uma regra categoricamente necessária, ou seja, quando é impossível que o fato ocorra de outro modo ou ainda quando há uma força que permita que determinado ato seja realizado de dada maneira. No Brasil, a Constituição Federal de 1988, conhecida como Carta Magma, é a lei fundamental e suprema, sendo considerada a base de todo ordenamento jurídico nacional. Todas as legislações e atos normativos devem estar de acordo com ela, sem afrontar a lei maior, pois podem ser considerados inconstitucionais. A legislação é regida por uma hierarquia jurídica, ou seja, há um ordenamento de como cada ato normativo é submetido a um ato maior a ele, até que se alcance a Constituição Federal. Todavia, essa visão não parece ser unânime e há juristas que julgam a inexistência de tal interpretação. A Constituição Federal, no artigo 200, atribui ao Sistema Único de Saúde (SUS) a competência de controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para saúde e participar da produção de medicamentos. Então, segundo a própria Constituição, são deveres do estado, através do SUS, o controle e a fiscalização de matérias-primas e produtos acabados que possam trazer riscos à saúde das pessoas, tais como medicamentos, correlatos e cosméticos, bem como os processos para fabricação, controle, distribuição e comercialização. Nota-se que no âmbito do SUS, para realizar essas atribuições, foi constituída a Anvisa. Para o cumprimento da lei fundamental, vários atos normativos foram elaborados e vigoram para garantir a saúde da população brasileira. A Constituição Federal não contém o detalhamento das regras 19 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS que devem ser seguidas, mas ela promove a base para que legislações possam ser redigidas e mostra como os processos devem ser realizados. Há as leis complementares, as leis ordinárias, as medidas provisórias, os decretos-leis, os decretos, as resoluções, as portarias, as instruções normativas e as resoluções do CFF. Ainda, os atos legais podem perder sua validade e partes deles podem deixar de valer. Quando isso ocorre, diz-se que o ato ou parte dele foi revogado – logo, esse ato não deve ser mais seguido. Em geral, quando essa situação ocorre, um novo ato já foi feito. Assim, diz-se que o novo ato está vigente – isto é, está valendo – e deve ser obrigatoriamente seguido. Por fim, as legislações podem ser das esferas federal, estadual e municipal. Logo, um ato legal estadual não pode ser mais exigente que um ato federal, assim como um ato municipal não pode ser mais restrito que atos estaduais e federais. O ato federal tem validade em todo o território nacional, bem como o ato estadual se restringe ao seu estado de origem e o ato municipal, ao seu município. As leis complementares são aquelas que, como o nome sugere, complementam a Constituição Federal. Elas regulamentam matérias importantes e presentes na Constituição e assumem, assim, o caráter de lei constitucional. Ainda, apresentam maior valor que outras leis, exceto a própria Constituição. Sem elas, certos dispositivos constitucionais não podem ser aplicados por falta de detalhamento na lei suprema. São aprovadas pelo Congresso Nacional (deputados e senadores) por maioria absoluta. Já as leis ordinárias são as leis propriamente ditas, ou seja, as demais leis, e nelas são abordadas matérias que não são previstas na Constituição Federal. Devem ser aprovadas pelo Congresso Nacional para serem validadas e por maioria simples. No caso do controle de qualidade, as leis relacionadas são as ordinárias. São elas: Lei n. 5.991, de 17 de dezembro de 1973 (dispõe sobre o controle sanitário de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, e dá outras providências); Lei n. 6.360, de 23 de setembro de 1976 (dispõe sobre a vigilância sanitária a que ficam sujeitos os medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e os correlatos, cosméticos, saneantes e outros produtos, e dá outras providências); Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990 (trata da organização e funcionamento dos serviços de saúde); Lei n. 9.695, de 20 de agosto de 1998 (dispõe sobre a falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produtos medicinais como crime hediondo); Lei n. 9.787, de 26 de janeiro de 1999 (define oSistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e dá outras providências); Lei n. 9.787, de 10 de fevereiro de 1999 (altera a Lei n. 6.360, de 23 de setembro de 1976, que dispõe sobre a vigilância sanitária, estabelece o medicamento genérico). As resoluções são determinações que indicam o ato pelo qual o poder público decide, impõe uma ordem ou estabelece uma medida, e partem de órgãos colegiados (como a Anvisa). Elas dispõem de questões administrativas ou regulamentares. No que se refere ao controle de qualidade, há diversas resoluções vigentes que abordam diversos temas de atuação, como: boas práticas de fabricação de medicamentos, uso de compêndios internacionais, validação de metodologia analítica, estudo de estabilidade, entre outros. Logo, os profissionais dessa área devem estar sempre atentos às legislações que permeiam sua atuação e acompanhar novas publicações, alterações ou vigência. 20 Unidade I 2 ANÁLISE FARMACOPEICA E ESPECIFICAÇÕES DA QUALIDADE Os requisitos para quaisquer medicamentos, independentemente do tipo e do modo de produção, são segurança, eficácia e qualidade. Quando se trata de qualidade de medicamentos, sua avaliação deve ser objetiva, norteada por limites específicos e preestabelecidos pela autoridade sanitária do país, compreendidos em um compêndio oficial e em legislações sanitárias vigentes. Desse modo, os insumos farmacêuticos ativos (IFA), excipientes, materiais de embalagem, produtos intermediários, produtos a granel e produtos acabados devem ser categoricamente avaliados quanto a sua qualidade. Essa avaliação é realizada tendo como parâmetros as especificações, as quais determinarão se os insumos, materiais de embalagem, produtos intermediários, produtos a granel e produtos acabados estão aptos para o consumo. No caso dos insumos e materiais de embalagem, sua qualidade deve ser avaliada antes de serem empregados na produção de medicamentos, para garantir que estejam apropriados para a produção de medicamentos. Já para os produtos acabados, sua qualidade também deve ser analisada para verificar se são adequados para o uso da população e garantir que não haverá problemas aos pacientes devido a questões de qualidade. Nota-se, então, que é de extrema importância estabelecer os requisitos que vão assegurar que os insumos farmacêuticos ativos, excipientes, materiais de embalagem, produtos intermediários, produtos a granel e produtos acabados são apropriados para uso, e isso deve ser feito de forma homogênea, sem gerar dúvidas ou ficar a critério das empresas fabricantes de medicamentos. Assim, as especificações devem ser definidas antes do emprego de insumos na produção de medicamentos e na comercialização dos produtos terminados. Além dos medicamentos, na área de atuação do profissional farmacêutico, a fabricação e o controle de qualidade de outros produtos que também podem apresentar riscos à saúde estão sujeitos à fiscalização da vigilância sanitária (em todas as suas esferas) e às normas sanitárias regulamentadas pela Anvisa. Esses produtos são os cosméticos, os correlatos e os alimentos (que também podem ser regulamentados pelo Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento). Na 6ª edição do volume 2 da Farmacopeia Brasileira são encontrados ensaios de avaliação da qualidade dos seguintes produtos correlatos: algodão purificado esterilizado, atadura de gaze, esparadrapo, fita adesiva, gaze petrolato, suturas cirúrgicas absorvíveis (categute), suturas cirúrgicas absorvíveis sintéticas, suturas cirúrgicas não absorvíveis sintéticas e tecido de gaze hidrófila purificada. 2.1 Especificações As especificações podem ser definidas como documentos que apresentam as exigências quantitativas, qualitativas ou semiquantitativas, a depender do tipo de ensaio, descritas de forma clara e objetiva, e embasam a avaliação da qualidade de insumos e produtos. Elas devem ser autorizadas por profissional competente e capacitado para tanto e também devem ser datadas. 21 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Quando as exigências são quantitativas, elas devem apresentar o valor ou faixa numérica (limite máximo e limite mínimo) aceitável, como peso, volume, tempo e percentual (%), juntamente com suas unidades, em geral no Sistema Internacional de Medidas (SI). Por consequência, as especificações são estabelecidas pela autoridade sanitária nacional, ficando agrupadas em um compêndio oficial conhecido como Farmacopeia. No caso do Brasil, a autoridade sanitária é a Anvisa e o compêndio é denominado Farmacopeia Brasileira. O termo compêndio tem como definição livro normativo que contém a síntese de um assunto. Em outras palavras, pode-se descrever como um conjunto de normas e informações sobre uma determinada área do conhecimento. Assim, a Farmacopeia Brasileira é uma coletânea de ensaios, conhecimentos, informações e especificações sobre as análises de diversos tipos de insumos, materiais de embalagem e medicamentos. Esses últimos abrangem as diversas categorias, tais como medicamentos sintéticos, medicamentos fitoterápicos, medicamentos biológicos, radiofármacos, entre outros. As especificações encontradas na Farmacopeia Brasileira são chamadas de oficiais ou farmacopeicas. Nesse caso, as especificações estarão descritas em uma monografia farmacopeica. Quando as especificações necessárias não estão descritas em monografia da Farmacopeia Brasileira, a Anvisa, através da Resolução RDC n. 511, de 27 de maio de 2021, pode adotar uma monografia farmacopeica da última edição dos seguintes compêndios: Farmacopeia Alemã, Farmacopeia dos Estados Unidos, Farmacopeia Argentina, Farmacopeia Britânica, Farmacopeia Europeia, Farmacopeia Francesa, Farmacopeia Internacional (escrita pela OMS), Farmacopeia Japonesa, Farmacopeia dos Estados Unidos do México e Farmacopeia Portuguesa. Entretanto, o próprio fabricante de medicamentos pode estabelecer especificações para os insumos que irá adquirir ou para os produtos terminados que fabrica. Essas especificações que não são encontradas na Farmacopeia Brasileira são denominadas não oficiais ou não farmacopeicas. Nesse caso, há justificativas. Uma das situações é o fabricante estabelecer parâmetros que acredita serem mais completos sobre determinados insumos ou produtos acabados, que irão proporcionar a aquisição de insumos específicos para o fabrico de dado produto. Desse modo, além de o produtor seguir as especificações farmacopeicas, há o acréscimo de informações específicas que nortearão a compra de insumos. Como exemplo, pode-se citar a aquisição de um insumo farmacêutico ativo que deve ter uma granulometria específica para a produção de comprimidos. Ou seja, durante o desenvolvimento do medicamento na forma de comprimidos, foi verificado que o IFA com determinada granulometria facilita o processo de compressão, e fora dessa especificação o produto sofre variações que podem impactar na qualidade. Logo, a empresa estabelece que o tal IFA deve ter uma dada granulometria, e sua aquisição fica condicionada a essa característica, apesar de ser um requisito imposto apenas pelo fabricante. Isso não desobriga o fabricante a realizar os demais ensaios para avaliar a qualidade do IFA, como identificação e teor, por exemplo, mas acrescenta um ensaio para abranger a situação particular do produto em questão. Portanto, as especificações são os limites aceitáveis para ensaios específicos que devem ser realizados pelo controle de qualidade do estabelecimento produtor de medicamentos e detentor do registro de tais produtos. A descrição desses ensaios, os reagentes necessários, o preparo das amostras, os equipamentos a serem utilizados e os parâmetros a serem seguidos (tempo, temperatura e velocidade de agitação, por 22 Unidade I exemplo) estão devidamente descritos na Farmacopeia Brasileira, juntamente com os limites aceitáveis. Caso seja uma especificação não farmacopeica, o fabricante também deve ter todosesses dados descritos. Assim, após a realização de determinado ensaio, o resultado obtido será comparado às especificações e, caso esteja diferente, o ensaio é declarado não conforme, isto é, o resultado não está de acordo com as especificações. Nesse caso, o objeto da análise (matéria-prima, produto acabado, material de embalagem ou produto intermediário) não é considerado apto e deve ser descartado. Na figura a seguir é ilustrado o fluxo de transformação de matéria-prima até chegar a medicamento. Matérias-primas Produto intermediário Produto a granel Produto acabado Figura 2 – Fluxo de transformação de matéria-prima até chegar a medicamento As especificações a serem seguidas pelos produtores de medicamentos, insumos farmacêuticos ativos, excipientes e materiais de embalagem constam na Farmacopeia Brasileira e nos protocolos que o próprio fabricante elabora. Também as especificações devem contemplar água, solvente e reagentes usados na produção de medicamentos, caso houver necessidade. Quadro 3 – Relação das especificações farmacopeicas e não farmacopeicas e os tipos de ensaios Especificações Ensaios Exemplos de ensaios Especificações farmacopeicas Especificações com limites quantitativos Ensaios com limites quantitativos Teor de ranitidina em comprimidos Especificações com limites qualitativos Ensaios com limites qualitativos Identificação de lactose Especificações com limites semiquantitativos Ensaios com limites semiquantitativos Ensaio limite para cloretos Não se aplica Ensaios informativos ou para caracterização Viscosidade para xarope de iodeto de potássio Especificações não farmacopeicas Especificações com limites quantitativos Ensaios com limites quantitativos Granulometria de IFA para comprimidos Especificações com limites qualitativos Ensaios com limites qualitativos - Especificações com limites semiquantitativos Ensaios com limites semiquantitativos Quantidade limite de substância residual (da rota sintética do IFA) Não se aplica Ensaios informativos ou para caracterização - 23 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Por fim, é válido ressaltar que alguns ensaios não apresentam resultados que devem ser comparados com as especificações farmacopeicas, o que acarretaria numa aprovação ou reprovação. De fato, esses ensaios também estão presentes na Farmacopeia Brasileira ou descritos em protocolos internos do fabricante e são realizados para verificar características próprias do produto ou matéria-prima, que podem indicar desvio de qualidade ou impactar na produção, no caso dos insumos. Esses ensaios são informativos e em geral caracterizam aquilo que está sob análise, permitindo um conhecimento das propriedades de um produto ou insumo. Por exemplo, o ensaio de viscosidade para produtos líquidos e semissólidos e insumos líquidos e semissólidos não possui limites aceitáveis descritos na Farmacopeia Brasileira. Todavia, esse ensaio se faz importante, pois pode auxiliar a caracterizar tanto um insumo, como glicerina, quanto um produto acabado, como um xarope medicamentoso. Caso a viscosidade que já é conhecida pelo fabricante de um xarope esteja distinta do esperado, isso pode ser um indicativo de que algo durante o processo produtivo pode ter ocorrido e influenciado a mudança da viscosidade. Esse fato deve ser investigado e deixar alertas os envolvidos com a produção e controle dos produtos. No quadro a seguir, estão alguns exemplos de ensaios informativos ou para caracterização. Quadro 4 – Ensaios informativos ou para caracterização, sem especificações delimitadas, empregados para caracterização do insumo, material de embalagem ou produto acabado Determinação de ponto ou faixa de fusão Determinação de pH Caracterização sensorial Viscosidade Descrição de defeito de embalagem Ângulo de repouso Granulometria de pós Dureza 2.1.1 Especificações para matérias-primas As matérias-primas, que podem ser definidas como qualquer substância química empregada para produzir medicamentos (desconsiderando os materiais de embalagem), para circularem nas áreas produtiva devem estar devidamente aprovadas pelo controle de qualidade. De fato, as matérias-primas, ao serem recebidas, devem ter uma amostra retirada por representantes do controle de qualidade em ambiente apropriado e com qualidade de ar semelhante às áreas de produção. Essa amostra deve ser analisada e sua qualidade verificada, de acordo com as especificações farmacopeicas e não farmacopeicas. Durante esse momento, as matérias-primas ficam segregadas em local reservado a itens sob análise (chamado de quarentena) e recebem uma sinalização (na forma de etiquetas, nesse caso, na 24 Unidade I cor amarela) na qual é descrito que estão sofrendo avaliação. Logo, tais matérias-primas não podem ser empregadas para a produção de medicamentos. Após as análises físico-química, físicas e microbiológicas realizadas pelo controle de qualidade, as matérias-primas podem ser consideradas aptas ou não para a produção. Quando aptas, considera-se que foram aprovadas, ou seja, estão de acordo com as especificações. Quando inaptas, julga-se que foram reprovadas, isto é, não estão conforme as especificações. A partir desse ponto, as matérias-primas aprovadas recebem uma identificação descrita como aprovadas (na forma de etiqueta de cor verde) e são encaminhadas para o almoxarifado, onde serão armazenadas no local apropriado. Porém, as matérias-primas reprovadas não podem ser empregadas na produção de medicamentos; elas são identificadas como reprovadas (com etiqueta na cor vermelha) e voltam à área de quarentena, onde ficam até serem devidamente descartadas, conforme as normas de gerenciamento de registro. Na figura a seguir é ilustrado o fluxo de entrada de matérias-primas quando são recebidas pelo produtor de medicamentos. Recebimento de matérias-primas Amostragem de matérias-primas Matérias-primas em quarentena Reprovação das matérias-primas Matérias-primas reprovadas em quarentena Matérias-primas aprovadas no almoxarifado Análise de matérias-primas pelo controle de qualidade Aprovação das matérias-primas Figura 3 – Fluxo de entrada de matérias-primas em empresa produtora de medicamentos Segundo as boas prática de fabricação de medicamentos, nas especificações de matérias-primas devem constar: um detalhamento da matéria-prima em questão, contendo nome, código interno, referência farmacopeica à monografia (se houver), fornecedor (que passou pelo processo de qualificação) e orientações para amostragem; requisitos quantitativos, qualitativos ou semiquantitativos (o que for aplicável em cada situação); condições de armazenamento e precauções para armazenamento (se houver); e tempo máximo para a matéria-prima ficar armazenada antes de uma reanálise. 2.1.2 Especificações para materiais de embalagem Os materiais de embalagem podem ser descritos como um meio de assegurar aos medicamentos proteção, identificação, informação, armazenamento e administração. O objetivo da embalagem é fornecer o acondicionamento do produto farmacêutico e manter a integridade das suas características originais durante seu prazo de validade. As embalagens podem ser classificadas em dois tipos: primárias e secundárias. As primárias são os dispositivos que entram em contato íntimo com o medicamento (como frascos de vidro ou plástico e tampas). Já as secundárias asseguram proteção física adicional ao medicamento e encontram-se em contato com as embalagens primárias (por exemplo, caixas). 25 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Os materiais de embalagem do tipo primário não devem interagir com os medicamentos neles acondicionados, especialmente o teor, pois haveria uma alteração das propriedades da preparação farmacêutica, comprometendo sua qualidade. Por essa razão, a avaliação da qualidade dos materiais de embalagem e sua conformidade quanto as suas especificações são de extrema importância. Os materiais deembalagem primários e secundários devem apresentar informações essenciais a respeito do medicamento, tais como o nome do produto, a denominação comum brasileira (DCB), a dose de cada fármaco por unidade farmacêutica, a via de administração, a quantidade de peso total líquido (ou volume ou unidades farmacêuticas), a forma farmacêutica, nome e endereço do fabricante, restrição por faixa etária, cadastro nacional de pessoa jurídica (CNPJ), nome do responsável técnico e registro junto ao Conselho Regional de Farmácia (CRF) do estado. Dessa maneira, as especificações para materiais de embalagem devem ser escritas de acordo com o tipo de medicamento, sua composição química e a forma de administração. Também é necessário que os materiais sejam atóxicos e permaneçam íntegros mesmo em contato com o produto durante o prazo de validade. Nas especificações devem conter: descrição detalhada do material de embalagem, com nome, código interno, referência farmacopeica à monografia (caso haja) e fornecedor (devidamente qualificado); arte dos materiais impressos; instruções para amostragem; quesitos quantitativos, qualitativos ou semiquantitativos (o que for considerado, a depender da avaliação); condições de armazenamento e precauções para armazenamento (caso haja). 2.1.3 Especificações para produtos intermediários e produtos a granel Vamos relembrar as definições de produtos intermediários e produtos a granel, apresentadas anteriormente: • produtos intermediários são aqueles que são em parte processados, porém necessitam passar por mais etapas, para posteriormente se tornarem produtos a granel (exemplo: comprimidos que passarão pela etapa de revestimento); • produtos a granel são aqueles que já sofreram todas as etapas do processo de fabricação, faltando apenas a etapa de acondicionamento em embalagem primária. As especificações para esses dois tipos de produtos devem contemplar as fases críticas de processos de produção de medicamentos ou ainda se tais produtos foram adquiridos ou serão despachados. 2.1.4 Especificações para produtos acabados Produtos acabados são aqueles que sofreram todas as etapas do processo fabril, inclusive o acondicionamento em embalagem primária. Além disso, são produtos produzidos em concordância com todas as normas de BPF e qualidade, culminando em conformidade com as especificações. Para garantir que esses produtos sejam comercializados e distribuídos após a fabricação, os ensaios de controle de qualidade devem ser realizados e seus resultados comparados às especificações. 26 Unidade I Nesse momento, após os produtos acabados serem fabricados, eles são segregados em área distinta dos demais produtos acabados, em quarentena, e recebem sinalização de que estão sob análise. Representantes do controle de qualidade devem realizar a amostragem, ou seja, retirar uma quantidade de produto acabado que seja representativa do lote e que ainda permita reanálises no futuro, se necessário. Enquanto as análises são realizadas, esses medicamentos não podem ser disponibilizados para distribuição. Nos laboratórios de controle de qualidade, esses medicamentos são avaliados de acordo com as especificações; havendo conformidade, são considerados aprovados, isto é, estão liberados para comercialização e distribuição. Caso os resultados das análises não estejam de acordo com as especificações, tais produtos não podem ser comercializados e são declarados reprovados. A partir daí, os produtos podem ser destruídos, descartados (segundo as diretrizes de gerenciamento de resíduos) ou reprocessados (considerada uma situação excepcional). As especificações dos produtos acabados, então, compreendem: nome do produto; fórmula; descrição da forma farmacêutica; instruções de amostragem e análises; detalhamento da embalagem; requisitos qualitativos, quantitativos, semiquantitativos e limites de aceitação; condições de armazenamento e prazo de validade. No quadro a seguir estão descritas as especificações do aciclovir comprimidos, produto acabado, de administração por via oral, origem sintética, liberação imediata e forma farmacêutica sólida. Quadro 5 – Exemplo de especificações de produto acabado sólido, de administração por via oral: aciclovir comprimidos de liberação imediata Teste Especificação Doseamento 95% a 105% da quantidade declarada no rótulo Ensaio de dissolução Liberação de não menos que 80% da quantidade declarada no rótulo Peso médio ± 5% de limite de variação do peso do comprimido Desintegração Não mais que 30 min Friabilidade Perda de massa igual ou inferior a 1,5% do peso do comprimido Dureza Ensaio informativo Contagem total permitida de bactérias aeróbias (UFC/g)* 10 3 Contagem total permitida de fungos (UFC/g)* 102 Pesquisa de patógenos Ausência de Escherichia coli em 1 g * Unidade formadora de colônia por grama. Fonte: Anvisa (2019a). 27 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS 2.2 Padrões de referência e substâncias químicas de referência Para a realização dos ensaios de controle de qualidade e a confrontação dos resultados obtidos com as especificações, é necessário avaliar se os ensaios que serão empregados reproduzem resultados compatíveis com as substâncias que serão analisadas. Para tanto, é fundamental o uso de padrões de referência. Desse modo, entendem-se como padrões de referência as substâncias com alto teor de pureza que são empregadas para verificação da qualidade de insumos farmacêuticos ativos, excipientes e medicamentos que garantem que os métodos analíticos empregados para tal possuam a capacidade de detectar a presença e/ou a quantidade de certas substâncias. Os padrões de referência são fornecidos por comitês especializados e associados a farmacopeias, sendo chamados de padrões farmacopeicos. Assim, o padrão de referência associado à Farmacopeia dos Estados Unidos (farmacopeia americana) é denominado padrão farmacopeico USP (United States Pharmacopeia), e assim por diante com os demais padrões. No Brasil, o padrão referente à Farmacopeia Brasileira é chamado de substância química de referência (SQR). Sua pureza e distribuição são de responsabilidade do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS), pertencente à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Além do mais, os padrões farmacopeicos (chamados de oficiais) possuem alto valor comparados às matérias-primas e são empregados para padronizar os insumos como padrões que são usados rotineiramente nos ensaios de controle de qualidade. Logo, os padrões farmacopeicos ou oficiais são denominados padrões primários. Já os padrões que são matérias-primas padronizadas a partir do padrão farmacopeico são conhecidos como padrões secundários ou padrões de trabalho. Então, sofrem análises comparativas com os padrões de referência (ou primários). As análises são rigorosas, mediante ensaios padronizados (farmacopeicos ou não) realizados em dias distintos por analistas também distintos, e os resultados das análises são submetidos à avaliação estatística. O ideal é que a matéria-prima que será usada como padrão secundário apresente o mais alto grau de pureza e uniformidade e, obviamente, tenha sido aprovada pelo controle de qualidade. Outro ponto importante é que o uso do padrão farmacopeico deve estar em concordância com a metodologia empregada. Em outras palavras, isso significa que, se o método é da Farmacopeia Brasileira, o padrão usado deve ser a SQR, e assim por diante. Por fim, os rótulos dos padrões de referência e documentos (certificados de análise) que os acompanham devem indicar a pureza, a quantidade, a data de fabricação e a data de validade, e as condições de armazenamento antes e após a abertura do lacre. Na tabela a seguir são encontrados alguns exemplos de padrões farmacopeicos do IFA cefadroxil. 28 Unidade I Tabela 1 – Valores de padrões farmacopeicos do cefadroxil de diferentes farmacopeias (britânica, europeia e brasileira) Cefadroxil Valor (R$)* Quantidade de padrão farmacopeico no frascoPadrão farmacopeico BP** 1.386,00 100 mg Padrão farmacopeico EP*** 892,00 150 mg SQR (FB) 398,00 400 mg * Cotação realizada em 18 de setembro de 2021. ** Padrão da Farmacopeia Europeia. *** Padrão da Farmacopeia Britânica. 2.3 Monografias As especificações dos ensaios que irão verificar a qualidade de insumos, produtos intermediários, produtos a granel, material de embalagem e produtos acabados estão descritas na Farmacopeia Brasileira. Contudo, a depender do ensaio, podem estar na parte de ensaios gerais (descritos no volume I) ou na parte de insumos (descritos no volume II). Essa segunda parte é organizada de acordo com os insumos e produtos acabados, por ordem alfabética, agrupados na forma de monografias. Portanto, as monografias são descrições detalhadas que caracterizam os componentes aos quais se referem, com detalhamento de métodos de análises, bem como os parâmetros a serem empregados (temperatura e velocidade, por exemplo), equipamentos e suas especificações. Há monografias para insumos farmacêuticos ativos, excipientes e produtos acabados. Nelas, as informações encontradas dependem do tipo de objeto das análises de controle de qualidade. Para insumos farmacêuticos ativos e excipientes, as informações compreendem: • nome; • DCB; • fórmula estrutural; • nome químico (segundo a International Union of Pure Applied Chemistry – Iupac); • especificações; • descrição das características químicas; • solubilidade; • propriedades físicas e físico-químicas; 29 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS • ensaios de identificação; • ensaios de pureza; • ensaios microbiológicos; • ensaios biológicos (quando aplicáveis); • ensaios específicos; • ensaios de doseamento; • materiais de embalagem; • descrição de armazenamento; • rotulagem (quando aplicável). Para medicamentos, as informações compreendem: • nome do produto, com o nome do IFA e a forma farmacêutica; • DCB; • fórmula estrutural; • ensaios de doseamento; • ensaios de identificação; • testes físicos; • especificações; • ensaios microbiológicos; • ensaios biológicos (quando aplicáveis); • ensaios específicos; • materiais de embalagem; • descrição de armazenamento; • rotulagem (quando aplicável). 30 Unidade I O fabricante também pode elaborar monografia para determinado produto ou insumo. Isso geralmente acontece em casos nos quais o produto ou os insumos ainda não estão na Farmacopeia Brasileira ou outros compêndios oficiais permitidos, ou seja, normalmente ocorre para medicamentos inovadores, cujos fármacos são inéditos. No entanto, alguns ensaios farmacopeicos são incorporados em tais documentos, como os ensaios físicos que são feitos em comprimidos e cápsulas (desintegração, friabilidade, peso médio). É comum, posteriormente, as farmacopeias adicionarem novas monografias e ensaios a cada nova edição, buscando sua constante atualização com novos produtos, tecnologias e métodos. A Farmacopeia Brasileira encontra-se na sua 6ª edição, que data de 2019. Outras farmacopeias, como a Farmacopeia dos Estados Unidos, são publicadas anualmente, em contínua pesquisa e conformidade com as inovações na área farmacêutica. No quadro a seguir, são destacadas algumas farmacopeias, a edição em que cada uma se encontra e o ano da última edição. Quadro 6 – Farmacopeias, edições e ano da última edição Farmacopeia Edição Ano Farmacopeia Brasileira 6ª edição 2019 Farmacopeia dos Estados Unidos 44ª edição 2021 Farmacopeia Argentina 7ª edição 2002 Farmacopeia Europeia 10ª edição 2022 Farmacopeia Japonesa 18ª edição 2016 Farmacopeia Britânica – 2022 Farmacopeia dos Estados Unidos do México 12ª edição 2020 Farmacopeia Internacional 10ª edição 2020 * Informações consultadas em 18 e 19 de setembro de 2021. 2.4 Validação de método analítico Em algumas situações, o fabricante não usa o método analítico descrito na Farmacopeia Brasileira ou em outra farmacopeia permitida pela Anvisa. O produtor prefere ou é obrigado a desenvolver um método analítico particular para avaliar determinada especificação de um insumo, material de embalagem ou produto acabado. Isso é permitido pela agência reguladora através da Resolução RDC n. 166, de 24 de julho de 2017, que dispõe sobre a validação de métodos analíticos. Portanto, a norma supracitada deve ser seguida e parâmetros devem ser testados para garantir confiança no método e, consequentemente, nos resultados obtidos a partir dele. Contudo, isso não interfere na especificação, que deve ser seguida. Tomando como exemplo o medicamento aciclovir comprimidos, na monografia farmacopeica está descrito que a avaliação de doseamento do fármaco 31 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS no produto tem como especificação uma faixa de 95% a 105% da quantidade declarada no rótulo. O método analítico preconizado pela Farmacopeia Brasileira (2019) é por espectrofotometria de absorção no ultravioleta para o teste de doseamento. A empresa fabricante pode optar por desenvolver e validar um método por cromatografia líquida de alta eficiência com absorção no ultravioleta. Isso significa que o método é diferente do farmacopeico, porém a especificação ainda é a mesma preconizada pela farmacopeia. 3 AMOSTRAGEM Atualmente, no contexto das BPF, a avaliação da qualidade de um produto farmacêutico é iniciada no recebimento das matérias-primas e materiais de embalagem, sendo realizada em diversos momentos ao longo da cadeia produtiva. Um produto só será liberado para distribuição e comercialização se todos os atributos críticos da qualidade forem satisfatórios, ou seja, se estiverem em conformidade com as respectivas especificações, lembrando que especificações da qualidade representam os limites de aceitação e são empregadas em todos os tipos de materiais, devendo ser claramente estabelecidas e de fácil entendimento. Para o monitoramento da qualidade, uma certa quantidade de amostras deve ser retirada de cada etapa do processo, de modo que se possa ter uma representação fiel das características do lote como um todo. Ao receber uma barrica de um IFA, por exemplo, os resultados obtidos com as amostras que foram retiradas e analisadas devem ser os mesmos para qualquer porção dessa matéria-prima. Lembrete Especificações da qualidade representam os limites de aceitação e são empregadas em todos os tipos de materiais, devendo ser claramente estabelecidas e de fácil entendimento. Tomando outro exemplo, como no caso de comprimidos, a condição ideal seria o monitoramento de todas as unidades, entretanto, durante a avaliação da qualidade, uma série de análises são realizadas, e algumas delas acabam por destruir a amostra, inviabilizando essa possibilidade. Por outro lado, mesmo para ensaios que não destruam a amostra, em caso de um lote muito grande, a análise de todas as unidades acarretaria um tempo demasiado na sua liberação (KOU et al., 2010). Dessa forma, é possível perceber que o conceito de amostragem é fundamental em uma escala industrial. Esse é um procedimento que foi inicialmente adotado durante a Segunda Guerra Mundial, no fornecimento de armas para o exército americano, sendo logo depois introduzido em diversas áreas, especialmente na indústria farmacêutica (PINTO; KANEKO; PINTO, 2015). A amostragem é aplicável nas diferentes fases do controle de qualidade: antes, com a análise das matérias-primas e materiais de embalagem; durante, com a execução do controle em processo; e após, com a avaliação do produto acabado. Para a sua execução, os analistas do controle de qualidade devem ser treinados para a realização desse procedimento, que deve seguir um determinado plano de 32 Unidade I amostragem, conforme o tipo de produto e a etapa do processo. Além disso, todo o procedimento deve ser registrado para permitir a rastreabilidade das informações. No caso de matérias-primas, deve haver um espaço destinado à realização dessa amostragem, além de paramentação e acessórios adequados para a coleta das amostras
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