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TEORIA E PRÁTICA EM ANTROPOLOGIA AULA 2 Prof. Everson Araujo Nauroski 2 CONVERSA INICIAL O nascimento da antropologia está associado à busca pela compreensão do diferente. O sentimento de estranhamento em relação ao outro/diferente conserva uma ambivalência. Pode tanto causar medo e afastamento como aguçar a curiosidade e a aproximação, elementos presentes na antropologia nascente. Ao longo dessa breve introdução, veremos mudanças nas abordagens e teorias sociológicas, desde teorias evolucionistas justificadoras da missão civilizadora da cultura europeia, até perspectivas mais abertas em relação à diversidade cultural dos povos. Por fim, veremos algumas das contribuições de pesquisadores como Franz Bos e Bronislaw Malinowski, que ajudaram na consolidação da etnografia como método dentro da antropologia moderna. TEMA 1 – A ANTROPOLOGIA COMO A CIÊNCIA DA ALTERIDADE? Todos nós, homens e mulheres somos feitos de diversidade. Esta, embora esconda também a semelhança, é geralmente traduzida em diferenças de raças, de culturas, de classe, de sexo ou de gênero, de religião, de idade, etc. A diferença está na base de diversos fenômenos que atormentam as sociedades humanas. (Munanga, 2012, p. 4) Uma das primeiras ideias que se anuncia na formação em antropologia é compreender que se trata de uma ciência que tem o ser humano em suas múltiplas diferenças como objeto de estudo, uma ciência que utiliza diferentes métodos para caracterizar e compreender essas diferenças, principalmente em seus aspectos qualitativos, o que também constitui um dos objetivos fundamentais da antropologia. Uma definição mais atualizada da antropologia e de seu objeto contrasta com os conhecimentos que fizeram parte no desenvolvimento histórico dessa ciência, principalmente a partir dos saberes que vão se acumulando, os séculos XV e XVI. Os relatos oriundos dos viajantes que navegavam pelo mundo, formaram o substrato inicial tanto do imaginário social da época, quanto dos primeiros estudos pré-científicos da antropologia. A maioria desses relatos descreviam os povos não europeus como primitivos e desprovidos de história e de cultura, pois nada tinham em comum com seus invasores, desde as vestimentas, visão de mundo, religião e organização social e política. 3 Figura 1 – Grupo de índios Pataxós – Brasil Crédito: Joa Souza/Shutterstock. No período nascente da antropologia, ainda estávamos longe de uma abordagem pluralista e relativista de culturas não ocidentais. No entanto, autores como Laplantine (2000), se contrapõem à interpretação recorrente e negativa dos povos do novo mundo ao falar de uma ingenuidade original desses povos, e sua maneira de viver num estado de natureza. Prevalece, no entanto, uma visão de que os povos recém descobertos estariam numa posição inferior, seja por estarem distantes da cultura ocidental – referência de civilização –, ou por se manterem numa condição de ingenuidade originária. O salto qualitativo da antropologia como ciência da alteridade ainda levaria muito tempo para acontecer. Nos primeiros séculos, os saberes sobre os povos e seus novos mundos, em regra gravitaram em torno do estranhamento e hostilização. O olhar interdisciplinar da antropologia foi se consolidando principalmente a partir do século XX, tendo na alteridade uma categoria central a partir da qual o humano é visto e considerado em sua plenitude e as manifestações culturais diversas. Assim, a pluralidade étnica foi reconhecida a partir de si mesma com seus valores intrínsecos. 4 Em síntese, o legado da alteridade1 nas ciências sociais advém dos estudos culturais e pós-coloniais, que a partir da década de 1950 promoveram revisão crítica das abordagens eurocêntricas dentro da antropologia, evidenciando componentes ideológicos de sua base epistemológica. O ponto inicial de estranhamento do outro a partir de ótica negativa de suas diferenças, passa a ser reorientado de maneira positiva, como estranhamento que convida à aproximação, ao diálogo e à troca como possibilidade de mútua aprendizagem. Um fenômeno que na atualidade recebe a conceituação de interculturalidade (Lopes, 2012). Diversos campos das ciências humanas avançam na perspectiva de valorização e abertura ao outro. A noção de alteridade se amplia para incorporar outros valores como empatia, cooperação, solidariedade e direitos humanos. Além de surgirem novos horizontes de pesquisa, surgem também movimentos sociais de engajamento em defesa de culturas historicamente discriminadas e oprimidas, como indígenas, negros, quilombolas e mesmo populações urbanas periféricas, cujo o estigma da pobreza e da pouca escolarização, os coloca como objeto de ódio e violência. TEMA 2 – RANÇOS EUROCÊNTRICOS: ETNOCENTRISMO E RELATIVISMO CULTURAL De modo preliminar, etnocentrismo é a concepção de um grupo ou indivíduo cuja a cultura a qual pertencem é tida como referência central de verdade e legitimidade, ocupando posição superior as demais, sendo o relativismo seu polo oposto, pois representa uma posição de reconhecimento do outro em sua alteridade, podendo ser um indivíduo ou grupo, como portador de dignidade e respeito. Trata-se do entendimento de que não existem culturas superiores umas às outras, mas somente de expressões culturais múltiplas e diversas, todas devendo ser consideradas em si mesmas como válidas e legítimas. Enquanto no etnocentrismo existe forte componente de exclusão, e não raro com atitudes de discriminação e hostilidade ao outro/diferente, a perspectiva relativista tem por pressuposto a superação de velhos estereótipos 1 Alteridade pode ser definida como perspectiva, atitude de reconhecimento do outro, enquanto pessoa e portador de dignidade intrínseca. Essa dignidade e reconhecimento abrange sua condição humana em sentido biológico e também seu universo cultural, sua identidade e singularidade existencial. 5 como: selvagem, bárbaro, atrasado, primitivo, ou ainda outras formas de hierarquização cultural de classificação e adjetivação negativa. No bojo do conceito de etnocentrismo está a ideia de superioridade de uma cultura sobre a outra, de um sistema social como referência e parâmetro, de supremacia étnica, o que inevitavelmente leva a atitudes de intolerância e hostilidade, perseguição e violência, as vezes de destruição do outro, como no nazismo. Subjacente a esses elementos é possível identificar o sentimento xenofóbico como causa fundamental da repulsa e agressão ao que estranho. Figura 2 – Diversidade cultural Crédito: Marina Podrez/Shutterstock. Existem outros fatores adjacentes aos conflitos culturais, disputas políticas e territoriais, competição econômica, tradições religiosas. As diferenças existentes passam a ser apresentadas como obstáculos a negociação ou movimentos de aproximação, fazendo com muitas vezes com que as diferenças se tornem o estopim para conflitos. No plano social das relações cotidianas também é recorrente o comportamento etnocêntrico manifestado com atitudes de intolerância e desrespeito. Muitas pessoas têm dificuldade de conviver com diferenças, mesmo no plano pessoal das ideias, de estilo de vida, de manifestação e organização social. Numa manifestação pró-aborto ocorrida em 2019 foi possível testemunhar um verdadeiro paradoxo. No espaço público da rua, um grupo gritava palavras de ordem exibindo seus cartazes defendendo a legalização do aborto e dos direitos das mulheres. Manifestantes contrários ao aborto se aproximam, gritam, xingam e ofendem a manifestante. Na discussão um homem e duas mulheres contrários ao aborto e com cartazes com frases em defesa da vida chegam a derrubar e agredir a outra manifestante. De uma delas se consegue ouvir: feministas têm que morrer. 6 Por outrolado, o posicionamento do relativismo cultural é positivo em relação a diversidade cultural e suas múltiplas formas de manifestação, seja em termos de identidades históricas, quanto de identidades culturais mais contemporâneas e urbanas. Na perspectiva relativista ressaltam-se valores de integração, diálogo, respeito, tolerância, inclusão e mútua aprendizagem. Significa dizer que é preciso considerar o percurso histórico e sociopolítico de cada sociedade, tendo presente os diferentes elementos constitutivos de seu sistema cultural. No entanto, é preciso considerar pelo menos um aspecto crítico da visão relativista de considerar a priori todas as expressões culturais como válidas e legitimas em si mesmas. Ora, um sistema cultural tende a se manifestar em termos ideológicos e práticas sociais cabendo estabelecer um filtro ético e humanitário sobre manifestações culturais potencialmente perigosas e até violentas. Dizer que as culturas são relativas, não significa aceitar todo tipo de práticas que possam querer justificar violência e extermínio, seja em exemplos de rituais de mutilação genital feminina, ou de limpeza étnica, uma forma de extermínio planejado e sistemático de populações minoritárias como o ocorrido na Bósnia (1992-1995), na Arménia (1915-1917), e mais recentemente em Mianmar contra a minoria muçulmana. TEMA 3 – TEORIA EVOLUCIONISTA E SUAS IMPLICAÇÕES NA ANTROPOLOGIA A herança renascentista a partir dos séculos XV e XVII espalhou por toda a Europa o gosto pela pesquisa e a valorização do pensamento científico. Posteriormente já no século XVIII sob o influxo do movimento iluminista vão se acumulando diversos saberes num esforço de explicar racionalmente a sociedade e seus problemas. A antropologia moderna, principalmente nas formulações de Edward Tylor recebeu forte influência das ideias de Charles Darwin (1809-1882), e suas teorias sobre a evolução e seleção das espécies. Algo semelhante ao que aconteceu na sociologia francesa de Durkheim que absorveu muitos dos pressupostos positivistas. 7 Figura 3 – Ilustração do processo evolutivo Crédito: Intueri/Shutterstock. A abordagem evolucionista exerceu forte influência ao longo do século XX, tendo em nomes como Gordon Childe (1982-1957) e Leslie White (1900-1975), autores de grande expressão. Contudo, será Tylor a consolidar essa abordagem com a publicação da obra em 1871, Cultura primitiva. A partir de um método analítico e comparativo, esse autor se esforça para evidenciar a evolução histórica pela qual passou a religião, tendo no monoteísmo cristão cristianismo a expressão máxima de seu aprimoramento. Outros autores, como Lewis Morgam (1818-1881), seguiram um caminho semelhante, mas tendo a família como objeto de estudo, seu desenvolvimento desde uma organização tida como primitiva, até sua versão moderna em sucessivas fases de desenvolvimento. A visão evolucionista da antropologia2 buscou explicar as diferenças culturais vistas como uma unidade ligada ao conceito de raça e dessa forma hierarquizar as culturas em mais ou menos 2 O evolucionismo típico da antropologia do século XIX construía-se sobre ideias de desenvolvimento do século XVIII, favorecido pela experiência do colonialismo e (a começar nos anos de 1860) pela influência de Darwin e seu defensor mais célebre, o filósofo social Herbert Spencer (1820-1903), que fundou o darwinismo social, uma filosofia social (antropologia social) que exalta as virtudes da competição individual. (Thomas; Finn, 2012). 8 evoluídas. Nessa visão, a humanidade embora possuindo uma unidade enquanto espécie, estava espalhada pelo planeta, vivendo em diferentes estágios de desenvolvimento, sendo possível demarcar o grau de avanço entre os diferentes grupos e culturas humanas. Um aborígine australiano encontra-se num estágio inferior de desenvolvimento (tecnologia, instituições, ciência etc.) se comparado ao modo de vida de um cidadão inglês do século XX (Cuche, 1999). A crítica ao evolucionismo antropológico vai ganhando expressão no início do século XX e segue na atualidade. São vários os fatores que contribuíram nessa direção: • Novas abordagens teóricas dentro, como escola francesa e escola funcionalista; • Mais desenvolvimento de outras ciências sociais, como história e sociologia; • Maior comunicação e divulgação de ideias cientificas, o que favoreceu o debate e diferentes ponto de vista; • A antropologia torna-se disciplina obrigatória em várias universidades; • A preocupação com o desaparecimento dos povos originários, vindos dos diversos processos de descolonização e independência; • Avanço de pesquisas etnográficas e compreensão aprofundada da diversidade cultural. TEMA 4 – A CONTRIBUIÇÃO DE FRANZ BOAS Todo o serviço, portanto, que um homem pode realizar para a humanidade deve servir para promover a verdade. (Franz Boas) Uma das figuras de relevo na antropologia moderna, Franz Boas (1858- 1942), ficou conhecido por sua abordagem culturalista. Sob vários aspectos é considerado o pai do relativismo cultural em oposição à tendência majoritária na antropologia do século XIX, na insistência dar fundamentação científica ao racismo etnocentrista. De origem alemã, radicou-se nos EUA onde escreveu importantes trabalhos estendendo sua influência na antropologia americana. 9 Figura 4 – Relato de Franz Boas vivendo com os esquimós Crédito: American Philosophical Society / Science Photo Library / Fotoarena. As pesquisas de Boas combinam elementos interdisciplinares, suas contribuições lançaram as bases para uma importante corrente teórica, a antropologia cultural, cujo escopo propõe uma compreensão ampliada dos comportamentos humanos a partir dos diferentes elementos contextuais: economia, representações sociais, organização política e tecnologia. A antropologia cultural baseia seus estudos no método etnográfico e em análises comparativas. Contudo, a noção da cultural da qual parte é pluralista e diversa, numa forma de olhar outro que procura apreender suas características constitutivas considerando aspectos sociais e históricos e não fatores biológicos. Os estudos de Boas contribuíram enormemente na superação de racialismo dentro da antropologia, um viés que busca explicar traços culturais a partir de elementos físicos e biológicos do grupo/povo pesquisado. Sua abordagem culturalista promoveu uma verdadeira desconstrução epistemológica da noção de civilização advinda da tradição evolucionista. Ideias 10 eurocêntricas de classificar as culturas em fases e etapas de desenvolvimento indo selvagem, bárbaro até a civilização ficaram cada vez mais insustentáveis do ponto de vista cientifico. Insistir em tal abordagem se mostraria muito mais como ideologização que ciência. A etnografia construída por Boas evidenciou alguns aspectos da pesquisa antropológico: • O evolucionismo cultural é mais ideologia que ciência; • Cultura e civilização não são necessariamente conceitos equivalentes; • Estudar a diferenciação cultural é possível sem fazer hierarquizações; • Cultura como macro conceito só pode ser estuda cientificamente como uma realidade social, histórica, múltipla e diversa; • Cada povo possui sua própria cultura, rica, complexa e desenvolvida a partir de sua própria história; • Padrões comparativos extrínsecos, tendem a ser arbitrários e reforçar preconceitos. O método etnográfico de Boas se desenvolve pela descrição do universo cultural estudado. Uma pesquisa envolvendo a imersão do pesquisador na realidade pesquisada, um desafio de convivência, um verdadeiro exercício de alteridade, pois conforme ressalta Boas, qualquer pessoa que tenha vivido com tribos primitivas, que tenha partilhado as suas alegrias e tristezas, as suas privações e abundâncias, que veja nelas não apenas objetosde estudo a serem examinados, como células a um microscópio, mas seres humanos pensantes e com sentimentos, concordará que não existe uma ‘mente primitiva’, um modo de pensar ‘mágico’ ou ‘pré- lógico’, mas cada indivíduo numa sociedade ‘primitiva’ é um homem, uma mulher, uma criança da mesma espécie com o mesmo modo de pensar, sentir e agir que qualquer homem, mulher ou criança da nossa sociedade. (Boas, 2005, p. 38) Uma imersão que deveria ser acompanhada pelo acesso e compreensão da língua – tanto quanto possível – e da cultura com a qual se trabalha. Na proposição metodológica de Boas reúne-se a um só tempo duas dimensões, a do teórico e observador. Seus estudos monográficos tinham como foco captar o micro nas relações sociais formando uma tecitura que pudesse oferecer a real condição e complexidade da cultura estudada. De onde deriva a classificação posterior de sua teoria de microsociológica. A abordagem etnográfica de Boas possui alguns aspectos importantes a serem destacados: • Visão holística de maneira a descrever em sentido global os diferentes aspectos estudados; 11 • Abordagem natural ao aceitar a realidade como a mesma observando e anotando tudo que for relevante sobre as falas, gestos, histórias, termos, símbolos, objetos e o cotidiano; • Segue um raciocínio indutivo evitando pressuposições; • Dimensão fenomenológica da alteridade, acolhendo o que os sujeitos pesquisados revelam a partir de suas próprias lógicas e perspectivas; • Contextualização minuciosa das circunstâncias e vivências observadas; • Manter o máximo de imparcialidade, evitando formular juízos de valor. TEMA 5 – A CONTRIBUIÇÃO BRONISLAW MALINOWSKI O nome de Bronislaw Malinowski (1884-1942), ocupou lugar de destaque na produção antropológica por pelo menos duas décadas entre os anos de 1922 a 1942. De descendência polonesa, passou a maior parte de sua carreira na Inglaterra onde também atuou como professor. Vinculado à abordagem funcionalista da antropologia, seu olhar busca captar a cultura como uma totalidade, buscando caracterizar e explicar a funcionalidade e disfuncionalidade que envolve os indivíduos, grupos e instituições. Figura 2 – Bronislaw Malinowski Crédito: Library Of The London School Of Economics And Political Science/CC-PD. 12 O modelo epistêmico de Malinowski é etnografia; seus estudos monográficos têm como foco a profundidade no campo de pesquisa. Para esse autor, a imersão etnográfica constitui parte integrante da observação participante, um atributo do pesquisador em contato seu objeto de pesquisa. Sobre essas características, Laplantine (2003, p. 61) – que embora não tenha sido o primeiro a conduzir uma experiencia etnográfica – foi o precursor a viver com as populações que estudava e a recolher seus materiais de seus idiomas, radicalizou essa compreensão por dentro, e para isso, procurou romper ao máximo os contatos com o mundo europeu. Ninguém antes dele tinha se esforçado em penetrar tanto, como ele fez no decorrer de duas estadias sucessivas nas ilhas Trobiand, na mentalidade dos outros, e em compreender de dentro, por uma verdadeira busca de despersonalização, o que sentem os homens e as mulheres que pertencem a uma cultura que não é nossa. [...] Segundo ele, conforme o primeiro exemplo que dá em seu primeiro livro, mostrar que a partir de um único costume, ou mesmo de um único objeto (por exemplo, a canoa trobiandesa) aparentemente muito simples, aparece o perfil do conjunto de uma sociedade.[...] Malinowski considera que uma sociedade deve ser estudada . A antropologia se configurou numa ciência da alteridade e, nesse sentido, Malinowski pode ser considerado o precursor dessa concepção. Sua concepção de cultura busca reconstituir os elementos particulares e singulares que estruturam os diferentes povos que pesquisou. Em uma de suas obras mais conhecidas, Os Argonautas do Pacífico Ocidental, ele mergulha no universo cultural dos Trobriandeses, população localizada na costa oriental da Nova Guiné, um povo tão único e singular bem fora dos parâmetros da cultura ocidental. Entre aproximações e distanciamentos em relação ao outro, a pesquisa etnográfica permite um contato direto e enriquecedor com outros mundos, tão diferentes, que podem, num primeiro momento, causar perplexidade. Contudo, para Laplantine (2003, p. 13) é possível o encontro das culturas que leve a modificação do olhar que se tinha sobre si mesmo, pois de fato. Presos a uma Única cultura, somos não apenas cegos à dos outros, mas míopes quando se trata da nossa. A experiência da alteridade (e a elaboração dessa experiência) leva-nos a ver aquilo que nem teríamos conseguido imaginar, dada a nossa dificuldade em fixar nossa atenção no que se nos é habitual, familiar, cotidiano, e que consideramos “evidente”. Aos poucos, notamos que o menor dos nossos comportamentos (gestos, mímicas, posturas, reações afetivas) não tem realmente nada de: natural”. Começamos então, anos surpreender com aquilo que diz respeito a nós mesmos, a nos espiar. O conhecimento (antropológico) da nossa cultura passa inevitavelmente pelo conhecimento das outras culturas; e devemos especialmente reconhecer que somos uma cultura possível entre tantas outras, mas não a única. 13 Malinowski nos mostra que para além do estranhamento inicial, existe uma lógica própria de significações que da coerência ao sistema social dos Trobriandeses. Tal compreensão seria difícil de ser alcançada a partir de observações externas ou distantes, mas quando o pesquisador mergulha e participa da realidade que está observando ele toca o outro na sua alteridade, naquilo que o torna único em seu valor e dignidade. NA PRÁTICA Como vimos, o etnocentrismo apresenta a ideia de superioridade de uma cultura sobre a outra, de um sistema social como referência e parâmetro, de supremacia étnica, o que inevitavelmente leva a atitudes de intolerância e hostilidade, perseguição e violência, as vezes de destruição do outro, como no nazismo. Subjacente a esses elementos é possível identificar o sentimento xenofóbico como causa fundamental da repulsa e agressão ao que estranho. Tendo como referência os estudos e leituras realizados, relacione os conceitos de etnocentrismo e racismo a partir da análise do documentário Ku Klux Klan Organização Criminosa dos EUA – disponível em: <https://youtu.be/QshuBsqUlfk>. Após sua análise, elabore um paper (uma página) apresentando seus argumentos. FINALIZANDO Ao final desse breve percurso, cumpre reafirmar algumas ideias: • Com o desenvolvimento histórico e o avanço das pesquisas antropológicas a visão evolucionista vai sendo superada, dando lugar a abordagens pluralistas tendo na alteridade uma categoria fundamental. • Embora culturalmente arraigado, o etnocentrismo tornou-se uma posição cientificamente e eticamente superada, dando lugar a concepções abertas de diálogo, valorização e interculturalidade. • Entre as diversas contribuições para a antropologia moderna ocupam papel de destaque, Franz Bos e Bronislaw Malinowski por terem consolidado o método etnográfico, incorporando elementos epistemológicos interdisciplinares na antropologia. 14 REFERÊNCIAS BOAS, F. Antropologia cultural. Rio de Janeiro. Jorge Zahar, 2005. CUCHE, D. A noção de cultura nas ciências sociais. Bauru: Edusc, 1999. LAPLANTINE, F. Aprender Antropologia. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 2003 LOPES, A. d’. Á. Da coexistência à convivência com o outro: entre o multiculturalismo e a interculturalidade. Remhu – Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, v. 20, n. 38. Brasília, 2012 MUNANGA, K. Diversidade, etnicidade, identidade e cidadania. 1º Seminário de Formação Teórico Metodológica. São Paulo, 2012. Disponível em: <http:// www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp-content/uploads/2012/09/Palestra- Kabengele-DIVERSIDADEEtnicidade-Identidade-e-Cidadania.pdf>.Acesso em: 29 ago. 2021. THOMAS et al. História da antropologia. Petrópolis: Vozes, 2012.
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