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aula 3

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TEORIA E PRÁTICA EM 
ANTROPOLOGIA 
AULA 3 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Everson Araujo Nauroski 
 
 
 
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CONVERSA INICIAL 
A contribuição da antropologia feita em terras tupiniquins rompe em 
parte com a visão eurocêntrica do mundo. Mesmo a partir da mesma base 
epistemológica, o conhecimento produzido acerca dos indígenas, suas culturas 
e trajetórias trouxeram novos olhares de respeito e valorização. As pesquisas 
sobre o mundo rural e urbano consolidaram a antropologia brasileira, trazendo 
à tona tanto a urgência de se pensar seus problemas quanto da necessidade 
de ir além da teoria e desenvolver políticas para o campo e para cidade. 
TEMA 1 – O INDÍGENA NA ANTROPOLOGIA BRASILEIRA 
No princípio do século XVI, ainda sobreviviam 230 tribos no Brasil; 
desde então desapareceram 90, apagadas do planeta por obra e 
graça das armas de fogo e dos micróbios. Violência e doença, 
batedores da civilização: o contato com o homem branco, para o 
indígena, continua sendo o contato com a morte. (Galeano, 2010, p. 
51) 
Os diversos casos de independência dos países historicamente 
invadidos e colonizados pelas potências europeias, como os que ocorreram no 
continente africano, fizeram com que muitas críticas fossem dirigidas à 
antropologia, tida como um conjunto de teorias justificadoras da “missão 
civilizadora”, em face de outros povos tidos como “atrasados” e “primitivos”. 
Não foi sem razão que a antropologia nascente fosse considerada uma 
construção teórica oriunda da cultura imperialista. No entanto, é preciso 
reconhecer que dentro da própria antropologia surge um corpus teórico e crítico 
em relação ao posicionamento iluminista, evolucionista e positivista. 
A antropologia pós-colonial emerge em meio a críticas, mas também 
com renovado vigor intelectual de oferecer ao mundo diversas novas 
possibilidades de pesquisa e metodologias. Como filha egressa da cultura 
europeia, as bases epistemológicas da antropologia tiveram poucas 
modificações, mantendo-se o lastro conceitual já desenvolvido por autores 
franceses, ingleses e americanos. Contudo, diversas novas reorientações 
teóricas colocam a alteridade como categoria fundamental. 
 
 
 
3 
Figura 1 – Indígenas brasileiros 
 
Créditos: Alekk Pires/Shutterstock. 
Novos olhares sobre o universo múltiplo e plural das populações 
indígenas precisavam surgir. Uma abertura epistemológica bem assinalada por 
Clifford (1998, p. 19), ao afirmar que o Ocidente não pode mais “se apresentar 
como o único provedor de conhecimento antropológico sobre o outro, tornou-se 
necessário imaginar um mundo de etnografia generalizada. Com a expansão 
da comunicação e da influência intercultural, as pessoas interpretam os outros, 
e a si mesmas, numa desnorteante diversidade de idiomas”. 
Cada vez mais, um olhar de abertura e acolhimento ao pluralismo 
cultural dirigiu-se às populações indígenas, principal objeto de estudo no início 
da antropologia brasileira. Ainda faltava um longo percurso para que o novo 
saber fosse reconhecido como disciplina científica, como já havia acontecido 
no velho continente. 
O fato de os indígenas brasileiros estarem sob a proteção e tutela do 
Estado trazia elementos diferenciados na condição social e histórica dessas 
populações, diferente do que havia ocorrido na África. Uma ambiguidade 
complexa, pois, se por um lado os indígenas brasileiros estavam “mais 
protegidos”, sua condição de distanciamento e isolamento em seus territórios 
 
 
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dificultou que assumissem maior protagonismo como sujeitos de sua própria 
cultura, inclusive elaborando e participando de estudos sobre sua história e 
identidades. 
O olhar que tenta realizar esse projeto científico sobre os índios 
brasileiros é predominantemente do homem branco. Faltava ocorrer no Brasil 
uma descolonização efetiva em relação às populações indígenas, um processo 
ao mesmo tempo social, cultural e epistemológico. 
 Um movimento histórico dessa natureza depende tanto da capacidade 
de protagonismo dos indígenas brasileiros quanto de políticas públicas que 
lhes possibilite tal protagonismo. As demandas atuais por parte das populações 
indígenas indicam que esse processo já está em curso, conforme observado 
por Fernandes (2019, p. 332): 
Cada vez mais as comunidades indígenas tomam para si a decisão 
sobre quem trabalha, realiza pesquisas ou mesmo pode ter acesso às 
aldeias. A superação da tutela via protagonismo indígena tem 
gradativamente retirado das mãos da Fundação Nacional do Índio 
(Funai) a suposta atribuição de emissão de autorizações sobre o 
ingresso de pessoas e realização de atividades nas aldeias 
indígenas. No caso dos antropólogos, tomados como parceiros de 
luta, representam a possibilidade de compreensão “de perto” das 
questões melindrosas com as quais os povos indígenas se deparam 
e que exigem, por exemplo, a realização de estudos ou laudos 
antropológicos. Nesse sentido, a partir da releitura da presença dos 
antropólogos nas aldeias, os trabalhos a serem realizados passam a 
ser meticulosamente negociados a partir de critérios próprios de cada 
povo indígena. As pesquisas antropológicas são negociadas, mesmo 
quando o antropólogo se apresenta com o objetivo de realizar 
pesquisas vinculadas aos interesses do Estado. Quando os 
antropólogos se apresentam vinculados às universidades, a relação 
pode ser outra, podendo significar a possibilidade de realização de 
alianças diversas e duradouras, mediadas pela possibilidade de 
realização de outras parcerias, como a mediação no ingresso de 
indígenas estudantes nos cursos universitários. 
A dialética envolvendo mudanças substanciais no campo dos 
conhecimentos e das culturas envolvendo as populações indígenas é complexa 
e envolve a atuação de diversos sujeitos, principalmente dos próprios 
indígenas, assumindo cada vez mais seu protagonismo, bem como da pressão 
e engajamento da sociedade civil organizada, nacional e internacional em 
contribuir com a defesa de seus direitos. 
TEMA 2 – A QUESTÃO INDÍGENA NO BRASIL 
Os incêndios, que abriam a terra para os canaviais, 
devastaram as matas e com elas a fauna; desapareceram 
os veados, os javalis, os tapires, os coelhos, as pacas e os tatus. 
 
 
5 
O tapete vegetal, a fauna e a flora foram sacrificados, 
nos altares da monocultura, à cana-de-açúcar. 
A produção extensiva esgotou rapidamente os solos 
(Galeano, 1994, p. 77). 
Historicamente, é difícil não classificar como um misto de desprezo e 
preconceito a visão ocidental majoritária em relação aos povos fora de seu 
quadro cultural de referências. Muito da riqueza construída pelas grandes 
potências europeias adveio da pilhagem e assassinato, como bem descreveu e 
historicizou Galeano (1994). 
Caso no passado colonial a cana tenha representado por um bom tempo 
o produto primordial da sanha acumuladora, na atualidade são o gado e as 
monoculturas do agronegócio os principais fatores de desmatamento. Na 
narrativa econômica antiecológica, os indígenas com suas reservas legais 
tornaram-se obstáculos ao desenvolvimento econômico. A miopia imediatista 
da agropecuária exportadora considera mais importante queimar e desmatar do 
que implementar mecanismos de exploração sustentáveis. O resultado desse 
embate é o aumento de conflitos e assassinatos de indígenas. 
Saiba mais 
O termo monoculturas refere-se à produção agrícola, quando em 
extensas áreas é cultivado um único tipo de produto, soja, milho, trigo, cana 
etc. Como decorrência dessa prática, a biodiversidade é afetada e reduzida. 
Esse tipo de agrossistema traz efeitos em toda cadeia ecológica e é 
responsável pelo rápido esgotamento do solo cultivado. 
Talvez possamos compreender melhor os desafios e problemas que 
vêm afetando os indígenas brasileiros, trazendo algumas das contribuições de 
Ailton Krenak, considerado um dos mais importantes ambientalistas e líderes 
indigenistas da atualidade. Sua atuação histórica é reconhecidanacional e 
internacionalmente. 
 
 
 
6 
Saiba mais 
Ailton Krenak – líder indigenista brasileiro. Disponível em: 
<https://www.ufrgs.br/jornal/ailton-krenak-a-terra-pode-nos-deixar-para-tras-e-
seguir-o-seu-caminho/>. Acesso em: 20 ago. 2021. 
Ailton Krenak tem vários livros publicados, todos traduzidos em diversas 
línguas. O tema recorrente em sua obra é a defesa da vida, da biodiversidade e 
das populações indígenas. Seus textos retomam elementos de uma sabedoria 
ancestral ao mesmo tempo em que trazem uma expressão poética de força e 
beleza. Vejamos algumas passagens de seu livro Ideias para evitar o fim do 
mundo. 
1. 
O dilema político que ficou para as nossas comunidades que 
sobreviveram ao século XX é ainda hoje precisar disputar os últimos 
redutos onde a natureza é próspera, onde podemos suprir as nossas 
necessidades alimentares e de moradia, e onde sobrevivem os 
modos que cada uma dessas pequenas sociedades tem de se manter 
no tempo, dando conta de si mesmas sem criar uma dependência 
excessiva do Estado. O rio Doce, que nós, os Krenak, chamamos de 
Watu, nosso avô, é uma pessoa, não um recurso, como dizem os 
economistas. Ele não é algo de que alguém possa se apropriar; é 
uma parte da nossa construção como coletivo que habita um lugar 
específico, onde fomos gradualmente confinados pelo governo para 
podermos viver e reproduzir as nossas formas de organização (com 
toda essa pressão externa). Falar sobre a relação entre o Estado 
brasileiro e as sociedades indígenas a partir do exemplo do povo 
Krenak surgiu como uma inspiração, para contar a quem não sabe o 
que acontece hoje no Brasil com essas comunidades — estimadas 
em cerca de 250 povos e aproximadamente 900 mil pessoas, 
população menor do que a de grandes cidades brasileiras. 
Na visão de Krenak, existe uma incompatibilidade entre a preservação 
da biodiversidade e da cultura ancestral dos povos indígenas e o atual modelo 
de desenvolvimento econômico. Considerando que o progresso material e a 
exploração predatória dos recursos naturais são os principais inimigos da 
natureza, o que precisaria ser mudado: o modo de vida dos indígenas ou a 
cultura do homem branco? 
2. 
Cantar, dançar e viver a experiência mágica de suspender o céu é 
comum em muitas tradições. Suspender o céu é ampliar o nosso 
horizonte; não o horizonte prospectivo, mas um existencial. É 
enriquecer as nossas subjetividades, que é a matéria que este tempo 
que nós vivemos quer consumir. Se existe uma ânsia por consumir a 
natureza, existe também uma por consumir subjetividades — as 
nossas subjetividades. Então vamos vivê-las com a liberdade que 
formos capazes de inventar, não botar ela no mercado. Já que a 
natureza está sendo assaltada de uma maneira tão indefensável, 
 
 
7 
vamos, pelo menos, ser capazes de manter nossas subjetividades, 
nossas visões, nossas poéticas sobre a existência. Definitivamente 
não somos iguais, e é maravilhoso saber que cada um de nós que 
está aqui é diferente do outro, como constelações. O fato de 
podermos compartilhar esse espaço, de estarmos juntos viajando não 
significa que somos iguais; significa exatamente que somos capazes 
de atrair uns aos outros pelas nossas diferenças, que deveriam guiar 
o nosso roteiro de vida. Ter diversidade, não isso de uma 
humanidade com o mesmo protocolo. Porque isso até agora foi só 
uma maneira de homogeneizar e tirar nossa alegria de estar vivos. 
Nesse trecho, Krenak alerta para o fato de que o aprisionamento da vida 
não envolve somente a cultura econômica, que transforma tudo em 
mercadoria, mas também aprisiona as subjetividades humanas na mesma 
lógica binária que opõe as diferenças e causa afastamento. No Brasil, a visão 
etnocêntrica em relação ao indígena é forte e perniciosa. 
TEMA 3 – INDIGENAS BRASILEIROS: DO ASSUJEITAMENTO AO 
PROTAGONISMO 
Os indígenas foram completamente exterminados nas lavagens 
do ouro, na terrível tarefa de revolver as areias 
auríferas com a metade do corpo debaixo d’água, 
ou lavrando os campos até a exaustão, 
com as costas dobradas sobre pesados instrumentos de arar 
trazidos da Espanha. (Galeano, 1994, p. 20) 
Os estudos mais recentes sobre as questões indígenas como os de 
Gomes (2002) e Araujo (2006) identificam diversas ações de protagonismo por 
parte das populações indígenas. Uma maior presença em espaços acadêmicos 
e apropriação dos códigos da cultura branca, buscando com isso reconstruir e 
ressignificar o arcabouço teórico a partir de suas trajetórias e identidades. Cada 
vez mais, buscam se articular em coletivos e demandar o poder público em 
busca de estabelecer relações menos assimétricas. São movimentos em 
direção à construção da autonomia e autodeterminação, uma reivindicação 
antiga e recorrente que integra o centro da agenda do movimento indigenista 
nacional. 
 
 
 
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Figura 3 – Manifestação de líderes indígenas em Londres em 2019 
 
Créditos: Meandering Images/ Shutterstock. 
 Essa imagem registra a manifestação de lideranças indígenas ocorrida 
em 2019 em frente à embaixada em Londres com o objetivo de chamar a 
atenção da opinião pública mundial para as situações de conflitos que 
resultaram em 2019 na morte 113 lideranças indígenas. 
 Existe uma clara percepção por parte dos coletivos indígenas de que é 
necessário fazer enfrentamentos em diversos campos da sociedade branca de 
modo a levantar suas bandeiras, conscientizando e mobilizando a opinião 
pública para as diversas situações de abuso que diferentes tribos em diferentes 
regiões do território nacional vêm sofrendo. 
Para Fernandes (2015, p. 329), trata-se de uma demanda estratégica de 
inserção indígena 
nas mais diversas áreas do conhecimento, com atenção especial 
àquelas consideradas prioritárias, como saúde, educação, direito, 
entre outras, também é parte das estratégias elaboradas pelos povos 
indígenas para o exercício do protagonismo nas relações com o 
Estado brasileiro, que devem ser pautadas em novos paradigmas, 
onde os indígenas, enquanto sujeitos plenos de direito e 
conhecimento, sejam também sujeitos na elaboração de suas 
próprias histórias, situando, desta feita, “os brancos” e suas 
instituições nas cosmologias e sentidos que são próprios de cada 
 
 
9 
povo indígena, produzindo novas relações políticas, históricas e 
cosmológicas com vistas à superação do estereótipo de vítimas da 
história. 
 Não é difícil entender as motivações dessas iniciativas. Ou se organizam 
e lutam ou serão novamente colonizados e mortos. Os setores predatórios da 
agropecuária, do agronegócio, das madeireiras e das empresas de mineração 
só os veem como obstáculos ao avanço e expansão de seus interesses 
mercadológicos. Desde a década de 1970, quando as populações indígenas 
ampliaram sua participação social e política na sociedade branca, os esforços 
coordenados de suas lideranças visam superar de vez aquela visão de vítimas 
da história. 
TEMA 4 –ANTROPOLOGIA RURAL E O OLHAR SOBRE O CAMPO 
Pois para os povos e comunidades tradicionais, os territórios, 
os recursos que eles contêm e os conhecimentos que a eles 
se referem constituíram-se historicamente como objeto de 
disputa frente às forças do mercado de terras, do agronegócio, 
da mineração ou dos grandes projetos de desenvolvimento. 
(Acselrad, 2013, p. 6) 
Após 500 anos de uma história marcada por violência e dominação – 
não sem resistência –, os povos tradicionais, indígenas e milhões de negros 
que foram escravizados foram os responsáveis diretos pela geração de riqueza 
que em boa medida ajudou a constituir o Brasil como nação, além de terem 
contribuído pela preservação de um rico legado cultural. 
Ao considerarmos o passado e o presente, verificamos que ainda falta 
muito para o Brasil avançar em políticas de reconhecimento com garantias de 
sobrevivência e autonomia dos povos originários e dos trabalhadores do 
campo. O processo de reforma agrária no Brasil ainda tem muito a avançar,principalmente devido aos interesses do grande latifúndio e seu poder político. 
Uma efetiva distribuição de terra aos trabalhadores rurais promoveria 
maior pacificação no campo, aumentaria o potencial de segurança alimentar do 
país e ainda contribuiria com a preservação do meio ambiente, visto que é 
comum entre pequenos produtores rurais e na agricultura familiar a 
diversificação no cultivo e uso de técnicas sustentáveis, como a agroecologia. 
 
 
 
10 
Figura 4 – Camponeses 
 
Crédito: Shutterstock. 
Em que pese os avanços na última década em relação às condições das 
populações que tradicionalmente ocupam o espaço rural, os conflitos fundiários 
ainda são frequentes, e não raro ocasionam a morte de camponeses e seus 
líderes. Ao buscar explicar as relações entre território, cultura e identidade 
envolvendo os povos tradicionais, a antropologia rural oferece importantes 
contribuições. Para Wanderley (2001, p. 32), o mundo rural possui suas 
próprias especificidades, como um espaço de construção social diferenciado. 
Faz-se, aqui, referência à construção social do espaço rural, 
resultante especialmente da ocupação do território, das formas de 
dominação social que têm como base material a estrutura de posse e 
uso da terra e outros recursos naturais, como a água, da conservação 
e uso social das paisagens naturais e construídas e das relações 
campo-cidade. Em segundo lugar, enquanto um lugar de vida, isto é, 
lugar onde se vive (particularidades do modo de vida e referência 
‘identitária’) e lugar de onde se vê e se vive o mundo (a cidadania do 
homem rural e sua inserção na sociedade nacional). Dada a grande 
diversidade de situações encontradas no meio rural, considero de 
grande necessidade e urgência a elaboração de tipologias que evitem 
generalizações precipitadas e que, ao mesmo tempo, consiga 
articular os diversos ‘tipos’ observados em um quadro geral de 
análise. 
 Além das pesquisas e da elaboração conceitual e analítica, a 
antropologia rural tem contribuído na elaboração de políticas públicas de 
desenvolvimento, evidenciando a complexidade que envolve a dinâmica da 
vida das populações rurais e trabalhadores do campo. Um primeiro 
pressuposto de qualquer política voltada ao mundo rural é o respeito a suas 
populações e suas necessidades. As políticas precisam levar em conta os 
diferentes aspectos que envolvem o perfil social, o potencial produtivo do 
 
 
11 
território, os tipos de cultivo mais adequados, a assessoria técnica. Em uma 
palavra, é preciso uma atenção sistêmica e integrada, visando contribuir para o 
desenvolvimento em suas múltiplas dimensões, conforme os itens a seguir: 
• implementar medidas de aproveitamento sustentável dos recursos; 
• preservar a natureza e os ecossistemas; 
• assegurar o acesso à terra e ao trabalho digno e valorizado; 
• identificar e potencializar a diversidade territorial; 
• garantir o desenvolvimento integrado do campo, com acesso à 
tecnologia, infraestrutura, bens e serviços; e 
• fomentar a qualidade de vida no campo de modo a inibir o êxodo rural. 
O mote do desenvolvimento no campo precisa ser o da construção da 
cidadania e o da igualdade. As populações do meio rural precisam contar com 
o apoio de políticas que possibilitem sua autonomia, independência e 
valorização. 
TEMA 5 – UM OLHAR SOBRE A CIDADE 
No capitalismo atual, o econômico tem se emancipado da submissão 
ao político e se transformado na instância diretamente dominante que 
comanda a reprodução e evolução da sociedade. (Santos, 2006, p. 
12) 
Segundo Mendoza (2000), o início dos estudos sobre a realidade urbana 
do ponto de vista antropológico se deu a partir do avanço da urbanização e 
industrialização do Brasil, entre as décadas de 1950 e 1960, um fenômeno 
complexo com diversas implicações sociais e culturais. A complexidade que 
envolvia o crescimento e transformações das cidades aumentou o interesse de 
mais pesquisadores em compreender seus problemas. Autores como Florestan 
Fernandes e Otávio Velho deram importantes contribuições para que as 
ciências sociais pudessem ampliar seus objetos de estudo. 
Na década de 1970, a inovação metodológica trazida pela etnologia 
amplamente desenvolvida no contexto dos estudos indígenas possibilitou 
problematizar diversos aspectos da realidade urbana e temas como 
industrialização, pobreza, desemprego e violência ocupam a agenda da 
pesquisa antropológica. Mais do que produzir conceitos e teorias, existe um 
componente de engajamento nesse período, em parte explicado pelo contexto 
 
 
12 
da Ditadura Militar e a repressão contra a intelectualidade. O esforço também 
era produzir conhecimentos que pudessem ajudar a melhorar a sociedade. 
Figura 5 – Representação da realidade urbana 
 
Créditos: Vectormine/ Shutterstock. 
Essa imagem poderia ser interpretada como um alerta sobre os 
impactos que o modo de vida urbano advindo das sociedades industriais tem 
provocado no meio ambiente, o que levanta a indagação de que se haveria 
tempo de reverter os danos causados e encontrar possibilidades sustentáveis 
de viver e trabalhar nas cidades. 
A partir da década de 1980, a antropologia urbana vai ganhando cada 
vez mais espaço e reconhecimento dentro das ciências sociais. Ampliam-se as 
pesquisas sobre o fenômeno urbano e diversos programas de pós-graduação 
são criados. Em diversas universidades surgem grupos de pesquisa com foco 
na vida urbana. 
A antropologia urbana chega à atualidade consolidada como área de 
pesquisa que consegue incorporar a complexidade e heterogeneidade da vida 
nas cidades. Isso nos leva ao desafio de situar alguns campos de estudos, 
como a seguir. 
• Processos migratórios e trabalho: como vimos no tópico anterior, 
existem diversos desafios e problemas em relação ao desenvolvimento 
da vida no campo. As adversidades enfrentadas por milhares de 
trabalhadores rurais têm forçado a fuga para as cidades. Diante de 
 
 
13 
crises econômicas, desemprego e baixa escolarização, são poucas as 
possibilidades de sobreviver com dignidade nos espaços urbanos. 
• Degradação da sociabilidade urbana: a competição e o individualismo, 
mais que valores da cultura capitalista, tornaram-se formas de 
sobreviver frente à escassez generalizada da vida na cidade. A 
mercantilização geral do mundo da vida exige que se pague por tudo. 
Embora existam iniciativas de cooperação e redes de solidariedade, na 
selva de pedra ainda predomina um estado de “guerra de todos contra 
todos”. 
• Violência urbana: sem infraestrutura e proteção, a humanidade que 
existe em nós pode regredir, fazendo surgir diferentes formas de 
violência. Pobreza, fome, miséria e abandono favorecem tanto a 
vulnerabilidade social como o aumento da delinquência e criminalidade. 
Trouxemos três grandes problemas da vida urbana, e certamente 
existem muitos mais. Em geral, as pesquisas da antropologia seguem cada vez 
mais um diálogo interdisciplinar para explicar as causas mais profundas dos 
males da vida moderna nas cidades. Se esses problemas persistem e se 
agravam, como estamos testemunhando horrorizados em tempos de 
pandemia, não é por carência de estudos. 
Muitas das causas profundas dos males que afetam a humanidade, seja 
no campo ou na cidade, estão localizadas nas esferas política e econômica, 
nos centros de poder e de governo, que deliberam desconsiderando de seus 
cálculos a preservação da natureza e o bem-estar da maioria das pessoas. 
NA PRÁTICA 
Com base nos estudos realizados, assista ao filme/documentário A 
servidão moderna. Em seguida, trace um perfil do homem urbano moderno, 
caracterizando seus valores e comportamentos. Embora não se trate de uma 
observação participante, busque utilizar dos recursos do método etnográfico de 
observação, descrição e anotação para produzir seu estudo. 
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Ybp5s9ElmcY>. 
Acesso em: 20 ago. 2021.14 
FINALIZANDO 
Ao longo dessa aula, buscamos apresentar algumas das contribuições 
da antropologia brasileira. Foi possível perceber que diferentes frentes de 
pesquisa foram sendo construídas a partir das mudanças na própria sociedade 
brasileira. Se num primeiro momento o tema central dos estudos 
antropológicos foram as populações indígenas, com o avanço dos processos 
de industrialização e urbanização, o interesse dos pesquisadores volta-se ao 
mundo rural e urbano. Na sequência, mesmo que de maneira introdutória, foi 
possível tocar em questões importantes como êxodo rural e reforma agrária, 
além de alguns dos problemas da vida urbana como processos migratórios e 
trabalho, violência e sociabilidade. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
15 
REFERÊNCIAS 
FERNANDES, R. de F. Povos indígenas e antropologia: novos paradigmas e 
demandas políticas. Espaço Ameríndio. Porto Alegre, v. 9, n. 1, p. 322-354, 
jan./jun. 2015. Disponível em: 
<https://seer.ufrgs.br/EspacoAmerindio/article/view/53317/34379>. Acesso em: 
20 ago. 2021. 
GALEANO, E. As veias abertas da América latina. São Paulo: L&PM, 2010. 
Tradução: Sérgio Faraco. Disponível em 
<http://www.lpm.com.br/livros/Imagens/veiascon.pdf>. Acesso em: 20 ago. 
2021. 
GOMES, M. P. O índio na história: o povo Tenetehara em busca da liberdade. 
Rio de Janeiro: Vozes, 2002. 
KRENAK, A. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das 
Letras, 2019. 
MENDOZA, E. S. G. Sociologia da Antropologia urbana no Brasil: a década 
de 70. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2000. 
SANTOS, M. et al. Território, globalização e fragmentação. São Paulo: 
Hucitec, 1998. 
WANDERLEY, M. N. B. A ruralidade no Brasil moderno. Por um pacto social 
pelo desenvolvimento rural. In: Giarraca, n. 1, Una nueva ruralidad en 
América Latina? Buenos Aires: Clacso, 2001. p. 31–44.

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