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LEGISLAÇÃO PROFISSIONAL Profª Drª CARLA PORTAL VASCONCELLOS Montaner & Muxí. Arquitetura e Política. Há uma tendência geral de que a construção de cidades apague a memória urbana, com o objetivo de debilitar as redes sociais e comunitárias que poderiam se opor à projetos urbanos e econômicos. A dissolução da memória plural e complexa é um mecanismo político que pretende impor novas identidades coletivas, concepções simples e manipuladas do social. Normalmente esse apagamento sistemático da memória coletiva ocorre de formas não necessariamente traumáticas, de modo lento e oculto. Nas ditaduras os processos de substituição de partes históricas se deu de forma drástica e traumática. Os apagamentos da memória nas democracias ocorrem de modo mais oculto, envoltos pela ideia do consumo, da modernidade e da festa. Quando se arrasa a vida comunitária e o patrimônio, criam-se falsas memórias sobre o existente. Grandes empreendimentos exigem terrenos livres para implantar sua cidade e arquitetura genérica e homogênea. Assim o apagamento sistemático de culturas, o que acaba com o patrimônio mas também com muitos subúrbios populares. (...) se perdermos a memória, também perdemos o sentido. Em 1933 a cidade de Ouro Preto é elevada a Monumento Nacional e o Decreto Federal 22.928: traça as bases para as normas supervenientes, estabelecendo que “(...) é dever do Poder Público defender o patrimônio artístico da Nação”. O Decreto-Lei nº 25 de 1937 estabelece a prevalência do interesse coletivo sobre o interesse particular, prevendo o tombamento compulsório, oque reforça a precedência da proteção com relação aos interesses privados. O decreto-lei prevê a “(...) alienabilidade das obras históricas ou artísticas tombadas, de propriedade de pessoas naturais ou jurídicas de direito privado (...)”, com previsão de penas para a não informação relativa à transferência de propriedade de bens tombados, para a destruição, demolição ou mesmo restauração sem autorização, e ainda para a construção que prejudique a visibilidade de bens tombados. A Lei 3.924 de 1961 acrescenta à legislação existente especificações referentes às jazidas arqueológicas, ficando os “(...) monumentos arqueológicos ou pré-históricos de qualquer natureza existentes no território nacional e todos os elementos que neles se encontram (...)” sob a proteção do Poder Público, também em conformidade com o artigo 175 da Constituição Federal de 1946. A Lei declara o ‘direito imanente ao Estado’ a posse e a salvaguarda dos bens de natureza arqueológica ou pré-histórica, A Constituição Federal de 1967, no parágrafo único do artigo 172, coloca sob a proteção especial do Poder Público “os documentos, as obras e os locais de valor histórico ou artístico, os monumentos e as paisagens naturais notáveis, bem como as jazidas arqueológicas”. A Constituição Federal de 1988, art. 216, inclui como patrimônio cultural brasileiro também os de natureza imaterial que se constituam “(...) portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira (...)”, como: i) as formas de expressão; ii) os modos de viver, criar e fazer; iii) as criações científicas, artísticas e tecnológicas; iv) as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; v) assim como conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico, estes já presentes na legislação anterior. Os meios previstos na Constituição de 1988 para a proteção deste patrimônio, com a colaboração da comunidade, são “(...) inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e outras formas de acautelamento e preservação” O compartilhamento destas tarefas e responsabilidades com a comunidade é um importante acréscimo na redação da Constituição, do mesmo modo que o tombamento das reminiscências dos quilombos, e no mesmo sentido em que avança a Emenda Constitucional nº 71 de 2012, que estabelece o Sistema Nacional de Cultura. A Constituição Federal de 1988 considera competência comum à União, Estados e Municípios proteger bens de valor histórico, artístico e cultural, salvaguardar paisagens naturais notáveis e sítios arqueológicos e impedir a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural. Compete de forma específica aos Municípios promover a proteção do patrimônio histórico- cultural local. É, no entanto, a lei da ação civil pública que disciplina as ações de responsabilidade por danos, dentre outros, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. O Estatuto da Cidade, de 2001, traz instrumentos para a proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico: o direito de preempção e a transferência do direito de construir. A efetivação do transferência do direito de construir, depende de lei municipal que: i) autorize a alienação do direito de construir mediante escritura pública; ii) determine os limites máximos de potencial construtivo do imóvel que os cederá e daquele que os irá receber; iii) estabeleça procedimentos de controle, modalidades de extinção, obrigações dos proprietários e responsabilidades do próprio poder público. O poder público deve estabelecer condições e critérios para a transferência, através, da elaboração de um cadastro de imóveis com potencial para aplicação do instrumento, além de constituir um sistema de acompanhamento e controle relativos à aplicação dos termos de preservação estipulados para os imóveis. Além disso o proprietário deve participar de programa de preservação a ser elaborado pelo órgão público competente. Em Passo Fundo, o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) em vigor, prevê em seus artigos 147 e 148, a Transferência do Direito de Construir, regulamentada pela Lei Complementar nº 393/2015. O município propôs, em 2022, um Projeto de Lei que altera dispositivos, tanto do PDDI, quanto da Lei Complementar n.º 393/2015, no sentido de uma aplicação efetiva da Transferência do Direito de Construir, procurando estabelecer procedimentos e mecanismos para os imóveis envolvidos. O Projeto de Lei apresenta um Fator de Incentivo – Fi, que preconiza índices de incremento ao cálculo do Potencial Construtivo Transferível. No caso dos imóveis tombados Potencial Construtivo Transferível seria o produto do Coeficiente de Aproveitamento previsto para a zona onde se encontra e a área do terreno, subtraída a área construída do próprio edifício tombado, e o Fator de Incentivo previsto para estes imóveis é de 1,4. Também para os imóveis que sejam objeto de preservação ou recuperação em virtude de valor cultural, histórico e arquitetônico, o Projeto amplia requerimentos, especificações e garantias, de modo que, deverão estar devidamente tombados, ter a transferência aprovada pela Secretaria de Planejamento e obter parecer favorável prévio do conselho municipal competente. Há previsão de que o controle .das transferências de potencial construtivo se façam através de um banco de cotas e da expedição de certidões das operações, ambos sob responsabilidade da Secretaria de Planejamento: sempre que for utilizada uma parte do total a que o proprietário tem direito de transferir, o Poder Público Municipal tem a responsabilidade de registrar na Certidão do Potencial Construtivo Transferível, a fração já usufruída e, quando couber, também o saldo disponível. Da Lei Complementar nº 393/2015 permanecem inalterados alguns artigos dentre os quais o artigo 9º que estabelece que a transferência do potencial construtivo deverá ser “averbada no registro imobiliário competente, à margem da matrícula do imóvel que cede e do que recebe o potencial construtivo”, o qual, no seu parágrafo. único esclarece como condição específica para imóveis tombados, a averbação das condições de proteção, preservação e conservação do mesmo.
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