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1 PSICOPATAS CRIMINOSOS E O SISTEMA PENAL BRASILEIRO CRIMINAL PSYCHOPATHS AND THE BRAZILIAN CRIMINAL SYSTEM Clícia Maria de Oliveira Tobias1 Larissa Yasmin Santos Queiroz2 Resumo: A psicopatia, denominada como transtorno de personalidade antissocial atribui ao psicopata um nível de frieza e crueldade tão patente que transparece aos atos criminosos por estes praticados. Em razão de no Brasil não haver uma legislação específica que se atente a estes casos, nota-se que a justiça brasileira se desatentou acerca da atenção necessária a esses indivíduos acometidos por este transtorno. Da mesma forma, não existe no país uma uniformidade nas decisões jurídicas quanto à sanção que deve ser aplicada aos psicopatas criminosos, os quais podem se destinar às punições: ou são tidos como imputáveis sofrendo aplicação de pena privativa de liberdade, ou são considerados semi-imputáveis com fulcro no artigo 26, parágrafo único, do Código Penal, podendo receber ou a redução de pena prevista neste, ou a aplicação da medida de segurança. Em decorrência do transtorno de personalidade que os psicopatas possuem, estes não conseguem assimilar como deveriam a sanção imposta a eles e muito menos se arrepender das barbaridades que cometem, motivo este pelo qual a pena ou medida de segurança não cumprem suas finalidades. Ao contrário disso, quando encarcerados manipulam os companheiros de cela, mostram falso arrependimento, o que difere totalmente da realidade, como também organizam e incentivam desordem nos presídios, pois são muito dissimulados e têm poder de convencimento. Conclui-se que a psicopatia é incurável, por se tratar de transtorno na área cerebral e funcional do portador, os quais em decorrência disso são impiedosos e insensíveis, diferentemente de quem não porta tal transtorno. Dessa forma, pelo exposto nota-se que é preciso que o país se atente mais no que tange às penalizações mais rigorosas dos psicopatas criminosos, uma vez que a atual punição destinada a eles é fraca sendo prova disso, o nível de reincidência destes. Podendo ainda o Brasil se espelhar em países do exterior, que já tratam esses indivíduos com atenção, mais rigor, o que torna a sanção mais eficiente e garante mais segurança à sociedade, garantindo à esta seus direitos fundamentais. Palavras-chave: Psicopatia. Limbo jurídico. Sistema penal brasileiro e sistemas internacionais. Abstract: Psychopathy, known as antisocial personality disorder, attributes to the psychopath a level of coldness and cruelty so patent that it can be seen in the criminal acts committed by 1 Acadêmica do curso da Instituição de Ensino Superior (IES) da rede Ânima Educação. E-mail: cliciatobias@outlook.com. Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Graduação em Direito da Instituição de Ensino Superior (IES) da rede Ânima Educação. 2021. Orientador: Profª. Rosimaire Cássia dos Santos, Especialista. 2 Acadêmica do curso da Instituição de Ensino Superior (IES) da rede Ânima Educação. E-mail: larissa- fze@hotmail.com. Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Graduação em Direito da Instituição de Ensino Superior (IES) da rede Ânima Educação. 2021. Orientador: Profª. Rosimaire Cássia dos Santos, Especialista. 2 them. As there is no specific legislation in Brazil that addresses these cases, it is noted that the Brazilian justice has failed to pay attention to the necessary attention to these individuals affected by this disorder. Likewise, there is no uniformity in legal decisions in any country regarding the sanction that should be applied to criminal psychopaths, who may be aimed at punishment: either are considered imputable, suffering from the application of the necessary penalty of liberty, or are considered semi-attributable with the fulcrum of article 26, sole paragraph, of the Penal Code, being able to receive either the reduction of penalty provided for in this, or the application of the security measure. Due to the personality disorder that psychopaths have, they cannot assimilate how to characterize the sanction imposed on them, much less regret the atrocities they commit, which is why the penalty or security measure does not fulfill its purposes. On the contrary, when incarcerated they manipulate their cellmates, show false repentance, which is totally different from reality, as well as organizing and encouraging disorder in prisons, as they are very secretive and have the power to convince. It is concluded that psychopathy is incurable, as it is a disorder in the brain and functional area of the patient, who as a result are ruthless and insensitive, unlike those who do not have such disorder. Thus, from the above, it is noted that the country needs to pay more attention to the stricter penalties for criminal psychopaths, since the current punishment aimed at them is weak proof of this, the level of recurrence of these. It is also possible for Brazil to mirror itself in countries abroad, which already treat these countries accordingly with attention, more rigor, which makes the sanction more efficient and guarantees more security to society, guaranteeing its fundamental rights. Keywords: Psychopathy. Legal limbo. Brazilian penal system and international systems. 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho foi realizado através de reprodução bibliográfica, e tem por escopo o estudo da psicopatia através de suas características peculiares, o tratamento no sistema penal brasileiro aos infratores portadores da psicopatia e o reflexo da reincidência criminal na sociedade. Primordialmente discorre-se acerca da criminologia clínica, cuja é a ciência que analisa o comportamento do criminoso, os fatores internos e fatores externos que levam um indivíduo a delinquir. Nesse ínterim, busca-se analisar as sanções penais aplicadas a eles pela justiça brasileira, uma vez que atualmente cabe ao Juiz, com fulcro no artigo 26 do Código Penal, reputá-los imputáveis, sofrendo a aplicação da pena privativa de liberdade, ora semi- imputáveis, recebendo aplicação da medida de segurança ou a redução de pena prevista no parágrafo único do artigo 26 do Código Penal. Adiante, estuda-se as características ligadas aos psicopatas homicidas, em virtude do grau de perversidade e desprezo que estes possuem, levando-os a delinquir de maneiras brutais, provocando grande comoção social. Bem como demonstra relevância na medida em 3 que procura provar que a distinção em punições e tratamentos de apenados portadores e não portadores da sociopatia deve ser realizada. Trata-se também sobre a psicopatia, sendo esta biologicamente elucidada como uma alteração no sistema límbico do cérebro, onde, por uma falha de comunicação entre duas estruturas, responsáveis por regular as emoções e o comportamento social, acarreta nestes indivíduos um comportamento insensível. É abarcado acerca do limbo jurídico e a psicopatia, trazendo as características dos psicopatas como a ausência de emoções, compaixão ou culpa, acompanhados da incapacidade que possuem de absorver o objetivo da punição, impede a eficácia das sanções penais a eles aplicadas. Conclui-se deste título que a psicopatia é incurável e que àqueles criminosos que a possuem, necessitam de uma atenção especial no que tange à sanção penal. Trata-se ao decorrer do trabalho, de um projeto de lei que versa sobre a criação de comissão técnica, autônoma da administração prisional, criando a possibilidade da realização do exame criminológico do condenado psicopata à pena restritiva de liberdade. Destarte, passa-se a comparação do sistema penal brasileiro aos estrangeiros, e conclui-se que o Brasil está muito aquém de exercer o objetivo dos presídios, bem como a penalização dos homicidas psicopatas. Dessa forma, por conseguintechega-se ao questionamento de qual forma seria a punição adequada e eficaz para psicopatas homicidas dentro do direito penal brasileiro e o que fazer para que se possa prevenir a prática de crimes bem como reduzir a reincidência criminal. Intentando argumentar a problemática exposta, o presente trabalho tem como principal objetivo esquadrinhar as características psíquicas e comportamentais destes indivíduos, bem como analisar a eficácia da punibilidade aplicada a estes pela justiça brasileira. 2 CRIMINOLOGIA CLÍNICA A criminologia clínica é a ciência que, através de métodos e técnicas de investigação, visa analisar o comportamento criminoso e as verdadeiras motivações, fatores internos e principalmente fatores exógenos que levaram tal indivíduo a delinquir. Tem por objetivo estudar o indivíduo submetido ao cárcere por meio de estratégias e métodos de intervenção de modo que o indivíduo possa ser reintegrado e ressocializado, retornando à sociedade e deixando seu aspecto “enfermo”. Neste sentido, a criminologia clínica influencia diretamente na execução penal e na individualização da pena. Nesse sentido, salienta Alvino Augusto de Sá: 4 Seja qual for á concepção que se tenha de Criminologia Clínica, ela deverá dar subsídios para se enfrentarem estas três questões: análise da conduta que o direito criminal define como criminosa e da pessoa que a praticou (ou, numa linguagem de viés crítico, da pessoa que foi selecionada pelo sistema punitivo), a análise do cárcere e suas vicissitudes e a discussão em torno das estratégias de intervenção. Assim, o critério sobre o qual se baseou a sequência dos temas são essas três questões enfrentadas pela Criminologia Clínica e Psicologia Criminal [...] Três questões deverão ser obrigatoriamente abordadas dentro dos métodos de investigação: primeiro, deve ser analisada a conduta tipificada como crime, bem como o agente que a praticou. Depois, a eficácia do cárcere e suas inconstâncias, abordando possíveis estratégias de intervenção cabíveis dentro do contexto criminal do indivíduo. 3 CULPABILIDADE A culpabilidade é o juízo que é feito sobre a reprovabilidade da conduta do agente, considerando suas circunstâncias pessoais, como por exemplo a sua capacidade. O objeto da culpabilidade está no agente, diferentemente do fato típico (fato estar previsto na lei) e da ilicitude (fato contrário ao ordenamento jurídico). Existem algumas teorias que buscam explicar a culpabilidade. O Código Penal Brasileiro (CPB) adota a teoria limitada. Esta, basicamente considera como elementos da culpabilidade a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa. O base da imputabilidade penal, pode ser definida como a capacidade mental do agente de entender o caráter ilícito da conduta. Existe as causas de exclusão da inimputabilidade, conforme previsto no artigo 26 e 27 do Código Penal, que dispõe: Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Sendo o agente completamente incapaz de entender o caráter ilícito do fato, este é isento de pena. Não sendo inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato, terá sua pena reduzida de 1/3 a 2/3: “Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. (Redação dada 5 pela Lei nº. 7.209, de 11.7.1984)”. O menor responderá perante ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e não ao CPB. A imputabilidade penal do agente deve ser aferida o momento do fato criminoso. 4 O CONCEITO DE PSICOPATIA, PSICOPATAS E SOCIOPATAS A psicopatia se caracteriza pelo distúrbio mental grave em que o enfermo apresenta comportamentos antissociais e amorais sem demonstração de arrependimento ou remorso, incapacidade para amar e se relacionar com outras pessoas com laços afetivos profundos, possuindo egocentrismo extremo, além de não se sentirem culpados pelos vários importunos causados a si mesmo e a outrem, em função de suas ações irresponsáveis. Os que portam a referida patologia, geralmente são indivíduos que apresentam uma disposição permanente do caráter no sentido da agressividade, da crueldade e da malignidade. A propósito: Os psicopatas são indivíduos que possuem um distúrbio de personalidade, onde existem anomalias no sistema límbico, área do cérebro onde são processadas as emoções. Esse distúrbio provoca ausência de empatia, afetividade, compaixão, atributos necessários para o convívio social, resultando numa vida repleta de delitos, na maioria das vezes brutais e que provocam grande comoção social. (SOUSA, 2010, p. 26). O Código Penal brasileiro não trata especificamente sobre o tratamento penal do psicopata, pois a psicopatia não é tratada como doença e sim um desvio de personalidade, o que dificulta o julgamento destes infratores. Atualmente a execução penal Brasileira não diferencia o tratamento dado ao condenado comum do tratamento dado ao condenado que possui tal patologia. Já a sociopatia, muitas vezes confundida com a psicopatia por ambas se tratarem de um desvio de personalidade, é relacionada a fatores externos como educação e contato com a sociedade, ou seja, diferente da psicopatia, a sociopatia é adquirida durante a vida. Não sabe ao certo, as causas do desenvolvimento da sociopatia. Acredita-se que pode ter relações com fatores genéticos, mas há também indícios de que esta se dá por fatores ambientais, principalmente na infância do agente. Acredita-se que estes elementos estejam relacionados fortemente com o aparecimento deste transtorno em tais indivíduos. Os sociopatas, não sentem apego às coisas morais, e são capazes de simular sentimentos para manipular o outro. Possuem incapacidade em controlar seus sentimentos 6 negativos, o que os tornam detectáveis com mais facilidade e os impede de ter um relacionamento estável. 4.1 PISCOPATAS X SOCIOPATAS A maior diferença entre estes dois agentes apesar de serem bastante semelhantes, é que os psicopatas são mais frios e calculistas, enquanto os sociopatas tendem a agir de forma mais impulsiva e irresponsável. Psicopatas tendem a ser manipuladores e mentirosos natos. Por isso, aparentam ter uma vida normal e relações sociais saudáveis. Os sociopatas muitas das vezes, adquirem a habilidade ardilosa ao decorrer da vida. 5 LIMBO JURÍDICO E PSICOPATIA A ausência de norma jurídica específica para tratamento dos psicopatas no sistema penal brasileiro gera uma grande insegurança jurídica no que tange esses indivíduos, restando ao juiz avaliar e julgá-lo como imputável, semi-imputável ou inimputável. Acerca da breve análise da mente desses indivíduos que presentes neste trabalho, é possível observar que estes não se enquadram na semi-imputabilidade tampouco na inimputabilidade por não possuírem nenhuma limitação de entendimento, sendo assim inteiramente capazes de entender a ilicitude do fato cometido. Outrossim, estes não possuem discernimento suficiente para compreender o caráter educativo da pena imposta, uma vez que não sentem remorso ou culpa, muitos destes são devolvidos para a sociedade cometendo atrocidades piores ou iguais as que cometiam antes do tratamento recebido pelo sistema jurídico. Quando mantidos em cárcere junto a criminosos comuns, pela facilidade depersuasão e manipulação, utilizam colegas de cela como meio de obterem vantagens pessoais. Ana Beatriz Barbosa (2020, p. 188) elucida que os psicopatas: “[...] são intratáveis, sob o ponto de vista da ressocialização”. Isto posto, sendo a psicopatia uma patologia incurável, cabe uma análise adentro das punições aplicadas em outros países para uma possível adequação do nosso sistema jurídico no tratamento desses criminosos. 6 PROJETO DE LEI 6.858/2010 7 Trata-se de um projeto de lei criado pelo ex Deputado Federal Marcelo Itagiba. O referido projeto versa a criação de comissão técnica, autônoma da administração prisional, criando a possibilidade da realização do exame criminológico do condenado psicopata à pena restritiva de liberdade. Hodiernamente o Projeto de Lei 6858/2010, encontra-se arquivado. Em síntese, o projeto visa alterar a Lei no 7.210/1984 (LEP) e propõe a criação de comissão técnica autônoma, independente da administração prisional, para que a realização de exame criminológico do condenado a pena privativa de liberdade seja realizada no momento em que o mesmo adentrar no estabelecimento prisional e também em casos de progressão de regime, nas hipóteses que especifica, como também requisito obrigatório para progressão de regime e também da liberdade do condenado psicopata. Itagiba propõe que o exame seja realizado por uma equipe técnica independente da administração prisional para não relacionar diretores ou responsáveis pelos presídios. Por último mas não menos importante, sua previsão é a de que o cumprimento da pena do agente psicopata ocorra separadamente dos presos comuns. No que se refere ao parecer relacionado a diferenciação entre os criminosos, além da falta de estrutura, ao identificar os psicopatas para tratá-los em ambiente penitenciário adequado, diminuiria a força da influência destes sistemas carcerários e possibilitaria a reabilitação dos criminosos comuns mais eficaz, uma vez que a convivência daqueles com estes, os influenciam a delinquir ainda mais, seja em cárcere ou após a liberdade. Em virtude dos conflitos existentes pelo atual tratamento de psicopatia no direito penal podemos definir como um sistema jurídico controverso e inseguro. O projeto vem sanar aquilo que tem sido objeto de muitas críticas, mormente a de que o exame é um ponto frágil do sistema por promover falhas importantes no que concerne a segurança de decisões judiciais que autorizam a saída do condenado do sistema prisional. Com a determinação legal de que a Comissão Técnica que realizará o exame criminológico não estará ligada ou subordinada aos diretores ou responsáveis pelos presídios, a isenção da qualificação adotada para o preso estará, ao nosso ver, garantida. Com este propósito o projeto modifica o artigo 6º e cria o 8º-A, na LEP. A aprovação do Projeto de Lei 6.858/2010 ocasiona segurança jurídica quanto a realização de exame criminológico nos apenados desta patologia por profissionais habilitados, em caráter obrigatório, bem como em benefícios progressão de regime concedidos aos condenados. É de extrema importância que esse projeto de Lei seja aprovado e aplicado no sistema penal brasileiro, uma vez que com isso, acarretará uma maior segurança nos presídios 8 e na sociedade de forma geral. Além do avanço na LEP, a aprovação deste Projeto também diminuirá muito a reincidência criminal no país, em relação aos índices atuais. 7 A FORMA DE TRATAMENTO DADO PELO SISTEMA PENAL BRASILEIRO A imputabilidade do psicopata se destacou como principal fonte de estudos da psiquiatria forense, bem como do Direito Penal, buscando sedimentar o transgressor psicopata, uma vez que ele se coloca constantemente em ações contrárias ao direito. A Lei nº. 10.216/01 – Lei de Reforma Psiquiátrica, foi um divisor de águas no território brasileiro, pois trouxe expressa a necessidade do respeito a pessoa humana com transtornos mentais, em detrimento às legislações anteriores que usam o método de ‘exclusão social’ como forma de evitar algum tipo de ‘perturbação a ordem’ e que não se importavam em oferecer tratamento adequado para modulação do estado psíquico do agente. É essencial compreender que o estudo se faz com atenção à Constituição Federal, em observância aos direitos fundamentais, princípios e garantias inerentes ao Estado Democrático de Direito. E por essa razão, o estudo do psicopata pela Ciência Jurídica deve ser feito com enfoque especial, no intuito de proteger a sociedade. O artigo 26, parágrafo único, do Código Penal, dispõe sobre a redução de pena de um a dois terços, se o agente, em detrimento de incompleto desenvolvimento mental ou perturbação de sua saúde mental, não era, no tempo da ação delitiva, inteiramente capaz de compreender o caráter ilícito de sua ação. Em análise ao artigo acima citado, fica claro que a intenção do legislador era de deixar facultado ao juiz à escolha de reduzir ou não a pena ou adequar o agente na semi- imputabilidade, aplicando ou uma pena privativa de liberdade ou uma medida de segurança. Segundo Manuel Cancio Meliá (2013, p. 533), a psicopatia é: “[...] uma constante antropológica, pois está presente em todas as épocas e em todas as culturas, em uma porcentagem da população em torno de 0,5% a 1,5% dos homens podem ser considerados psicopatas, sendo um fenômeno quase que exclusivamente masculino”. Esses dados são complementados pela Psiquiatra Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva (2014, p. 54), que: “[...] segundo a classificação da DSM-IV-TR, o Transtorno da Personalidade Anti-social é de cerca de 3% em homens e 1% em mulheres”. No âmbito dos sistemas prisionais, segundo Manuel Cancio Meliá (2013, p. 533): 9 [...] cerca de 15% a 25% da população carcerária é composta de indivíduos psicopatas. Robert D. Hare alerta que, nas prisões dos Estados Unidos da América, em torno de 20% dos detentos de ambos os sexos são psicopatas, e que, esses indivíduos seriam responsáveis por mais de 50% dos crimes graves cometidos. Assim, não é possível negar a existência e a dimensão do problema, bem como, a necessidade de enfrentá-lo. Ainda dentro da gravidade da situação, surge a questão do prognóstico de reincidência, aliado à ineficácia geral do tratamento. Segundo Espinosa (2013), e confirmado por Silva (2008), estudos revelam que no período de um ano após saírem da prisão, a taxa de reincidência geral é cerca de três vezes maior que a dos demais criminosos, chegando a ser quatro vezes maior nos crimes associados à violência. Com o passar do tempo, a tendência dessa taxa é o crescimento, atingindo no quarto e quinto ano níveis de 80% a 90%. Ademais, a reincidência dentre aqueles que receberam “tratamento”, afirma Manuel de Juan Espinosa, seria de 86%, enquanto entre os que não foram “tratados” estima-se a reincidência em 52%. Os psicopatas presos, analisa Robert D. Hare (2013, p. 65), aprendem a: “[...] utilizar as instituições correcionais em proveito próprio, forjando uma imagem positiva de si mesmos diante dos que irão decidir sobre a condicional”. Por conta disso, explica-se a constatação de Manuel de Juan Espinosa (2013, p. 580), no sentido de que: “[...] eles apresentam uma probabilidade 2,5 vezes maior, em relação aos demais detentos, de serem postos em liberdade ou de obterem a liberdade condicional”. 8 MEDIDAS DE SEGURANÇA Com fulcro no artigo 26 do Código Penal, o juiz poderá determinar a medida de segurança, que consiste em aplicar uma sanção com intuito preventivo e indicativo para tratamento destinado aos semi-imputáveis ou inimputáveis, buscando evitar a reincidência criminal. Neste sentido, abaixo mencionado o alerta de Afrânio Silva Jardim, considerado como um dos maiores processualistas do Brasil: [...] a psicopatia não é uma doença mental, e que seu portador tem consciência plena da ilicitude de seusatos, bem como autodeterminação para praticá-los ou não. Assim não incidiram nas regras do artigo 26 do Código Penal [...] a jurisprudência pátria é oscilante nesta questão, talvez por falta de conhecimento mais técnico e aprofundado da psicopatia, uma verdadeira “máscara” para o poder judiciário não especializado. 10 Existem dois tipos de medida de segurança, a medida detentiva e a medida restritiva. A primeira, é a qual é utilizada a internação, destinada aos casos mais graves, onde o acusado deverá ficar internado no hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, sendo aplicada apenas nos crimes com pena de reclusão, prevista assim no art. 96, I, CP. Aos casos mais brandos, é aplicada a medida de segurança restritiva, que consiste no tratamento ambulatorial, no qual acusado é encaminhado para atendimento e acompanhamento. GRECO (2017), neste sentido: [..] independente desta disposição legal, o julgador tem a faculdade de optar pelo tratamento que melhor se adapte ao inimputável, não importando se o fato definido como crime é punido com pena de reclusão ou de detenção. [...] No mesmo sentido, Nucci (2014) defende que caso o juiz identifique que no momento do crime o indivíduo não estava plenamente consciente de seus atos, poderá determinar a medida de segurança, todavia, se entender que se enquadra como semi-imputabilidade poderá deferir medida de segurança ou pena privativa de liberdade reduzida. 9 COMPARATIVO ENTRE A FORMA DE TRATAMENTO DO SISTEMA BRASILEIRO E SISTEMAS INTERNACIONAIS Os EUA, Austrália, Holanda, Noruega e China utilizam o instrumento denominado “Psychopathy checklist” ou PCL- R que foi criado pelo psicólogo canadense, Robert Hare, a fim de avaliar os riscos de uma reincidência criminal e o grau de periculosidade do indivíduo. Este teste é composto por 20 itens, numa escala de avaliação aplicada através de uma entrevista semiestruturada, na qual um profissional habilitado deve pontuar cada pergunta entre 0 e 2 pontos, com duração máxima de uma hora e meia. Ao término deste, deverá ser avaliado se o indivíduo possui tendências psicopáticas, a possibilidade de cometer atos violentos ou de reincidir. A Inglaterra e os Estados Unidos lidam com a psicopatia desde seus primeiros indícios. Segundo estudos realizados pelo FBI, boa parte dos psicopatas desencadeia a patologia inicialmente matando animais e, por este dado, matadores de animais são tratados e julgados de forma diferenciada nesses países, provocando-os a adotar uma medida preventiva acerca da psicopatia, detendo estes indivíduos desde os primeiros indícios da patologia. Atualmente no Brasil ainda não existe essa averiguação já percebida e questionada em outros países. Ao abarcar nessa temática analisa-se que, em um dos psicopatas mais famoso 11 do Brasil, Pedrinho Matador, afirmou que desde a infância, em Minas Gerais, matava macacos e pacas. Em entrevista recente, em formato de poadcast para o NowFlow (05/2021), Pedrinho afirmou ter matado mais de 100 pessoas. Está em liberdade desde 2018, após cumprir 42 anos de reclusão. Atualmente possui um canal no YouTube, onde comenta crimes atuais e diz não ter a intenção de voltar a praticar crimes, desde que ninguém perturbe a integridade daqueles que ama. Pode-se observar que o ordenamento brasileiro está muito aquém no que tange a aplicação de sanção eficaz para psicopatas, o que faz de a reincidência ser recorrente como já abarcado neste texto. Países como Alemanha, Estados Unidos, Suécia, Dinamarca entre outros realizam a aplicação de hormônios femininos a estes indivíduos, reduzindo o nível de testosterona e, consequentemente, a libido sexual. Assim configura-se a Castração Química, sendo uma modalidade de pena aos crimes sexuais cometidos em série nestes países. (MOTA, 2018). Na França existe uma inovação, sendo a castração química. Nesta, há um grupo para acompanhar o apenado, sendo composto de médicos-psicólogos, para que ao avalie com constância. Este projeto do presidente do país seria destinado aos reincidentes de crimes de cunho sexual que houvessem cumprido parte de sua pena e, posteriormente, optassem pelo tratamento. Um outro procedimento utilizado pelos Estados Unidos, em vários de seus estados, bem como pelo Canadá, é a criação de leis especificas para psicopatas. Isso demonstra que esses países já compreenderam a gravidade dos crimes que podem ser cometidos por pessoas com personalidades e condutas psicopatas e que, por este motivo, merecem uma visão individualizada, a fim de evitar a reincidência: Quanto a se discutir eventual liberação pela suspensão da medida de segurança, quase há um consenso, com poucas discórdias em torno dele, no sentido de que tais formas extremas de psicopatia que se manifestam através da violência são intratáveis e que seus portadores devem ser confinados. Deve-se a propósito deste pensamento considerar que os portadores de personalidade psicopática são aproximadamente de três a quatro vezes propensos a apresentar recidivas de seu quadro do que os não psicopatas. (PALOMBA, 2003, p. 186). No Brasil, o Projeto de Lei nº. 6.858/10 está aguardando apreciação do Plenário. Se aceito, criará comissão técnica independente da administração prisional e a execução da pena do condenado psicopata, com exames criminológicos aos condenados à pena privativa de liberdade, nas hipóteses que especifica. Quanto à possibilidade de prisão perpetua, muito há de se ressalvar. Nos Estados 12 Unidos, Canadá e alguns países da Europa, há previsão na lei acerca da prisão perpetua com cela de isolamento. Se forem menores de idade, a despeito do que ocorre no Brasil. Existe também a possibilidade desses tipos de criminosos ficarem presos por tempo indeterminado em países como Itália, Suécia e Reino Unido. No Brasil, no entanto, não há estrutura para acolher estes assassinos contumazes. Com isso, criminosos de altíssima periculosidade são liberados e voltam a reincidir. (LEITE, 2018). Já um caso jurídico no Brasil que merece atenção por possuir traços da prisão perpétua é o de Francisco Costa Rocha, com alcunha de Chico Picadinho. Em 1996, após ter relações sexuais com a vítima, ele a esquartejou. Foi condenado, mas pós oito anos ganhou a liberdade e matou outra vítima da mesma forma. Foi condenado e terminou de cumprir sua pena em novembro de 1998, e desde então, sua situação encontra-se indefinida, por não haver imposição de pena ou aplicação de medida de segurança, é mantido sob custódia com a justificativa de “interdição civil”. Nesse caso, é possível observar que a constatação da personalidade psicótica e do sadismo de Chico Picadinho deixaram claro a alta probabilidade de reincidência nos crimes. Por isso, para preservar a sociedade, embora não haja prisão perpetua no Brasil, Francisco Costa Rocha está segregado da sociedade, em um hospital de Custódia em Taubaté, SP por tempo indeterminado. A Revista Época (2010), tratou a respeito: O caso Chico Picadinho se encaixa numa espécie de limbo jurídico. Pensando em proteger a sociedade de um criminoso que matou e esquartejou duas mulheres, a Justiça recorreu a um artifício questionável. Na prática, ele continua preso, já que a Casa de Custódia é um estabelecimento penal, destinado a pessoas que cumprem penas – o que já não é o caso em questão, uma vez que ele cumpriu integralmente a sentença a que foi condenado. Por mais esta análise, nota-se que o ordenamento jurídico brasileiro caminha em passos lentos no que tange a penalização eficaz contra homicidas psicopatas. Devendo com urgência, se espelhar nos países que já contornaram tal problemática, para a busca de soluções mais eficazes. 10 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo teve como objetivo geral analisar a efetividade do tratamento penal oferecido aos psicopatas pelo sistema jurídico brasileiro, em especial aospsicopatas homicidas. 13 É importante destacar-se que a temática é pertinente aos estudos desenvolvidos no âmbito do direito penal pois, os crimes cometidos por agentes portadores de psicopatia são na maioria das vezes bárbaros, calculados, às vezes em série e em sua maioria são passíveis de comoção social. Há uma ligação da Criminologia Clínica com o tema deste trabalho, pois ambas adentram na esfera criminal, o tema é de extrema importância para o direito penal bem como para a prevenção de crimes. Possui relevância no âmbito pessoal pois os crimes praticados por psicopatas, está além do que mostra a mídia. Estes em sua maioria desalmados, aproveitam dos seus talentos em adquirir confiança, para tardiamente agir com crueldade, comumente sem arrependimento de seus atos praticados. É de extrema relevância o conhecimento das atitudes dos portadores desse desvio de personalidade, pois consequentemente apresentam manipulações e perigo. No que tange as sanções aplicadas em outros países a estes indivíduos, nota-se que o Canadá se encontra a frente neste aspecto, com a criação de um programa específico para os psicopatas, tratando-os em ambiente distinto dos outros criminosos apenados. Nos EUA, assim como no Brasil, não existe distinção de tratamento entre psicopatas homicidas e não psicopatas. Entretanto, a Flórida, ao aplicar a pena de morte, impede que este indivíduo retorne a sociedade e cometa mais delitos. Com fulcro na Constituição Federal de 1988, o sistema jurídico brasileiro é proibido de aplicar pena de morte ou de caráter perpétuo. O limbo jurídico ocorre justamente nessa temática, pois a ausência de uma norma brasileira específica acarreta violações a norma vigente atual, como exposto no caso Chico Picadinho. Efetua-se que o Brasil não está preparado para lidar com psicopatas homicidas, sendo de extrema urgência a criação de uma norma jurídica específica para regulamentar tal questão, levando em conta as particularidades que carregam os psicopatas, sendo essa a única forma de surtir efeitos eficazes no tratamento destes indivíduos. Portanto, é indispensável a criação de um novo regime jurídico voltado para os psicopatas homicidas de modo a julgá-los e tratá-los de forma diferente dos criminosos comuns, conforme proposto no Projeto de Lei nº. 6.858/10, que atualmente encontra-se arquivado. É de suma importância que este projeto seja avaliado, e que outros sejam criados neste sentido. Pois, trará com isso maior ordem e segurança nos presídios, e principalmente na sociedade. É indispensável a separação dos psicopatas homicidas dos presos comuns, devendo estes permanecer em ambiente distinto, que disponha de agentes capacitados para lidar com seu alto grau de manipulação e acompanhamento médico/psicológico, afim de assegurar a 14 dignidade da pessoa humana e a segurança da sociedade. Vale salientar que a criação de uma instituição prisional voltada a atender os indivíduos psicopatas deve respeitar a dignidade destes e não os expor a uma situação de abandono, conquanto criminosos, devem ser assegurados a estes todos os direitos inerentes a dignidade da pessoa humana. Do mesmo modo, faz se necessária a relativização do tempo máximo de cumprimento de pena proposto pela CF, uma vez que, muitos destes indivíduos não estão aptos a retornar para a sociedade após o cumprimento da pena proposto pelo ordenamento jurídico brasileiro. REFERÊNCIAS BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 10 set. 2021. BRASIL. Decreto-lei nº. 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Palácio do Planalto, 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto- lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 10 set. 2021. SHECAIRA, apud DE SÁ, Alvino. Criminologia clínica e psicologia criminal. 2. ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2010, p. 16. BRASIL. Lei nº. 10.216, de 06 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Palácio do Planalto, 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm>. Acesso em: 10 set. 2021. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei nº. 6.858, de 2010. Altera a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, Lei de Execução Penal, para criar comissão técnica independente da administração prisional e a execução da pena do condenado psicopata, estabelecendo a realização de exame criminológico do condenado a pena privativa de liberdade, nas hipóteses que especifica. Câmara dos Deputados, 2010. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=467290>. Acesso em: 19 set. 2021. LATINOAM, R. Psicopat. Fund. São Paulo, v. 12, nº. 2, p. 285-302, junho 2009. LEITE, Karen Rosado de Almeida, MOTA, Roberta Morais. Psiquiatria nas penitenciarias brasileiras. Jus, 2018. Disponível em <https://www.google.com.br/amp/s/jus.com.br/amp/artigos/71102/1>. Acesso em: 18 out. 15 2021. MELIÁ, Manuel Carneio. Psicopatía y Derecho penal: algunas consideraciones introductorias. Lima: Libreria Jurídica, 2013. MIRANDA DE SOBREIRA, Alex Barbosa. Psicopatia: Conceito, Avaliação e Perspectivas de tratamento. Psicologia Jurídica, 2012. 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