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Centro de Convenções Ulysses Guimarães Brasília/DF – 4, 5 e 6 de junho de 2012 O DECRETO N o 7508/11 E A CONSOLIDAÇÃO DO MODELO DE GESTÃO DO SUSMG Laura Monteiro de Castro Moreira Maria Letícia Duarte Campos Ivêta Malachias Painel 28/101 Governança em rede: perspectivas e avanços para a consolidação de uma gestão compartilhada do SUS em MG O DECRETO No 7508/11 E A CONSOLIDAÇÃO DO MODELO DE GESTÃO DO SUSMG Laura Monteiro de Castro Moreira Maria Letícia Duarte Campos Ivêta Malachias RESUMO A esperada regulamentação da Lei no 8080/90 revigorou a discussão em âmbito nacional sobre os instrumentos gerenciais e os conceitos balizadores do planejamento do Sistema Único de Saúde (SUS). Cabe às unidades federativas a construção de processos de trabalho capazes de transformar as orientações emanadas da legislação em práticas institucionalizadas. Para isso, as instâncias paritárias devem convergir esforços para a elaboração de referencial metodológico que permita a efetiva operacionalização dos conceitos e a concretização do SUS. Este estudo tem como objetivo relatar a experiência de Minas Gerais no processo de consolidação do modelo de gestão do SUS, tendo como foco o esforço empreendido nos últimos anos para a definição e validação de métodos capazes de subsidiar o delineamento e a implantação das Regiões de Saúde e Redes de Atenção à Saúde. O levantamento do estado da arte de Minas Gerais frente ao desafio da consolidação e operacionalização desses conceitos revela potencialidades e avanços na gestão do SUSMG alinhados aos pretendidos pelo Decreto no 7508/11, porém, aponta também algumas indefinições e fragilidades institucionais que passaram a compor a agenda bipartite. 2 INTRODUÇÃO O ideário de uma geração pautada pelos valores de equidade e democracia vislumbrou a construção de um sistema único de saúde pública capaz de oferecer acesso universal, com cobertura integral e de qualidade. Do desejo de mudança e de conquista da cidadania, à definição de conceitos e princípios balizadores para a política pública de saúde, e da mobilização social e conquista de consensos políticos até a aprovação de arcabouço legal capaz de orientar estrategicamente municípios e estados já se vão quase 25 anos. Indubitavelmente, a saúde pública no Brasil nos últimos anos obteve inúmeros avanços, mas uma análise cuidadosa da situação de cada ente federado revela que aqueles que conseguiram desenvolver metodologias e processos de trabalho capazes de transformar as orientações legais em práticas institucionalizadas atingiram uma capacidade real de interpelar a realidade e transformá-la. Essa tarefa vem revelando que a intervenção sobre a realidade exige rigor técnico, reflexão teórica, organização institucional, criatividade, compromisso social, capacidade de trabalho e uma grande dose de militância na área assistencial. Neste esforço, evidencia-se cada vez mais a falta de espaço para simplismos teóricos e retóricas inconsistentes. A esperada regulamentação da Lei no 8.080/90 por meio do Decreto no 7.508/11 revigorou a discussão em âmbito nacional sobre os instrumentos gerenciais e os conceitos balizadores do planejamento do Sistema Único de Saúde (SUS). De acordo com o modelo e diretrizes disseminados, cabe às unidades federadas a construção de processos de trabalho capazes de transformar as orientações emanadas da legislação em práticas institucionalizadas. Para isso, as instâncias paritárias (estado e municípios) devem convergir esforços para a discussão e elaboração de referencial metodológico e praticas organizativas que permitam a efetiva operacionalização dos conceitos e a concretização do SUS. 3 Este estudo elege dois elementos importantes destacados pela Lei no 8.080/90 para a construção do Sistema Único de Saúde – regionalização e redes assistenciais – para analisar o contexto técnico, organizacional e os arranjos institucionais e legais com que foram viabilizados em Minas Gerais permitindo que este estado ganhasse destaque frente ao governo federal e reconhecimento perante as demais Unidades federadas, como o estado que de fato consolidou mecanismos e instrumentos nos últimos anos capazes de garantir terreno fértil para a implantação das diretivas emanadas do Decreto no 7.508/11. Este trabalho se justifica pela relevância do papel da gestão e pela necessidade de sua constante inovação para a materialização de conceitos e princípios de política publica no cenário atual. Especificamente no caso da saúde pública brasileira, essa percepção se potencializa no contexto das particularidades intrínsecas ao SUS como o modelo de gestão tripartite, com forte participação do controle social. OBJETIVOS Este trabalho tem como objetivo relatar a experiência de Minas Gerais no processo de consolidação do modelo de gestão do Sistema Único de Saúde, tendo como foco os esforços empreendidos nos últimos anos para definir e validar métodos capazes de subsidiar o delineamento e a implantação das Regiões de Saúde e das Redes de Atenção à Saúde. Como objetivos específicos destacam-se o delineamento do contexto histórico e teórico para a construção das metodologias, a explicitação das diretrizes e ferramentas desenvolvidas para a operacionalização e efetivação dos conceitos de regiões de saúde e de redes de atenção, e a apresentação de alguns resultados alcançados no estado consequência das políticas concebidas com base no referencial elaborado. 4 METODOLOGIA Trata-se de um estudo descritivo, caracterizado como relato de experiência. Na oportunidade deste relato procurou-se, ainda, efetuar uma análise comparativa entre os conceitos expressos no Decreto no 7.508/11 e os contidos na elaboração das ferramentas utilizadas para implementação do SUS/MG. Esta comparação, desenvolvida com base em uma revisão bibliográfica, procurou focar os aspectos teóricos fundamentais. Também aborda, em segundo plano, eventuais implicações que as normas institucionais, especialmente as deliberações e resoluções da Comissão Intergestores Tripartite (CIT), venham a ter nestas mesmas ferramentas. Cabe lembrar que as decisões da CIT resultam de pactuações firmadas entre os representantes do Ministério da Saúde (MS), do Conselho Nacional de Secretários de Estado da Saúde (CONASS) e do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS). CONCLUSÕES De modo a sistematizar as conclusões do estudo, esta seção foi dividida em três tópicos: contextualização, diretrizes e ferramentas desenvolvidas, alguns resultados e reflexões. Contextualização O Decreto no 7.508, de junho de 2011, ao regulamentar a Lei no 8.080/90 e dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde, o planejamento da saúde, a assistência e a articulação interfederativa (Brasil, 2011) reacende a discussão em âmbito nacional sobre a efetiva consolidação de princípios e diretrizes do SUS. Dentre eles, destacam-se a descentralização, a regionalização e a hierarquização da rede de serviços também considerados, na literatura técnica, princípios normativos. 5 Minas Gerais possui a 2a maior população do Brasil (20 milhões de habitantes) e extensão territorial (586.528 km2) equivalente a de países de médio porte como, por exemplo, a França. As diversidades socioeconômicas, epidemiológicas e demográficas de Minas, conjugadas com a distribuição espacial das unidades de saúde de diferentes densidades tecnológicas, tornam necessárias a elaboração de ferramentas de planejamento e gestão, dentre as quais uma regionalização que delimite as bases para organização das redes de serviço, de forma a garantir o acesso do cidadão à assistência integral. A Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais (SES/MG), já no período de governo de 1999 a 2002, mas sobretudo de 2003 a 2012,incorporou o Plano Diretor de Regionalização da Saúde de Saúde (PDR/MG) como Projeto Estruturador e, assim, confirmou em suas políticas públicas de saúde os princípios organizativos do SUS/MG, hoje regulamentados pelo Decreto no 7508/11. Nestes termos, o Plano Diretor de Regionalização em Minas Gerais foi constituído para ser, conforme preconizam teóricos da organização de serviços da saúde, um primeiro instrumento gerencial essencial para organização e governança das redes (MENDES, 2009). O PDR/MG foi elaborado com o objetivo de distribuir e ordenar os espaços territoriais do estado, tendo como fundamento um modelo, ou uma tipologia de organização de serviços por níveis de atenção à saúde, o que significa ordenar níveis de agregação de tecnologia conforme critérios de acessibilidade geográfica e princípios preconizados pela Lei no 8.080/90. Foram, portanto, considerados critérios que orientassem maior eficiência e qualidade na distribuição dos equipamentos de saúde, de forma a atender às diretrizes das economias de escala e escopo (MINAS GERAIS, 2002). Esse delineamento é coerente com os argumentos de Pestana e Mendes (2007) que apontam, na dinâmica de um sistema público de serviços de saúde, a definição dos territórios como o primeiro passo para a organização de redes e, ainda, como espaços de responsabilização sanitária. Tendo em vista o princípio da cooperação gerenciada, e para fins de planejamento, é necessário que haja uma definição clara das ações e serviços de saúde que cada território ofertará a grupos populacionais adscritos. 6 Essa base conceitual do PDR/MG foi desenvolvida visando permitir a melhor distribuição espacial para a organização das redes de atenção à saúde. Sobre estas, destaca-se que a proposta de implantação de redes também ganhou institucionalidade ao ser incorporada por Projetos Estruturadores do Governo de Minas, o que tem norteado planos de investimento e processos de normatização e organização da assistência no Estado. Essa decisão política está alinhada com a atual situação demográfica e epidemiológica observada nas últimas décadas, tanto no Brasil como em Minas Gerais, na qual se observa uma situação de tripla carga de doenças, ou seja, a coexistência de uma agenda inacabada de doenças infecciosas e parasitárias, um aumento expressivo das condições crônicas e seus fatores de risco, e expressiva morbimortalidade por causas externas. Esse cenário passou a exigir uma reorganização da assistência prestada pelo SUS, antes de forma fragmentada e anárquica, para linhas de cuidado capazes de garantir o cuidado integral às diversas demandas da população (MENDES, 2009). Assim, há quase 20 anos, Minas Gerais ao considerar esse diagnóstico assumiu em suas diretrizes os instrumentos de planejamento e gestão de regionalização e organização de redes, hoje confirmados pelo Decreto 7.508/11. É válido destacar que a experiência mineira não se limita apenas a esses dois conceitos selecionados para discussão neste trabalho. Outro exemplo de diretriz constante desta norma legal e que a SES/MG já havia instituído desde 2004, ainda que com denominação diferente, é a constituição das Comissões Intergestores Regionais (CIR), em Minas Gerais, Comissões Intergestores Bipartites macrorregionais e microrregionais (CIBs). Essas comissões institucionalizam a relação entre estado e municípios em cogestão para o planejamento e coordenação das ações por região de saúde. 7 Diretrizes e ferramentas desenvolvidas em Minas Gerais A consolidação e operacionalização dos princípios e conceitos do SUS, harmonizados e implementados pelas políticas de governo do estado, revelam, nos processos de avaliação realizados pela SES, potencialidades, avanços e fragilidades institucionais que compõem a agenda bipartite (estado e municípios) focada na organização das redes por região de saúde. No campo da regionalização, o Plano Diretor de Regionalização da Saúde é um dos instrumentos de planejamento e gestão, que contribui para a consolidação do SUS em Minas Gerais e que tem sido validado nas discussões intergestores que integram os processos de decisão e através da metodologia utilizada para avaliação da resolubilidade regional. O PDR/MG, elaborado entre 2000 e 2002, tem sido ajustado de forma bipartite, sendo seu último ajuste realizado em 2011, o que, em si, o efetiva enquanto instrumento de planejamento e gestão. Esse instrumento foi aprovado pelo Conselho Estadual de Saúde (CES/MG), pela Comissão Intergestores Tripartite (CIT) em 2002 e pela CIB/MG em seus vários ajustes. Nota-se que a aprovação da regionalização nessas instâncias, conforme experiência de Minas Gerais é uma diretriz do Decreto no 7.508/11. A atual configuração do PDR/MG compreende 13 macrorregiões de saúde, cada qual compreendendo um número variado de microrregiões, totalizando 77 micros no estado. Essa distribuição levou em consideração cinco princípios normativos: regionalização, descentralização, hierarquização de serviços, acessibilidade e economias de escala e escopo. É válido destacar que, em casos de conflito entre economias de escala e escopo e acessibilidade, a diretriz adotada foi optar pelo acesso mais próximo ao usuário. Os quatro primeiros princípios estão preconizados na Lei no 8.080/90 e no Decreto no 7.508/11. O quinto princípio citado foi adotado pelo SUS/MG com base em experiências internacionais que os aliam à regionalização (ALETRAS,1997). 8 A metodologia de elaboração do PDR/MG foi desenvolvida em etapas sucessivas de incorporação de informações que, uma vez mapeadas, permitiram a identificação de diversos agrupamentos de municípios circunvizinhos e inter- relacionados. Tornou-se, neste momento, evidente que um dos agrupamentos exercia força de atração sobre os demais, caracterizando novos fluxos e inter- relações, estas para ordenamento da assistência em ações e serviços de maior densidade tecnológica as de demanda rarefeita. Estavam, assim, caracterizados grandes conjuntos circunvizinhos de municípios com inter-relações específicas. Este conjunto maior, denominado macrorregião, contendo, portanto, subconjuntos ou agrupamentos menores de municípios, denominados, então, microrregiões. Nesta metodologia foram considerados diversos critérios, inclusive alguns com definições operacionais. Para os critérios de acessibilidade viária e geográfica e escala foram, inclusive, definidos parâmetros balizadores. Foram mapeados: a capacidade instalada dos diversos municípios; a localização e distribuição de alguns municípios conforme sua capacidade e potencial de crescimento em relação ao modelo de organização; a produção dos serviços ambulatoriais e hospitalares inter- relacionados, sua concentração ou distribuição em municípios equidistantes no espaço da unidade federada; fluxos de usuários em relação às unidades de diferentes densidades tecnológicas, as distâncias geográficas, condições viárias e tempo de deslocamento em relação a municípios com maior conjunto de determinados serviços; e os portes populacionais e socioeconômicos de municípios estratégicos. Foi nesta oportunidade também calculada a densidade populacional por conjuntos de municípios circunvizinhos com fluxos comuns por nível de agregação tecnológica, ou seja, efetuada uma pré-avaliação das escalas de cada micro e macrorregião. O mapeamento destas variáveis foi analisado em duas etapas. As análises permitiram, numa primeira etapa, a elaboração do modelo por níveis de atenção à saúde que deveria ser considerado como orientador da regionalização e referência para a organização dos serviços. Este modelo definiu uma tipologia de serviços validada por especialistas médicos e aprovada pelo CES/MG. Na segunda 9 etapa e tendo este modelo como referência, foram mapeados diversos indicadores e informações a partir das quaisse chegou ao desenho espacial final, ou seja, o PDR/MG. Uma vez esboçados os diversos conjuntos de municípios e estabelecida a relação destes conjuntos com determinados outros municípios identificados como polos por sua capacidade instalada, estes foram classificados polos para atenção do nível secundário e polos para o nível terciário. Foram, então, promovidas reuniões bipartites para definição das regiões de saúde com participação de representantes de Conselhos Municipais de Saúde e das Gerências Regionais de Saúde da SES/MG. Observa-se, portanto, que enquanto instrumento de planejamento e gestão, o propósito do PDR é possibilitar a formulação de cálculos das necessidades, priorização na alocação dos recursos e descentralização programática e gerencial, tendo em vista garantir a acessibilidade prevista e a maior resolubilidade dos diversos níveis de atenção. A distribuição das regiões de saúde conforme relatado se deu de tal forma que os 853 municípios são responsáveis pela Atenção Primária à Saúde (APS), 77 microrregiões em seus polos, pela Atenção Secundária (ASS) e as 13 macrorregiões também em seus polos, pela Atenção Terciária (ATS). Nestes termos, o PDR estabeleceu as bases territoriais para a organização das redes de atenção à saúde (RAS). Essas, por sua vez, também vêm sendo discutidas em Minas Gerais há quase uma década, passando por revisões e ajustes ao longo do seu processo de implantação. Como destaca Mendes (2009), as propostas de redes de atenção à saúde (RAS), apesar de registros centenários, são relativamente recentes nos sistemas públicos de saúde, tendo experiências na Europa Ocidental e Canadá, até atingirem alguns países em desenvolvimento. O autor destaca ainda que no Brasil o tema, a apesar da recente discussão, apresenta crescente evolução. O que pode ser confirmado pela própria abordagem no Decreto no 7.508/11 e pelas diversas portarias ministeriais e resoluções da CIT publicadas nos últimos anos. 10 O Governo de Minas Gerais, reconhecendo a importância da proposta deste modelo de atenção frente a realidade epidemiológica e assistencial do estado, publicizou em seu plano de governo 2003/2010 o enfoque prioritário para as redes de atenção à saúde, identificando e implantando redes temáticas (saúde da mulher e da criança, saúde do idoso, atenção às doenças cardiovasculares e ao diabetes, e atenção às urgências e emergências) em escala estadual (MENDES, 2009). O conceito de redes que vem sendo disseminado pela SES/MG define as RAS como organizações poliárquicas de um conjunto de serviços de saúde que permitem ofertar uma atenção contínua e integral a determinada população, coordenada pela atenção primária à saúde e com responsabilidade sanitária e econômica sobre esta população. Para isso, as redes de atenção à saúde devem apresentar como componentes: os nós da rede, que são os pontos de atenção à saúde, ou seja, as unidades prestadoras de serviços; o centro de comunicação da rede, assumido pela atenção primária a saúde, que é responsável pelo fluxo e contrafluxo do sistema de saúde; os sistemas de apoio, que compreendem as unidades prestadoras de serviço ou geradoras de informação para a rede como um todo; os sistemas logísticos, que envolvem as soluções tecnológicas para organização dos fluxos das redes; e os sistemas de governança, que consiste no arranjo organizativo interinstitucional que permite a governança de todos os componentes das redes de atenção à saúde, de forma a gerar cooperação. Alinhadas à proposta do PDR/MG, as RAS apresentam como fundamentos, os princípios organizativos, que compreendem as noções de economia de escala e escopo, disponibilidade de recursos, acessibilidade e qualidade da assistência; os territórios sanitários, formalizados pela SES/MG por meio do PDR/MG; as formas de integração, que ocorrerem dentro ou entre instituições, e que têm como objetivo racionalizar as redes implantadas, evitando concorrência e gargalos nos serviços; e as diretrizes clínicas, que visam definir e nortear a prática da adoção das linhas de cuidado. Trazendo essa questão conceitual para a prática, é possível utilizar como exemplo o processo de implantação da Rede de Atenção à Saúde da Mulher, Criança e Adolescente (Rede Viva Vida). Criado em 2003, o Programa Viva Vida é a estratégia do Governo de Minas Gerais para a redução da mortalidade infantil e materna no Estado. 11 Um dos eixos de ação do Programa consiste na estruturação da Rede Viva Vida, capaz de garantir atenção integral ao pré-natal, parto, nascimento, puerpério e atenção à saúde da criança. O primeiro passo para a implantação dessa rede consistiu na análise da situação da rede existente. Ou seja, foi realizado um estudo que comparava a realidade da população por meio da análise de dados epidemiológicos, socioeconômicos e demográficos, com a rede já disponível, considerando os tipos de serviços, os tipos de integração da rede, as formas de gestão, financiamento e coordenação. O segundo momento consistiu na escolha do modelo de atenção que vai orientar os demais momentos de construção da rede. A equipe da Coordenação de Atenção à Saúde da Mulher, Criança e Adolescente, gestora do Programa Viva Vida, optou pelo modelo de redes, preparado para dupla carga de doenças, considerando a gestão da clínica e da patologia. O próximo passo consistiu na delimitação dos territórios e dos níveis de atenção à saúde. Para isso, utilizou-se o PDR/MG como instrumento definidor dessas diretrizes. Com a base territorial definida, passou-se para momento quatro, que é o desenho da Rede Viva Vida. A primeira etapa consistiu na elaboração das Linhas-Guias, que organizam os fluxos da assistência. A partir dessas diretrizes clínicas foram definidos os pontos de atenção necessários por território sanitário e suas respectivas competências dos serviços. Todo esse processo teve respaldo da comunidade acadêmica, referência para saúde da mulher e da criança. Definido o desenho da Rede Viva Vida, a equipe gestora do Programa, com ajuda das demais áreas técnicas da SES/MG, fez a modelagem de toda a rede, pontos de atenção, sistema de apoio, logística e governança. No caso do Viva Vida, os passos desenvolvidos até o momento consistiram na: definição as carteiras de serviços dos pontos de atenção (consultas, exames, práticas educativas), elaboração de protocolos clínicos, programação dos serviços com base nos parâmetros das linhas-guias (estabelecimento de metas quantitativas), definição de um modelo de contratualização dos serviços. É importante destacar que novos passos ainda são necessários nesse sentido, como, por exemplo, a definição de sistemas de auditoria clínica. 12 Durante todo esse processo, as diretrizes normativas da Rede Viva Vida foram discutidas e pactuadas nas instâncias intergestores, sendo formalizadas por meio de Deliberações da CIB/MG e Resoluções da SES/MG. Alguns resultados e reflexões Apresentadas as diretrizes e ferramentas desenvolvidas no âmbito do SUS/MG para a operacionalização e efetivação dos conceitos de regiões de saúde e redes de atenção, desloca-se o foco do estudo para a análise de alguns resultados obtidos nos últimos anos. Na sequência, conclui-se o trabalho com uma análise comparativa da consistência dos conceitos desenvolvidos por Minas, em face das normativas trazidas pelo Decreto no 7.508/11. Em primeiro lugar, propõe-se uma avaliação do PDR/MG enquanto ferramenta de planejamento de gestão, o que pode ser aferido por meio do indicador de resolubilidade e de sua utilização como referencial para organização das redes. A premissa envolvida nessa avaliação é que todas as redes pressupõem a visão de conjunto num espaço territorial que garanta estas referências para os diversos níveis de atenção à saúde1. A SES/MG tem desenvolvido avaliações que considerama resolubilidade como o cálculo percentual da capacidade de atendimento ambulatorial e/ou hospitalar da população em sua região de residência, portanto, em relação à tipologia ou elenco de serviços esperados para o nível de regionalização: município; microrregião; macrorregião (MALACHIAS, 2010). O indicador de resolubilidade permite formular algumas inter-relações entre a utilização do PDR e os investimentos a serem promovidos para organização das redes assistenciais, ou melhor, para a prestação de serviços da demanda espontânea e da demanda referida. A proposta é aqui demonstrar se o PDR/MG subsidiou políticas de investimento e alocação de recursos ao se mensurar a expansão da resolubilidade de regiões ou se subsidiou a promoção da equidade, um dos princípios doutrinários do SUS, ao se mensurar a evolução da oferta de serviços, estruturados ou não em redes, nas regiões menos favorecidas. Ao gestor estadual cabe promover a equiparação destas às regiões já, ao longo dos anos, com capacidade instalada mais resolutiva. 1 Cabe lembrar que a rede de Urgência/Emergência requer mais que qualquer outra, diferentes cálculos de acessibilidade para diferentes níveis de densidade tecnológica. 13 A organização das redes vai do nível de atenção primária, de responsabilidade sanitária primordial de um município, ao nível terciário, ponto de maior densidade tecnológica, que requer grande agregação de demanda para economia de escala e escopo, portanto, um espaço territorial maior, intermunicipal e/ou inter-regional. A estruturação de unidades de referência hospitalar em pontos dos espaços intermunicipais e inter-regionais é pré-requisito para a organização das RAS. Nesse sentido, o PROHOSP, um dos projetos estruturadores dos períodos de governo 2003 a 2010, estabeleceu, como um de seus objetivos, o fortalecimento e a organização das unidades de referência hospitalar por níveis de atenção. Assim, unidades de referência hospitalar das micros e macrorregiões deveriam ser melhor adequadas de forma a garantir a sequência do atendimento a usuários que viessem a necessitar dos níveis secundários e terciários de atenção. A possibilidade de se organizar e ordenar o fluxo da demanda, de se garantir a sequência do atendimento para os níveis e/ou unidades subsequentes de atenção, é fundamental para o sistema e é um dos aspectos caracterizadores das redes assistenciais. Contudo, garante também o atendimento da demanda espontânea. Estudos realizados pela SES/MG demonstraram no período de 2003 a 2011 avanços na resolubilidade da assistência hospitalar de nível terciário em cinco das 13 macrorregiões mapeadas no PDR/MG; quatro permanecem estáveis em padrão considerado ótimo; duas apresentam situação instável e pouco satisfatória e duas, situação crítica. A dificuldade de evolução de algumas destas macrorregiões já era esperada. Isto porque são regiões de baixa escala populacional, com condições socioeconômicas precárias e de difícil acessibilidade geográfica. É o caso das macrorregiões Jequitinhonha e Noroeste. O fomento destas regiões é política e socialmente necessário, mas seu desenvolvimento requer tempo e planejamento intersetorial. Ainda assim, suas definições enquanto territórios sanitários no PDR /MG podem e devem ser melhor ajustados. Mesmo em situações como estas, não há indícios de que os problemas registrados sejam decorrentes de incongruência entre o PDR/MG e as normativas do Decreto no 7.508/11. 14 A Macro Oeste, que também registrou problemas na evolução de sua resolubilidade, é uma região mais favorecida do ponto de vista socioeconômico, demográfico e geográfico. Uma das causas já diagnosticadas pela SES/MG é o déficit de leitos hospitalares no polo macrorregional, portanto na rede hospitalar de nível terciário da região. Em relação à evolução da estrutura regional hospitalar, quando avaliada a resolubilidade do nível secundário de atenção, de responsabilidade das microrregiões, ficam evidentes os avanços alcançados. Dentre estes, cabe ressaltar como relevantes aqueles observados em microrregiões mais distantes e socioeconomicamente menos favorecidas. É o caso das microrregiões localizadas nas Macros Norte e Nordeste, o que aponta para a promoção da equidade enquanto política pública do governo do Estado. A efetividade da contribuição do PDR/MG demonstrando as regiões do Estado em sua distribuição por micro e macrorregiões torna-se outra vez evidente. Passando para análise das redes e mantendo com exemplo o Programa Viva Vida, destaca-se que uma das ações que contribui para a redução da mortalidade materna e infantil, prioridade no estado, é o fortalecimento da atenção hospitalar à Gestante de Alto Risco (GAR), nos níveis secundário e terciário de atenção, atenção esta que em 2003 era deficitária em várias regiões do estado, dificultando o acesso da gestante. A superação destes vazios regionais no Estado é indicativo da organização e expansão da rede, o que também foi efetivado enquanto política pública nos períodos de governo de 2003 a 2011. Em 2003, apenas quatro macrorregiões do Estado estavam equipadas para atender a GAR em nível terciário. Em 2011, apenas duas macrorregiões encontram-se deficitárias para este atendimento. O PDR/MG pôde contribuir também para a identificação e superação dos referidos vazios macrorregionais. Trazendo a discussão de resultados observados para a comparação com os dizeres do Decreto 7.508/11 é possível observar que o PDR/MG está alinhado às diretrizes trazidas por essa normativa. Segundo esta, a Região de Saúde deve conter, no mínimo, ações e serviços de atenção primária, urgência e emergência, atenção psicossocial, atenção ambulatorial especializada e hospitalar e vigilância em saúde. As 13 macrorregiões respondem integralmente a este indicativo. 15 Contudo, o Decreto 7508/11 e suas normativas não explicitam níveis de regionalização embora indique a necessidade de constituição das RAS. A organização das redes deveria indicar tais níveis. Assim o conceito de região proposto pelo decreto corresponde ao denominado em Minas Gerais como Macrorregião porque implica na oportunização de três níveis de atenção. O decreto explicita como finalidade das regiões de saúde “integrar a organização, o planejamento e a execução de ações e serviços de saúde”. O PDR/MG constituiu “espaços sanitários” conforme o Decreto e os integrou. As micro e macrorregiões contêm a definição das responsabilidades dos espaços de cada agregado. Promove, assim, uma distribuição das ações e serviços por grau de agregação da demanda, densidade tecnológica e acessibilidade. Nos termos das deliberações bipartites que definiram o PDR no estado, estes diferentes níveis de organização permitem melhor distribuição espacial para ordenamento da demanda, definição das redes de comunicação, de informação ambulatorial e hospitalar, cálculos de acesso. Estes itens estão citados no Decreto, e operacionalizados no PDR/MG, para economias de escala e escopo. O PDR/MG distribui espacialmente as ações e serviços especializados, o que não caberia a um Decreto e suas normativas que se destinam às diversas e diferentes unidades federativas. Assim vários dos fundamentos do Decreto confirmam o PDR/MG, mas não todos. A exigência de participação direta de todos os gestores municipais nas decisões e contratos regionais tornam difíceis o reconhecimento, como região de saúde, das 13 macrorregiões do Estado em decorrência da extensão e número de municípios de várias destas. Por outro lado, a maior consolidação das CIBs Micro, a real necessidade de elaboração de planos microrregionais e a organização do COSEMS-MG neste enfoque, induzem ao entendimento que a região de saúde indicada pelo Decreto corresponde à microrregião do PDR/MG. Tais enfoques resultamem processo de discussão que demandarão tempo e podem vir a fragilizar um instrumento até então integrado e correspondente à realidade de um Estado de vastas dimensões. Estas questões, contudo, estão mais diretamente relacionadas às normativas resultantes do Decreto e não a este propriamente dito. 16 A delimitação de algumas regiões, das micro e das macros estavam pontuadas para o ajuste do PDR/MG agendado para 2013. As polêmicas despertadas com as Normativas decorrentes do Decreto, as Resoluções CIT de nos 1, 2 e 3 de 2011, podem contribuir para este ajuste, ou dificultá-lo, o que significa fragilizar um instrumento ao invés de promover os processos de identidade voltados para solução de problemas comuns. Nestes termos, a divisão contida no PDR de um “espaço geográfico” em subconjuntos “de municípios limítrofes”, todos coordenados de forma bipartite, não contradizem os fundamentos do conceito de “região de saúde” contido no Decreto no 7508. Embora elaborado em momento anterior ao Decreto, e porque elaborado com base nos princípios da Lei no 8080, o PDR/MG a ele não se contrapõe. Também não se contrapõe à formatação das RAS ainda em processo de organização no Estado. O PDR/MG se estrutura por níveis de regionalização, micro e macrorregiões, em face da extensão do território e tendo em vista operacionalizar os níveis de atenção à saúde, garantir sequência e orientação espacial na organização das redes. Estes propósitos, volta-se a confirmar, estão de acordo com o decreto, mas a implementação deste reabre discussões e oportuniza novas disputas de interesse e redefinições políticas. Há ainda que se avaliar os impactos das atuais normativas no processo de utilização do PDR/MG no que diz respeito ao sistema contratual proposto, o que aqui não é analisado. Polêmicas pontuais e interesses financeiros que provoquem descontinuidade radical dos esquemas de regionalização podem fragilizar este instrumento de planejamento e gestão e afetar a continuidade da estruturação dos esquemas de governança. A baixa resolubilidade de determinada região aponta fragilidades a serem superadas no sistema de governança ou na organização das redes assistenciais, portanto requerem continuidade no processo de planejamento e gestão que tem, no PDR, um efetivo instrumento. Este, portanto, deve garantir uma visualização dos espaços nos tempos a serem dimensionados para governança e investimentos. Sua flexibilização não deve se tornar ausência de referência e direcionalidade. 17 No que se refere especificamente às redes, observa-se que a caminhada de Minas é coerente com as diretrizes do Decreto e que, por estar um passo além, aponta a necessidade de novos esforços no sentido de superar alguns entraves e dificuldade. As normativas a serem publicadas devem avançar em direção a construção de métodos e instrumentos de monitoramento e avaliação de ações e resultados, bem como na discussão de implantação de sistemas de auditoria assistencial, capazes de evidenciar a situação de todo o sistema, identificando suas fragilidades, potencialidades e corrigindo distorções percebidas. A governança tem que evoluir para a articulação das redes temáticas como um sistema de saúde realmente capaz de garantir a atenção integral aos usuários. Por fim, conclui-se que o Decreto 7.508/11 encontrou em Minas Gerais um terreno fértil para sua implementação, na medida em que algumas de suas principais premissas, como regiões de saúde e redes de atenção de saúde, já tinham uma trajetória avançada de construção conceitual e metodologia de trabalho. Em observância as estratégias consagradas pelo SUS, registra-se a aprovação bipartite ao longo da consolidação dessas iniciativas, elemento fundamental para o sucesso das intervenções. Este relato que não tem pretensão de propor a instituição de práticas norteadoras para os demais estados, mas servir de inspiração aqueles que estão iniciando essa trilha e provocar a discussão com aqueles que já iniciaram visando a troca de experiências e aprimoramento de ambos para o alcance de melhores resultados na assistência. Internamente, pretende-se suscitar a reflexão de que as conquistas são incompletas e que o caminho da mudança, da transformação e da ruptura de paradigmas exige ainda muito trabalho e dedicação de todos os atores envolvidos na construção do SUS. 18 REFERÊNCIAS ALETRAS, V.; JONES A & SHELDON, T.A. Economies of scale and scope. In: FERGUSON, B.; SHELDON, T.A. & POSNETT, J. Concentration ans choice in health care. London: Financial Times Healthcare, 1997. BRASIL. Decreto no 7508, de junho de 2011. Brasília-DF, 2011. ______. Lei no 8142, de 28 de dezembro de 1990. Brasília, DF, 10 de fevereiro de 2008. ______. Lei Orgânica da Saúde – Lei no 8080, de 19 de setembro de 1990. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 20 set. 1990, p.18.055. ______. Ministério da Saúde. Portaria no 399/GM, de 22 fevereiro de 2006. Brasília, 2006. MALACHIAS, I; LELES, F. A. G.; ANDRADE, L. C. F. A resolubilidade na gestão: Descentralização e Redução das Iniquidades. FENAGEP – Brasília-DF, Maio 2010. ______.. O PDR: Plano Diretor de Regionalização da Saúde de Minas Gerais, 2010, Relatório Técnico – AGR/SES/MG. Belo Horizonte 2010. MALACHIAS, I.; LELES, F. A. G; PINTO, M. A. S. Plano Diretor de Regionalização de Minas Gerais (PDR/MG). Belo Horizonte, 2011. 112 p. MENDES, L. V. As Redes de Atenção à Saúde. ESPMG. Belo Horizonte, 2009. 847p MINAS GERAIS, Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Plano Estadual de Saúde 2003-2007. Belo Horizonte, 2003. ______. Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Plano Estadual de Saúde 2008-2011. Belo Horizonte, 2008. ______. Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Superintendência de Planejamento e Coordenação. Plano Diretor de Regionalização de Minas Gerais 2001/2004. Belo Horizonte: Coopmed; 2002. 91 p. PESTANA, M. V. C.; MENDES, E. V. Pacto de gestão da municipalização autárquica à regionalização cooperativa. Belo Horizonte, 2004. 80 p. 19 ___________________________________________________________________ AUTORIA Laura Monteiro de Castro Moreira – Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Endereço eletrônico: laura.moreira@saude.mg.gov.br Maria Letícia Duarte Campos – Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Endereço eletrônico: leticia.campos@saude.mg.gov.br Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais – Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Endereço eletrônico: deaa.regionalizacao@saude.mg.gov.br
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