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METODOLOGIA DO ENSINO DA MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL E-book 1 Daniel Romão da Silva Neste E-Book: INTRODUÇÃO ���������������������������������������������� 3 BREVE HISTÓRIA DA INFÂNCIA ������������4 CRIANÇA COMO CENTRO: DEWEY, DECROLY E MONTESSORI ����������������������10 JOHN DEWEY �������������������������������������������������������� 11 JEAN-OVIDE DECROLY������������������������������������������ 13 MARIA MONTESSORI ������������������������������������������� 16 PSICOLOGIA DE DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM ���������������������������������������20 JEAN PIAGET �������������������������������������������������������� 20 LEV S� VYGOTSKY ������������������������������������������������� 28 CONSIDERAÇÕES FINAIS ���������������������� 35 SÍNTESE �������������������������������������������������������36 2 INTRODUÇÃO Neste módulo, vamos apresentar algumas das pers- pectivas teóricas sobre o ensino e a aprendizagem de matemática, as quais contribuíram sobremaneira para a constituição e a identidade da Didática da Matemática, especialmente quanto ao desenvol- vimento de noções e conceitos matemáticos em crianças de zero a cinco anos de idade� Portanto, o objetivo do módulo não é esgotar as pers- pectivas teóricas que tratam da infância, da educa- ção de crianças pequenas ou do próprio ensino de matemática, mas sim apresentar alguns dos nomes que se tornaram referência na área da educação e da didática da matemática, assim como os elementos teóricos fundamentais para a melhor compreensão das discussões propostas na disciplina� 3 BREVE HISTÓRIA DA INFÂNCIA No pensamento contemporâneo, o lugar da crian- ça na família e na sociedade é algo razoavelmen- te bem estabelecido� Consideramos a criança em suas necessidades e particularidades psicológicas, fisiológicas e sociais. A partir disso, organizamos de certa forma o próprio cotidiano familiar em função dessas necessidades e particularidades� Desde os primeiros meses de vida da criança, os adultos que a cercam se preocupam com seus primeiros gestos, expressões, sílabas etc�, ou mais amplamente com as suas primeiras relações com o mundo e consigo mesma� No âmbito do ensino, avançamos na compreensão do desenvolvimento cognitivo das crianças pequenas, reconsideramos o papel da educação para além do cuidar, posicionamos o brincar como um elemento constitutivo da formação da criança e pensamos a sua educação em um sentido cada vez mais integral� Esse olhar para a criança tem, inclusive, se expandi- do, visto que há cada vez mais pesquisas científicas sobre o desenvolvimento cognitivo da criança ainda no período gestacional� 4 SAIBA MAIS Para um panorama das pesquisas sobre o desen- volvimento cognitivo no período gestacional, leia Alterações cognitivas no período gestacional: uma revisão de literatura, de Maia et al. (2015), que está disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/ pdf/ph/v13n2/13n2a02.pdf� Contudo, a infância nem sempre foi concebida dessa forma� O historiador francês Philippe Ariès (1914- 1984) analisou a evolução histórica da concepção de infância a partir da iconografia europeia ao longo dos séculos� Desse modo, pôde considerar que a possível “descoberta da infância” se deu, ainda que de forma incipiente, somente a partir do século 13� Nesse período, a criança era representada particular- mente em obras sacras na figura de Jesus-menino, retratado como se fosse um adulto em miniatura� A interpretação desse fato aponta para o não enten- dimento da criança como um ser essencialmente diferente do adulto, com necessidades e interesses distintos� Isso decorre da própria concepção natu- ralista da vida que predominou ao longo do período medieval, segundo a qual o indivíduo saía da terra através da concepção e a ela voltava através da mor- te� Nesse sentido, a preocupação da família não era sobre o indivíduo em si, mas sobre a preservação da linhagem, ou seja, a perda de um filho deveria ser acompanhada da concepção de outro� Em outras palavras, a criança não era considerada em suas 5 http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ph/v13n2/13n2a02.pdf http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ph/v13n2/13n2a02.pdf particularidades ou necessidades, mas como par- te de um coletivo, um meio para a preservação da linhagem� Nos séculos seguintes, em decorrência do gradual declínio do sistema feudal na Europa, o desenvolvi- mento das cidades e a disseminação do pensamento humanista constituíram fatores importantes para a mudança da concepção de família e consequente- mente da infância� A família começa, então, a constituir-se em uma es- fera privada, organizada não mais em torno da ma- nutenção da linhagem, mas tendo o indivíduo como centro, permeada por valores que versavam sobre liberdade, autorrealização e dignidade� Essa centra- lidade do homem no mundo implicou considerá-lo em suas diversas fases e etapas da vida� Tais mudanças puderam novamente ser observadas na esfera da arte� No século 17, a criança passa a ser retratada de modo a respeitar não somente nuanças e características físicas mais pueris, como também o próprio “aspecto fugaz da infância” (ARIÈS, 1981, p� 48)� Nas obras a seguir (Figura 1), é possível observar as diferentes concepções na representação da criança nos dois momentos históricos (séculos 13 e 17): 6 Figura 1: Comparação iconográfica da criança. Fonte: Wikimedia Commons. 7 https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Duccio_di_Buoninsegna_006.jpg https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Duccio_di_Buoninsegna_006.jpg Figura 2: Têmpera e ouro sobre madeira 80cm x 60cm. Peter P. Rubens. Virgem em adoração diante do menino Jesus (1615). Óleo sobre tela 65cm x 50cm. Fonte: Wikimedia Commons. Da mesma forma que o humanismo renascentista impulsionou a reorganização familiar e outra con- cepção de infância, os séculos seguintes viriam a marcar ainda mais profundamente a concepção de sociedade e de educação das crianças� 8 https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Peter_Paul_Rubens-Virgin_in_Adoration_before_the_Christ_Child-_WGA20200.jpg Assim, a partir dos séculos 17 e 18, verificou-se a consolidação dos estados nacionais, bem como o desenvolvimento do capitalismo e da indústria� Ocorreram vastos fluxos migratórios para as grandes metrópoles industriais e desenvolveram-se os primei- ros sistemas públicos de ensino� A “escola para as massas” inaugura um novo momento do pensamento educacional� Se, até então, a educação era consti- tuída ora no âmbito familiar ora no caso da nobreza e classes mais abastadas, em pequenos grupos ou segundo um sistema de preceptor-aluno, nesse pe- ríodo passou a ser necessário pensar a organização de todo um sistema educacional� Tal modelo de escola pública burguesa, consolidado ao longo do século 19 e início do 20, gerou uma sé- rie de críticas, especialmente quanto ao seu caráter autoritário, baseado em um modelo expositivo, que posicionava o conhecimento como centro do pro- cesso de ensino, bem como o professor enquanto seu único detentor� A seguir, apresentaremos algumas dessas críticas, em particular as realizadas por John Dewey, Jean- Ovide Decroly e Maria Montessori� Muitos outros pedagogos e intelectuais desenvolveram, por sua vez, diferentes críticas� Entretanto, optamos por este re- corte pelo fato de que ideias desenvolvidas por esses três até hoje influenciam o pensamento educacional e as políticas curriculares, especialmente no âmbito da didática da matemática e da educação infantil� 9 CRIANÇA COMO CENTRO: DEWEY, DECROLY E MONTESSORI Surgido nos últimos anos do século 19, o movimento crítico da educação citado anteriormente recebeu o nome de Escola Nova, ficando conhecido em alguns países também como Escola Ativa, por sua crítica ao modelo intelectualista e tradicional que posiciona- va o aluno segundo uma posição passiva diante do processo de aprendizagem� Desse modo, o modelo escolanovista buscou pela via da experiência, do fazer e do respeito aos seus interesses, aproximaro aluno do centro do processo educativo� SAIBA MAIS Para entender melhor o movimento da Escola Nova, assista a Escola Nova, do Canal Univesp TV: ht- tps://www.youtube.com/watch?v=Lr5xe2LXoqs. Acesso em: 12 out. 2019. Em seguida, apresentaremos brevemente as três grandes referências do movimento escolanovista: John Dewey, Jean-Ovide Decroly e Maria Montessori� Podcast 1 10 https://www.youtube.com/watch?v=Lr5xe2LXoqs https://www.youtube.com/watch?v=Lr5xe2LXoqs https://famonline.instructure.com/files/171889/download?download_frd=1 JOHN DEWEY O filósofo e pedagogo norte-americano John Dewey (1859-1952) é considerado o grande precursor da Escola Nova� Para Dewey, o aprendizado se daria mediante a experiências surgidas da prática e da resolução de problemas, fundamentando assim uma de suas principais concepções educacionais: apren- der fazendo (traduzido do inglês learning by doing)� Dewey refutou, em sua teoria, a noção de que a crian- ça chegava à escola como um papel em branco, ou seja, sem nenhum repertório de conhecimentos pré- vios� Para o pedagogo, as situações experimentadas pela criança fora da escola, no âmbito familiar ou dos grupos sociais aos quais pertencia, lhe confe- riam um conjunto de conhecimentos e interesses a partir dos quais a escola deveria trabalhar� Inverte-se, dessa forma, a lógica segundo a qual o processo de ensino estava orientado� A criança não seria uma forma vazia à qual o professor estaria incumbido de preencher com seu conhecimento� Pelo contrário, era a partir do que a criança trazia de conhecimento para a escola que o professor deveria desenvolver sua atividade pedagógica� O conhecimento consolidado ao redor da figura do professor deixa de ser central, e a criança se torna protagonista� John Dewey também discordava da possibilidade de que a centralidade da criança significasse a comple- ta ausência de um currículo e das disciplinas esco- 11 lares, ou seja, da própria intenção, fundamental ao processo educativo� Disciplinas curriculares como Matemática, Ciências, humanidades e língua ma- terna, por exemplo, correspondem a um conjunto de conhecimentos e experiências acumuladas pela humanidade ao longo da história� Por sua vez, elas passam por um processo de seleção e adequação, que não deixa de se constituir na própria intenção da sociedade quanto à formação de seus futuros cidadãos� Por um lado, a criança não teria a maturidade ne- cessária para selecionar por si mesma todo o con- junto de conhecimentos� Por outro lado, isso não significa que ela não estabeleça contato com tais conhecimentos a partir de sua própria experiência� Um exemplo disso é a percepção sobre as figuras ge- ométricas� Uma criança não necessariamente chega à escola sabendo que determinada figura chama-se “quadrado”, que possui lados opostos “paralelos” e “congruentes” entre si. Isso não significa que, a partir da observação do mundo e da manipulação de ob- jetos, a criança já não tenha identificado possíveis regularidades sobre tal figura. Finalmente, segundo a perspectiva de John Dewey, a proposição da nova forma de conceber a educação também apontava para o fortalecimento da própria democracia. A massificação do ensino – herança da própria constituição da escola pública no século anterior – suprimia a individualidade e os interesses da criança� Dessa forma, obscureciam-se as contra- dições acerca dos próprios valores trazidos pelas 12 crianças à escola� Dewey considerava fundamental a formação moral da criança no sentido de aprender a dialogar com valores diversos, de se fazer ouvir e também escutar� Perspectiva essa que se alinhava à sua concepção de democracia: “é mais do que uma forma de vida associada, de experiência conjunta e mutuamente comunicada” (DEWEY, 1979, p� 87)� As ideias de John Dewey e da Escola Nova influencia- ram uma série de outros intelectuais no período entre o fim do século 19 e a primeira metade do século 20� Jean-Ovide Decroly e Maria Montessori foram alguns desses nomes� Na sequência, abordaremos algumas de suas contribuições� JEAN-OVIDE DECROLY O belga Jean-Ovide Decroly (1871-1932) graduou-se em Medicina, em seguida, passou a se interessar por Psicologia e Pedagogia� Decroly considerava a edu- cação um elemento fundamental para a sociedade� Por essa razão, participou ativamente da luta pela obrigatoriedade da educação em seu país ao longo das primeiras décadas do século 20� Em decorrência de sua própria formação em ciências biológicas e da saúde, Decroly defendia a expansão do ensino das ciências da natureza para as crianças� Tal qual John Dewey, Decroly considerava a experi- ência como um elemento fundamental do ensino, especialmente no sentido de preparar o indivíduo para o trabalho e a cidadania� 13 Em 1901, Decroly inaugurou, a pedido da Sociedade de Pediatria da Bélgica, uma escola experimental di- recionada ao atendimento de crianças consideradas, na época, “anormais” ou dotadas de “irregularidades mentais”� Uma segunda “escola-laboratório” (l’Ermi- tage) foi inaugurada em 1907, para o atendimento de crianças “normais”, desenvolvendo-se além do jardim de infância, indo até o ensino secundário� Em suas escolas experimentais, Decroly propôs outra interpretação ao papel do professor, coadunando os papéis do psicólogo, do assistente social e do mé- dico, sintetizada no que veio a ser conhecida como o método médico-pedagógico� A partir da experiência obtida em suas escolas, Decroly aprofundou os estudos sobre o desenvol- vimento cognitivo da criança, construindo quadros biográficos a partir de observações longitudinais e contínuas, estipuladas no longo prazo, de modo a respeitar a dinâmica do crescimento da criança� Dessa forma, Decroly pôde compreender que o de- senvolvimento se dá espontaneamente em suas atividades e interações com o meio e outras pesso- as� Segundo essa perspectiva, a construção de um ambiente favorável potencializaria o estímulo tanto das capacidades motoras e sensoriais da criança quanto de suas faculdades intelectuais� O médico-pedagogo entendia que a criança tomava contato com o mundo segundo uma perspectiva glo- balizante, ou seja, a partir de um conjunto amplo de aspectos e relações que ela estabelece com o mundo 14 à sua volta� Essas relações poderiam ser sintetizadas no que o teórico denominou centros de interesse: alimentar-se, lutar contra intempéries, defender-se, agir e trabalhar (VALENTE, 2019)� Nesse sentido, o projeto educacional defendido por J-O Decroly propunha atividades cotidianas focadas em experimentação, observação e estabelecimento de relações e associações oriundas das duas primei- ras atividades� Para tanto, o teórico propunha não apenas um projeto totalmente desvinculado da tra- dicional organização por disciplinas, como também entendia que os tempos para o desenvolvimento dos conhecimentos deveriam ser maiores, respeitando as idades e os próprios tempos dos alunos� Tal fato não implica que o modelo pretendido por Decroly dispense os conhecimentos tradicionalmente considerados pela escola, como ler, escrever e cal- cular. No entanto, tais conhecimentos são colocados em função, ou como necessidade, dos conhecimen- tos surgidos da experiência e do interesse do aluno. Esse é o caso, por exemplo, da medição� A própria experiência cotidiana se encarrega de fornecer uma série de situações nas quais a criança precisa com- parar pesos, distâncias, tamanhos etc� Em outras palavras, a partir da ação de medir, a criança poderia quantificar os fenômenos experimentados. A princípio, tal atividade se desenvolveria a partir de termos como “mais”, “menos” “maior”, “menor”, “igual”� Conforme as situações se apresentassem mais complexas, gradualmente haveria a necessida- 15 de de tornar as comparações mais precisas� Nesse sentido, as próprias estratégias de medição e as uni- dades utilizadas também passariam por um gradual processo de refinamento. Perguntas sobre “o quanto maior/menor”um objeto é em relação a outro leva- riam à utilização, por exemplo, de uma unidade de medida não necessariamente padrão, como palmos, pés, passos ou mesmo a adoção de um dos próprios objetos como padrão (o comprimento da parede é de dez tijolos)� A noção de número, por sua vez, surgiria atrelada não somente à necessidade de refinar as atividades de medição, mas também derivada de atividades coleti- vas, particularmente jogos e atividades de imitação, que envolviam situações de “juntar”, “tirar”, “dividir” ou “distribuir”� MARIA MONTESSORI A italiana Maria Montessori (1870-1952), aos 26 anos de idade, ganhou notoriedade ao figurar como a primeira mulher italiana a se formar em medicina (RÖHRS, 2010)� Assim como seu contemporâneo Jean-Ovide Decroly, Maria Montessori também iniciou sua carreira em Psiquiatria, tratando de crianças e jovens diagnosticados na época com retardo mental (RÖHRS, 2010)� Durante esse trabalho, constatou como o desejo de brincar se mantinha aflorado nas crianças e jovens em tratamento, enxergando aí uma potencial aber- 16 tura para interação e possibilidades de intervenção (RÖHRS, 2010)� Nos anos seguintes, Montessori se dedicou à pedagogia, trabalhando com a forma- ção de educadores para escolas de crianças com deficiência. No entanto, é com o projeto de modernização de um bairro pobre em Roma, o San Lorenzo, que Montessori inicia efetivamente seu percurso como intelectual, educadora e defensora da educação das crianças� Nesse contexto, encarregou-se da educa- ção das crianças locais, fundando a primeira Casa dei Bambini (Casa das Crianças, em português), assim, As Casas das Crianças que foram criadas nos anos seguintes tornaram-se algumas ve- zes verdadeiros locais sagrados para onde os educadores se rendiam em peregrinação; elas constituíram sempre modelos mostran- do como resolver os problemas pedagógicos (RÖHRS, 2010, p. 14). Apesar de se inscrever no panorama geral do movi- mento escolanovista e possuir algumas referências claras de Decroly, as obras de Montessori raramente citam outros nomes e referências� De fato, muito de seu embasamento teórico repousou em teóricos ilu- ministas como Diderot e Rousseau, especialmente na obra Emílio (RÖHRS, 2010). O aspecto fundamental da concepção educacional de Montessori se direcionou ao fato de que a apren- 17 dizagem da criança está intimamente relacionada ao estabelecimento de um ambiente propício para tal� Partindo desse raciocínio, suas Casa dei Bambini eram preparadas e organizadas de modo a melhor atender às necessidades das crianças� Toda a estru- tura era pensada em torno dessa concepção, desde o design do mobiliário, as cores utilizadas na pin- tura até a elaboração do próprio material didático� Isso porque o ambiente refere-se ao “conjunto total daquelas coisas que a criança pode escolher livre- mente e manusear à saciedade, de acordo com suas tendências e impulsos de atividade” (MONTESSORI, 1965 apud RÖHRS, 2010, p� 65)� Esse olhar diferenciado para o papel que o ambiente escolar desempenha no desenvolvimento das crian- ças expõe uma das principais facetas de sua concep- ção educacional: o desenvolvimento da percepção� A teórica entendia que os materiais didáticos, assim como outros elementos do ambiente escolar, deve- riam sempre ser constituídos de modo a favorecer a abstração, visto que “nenhuma descrição, nenhu- ma imagem de nenhum livro pode substituir a vista real das árvores em um bosque com toda a vida que acontece em volta delas” (MONTESSORI, 1966 apud RÖHRS, 2010, p� 26)� Entretanto, Montessori assume que não é necessário uma pessoa conhecer todas as árvores do mundo para saber o que é uma árvore� É nesse sentido que ocorreria o processo de abstração, estimulado por sua vez pela percepção� Em suas escolas, Montessori propunha uma série de atividades sensoriais, como 18 identificar odores das plantas na horta da escola, manter-se em silêncio para identificar os outros sons do ambiente ou ainda vendar as crianças em certas atividades de modo a ampliar suas percepções táteis e motoras� Por fim, outro conceito base do método empregado por Montessori em suas escolas se refere às ativi- dades independentes� Nelas, Montessori empreen- dia um esforço de formação da personalidade das crianças por meio da outorga de pequenas responsa- bilidades: a criança “responsável” escolhe um deter- minado material didático, joga, brinca, experimenta e guarda-o no local adequado para os colegas� Nesse sentido, liberdade, disciplina e responsabilidade for- mariam uma tríade fundamental para a proposta de desenvolvimento da personalidade da criança, cul- minando em uma proposta que pode ser entendida como autoeducação (RÖHRS, 2010)� Podcast 2 19 https://famonline.instructure.com/files/171890/download?download_frd=1 PSICOLOGIA DE DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM A Psicologia do desenvolvimento e da aprendiza- gem é uma área que agrega uma série de perspec- tivas teóricas, como as ciências biológicas, sociais e questões comportamentais� Trata-se de uma área cujo propósito é estudar o desenvolvimento do ser humano ao longo de sua vida� Neste tópico, abor- daremos dois de seus principais teóricos, Piaget e Vygotsky, cujas perspectivas exercem ainda hoje grande impacto nas teorias educacionais� JEAN PIAGET Nascido na Suíça, Jean Piaget (1896-1980) foi um biólogo e epistemólogo notório por suas contribui- ções tanto para a psicologia quanto para a peda- gogia� Deixou uma vasta obra sobre a gênese do conhecimento e o desenvolvimento cognitivo da criança� Entretanto, é curioso notar que Piaget não se considerava um pedagogo, como ele próprio afir- mou em certa ocasião: “em matéria de pedagogia, não tenho opinião” (MUNARI, 2010, p� 11)� Tal fato não o impediu, no entanto, de atuar como diretor do Bureau Internacional de Educação entre 1929 e 1968 (MUNARI, 2010)� 20 Nesse sentido, sua relação com a educação se deu particularmente por seu posicionamento político no tocante à própria ciência� Para Piaget, o conhecimen- to poderia ser explicado biologicamente e o acesso ele só seria possível com base no método científico (MUNARI, 2010)� FIQUE ATENTO O método científico é um conjunto de procedi- mentos utilizados para explicar um fenômeno� É através dele que se desenvolve o principal instrumento científico para confirmar ou refutar uma teoria: o experimento� Este, por sua vez, tem como característica fundamental a possibi- lidade de ser reproduzido por diferentes pesso- as em diferentes contextos, desde que obedeci- das as condições básicas de sua execução� O Método Científico é composto pelas seguin- tes etapas: 1� Observação: o cientista observa de forma cui- dadosa um fenômeno� 2� Problema: etapa em que se elabora a questão a ser respondida� 3� Hipóteses: é a etapa em que são elaboradas as prováveis respostas ao problema já elaborado� 4� Experimentação: o pesquisador cria um expe- rimento que visa à confirmação das hipóteses estabelecidas ou à refutação destas� 5� Teste das hipóteses: se os resultados expe- rimentais confirmarem as hipóteses, passa-se 21 à próxima etapa; caso contrário, o pesquisador volta à fase de hipóteses e recomeça o processo� 6� Conclusão: as constatações a respeito do fe- nômeno dadas positivamente pelo experimento compõem uma teoria sobre o fenômeno inicial- mente observado� A partir desta perspectiva, Piaget observou que qual- quer indivíduo ao longo de sua trajetória de vida se desenvolve de um estado de conhecimento mais simples para um mais complexo� Entre outros fatores, o suíço considerou como as experiências vivenciadas pelo indivíduo desde sua infância até a maturidade o conduziriam desse conhecimento mais elementar, baseado na interação e manipulação de situações concretas, para um conhecimento mais elaborado em um plano mental, ou seja, mais abstrato� O desenvolvimento da inteligência na criança foi uma de suas grandes preocupações� Para Piaget, a inte- ligênciaconsistia em uma forma de adaptação� Em outras palavras, qualquer ser vivo procura estabelecer relações com o meio ambiente de modo a sobreviver e se desenvolver� No caso dos seres humanos, a inteligência seria sua forma de relacionar-se e adaptar-se ao meio em que vive� “Dizer que a inteligência é um caso particular da adaptação biológica é supor que é essencial- mente uma organização cuja função é estruturar o Universo, como o organismo estrutura o meio ime- diato” (PIAGET, 1970, p� 16)� 22 Nesse sentido, pode-se entender a inteligência como o resultado de um equilíbrio entre a assimilação dos dados obtidos das experiências vividas pelo indivíduo e as próprias pressões exercidas pelo meio, ao que Piaget se referiu por acomodação (PIAGET, 1970)� É precisamente nesse ponto que Piaget desenvol- ve sua obra como uma epistemologia genética� A epistemologia remete à reflexão realizada sobre o conhecimento, considerando seus paradigmas, sua evolução e as relações estabelecidas não somente no âmbito psicológico do indivíduo, mas também com a sociedade� O termo genético, no entanto, pode implicar uma leitura equivocada� O autor não se refere ao termo no sentido biológico, de hereditariedade, mas como gê- nese� Ou seja, a epistemologia genética busca expli- cações para um fenômeno, como o desenvolvimento da inteligência, em sua própria gênese, reconstruindo o processo de desenvolvimento do fenômeno� Para tanto, Piaget desenvolveu um método original de pesquisa entrevistando inicialmente crianças hos- pitalizadas e, alguns anos depois, crianças da Casa das Crianças do Instituto Jean-Jacques Rousseau (MUNARI, 2010)� Um dos aspectos que conferiram originalidade ao seu método clínico, como ficou co- nhecido, foi o uso de um aparato teórico constituído de elementos não tradicionalmente considerados em conjunto, pertencentes a ciências experimentais, as lógico-matemáticas e as humanidades (MUNARI, 2010)� 23 O método clínico inscreveu-se como uma alternativa metodológica às perspectivas correntes na psicolo- gia infantil, as quais o autor considerava inadequadas (BOND; TRYPHON, 2009)� Contudo, o próprio Piaget deixou poucos registros sobre seu método, por isso, “tentar estabelecer uma ligação entre a pesquisa pia- getiana e o método piagetiano é um empreendimento perigoso e difícil” (BOND; TRYPHON, 2009, p� 172)� Considerando que o objetivo deste tópico não é con- duzir a um aprofundamento epistemológico sobre a teoria e os métodos piagetianos, mas sim posicio- nar o leitor, em primeiro lugar, quanto à importância histórica de Piaget acerca dos estudos sobre o de- senvolvimento cognitivo da criança; e, em segundo lugar, ao destaque de algumas de suas principais contribuições para a Didática da Matemática, passa- remos a seguir à apresentação de algumas de suas principais conclusões sobre o desenvolvimento do número na criança� Piaget considerou a existência de três tipos de co- nhecimento: social, físico e lógico-matemático� Para esse autor, o físico e o lógico-matemático se posi- cionariam em extremos opostos (KAMII, 2012)� O conhecimento físico refere-se às características dos objetos, perceptíveis sensorialmente (dimensões, cor, peso, forma etc�)� O conhecimento lógico-mate- mático, por sua vez, refere-se ao plano das relações entre os dados observados a partir das sensações (maior, menor, igual, diferente etc�)� 24 A título de exemplo, vamos imaginar a seguinte si- tuação: uma criança segura nas mãos dois objetos: um é liso; outro, áspero� A percepção da textura de cada objeto é um conhecimento físico� Entretanto, considerar que a textura torna os objetos diferentes é um conhecimento lógico-matemático, ou seja, o tato possibilita que a criança identifique as texturas dos objetos, então, a avaliação da diferença entre as texturas não reside no tato, mas em uma construção mental� Assim, “a criança progride na construção do conhecimento lógico-matemático pela coordenação das relações simples que anteriormente ela criou entre os objetos” (KAMII, 2012, p� 18)� Para o biólogo suíço, a construção do número pela criança segue a mesma hipótese� Trata-se de uma relação mental criada ao coordenar outras relações como igualdade, diferença e grandeza (KAMII, 2012)� Contudo, Piaget considera que o tipo de abstração realizada ao tratar do número é distinta da abstração realizada sobre a diferença entre texturas utilizada em nosso exemplo� A esta última, Piaget denominou abstração empírica, em contraposição à abstração do número, a que ele denominou abstração reflexiva (KAMII, 2012)� Na abstração empírica, a criança deve isolar uma das propriedades físicas do objeto e ignorar as de- mais. No caso exemplificado, a propriedade utilizada como critério de comparação foi a textura� A crian- ça poderia utilizar outras propriedades, como cor, dimensões, existência de cavidades ou saliências etc� Porém, é preciso observar que cada propriedade 25 deve ser tomada isolada das demais para efetuar a comparação (não faz sentido comparar “vermelho” com “áspero”, por exemplo)� Na abstração reflexiva, esse tipo de exercício de isolamento e comparação de propriedades físicas não é possível, uma vez que tal construção ocorre- ria somente em um plano mental� Piaget salienta, contudo, que ambos tipos de abstração não existem isoladamente, porque um depende do outro� De modo a melhor expor esses conceitos, vamos supor uma situação em que se apresentam a uma criança pequena dois grupos de objetos dispostos como na Figura 2a� Pergunta-se à criança: em qual dos grupos há mais objetos? Pela disposição dos objetos e dos grupos, a grande maioria das crianças responde que ambos possuem quantidades iguais� Modifica-se então a disposição dos objetos de modo que um dos grupos fique “mais espalhado” que o outro (Figura 2b) e refaz-se a mesma pergunta� Desta vez, as respostas se diversificam. Muitas crianças entendem que, pelo fato de os objetos do grupo 2 estarem dispostos em uma linha “mais com- prida”, aumentou o número de objetos� Estes, segun- do Piaget, não conservam o número� As crianças que conseguem estabelecer uma relação “um para um” entre os objetos respondem que as quantidades permanecem iguais� Diferente das primeiras, estas crianças conservam o número� 26 Grupo 1 Grupo 2 A B Figura 3: Exemplo de conservação do número. Para Piaget, a construção do número seria uma sínte- se das relações de ordem e inclusão hierárquica que a criança elabora entre uma série de objetos (KAMII, 2012)� Se dispusermos um grupo de objetos (Figura 4) para uma criança e pedirmos para que ela efetue a contagem, é possível que ela inicie a recitação da sequência numérica (um, dois, três, quatro, cinco etc�) associando cada palavra a um objeto� 3 2 1 5 4 1 5 4 3 2 Figura 4: Exemplos de relação de ordem. Desse modo, sem que a criança estabeleça uma re- lação de ordem na contagem dos objetos, é possível que ela conte o mesmo objeto mais de uma vez ou que ela se esqueça de contar um deles, principal- mente quando as quantidades ficam maiores e a disposição dos objetos mais embaralhada� 27 Contudo, como salienta Kamii (2012), em nosso exemplo, a criança poderia identificar o número reci- tado como se fosse o nome (Bruna ou Rafael) daque- le objeto� Assim, para Piaget, a construção mental do número 5 não dependeria somente de compreender que ele é o próximo elemento da sequência “1, 2, 3, 4, ���”, mas compreender que a ideia do número 5 inclui o número 4, que por sua vez inclui o 3 e assim sucessivamente� É essa a relação denominada por Piaget de inclusão hierárquica� Na sequência, apresentaremos algumas das con- tribuições de Lev Vygotsky para a psicologia do desenvolvimento� LEV S� VYGOTSKY Lev S� Vygotsky (1896-1934) nasceu na Bielorrússia; deixou um legado de numerosas obras e contribui- ções à psicologia do desenvolvimento infantil, po- rém, diferentemente de Piaget, não tinha formação em Psicologia ouem ciências biológicas, mas em Direito, História e Filosofia. Fato esse que poderia explicar a diferença paradigmática entre ambos inte- lectuais: enquanto Piaget toma a origem biológica do desenvolvimento das faculdades mentais, Vygotsky volta seu olhar para o papel da cultura, do momento histórico e da interação social� A esse respeito, podemos dizer que a teoria de Vygotsky é uma “teoria sócio-histórico-cultural do desenvolvimento das funções mentais superiores, 28 ainda que ela seja chamada mais frequentemente de teoria histórico-cultural” (IVIC, 2010, p� 15)� Nesse sentido, uma das principais teses defendidas por Vygotsky é a de que o desenvolvimento cogni- tivo da criança não pode ser tomado à parte dos contextos social e cultural� Para o pensador russo, a sociabilidade é um elemento fundamental, assim como a interação social com ferramentas ou artefa- tos culturais (desde objetos ordinários como talheres, canetas, brinquedos até objetos mais abstratos e complexos como a linguagem)� Em outras palavras, para Vygotsky, a interação social assume um “pa- pel construtivo no desenvolvimento” (IVIC, 2010, p� 16-17)� A aprendizagem se situaria tanto como um resultado das interações sociais, quanto em função destas, uma vez que é necessário aprender também como interagir com os citados artefatos culturais� Aos olhos da criança, o adulto é um representan- te da cultura e um acesso aos artefatos culturais (IVIC, 2010), o que se torna bastante claro no caso da aquisição da linguagem� Fica assim estabelecida uma relação assimétrica entre a criança e o adulto: a criança não tem acesso direto a certos artefatos culturais senão pela mediação do adulto� A mediação, por sua vez, desempenha um papel fundamental para o desenvolvimento das funções mentais da criança� Vygotsky considera que toda função mental passa, de uma forma ou de outra, por um estágio social externo antes de se tornar uma 29 função interna (ou mental) propriamente dita� Em outras palavras, a função mental possui sempre um princípio social, passando por um processo que o autor denominou internalização, a partir do qual tal função se torna interna� É a partir dessas concepções que, ao longo da déca- da de 1920 e meados da de 1930, já próximo de seu falecimento, Vygotsky desenvolveu um de seus mais emblemáticos conceitos: a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), que foi definida como A distância entre o nível real de desenvolvi- mento, determinado pela resolução indepen- dente de problemas, e pelo nível potencial de desenvolvimento, determinado pela resolução de problemas sob a orientação de adultos ou de colegas mais capazes (VYGOTSKY, 1978, p. 78). Vygotsky (1978) apresenta um exemplo para melhor apresentar a noção de ZDP: suponhamos duas crian- ças de dez anos de idade, porém, com oito anos em termos de desenvolvimento mental. Isso significa que ambas crianças conseguem lidar facilmente com situações em um grau de dificuldade adequado a tal idade mental� Durante a resolução de um problema com mediação do professor, verifica-se que uma das crianças tem idade mental de 12 anos, e outra de nove anos� A ZDP é justamente a distância entre oito e 12 anos ou entre oito e nove anos, em termos mentais� 30 Isso significa que as crianças já conseguem resol- ver autonomamente problemas adequados a ida- des mentais 12 e nove anos respectivamente? Não necessariamente� Segundo Vygotsky (1978), o que a ZDP define não são as funções mentais já madu- ras, internalizadas, mas aquelas em processo de amadurecimento� A noção de ZDP reitera a concepção de que não deve considerar a criança isoladamente em relação ao seu contexto sociocultural, enfocando os aspectos dinâ- micos e dialéticos do processo de desenvolvimento da criança� Dito de outra maneira, contexto e forma como cada um interage socialmente com os outros e com os artefatos culturais são o que pode explicar o fato das duas crianças do exemplo possuírem ZDP diferentes (4 anos em um caso e 1 ano no outro)� REFLITA Tendo em vista a noção de Zona de Desenvol- vimento Proximal (ZDP) de Vygotsky, Ivan Ivic (2010) propõe a seguinte reflexão: É necessário esperar que a criança atinja um de- terminado nível de desenvolvimento para iniciar a educação escolar? Ao assumir o fato de que crianças na mesma ida- de biológica podem se situar em diferentes ZDP e que é justamente a partir da mediação e da in- teração que ocorre o aprendizado, podemos con- siderar que, a partir das teorias de Vygotsky, não 31 é necessário garantir um “determinado nível” fora da escola para iniciar sua vida escolar� É na mediação do adulto e da interação com os colegas que a criança poderá “adquirir o que não seria capaz de fazer se fosse deixada a si mes- ma” (IVIC, 2010, p� 32)� São os exemplos dados, a proposição de situações que promovam a re- flexão intelectual e as atividades partilhadas que se constituem elementos construtivos para o desenvolvimento mental da criança (IVIC, 2010)� Isso não significa que o desenvolvimento mental da criança não ocorra fora da escola� Contudo, é no ambiente escolar que as experiências podem se potencializar e serem mais bem exploradas� Outra concepção importante para educação trazi- da pelo pensador russo diz respeito à formação de conceitos� Mais ainda, Vygotsky discute a aquisição de conceitos científicos, uma vez que entende que, ao assimilá-los, a criança altera profundamente seu modo pensar (IVIC, 2010)� Isso decorre do próprio entendimento que Vygotsky tem sobre o que é um “conceito”� Diferentemente de correntes teóricas que consideram um conceito científico como algo acaba- do e imutável, o teórico russo o assume como algo “mais do que a soma de certos vínculos associativos formados pela memória” (VYGOTSKY, 2000, p� 246), pelo contrário, trata-se de um ato real e complexo de pensamento, representa um ato de generalização� O ato de generalização significa que um conceito passa a ser significado por uma palavra. Além disso, Vygotsky salienta que os próprios significados das palavras evoluem, ou seja, quando a criança aprende 32 uma palavra (ligada a certo significado), seu desen- volvimento encontra-se apenas no início� À medida que a criança se desenvolve, as generalizações mais elementares são substituídas por outras mais com- plexas, “culminando o processo na formação dos verdadeiros conceitos” (VYGOTSKY, 2000, p� 246)� Com vistas a encerrar este tópico, gostaríamos de discutir como algumas das ideias de Vygotsky podem ser entendidas no contexto do ensino de matemática� Se tomarmos um grupo de alunos de educação in- fantil sem uma divisão de faixa etária e propusermos uma atividade em que elas expressem os números que conhecem, possivelmente serão apresentadas respostas bastante diversas: algumas crianças po- dem recitar a sequência numérica (ou parte dela); outras podem mostrar nos dedos, recorrer a garatu- jas ou escritas convencionais, identificar números presentes no espaço etc� Isso porque as crianças que chegam à educação in- fantil possuem uma grande diversidade de repertório de conhecimentos adquiridos de suas experiências extraescolares� Essa experiência sinaliza a existência de uma diversidade de níveis de generalização de conceitos e significados das palavras. Uma criança que mostra nos dedos a quantidade 3 e outra que aponta para o número 3 fixado em um cartaz possivelmente estão em diferentes estágios na formação do conceito de número� Entretanto, a identificação do número 3 não necessariamente reve- la que a criança possui um nível de abstração maior do que a que mostra o mesmo número nos dedos� 33 Lidar com esse movimento dinâmico entre os varia- dos estágios do desenvolvimento dos conceitos é um dos grandes desafios do professor da Educação Infantil. A solução é também desafiadora: como iden- tificar as condições ou os estágios reais de desen- volvimento das crianças e criar situações adequadas de mediação de modo a trabalharsempre dentro de uma zona de desenvolvimento proximal? Encontrar a medida entre o que a criança realiza so- zinha com facilidade e o que a criança não consegue realizar mesmo com a ajuda de um adulto deve ser um dos focos do professor que ensina matemática e um projeto da própria escola� 34 CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste módulo, observamos brevemente como a no- ção de infância e as perspectivas sobre a educação da criança foram se construindo ao longo da história� Nesse sentido, apresentamos três nomes importan- tes do movimento de renovação da educação iniciado entre os séculos 19 e 20, denominado Escola Nova: John Dewey, Jean-Ovide Decroly e Maria Montessori� Apesar de suas diferenças, o elemento que aproxima o pensamento dos três é justamente o posicionamen- to da criança como o centro do processo de ensino� Desse modo, é trazida para o debate educacional a importância de compreender a criança como um ser munido de interesses e particularidades� Em seguida, apresentamos a perspectiva da psicolo- gia do desenvolvimento da criança a partir das con- tribuições de Jean Piaget e Lev Vygotsky� Apesar de não estarem vinculados explicitamente ao movi- mento escolanovista, ambos pensadores sinalizam às possíveis influências em suas respectivas obras. Piaget, por um lado, assumiu uma abordagem mais científica, explicando o desenvolvimento cognitivo a partir da biologia e da medicina� Vygotsky, por outro lado, abordou a questão pela via da cultura, da his- tória e das interações sociais� 35 SÍNTESE METODOLOGIA DO ENSINO DE MATEMÁTICA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL ENSINO DE MATEMÁTICA PARA CRIANÇAS PEQUENAS: VISÃO HISTÓRICA E CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS História da infância • Criança como adulto miniatura (até os séculos 12 e13). • Criança com particularidades e necessidades diferentes do adulto (a partir do século 17), uma influência do humanismo. Escola Nova • [Fim do século 19 e primeira metade do século 20] Crítica ao modelo de escola tradicional, baseado na centralidade do professor e do conhecimento. Dewey (1859-1952): precursor do movimento escolanovista. Criança aprende fazendo. Educação a serviço da democracia. Decroly (1871-1932): centralidade no interesse da criança. Montessori (1870-1952): ênfase na autoeducação e no desenvolvimento perceptual da criança. Psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem • Estudo do desenvolvimento do ser humano ao longo de sua vida. Piaget (1896-1980): epistemologia genética desenvolvimento da inteligência na criança assimilação (integração dos elementos externos ao ser vivo) e acomodação (modificações internas que tornam a assimilação possível): 1. Tipos de conhecimento: físico (características perceptíveis sensorialmente), lógico-matemático (se dá no plano das relações estabelecidas pelo conhecimento físico) e social (das relações e convenções sociais). 2. Gênese do número na criança: A construção do número pela criança depende de dois aspectos: ordem (é preciso estabelecer uma relação de ordem na contagem de objetos, para que não se conte um dos objetos duas vezes ou se esqueça de contar) e inclusão hierárquica (trata-se da compreensão de que “1 faz parte do 2”, que “2 faz parte do 3” etc.). Vygotsky (1896-1934): teoria histórico-cultural pensamento indissociável da linguagem função mental possui sempre um princípio social criança acessa artefatos culturais pela mediação com o adulto. 1. Zona de desenvolvimento proximal (ZDP): distância entre o nível real de desenvolvimento (resolução independente de problemas) e pelo nível potencial de desenvolvimento (resolução de problemas sob a orientação do adulto). 2. Formação de conceitos: conceito passa por um ato de generalização e se torna “palavra”. Com o desenvolvimento da criança, o conceito evolui a partir de generalizações cada vez mais complexas. Referências Bibliográficas & Consultadas ARIÈS, P� História social da criança e da família� 2� ed� Rio de Janeiro: LTC, 1981� BARBOSA, R� M� Conexões e educação matemática: brincadeiras, explorações e ações� Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009 [Minha Biblioteca]. BOND, T.; TRYPHON, A. Piaget and method. In: MÜLLER, U.; CARPENDALE, J. I. M.; SMITH, L. (Eds.). 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VYGOTSKY CONSIDERAÇÕES FINAIS Síntese
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