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DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA E SERVIÇO SOCIAL AULA 6 Profª Valdirene da Rocha Pires CONVERSA INICIAL O objetivo desta aula é compreender o debate que envolve a dimensão política do Serviço Social. Isso significa que, para abordar a relação entre Serviço Social e o desenvolvimento capitalista, faz-se necessário compreender como a profissão se posiciona e analisa a realidade política e social da qual faz parte e na qual intervém. Para atingir esse objetivo, trataremos dos seguintes temas: Serviço Social e a dimensão política da profissão; Serviço Social e as relações sociais capitalistas; capitalismo e as perspectivas ético-políticas do Serviço Social; modo de produção capitalista e seus impactos no cotidiano do assistente social; os princípios da profissão na esfera do capitalismo. TEMA 1 – SERVIÇO SOCIAL: A DIMENSÃO POLÍTICA DA PROFISSÃO 1.1 Por que refletir sobre o Serviço Social no contexto da relação capital/trabalho? Segundo Iamamoto (2008), o ponto de partida para a análise do significado social e, portanto, político da prática profissional não se revela de imediato no cotidiano do fazer profissional. O exercício profissional “adquire seu sentido, descobre suas alternativas na história da sociedade da qual é parte.” (Iamamoto, 2008, p. 121). Assim, pensar o Serviço Social na relação capital/trabalho e, consequentemente, compreender o sentido político-social da profissão exige ir além das demandas sociais apresentadas a ela no cotidiano das intervenções profissionais. De qual base analítica então devemos partir para fazer essa reflexão? “É a de entender que a prática profissional supõe inseri-la no jogo das relações das classes sociais e de seus mecanismos de poder econômico, político e cultural, preservando, no entanto, as particularidades da profissão como atividade inscrita na divisão social e técnica do trabalho”. (Iamamoto, 2008, p. 121) 3 Para Iamamoto (2008, p. 121), a busca pela compreensão dessa relação nos leva a retomar as bases da institucionalização da profissão: “Todos sabemos que o Serviço Social se institucionaliza como profissão rompendo as fronteiras da mera filantropia [...]”, sendo esta uma estratégia do Estado para intervir na “questão social” em meio à emergência do capitalismo monopolista. Essa intervenção ocorre principalmente no âmbito das relações entre empresariado e classe operária, “por meio da regulação jurídica do mercado de trabalho, da legislação social e trabalhista, da organização de uma rede de serviços sociais” (Iamamoto, 2008, p. 121). Desse modo, podemos afirmar que a institucionalização do Serviço Social como profissão ocorre para atender aos interesses do Estado e do empresariado, no sentido de atuar na socialização do operário, adequando-o “às novas condições de vida industrial, ao ritmo e à disciplinarização do trabalho [...]” (Iamamoto, 2008, p. 121) para a dominação político-ideológica e a apropriação econômica privada. É nesse sentido que se deve percorrer a reflexão acerca do Serviço Social no contexto da relação capital/trabalho, pois, desde sua institucionalização, essa profissão atua (de diferentes formas, em cada período histórico) no bojo das múltiplas determinações das expressões da “questão social”. TEMA 2 – SERVIÇO SOCIAL E RELAÇÕES SOCIAIS CAPITALISTAS Raichellis (2009) propõe algumas premissas sobre o Serviço Social no bojo das relações sociais capitalistas. Segundo a autora, essas premissas orientam a “análise do Serviço Social inserido na dinâmica da vida social, no âmbito das relações tensas e contraditórias entre o Estado e a sociedade, que colocam limites e abrem possibilidades para o exercício profissional [...]” (Raichellis, 2009, p. 1). A primeira premissa refere-se ao fato de que as profissões são construções históricas de cada sociedade. Nesse sentido, “as condições propícias à profissionalização do Serviço Social (e de tantas outras profissões) foram criadas a partir da crescente intervenção do Estado capitalista nos processos de regulação e reprodução social.” (Raichellis, 2009, p. 1). A segunda premissa diz respeito à particularidade interventiva do Serviço Social, uma vez que essa profissão atua diretamente no enfrentamento da questão social e suas manifestações. Para a autora: 4 A crescente centralização das políticas sociais pelo Estado capitalista, no processo de modernização conservadora no Brasil, gera o aumento da demanda pela execução de programas e serviços sociais, impulsionando a conexão entre política social e Serviço Social no Brasil e a consequente expansão e diversificação do mercado profissional. (Raichellis, 2009, p. 2) A terceira premissa é “relativa ao fundamento da profissionalização do Serviço Social, com base na estruturação de um espaço socio-ocupacional determinado pela dinâmica contraditória que emerge no sistema estatal em suas relações com as classes sociais [...]” (Raichellis, 2009, p. 2). Nesse aspecto, a autora afirma que o Estado transforma as sequelas da questão social em objeto de intervenção profissional do Serviço Social. No entanto, O caminho da profissionalização do Serviço Social é, na verdade, o processo pelo qual seus agentes – ainda que desenvolvendo uma autorrepresentação e um discurso centrados na autonomia dos seus valores e da sua vontade – se inserem em atividades interventivas cuja dinâmica, organização, recursos e objetivos são determinados para além do seu controle. (Netto, 2005, p. 71-72, citado por Raichellis, 2009, p. 3) Essa análise nos leva a refletir sobre as relações de trabalho nas quais os assistentes sociais estão inseridos, ou seja: mesmo que a profissão tenha adotado valores e princípios, muitas vezes a própria organização do seu trabalho não está totalmente sob seu controle, a exemplo da escassez de recursos para o atendimento da população usuária, que depende da atenção do Estado, e não apenas dos profissionais de Serviço Social. Uma quarta premissa trazida pela autora pontua que, uma vez que há centralidade do Estado na análise das políticas socais, sua realização envolve Estado e sociedade civil, e, nesse cenário, estabelecem-se as relações de interesses de classe e segmentos sociais. A quinta premissa propõe que: a reflexão sobre o trabalho do assistente social na esfera estatal remete necessariamente ao tema das relações, ao mesmo tempo recíprocas e antagônicas, entre o Estado e a sociedade civil, uma vez que o Estado não é algo separado da sociedade, sendo, ao contrário, produto desta relação, que se transforma e se particulariza em diferentes formações sociais e contextos históricos. (Raichellis, 2009, p. 3) 5 TEMA 3 – CAPITALISMO E AS PERSPECTIVAS ÉTICO-POLÍTICAS DO SERVIÇO SOCIAL Você sabia que o Serviço Social é uma profissão que defende um projeto societário? É isso mesmo! Esse projeto societário é o que chamamos de Projeto Ético-político Profissional do Serviço Social. Segundo Marilda Iamamoto (2010, p. 75), para pensarmos os rumos éticos e políticos do trabalho profissional, faz-se necessário redescobrir alternativas “que façam frente à ‘questão social’ e que sejam solidárias como o modo de vida daqueles que vivenciam, não só como vítimas, mas como sujeitos que lutam pela preservação e conquista de sua vida, e de sua humanidade.”. No entanto, para compreender as defesas que a profissão faz na atualidade, precisamos ter a clareza de que o Serviço Social é parte de um movimento societário, no qual também se situa sua relação com o Estado e a sociedade civil. Iamamoto (2010, p. 75) explicita bem essa reflexão: Uma hipótese de trabalho sobre o desenvolvimento do Serviço Social nos anos 1980 indica que a profissão teve os olhos mais voltados para o Estado e menos para a sociedade; mais para as políticas sociais e menos para os sujeitos comquem trabalha; o modo e condições de vida, cultura, as condições de vida dos sujeitos sociais são pouco estudadas e conhecidas. Desse modo, para compreender o significado do projeto societário que o Serviço Social defende, é necessário se debruçar nos estudos das relações sociais na sociedade capitalista, assunto tão discutido na área em questão. Uma vez que o objeto de intervenção do Serviço Social é a “questão social”, e que esta, por sua vez, consiste nas mais diversas expressões advindas da luta de classes (trabalhadores e capitalistas), posicionar-se frente às relações de exploração do trabalho é um ponto fundamental para a profissão. Nesse sentido, citando o Código de Ética Profissional dos Assistentes Sociais, Iamamoto (2010, p. 78) nos lembra que: “Assumir a defesa intransigente dos direitos humanos traz, como ponto de partida, a recusa a todas as formas de autoritarismo e arbítrio, requer uma condição democrática do trabalho do Serviço Social, reforçando a democracia na vida social.”. Partindo dessa questão levantada pela autora, devemos seguir para a seguinte reflexão: se há a necessidade de um Código de Ética Profissional que nos orienta a fazer a defesa intransigente dos direitos humanos e sociais, isso 6 significa que de alguma forma esses direitos da população são violados ou não são garantidos, certo? Você já parou para pensar no porquê de algumas populações não terem seus direitos garantidos? Qual a raiz/o motivo das desigualdades socais que levam à violação de tais direitos? Com base nos nossos estudos e nos referenciais teóricos do Serviço Social, só há uma resposta possível: a relação capital x trabalho. TEMA 4 – MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA E SEUS IMPACTOS NO COTIDIANO DO ASSISTENTE SOCIAL Numa sociedade capitalista, o acúmulo de riquezas e a obtenção de lucro são as “locomotivas” que a fazem funcionar. Nessa sociedade, os “direitos sociais são pensados como gastos, e não como investimentos, como direitos do indivíduo”. (Alves, 2016, p. 108). De acordo com essa lógica, as políticas sociais se configuram meramente como meios para a manutenção de disponibilidade da força de trabalho. Segundo Alves (2016), é para combater essa lógica que o Serviço Social se insere na sociedade como profissão. No entanto, é importante lembrar que não é só o Serviço Social que está no campo da defesa dos direitos, pois há diversas outas profissões comprometidas com essa luta, as quais também estão inseridas no mesmo sistema desigual. Sobre esse ponto, Alves (2016, p. 109) revela que: A sobrevivência e a reprodução da classe trabalhadora na sociedade capitalista dependem fundamentalmente do salário que o trabalhador recebe em troca da venda da sua força de trabalho no mercado; isto trata-se de trabalhadores assalariados despojados dos meios de produção e dos meios de vida, os quais se encontram monopolizados pelos próprios do capital e da terra. Portanto, é do valor do seu salário que o trabalhador depende para satisfazer às necessidades básicas, suas e de sua família, como alimentação, moradia, saúde, vestimenta, educação etc. A questão aqui é que o valor do salário mínimo, recebido por muitos trabalhadores (no caso brasileiro), não dá conta de atender, de forma digna, a nenhuma das necessidades acima citadas, e é a esse segmento da sociedade (não apenas, mas principalmente) que o Serviço Social irá se dedicar. 7 Partindo dessa reflexão, cabe lembrar que o significado social dessa profissão vem de sua própria inserção na sociedade, ou seja, a análise da profissão, de suas demandas, tarefas e atribuições em si mesmas não permite desvendar a lógica no interior da qual essas demandas, tarefas e atribuições ganham sentido. Assim sendo, é preciso ultrapassar a análise do Serviço Social em si mesmo para situá-lo no contexto das relações mais amplas que constituem a sociedade capitalista, particularmente, no âmbito das respostas que esta sociedade e o Estado constroem frente à questão social [...]. (Yazbek, 2012, p. 3) A análise de Yazbek (2012) permite afirmar que, para entender as demandas sociais colocadas ao Serviço Social, é necessário compreender as relações sociais capitalistas antes de procurar entender essa profissão. TEMA 5 – OS PRINCÍPIOS DA PROFISSÃO NA ESFERA DO CAPITALISMO O Serviço Social é uma profissão que tem um compromisso com os interesses da classe trabalhadora. Esse compromisso está expresso em diversos documentos e legislações, como, por exemplo, a lei que regulamenta a profissão e o Código de Ética dos Assistentes Sociais (Brasil, 2012 [1993]). O compromisso profissional assumido pelos Assistentes Sociais é um ético e político, uma vez que se trata de uma profissão que tem sua base de fundamentação na “questão social”, a qual, por sua vez, é a forma mais expressiva das contradições entre capital e trabalho. Assim, as ações do assistente social visam interferir nessas diversas manifestações das expressões da questão social, buscando contribuir para a redução das desigualdades e injustiças sociais, bem como potencializar com os sujeitos sociais mecanismos de ampliação da participação social (Alves, 2016, p. 150). Nesse sentido, vemos que os princípios e valores éticos da profissão têm como base a defesa da liberdade, em seus mais diversos sentidos, da igualdade social, da eliminação de todas as formas de preconceito, e o compromisso de defesa dos interesses da classe trabalhadora. O compromisso com esses princípios deve e/ou pode ser expresso tanto no exercício cotidiano da profissão, em seus múltiplos espaços de atuação profissional, quanto em pesquisas e projetos desenvolvidos pelos assistentes sociais. 8 Para contribuir para esse debate, é necessário resgatar um dos princípios fundamentais do Código de Ética dos Assistente Sociais: “ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade, com vistas à garantia de direitos civis, sociais e políticos das classes trabalhadoras”. (BRASIL, 2012 [1993], p. 23). O compromisso com esse princípio por parte dos assistentes sociais exige o reconhecimento de que há, na formação sócio-histórica da sociedade brasileira, um grande quadro de apropriação e concentração dos bens e recursos por parte de uma camada da sociedade (os capitalistas), enquanto à outra camada (os trabalhadores) resta sobreviver da venda de sua força de trabalho por um salário ínfimo, o qual não é suficiente para suprir todas as necessidades humanas. Essa situação gera diversas formas de expressão das consequências de tais desigualdades, e é sob essa realidade que o Serviço Social assume seu compromisso. NA PRÁTICA Você já parou para pensar no porquê de algumas populações não terem seus direitos garantidos e na raiz/no motivo das desigualdades socais que levam à violação de tais direitos? Baseando-se nos nossos estudos e nos referenciais teóricos do Serviço Social, procure refletir sobre qual seria a raiz de uma sociedade tão desigual. Depois, tente responder à seguinte questão: você acha que o Serviço Social contribuiu para a redução da desigualdade social e a garantia de direitos? FINALIZANDO Nesta aula, vimos que o Serviço Social é uma profissão que atua diretamente nas expressões da desigualdade social produzida pela exploração do trabalho pelo capital. A compreensão dessa realidade leva o Serviço Social a traçar objetivos e princípios como profissão, sendo esses a defesa de uma sociedade sem a exploração do trabalho com vistas ao enriquecimento de apenas uma classe. É importante lembrar que há diversas outras profissões que atuam no campo da garantia de direitos da população, como, por exemplo, as áreas de saúde, educação, direito, e que, muitas vezes, o Assistente Social em seu 9 exercício profissional dialoga cotidianamente com essas áreas para atender à população.10 REFERÊNCIAS ALVES, M. O. Desafios históricos do Serviço Social. Editora InterSaberes. Curitiba 2016. BRASIL. Código de Ética do/a Assistente Social. Lei n. 8.662/93 de regulamentação da profissão. 10. ed. rev. e atual. Brasília: Conselho Federal de Serviço Social, 2012 [1993]. IAMAMOTO, M. V. Renovação e Conservadorismo no Serviço Social: Ensaios críticos. São Paulo: Editora Cortez, 2008. _____. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. São Paulo: Editora Cortez, 2010. RAICHELLIS, R. O trabalho do assistente social na esfera estatal. In: Conselho Federal de Serviço Social – CFESS (Org.). Serviço Social: Direitos Sociais e Competências Profissionais. Brasília: CFESS, 2009. p. 1-18. Disponível em: <https://www.unifesp.br/campus/san7/images/servico- social/Texto_Raquel_Raichelis.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2018. YAZBEK, M. C. O significado sócio-histórico da profissão. In: Conselho Federal de Serviço Social – CFESS (Org.). Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS, 2012. p. 1-21. Disponível em: <http://unesav.com.br/ckfinder/userfiles/files/O_significado_socio- _historico_da_profissao%20Yasbek.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2018.
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