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OEM ARRIGHI LÓGICA TERRITORIAL DO CAPITALISMO

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A LOGiCA TERRITORIAL
DO CAPITALISMO HISTORICO
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"Lnperialismo é uma palawa que e§caPa fácil da }íngua." Como lohn A' Hob-
son há um século, Harvey observa que a palavra adquirÍu tantos significados dife-
rentes que seu uso analítico, ao contrário do polêmico, exige esclarecimentos'§
significado mais geral é extensáo ou imposição do poder, autoridade ou influência
de um Estado sobre outros Estados ou comunidades sem Estado.fCompreendido
isso, o imperialismo está por aí há muito tempo sob formas muitõ-variadas. Mas o
ranro especial do imperialismo que Harvey chama de "imperialismo capitaiista'
ou "imperialismo do tipo capitalista" é o que precisamos investigar para entenrler
por que a maior potência capitalista da história do mundo, os Estados Unidos,
desenvolr,eu um aparato rnilitar de destrutividade sem igual e sem Precedentes e
demonstrou uma intensa vontade de mobilizáJo parâ concretizar o mais ambicio-
concebido.s-o_projeto de domÍnio mundial já
'l- 
Harvey define o imperialismo '
do tipo capitalista como "fusão contraditória" de
erlo e os os moleculares
O primeiro componente refere-se
às "estrategias politicas, diplomáticas e mi-litares in"oiaaãs e úsadas por um Esta-
do (ou uma coleção de Estados que funcionam como bloco de poder político) na
luta para fazer valer seus interesses e atingír seus objetivos no mundo em geral':
Essa luta é impelida por uma "lógica de poder territorial'l ou seja, uma lógica na
qual o controle do territóriO e de seus recursos hutnanos e naturais constitui a base
fDavidHarvey, TheNevlmperialísnt,p.26 [ed.bras.: Onov_q]nperíalísr2lol.Arespeitodadefinrçào
clássica de imperialismo de Hobson e de sua utilidade para maPeil analiticâmente os significados
diferentes (muitas vezes opostos) qrre a palawa assumiu em termos históricos, ver Giovanni Arrighí,
The Geometry of bnPerialism.
)11
,,G
Adam Smith em Pequim
da busca de poder. -Q segr,rndo_componente, por sua vez, refere-se ao fluxo de po-
der econômico "através do espaço continuo, rumo a entidades territoriais e para
longe delas [...] pela prática diária de produção, trocas, comércio, fluxo de capital,
transferência de dinheiro, migração de mão-de-obra, transferência de tecnologia,
especulação monetària, fluxo de informaçóes, impulsos culturais e assemelhadbs'l
A força motriz desses processos e a "1ógica de poder capitalista'] ou seja, a lógica
na qual o controle do capital econômico constitui a base da busca de poder2.
A fusão desses componentes é sempre problemática e muitas vezes contraditó-
ria (ou seja, diaietica). Nenhuma das logicas pode ser reduzida à outra. Assim,
"seria difíci.l entender a Guerra do Vietnâ ou a invasâo rio Iraque [...] somente em
termos das exigências imediatas da acumulaçâo de capital'l porque é plausível ar-
gumentar que "tais empreendimentos inibem, ern vez de melhorar, a sorte do ca-
pital'l Entretanto, do mesrno modo,
e difíci-l entender a estrategia territorial geral dos Estados Unidos de contençâo do po-
der soviético depois da Segunda Guerra Mundiai, estratégia que prepaÍou o cenário da
intervenção norte-americana no Vietná, sem admitir a necessidade obrigatôria, sentida
pelos defensores dos interesses comerciais norte-americanos, de manter o máximo
possivel do mundo aberto à acumulaçâo de capital por meio da expansâo do comércio
[...] e das oportunidades de investimento estrangeiro.l
Embora as lógicas territorial e capitalista do poder não possam ser reduzidas
uma à outra e, às vezes, a lógica territoriai venha na frente, "o que distingue o im-
perialismo de tipo capitalista de outras concepçÕes de império e que a lógica capi-
talista e que dominai Mas se assim é, pergunta }iarvey, "como a lógica territorial
de poder, que tende a se fixar no espaço de modo constrangedot reage à dinâmica
: aberta da acumuiação interminávei de capital?'i E se a hegemonia no sÍstema g1o-
bal e propriedade de um Estado ou coleção de Estados, 'tomo a 1ógica capitalista
I Davici Harvey, The Nev Inrperialisnt, p.26-7. Harvey refere-se à minha prôpria distinção entre a
lôgica de poder cap.italista e a tcrritori3lista (Giovanni furighi, The Longl'wentieth Cenrury: Money,
Povrer antl the Orignts of Our Times, p.33-4 [ed. bras.: O longo sêculo XX: dinheiro, poder e as origens
de rcsso tetnpo]).Entretânto, o uso que ele faz da distinção difere do meu em ciois pontos Ímportâr1tes.
Para eie, a 1ógica territorialista reíere-se às políticas estatais e a lôgíca caprtalista refere-se à politica da
produçào, das trocas c da acumulação. Para mim, ao contrário, ambas as lógicas referem-se primarra-
mente a polÍticas estatais. Aiém dÍsso, parece que Harvey pressupõe que rodos os processos de merca-
do (como trocas, comércío, migração de mão-de-obra, transferência de tecnoiogÍa, fluxo de informa-
çóes e assemelhados) são inrpelidos pela lógica capitalistâ. Não parto de tal pressuposto. Como
veremos, essas diferenças resultarn numa descrição hrstôrica ria reiação entre capitalisrno e práticas
imperiâlistas que se afasta em aspectos furdamentais da descrição de l{arvey.
r Davrd Harvcy, The New lmpertalkm, p.29-30.
222 223
À lógica territorial do capitalismo histórico
pode ser gerida de modo a rnanter o Estado hegemônico?'l A tentativa dos Estados
hegemônicos de manter sua posiçâo em relaçáo à acumulação interrninável de
capital não os induz inevitarelmente a ampliar, expandir e intensificar militar e
politicamente seu poder a ponto de pôr em risco a própria posição que pretendem
manter? Os'Estados Unidos, i1o governo de George W. Bush, não estavam caindo
nessa armadilha, apesar do alerta d,e 1987 de Paul I(ennedy de que o excesso de
alcance e de extensão vàrias vezes moslrou ser o calcanhar-de-aquiles dos Estados
e irnpérios hegemônicos? E, finaLnente, "se os Estados Unidos, por si sÓs, não são
mais grandes e engenhosos o suficiente para gerenciar a ampiiadíssima economia
mundial do seculo XXI, então que tipo de acumulaçáo de poder político, sob que
tipo de sistema político, será capaz de ocupar seu lugat dado que o mundo ainda
está fortemente comprometido com a acumulação de capitai sem limites?"4,
Na busca de respostas a essas perguntas, Harvey interpreta a adoção do Proje-
to para o Novo Secuio Norte-Americano pelo governo Bush como abordagem de
alto risco para manter a hegemonia norte-americana nas condições de integração
global inaudita que se criou com a âcumuiaçâo interminâvel de capitai no fim do
século XX. Se os Estacios Unidos conseguissem estabeiecel um regime amistoso
no Iraque, fazer o mesmo no Irá, consolidar sua presença estratégica na Ásia cen-
tral e, assim, dominar as jazidas de petró1eo da bacia do Cáspio, "então pocieriam,
pelo controle da torneira globai do petróleo, alimentar esperanças de manter o
controle efetivo da economia global pelos próximos cü1qüenta anos". Como todos
os concorlentes econômicos dos Estados Unidos, tanto na Europa quanto na Ásia
oriental, dependem muito do petróleo da Ásia ocidental,
[o] que seria melhor para os Estaclos Unicios evitarem aquela concorrência e garanti-
rem sua prôpria posição hegemônica do que controlar o preço, as condições e a distri-
buição do principal recurso econômÍco de que dependem os concorrentes? E, para isso,
o que seria melhor do que usar a ünica linha de fcrrça em que os Estados Unidos arnda
são todo-poderosos - a força militar?s
Contudo, mesmo que essa estrategia tivesse sucesso militar, isso nâo seria suÍi-
ciente para manter a posiÇão hegenúnica rios Estados Unidos. Assim, às \,ésperas
da invasão norte-americana do Iraque, Thomas Friedman afinnara que não hayia
"nada de ilegítimo nem imoral nâ preocupação dos Estados Unidos com o fato de
um ditador cruel e megalornaniacotel influência excessiva sobre o recurso natural
a lbidem, p. 33-5; Paul Kenne dy, The Rise and Fall of tlte Great Powers: Economic Change and Milítaty
Conflict front 1500 to 2000 [ed. bras.: Ásrens ão e qucda das grandes poténcras].
! David }iarvey, Th e N ew lnperialisnr, p. 24-5, 7 5 -8.
I
Adam Smith em Pequim
que alÍmenta a base industrial do mundo'i Mas os Estados unidos precisavam to-
mar cuidado para transmitir ao público e garanrir ao munclo que a intenção era
"proteger o direito de sobrevivência econômica do rrundo" e nâo o nosso próprio
direito de nos fartarmos, e que os Estados Unidos estavam ,,agindo pelo bern do
planeta, não apenas para alimentar os excessos norte-americanos. [...] se ocupar-
mos o lraque e simplesmente instalarmos um autocrata mais pró-americano para
adrninistrar o posto de gasolina iraquiano (como fizemos em outros Estados ára-
bes produtores de petróleo), essa guerra seria imoral"6.
l arvey usâ o argumento de Friedman para ilustrar a diferença, que já discu-
timos no capitulo 6, entre hegemonia no sentido gramscia,o e dominação pura e
simples. Em seguida, observa que no último meio século os Estados unidos con-
.- taram freqüentemente com meios coercivos para subjugar ou Iiquidar grupos an-
tagônicos dentro do pais e sobretudo no exterior. Mesmo assim, a coação era
"apenas uma base parcial e às vezes contraproducente do poder norte-america-
no". outra base igualmente indispensável era a capacidade dos Estados unidos de' mobil.i.zar o consenso e a cooperação internacionais, agindo de modo â tornar
plauslvel aos ôutÍos a afirmativa de que agiam em nome do interesse geral, mes-
mo qr.ranclo na verdade punham em primeiro lugar o limitado interesse norte-
americanoT. Ainda para justificar a invasão do lraque, ô governo Bush fez o que
pôde para convencer o mundo de que os Estados Unidos agiam "pelo bem do
planeta, não apenas para alimentar excessos norte-americanos", como sugerira
Friedman. Entretanto, fora dos Estados unidos poucos ievaram essa aregação a
serio. Desde o princÍpio, o principai probiema não era que faltasse credibilidade
às racionalizaçôes sobre "armas de destruiçâo em massa" e "conexào Iraque-Âl
Qaeda", mas sim que a invasáo se inserisse num projeto político mais amplo de
ciominação global norte-americana que enfatizava de maneira explícita a preser-
vação do poder dos Estados Unidos por mais um século, quaisquer que fossem os
interesses dos outros detentores de poder. A tentativa de implementar o plano
com a decisão unilateral de invadir o Iraque "criou um elo de resistência [...] entre
França, Alemanha e Rússia, apoiado até pela China". Esse.súbito realinhamento
geopolítico tornou "possÍvel discernir os contornos difusos de um bloco de poder
eurasiano que há muito tempo Flalford Mackinder previra que poderia dominar
o mundo com facilidade em termos geopolíticos"8.
6 Citado em David l{arvey, The New lmperialism, p. 24.
7 lbidem, p.39-40.
I Ibidem, p. 84-5, sobre a importância atual de Mackinder para o pensamento geoestrategicô, ver
tambem Paul Kennedy, 'Mission Impossible?'l
224 225
A Iógica territorial do capitalismo histórico
À luz do constânte e antigo temor de Washington de que um bloco assim real-
mente pudesse se concretizar, a ocupação do Iraque assumiu significado ainda
mais amplo.
Isso não só e tentativa de controlar a torneira global do petróleo e, portanto, a econo,
mia global por meÍo da dominação do Oiiente Médio, como tambem constitui uma
poderosa cabeça-de-ponte militar norte-americana na massa terrestre eurasranâ,
que, tomada em conjunto com as alianças que se formam desde a Polônia e clescem
pelos Bálcãs, garante aos Estados Unidos forte posiçâo geoestrategicâ na Eurásia com
potencial para no mlnimo desorganizar toda a consolidaçáo de um poder eurasiano
que possa ser, na verdade, o próximo passo daqueJa acumulaçâo interminável de po-
der político que sempre deve acompanhar a acumulação igualmente interminár.el de
capital.e
Foram esses planos de longo alcance qne levaram os observaciores a falar de nm
"novo" imperialismo. No entanto, como observa Harvey,'b equilíbrio de forças ern
aÇão dentro da lógica capitalista indica direções bem diferentes"ro. Â interação cies-
sas forças com a lógica do expansionismo territorial constituÍ o tema deste capítulo.
Começarei apresentando os conceitos de líarvey de 'hjuste espacial" lspatiat fix) e
"acumulação por desapropriaçáci' laccumúatíon by dispossesion) e em seguida os
usarei para contar â minha maneira o longo processo l'ristôrico de desenvolvimento
capitalista e de expansão territoriai que cuLlinou - e atingiu seu limite - no proje-
to fracassado de um imperio norte-americano verdadeiramente universâ1.
Sulteraunnulaçã.o e produÇao de espaço
uma das características mais essenciais (e teoricamente negligenciadas) cio ca-
pitalismo histórico é a "produção de espaço'l Esse processo não só foi essencial
para a sobrev.ivência do capitalismo em conjunturas especialmente dífíceis, como
deíendeu Henri lefebvrerr, como também foi condiçâo fundamenta.l para a íor-
mação e o aumento do aicance global do capitalismo como sistema socia.l hisrórj-
co. A teoria de Harvey de um 'ãjuste espaciotemporal'] ou, para abreviar, "ajuste
espacial'l aplicado à tendência para a crise da acumulação interminável de capital
e urrra explicação convincente do motivo por que a produçâo de espaço íoi ingre-
' David Harvey, The Ney, Inrperialism, p.85.
to lbidem, p. 86.
lfHenriLeíebvre,TheSurvi,aloíCaPitalisnt:ReprodttctionoJtheRelationsofProtluctiorrIed.port,;,,1
reprodução das relnções de produçao),
Adam Smith em Pequim
diente tão essencial da reprodução ampliada do capitalismo12. Em O novo imperia-
lisma, essa teoria e utilizada para ressaltar a ligação entre o surgimento do Projeto
para o Novo Seculo Norte-Âmericano e a crise cie superacumuiaçâo cias decadas
de 1970 e 1980, assim como as contradições enrre a lógica territorial que está por
trás desse projeto e a lôgica capitaLsta. A palavra inglesafi ("ajuste'i 'tonserto")
tera duplo signiÍicado:
Determinada porção do capital total está literalmente fixada na e sobre a terra, de
mocio fisico, durante um período relativamente longo (dependenclo da duração de sua
vida física e econômica). Algumas despesas sociais (como educação pública e assistên-
cia médica) tambem sc toÍnam territorializadas e permanecem geograficamente inrô-
veis por meio de compromissos do Estado. O "ajuste" (fi) espaciotenrporal, por outro
lado, é rnetáfora pâra um tipo específico de soluçáo para crises capitalistas por meio de
adiamento temporai e expansão geogrâíica.1)
O significado literal da pal|v.-ra fix.hg1r1q.3.êgffe9-pgra a dependência da
acumulação de capital com relação á existêtrcia de um ambiente de instaiações
construídas com esse fim (como portos, ferrovias, estradas, aeroportos, recies de
telégrafo, sistelnas de fibra óptica, oleodutos, rede eIétrica, rede de água e de
esgotÕ, aiem de fábricas, escritórios, moradias, hospitais e escolas), que consti-
tuem o capital fixo embutido na terra, ao contrário das formas de capital fixo
(como navios, caminhoes, aviões e máquinas) que podem ser deslocadas. E so-
mente ao fixar algumas infra-estruturas físicas ,,ro espaço que o capitai, em todas
as suas formas fisicamente rnóveis, pode se mover de fato pelo espaço em busca
do luclo màximoIa.
Err contraste, o significado metafólico dapalav.raf_íx.tggqsq{to,gste, remen-
do] destaca a tendência da acumulação de capital bem-sucedida no estímulo in-
cessante da redução e ate na eiiminação das barreiras espaciais - o que Marx cha-
mava de "aniquilaçâo do espaço através do tempo" -, minando sem querer os
privilêgios monopolistas vincu-lados a iugares específicos por rneio da intensifica-
çáo da concorrência no espaço geográfico. Como resultaclo dessa tendência, pe-
' riodicamente o capital acumuia, acima de tudo, o que pode ser reinvestido com
lucro na produção e na troca de mercadorias dentro de sistemas territoriais exis-
tente§. Esse excedente decapital materializa-se em estoques de mercadorias enca-
D Daví<i Harvey, Li,rits to Capitnl, e os ensaios reunidos em §p aces of Capital: Tovards a Crilical Geo-
graplry.
'r ldem, Táe New Imperialisnt, p. 115.
11 lbidem, p. 99-100.
226 227
A lógica teffitorral do capitalismo histórico
thadas (dos quais só e possível se livrar com prejuizo), em capacidade produtiva
ociosa e em liquidez que não tem onde ser investida de modo lucrativo. A inco::-
s e esp ecificament-g 1 p1o{ gq1o_d._qlp:lúy
para disponibilizar o novo espaço e dotá-lo
poração de espaço flovo ao sistema de acumulação ,,repara, (ou seja, dá uma solu_
çáo a) a crise subseqüente de superacumuiaçâo ao absorver esses exced.entes, Pri-
meiro com o "diferimento teurp_oral" ftemporal defen.al) e depois com aexPaü§gg_
A absorçáo pelo diferim-e,nto remp oral refere -
seja, à utiiização de capital excedenre
da infra-estrutura necessária, tanto
espacial, pol' sua vez, refere-se à
quanto social, A.-absorção pela ampliaçáo
de capitai excàdêrÍãíãí;õvas aõ*bmãÇõBTrodutivas que se rornam
com a expansão geográfica do sisterla de acumulação depois que o novo
foi produzido de maneira adequadar5
-,4 
rr.t't '- I
(a ,,: .. i-\
O efeito combinado das tendêucias para as quais os dois significados de' ajuste
espaciai" lspatial fix) chamam nossa atenção e uma variante geográfica do proces-
so cie 'destruição criativa" de Schumpeter, qu\discutimos no capitulo 3. Como
explica Harvey:
o efeito agregado é [,..] que o capitalisrno busca perpetuamente criar uma paisagem
geográfica que faciüte suas atividades em determinado momento, apenas para destrui_
la e construrr uma paisagem totalmente difere,te num momento posterior para aco-
modar a sede perpétua de acurlulação interrn.inável cie capital. Assim é a hisrória da
destruição criativa escrita na paisagem da verdadeira geografia histôrica da acumula-
ção de capital.r6
A lista de inovaçôes que impr-risionam o processo de destruição criativa reai-
mente, definida pelo próprio schumpeter, inciuía mudanças da configuraçáo es-
pacial do comercio e da nrodução. scl.rumpeter, porém, nunca detalhou a relação
entre inovações que alteravam a configuraçào espacial clo comércio e da produção
e outros tipos de ilovação. É isso o que Harvey faz ao sublir:har o papel inrer-rela-
cíonado das vantagens da tecnoiogia e cia localizaçáo na geração do excesso de
lucro que imp,.lsiona a dinâmica schumpeteriana. Nessa dinâmica, como observa-
mos no capitulo 3, o excesso de lucro (a "remuneração espetacular" de schumpe-
ter) tem duplo papel. De um lado, é um incentivo constante à inovação e, de outro,
impulsiona a atividade daquela vasta maioria de empresários que entra r1o setor
gerador de excesso de lucro e, no processo, deflagra a concorrência que não sô
elimina o excesso de lucro, como também provoca prejuizo generalizado porque
r5 Ibidern, p.98-9, 109-12.
16 Ibidem, p. 101.
Adam Smith em pequim
destrói as combinaçôes prodrltivas preexistentes. Harvey teoriza um processo se-
mel]-rante, mas concentra-se no fato de qlle, colrro indivíduos, os capitaristas po-
dem obter excesso de lucro nâo só porq*e adotam merhor tecnorogia, mas tam-
bém porque buscam iugares melhores.
Existe, portanto, uma troca direta entre mudar de tecnologia ou de localizaçâo na busca
cornpetitiva do excesso de lucro. t..J tEm] ambos os casos, o excesso de Iucro apurado
por capitalistas individualmente [...] desaparece assim que outros capitalistas adotam a
mesma tecnología ou se mudam para lugares igualmente vantajosos. [.,.j Na medida em
)Qu. 
., opo.trrnidades de excesso cle lucro oriundas da rocarizaçao .i" .rút;;ãriÍ,
ilmaror 
o incentivo competitivo dos capitalistas individualmente para destruir a base dorleqrtilíbrio 
[resultante] por meio da mudança tecnolôgica [...]. A concorrência [portanto]
promove simultanearnenle mudanças da configuraçâo espacial da produção, mudanças
nas misturas tecnolôgicas, reestruturação de reraçôes de valor e mudanças temporais na
dinâmica gerai de acr-rmuração. o aspecto espaciar da concorrência e ingrediente volátir
dessa mistura volátil de forças.r7
Em gera1, as mudanças espaciotemporais cla dinâmica gerar de ac*muração que
abso*'em o capital excedente "ameaçam [...] os varores já fixados no iugar (embu-
tidos na terra), mas ainda não realizados,l Assim,
A vasta quantidade de capital fixado no rugar age como âncora da capacidade de
concretlzar o aiuste espacial em ôutro lugar. [...] Se o capital realmente se muda, ele
deixa atrás de si um rastro de devastaçâo e desvalorização; as desrndustrializaÇóes
'rvidas 
no coração do capitalismo [...] nas decadas de 1970 e I9B0 são casos desse
tipo. Se o citpital não se muda ou nâo pocle mudar-se [...], então o capital superacu-
mulado fica para ser desvalorizacro diretamente pera defragraçâo de uma recessáo
defl aciorrária ou depressão. r8
Seja como for, os ajustes espaciais envorvem volatiridade inter-regional e redi-
recionamento do fl,xo de capital de um espaço para outro. o redirecionamento
pode ser suave ou gcrar o que Harvey chama de 'trises de mu.ranÇa" [stvitchi,g
criseslte. rle nâo especifica o que são exaramente essas c.icei,õóItorio, sua ri'ha
de argumentação parece ser que as crises de mudança são momentos de impasse
que surgem da resístência à relocalização envol'ida nôs aiustes espacioternpÀrais,
t? IrJ'em, Límits.to cnpitnl, p.3g0-3; e tambem The New hnperiarism, p. g6-g. Mutatis mutarlíris, asconsiderações de Harvey sobre a reração entre inovâções tecnológicas e a luta por vantagem na loca-lização também se aplicam às inovações do produto.
r8 Idem, Ilre Nery Inperialisnt, p. 116.
'e lbidem, p. t?l-3i Linúts to Capital, p. 42g-9.
228
229
\ lôgica territorial do capitalismo histórico
que volta e meia revolucionam a geografia histórica do capitalismo. Essa resistên-
cia rlasce em parte da lógica contraditória da acumulação de capital propriamente.
dita.§a verdade, "quanto mais o capitalismo se desenvolve'l argumenta Lrarvey, ;
"mais ele tende a sucumbir às forças propicias à inércia geográfica'l..'--,o_"o.*.^_-. 
1_/,
A circulação de capital está cada vez mais aprisionada em infra-estruturas físicas e so-
ciais imóveis, elaboradas para sustentar certos tipos de produção [....], processos de tra-
balho, sistemas de distr.ibuiçâo, padrões de consumo e assím por diante. volumes
crescentes de capital fixo [...] limitam a mobilidade desinibida. [...] Alianças territoriais,
que muitas vezes se tornam cada vez mais poderosas e mais profi:ndamente entranha-
das, surgem [...] para conservar privilegios já conquistados, sustentar investimentos já
feitos, manter intactos acordos locais e proteger-se dos ventos frios da concorrência
,r' espacial. [...] Náo é possível obter novas configuraçóes espaciais, porque as desvaloriza-
l' ções regionais não conseguem seguir seu curso.:0
-'í '/ As forças da inercia geográfica podem, entreranto, se originar em parte nâ re-
sistência não à mudança econômica como tal, mas nas conseqüências políticas e
sociais reais ou imaginârias dos ajustes espaciaÇAo discutir a resistência às con-
seqüências políticas, Harvey concenrra-se nu õ,no como localização mais pro- :
missora do ajuste espacial eficazparaa crise de super-acumulaçáo em andamento,.i
Nâo só a china se tornou o atrator de investimento estrangeiro direto com maior
crescimento, como também seu mercado interno cresce mais depressa que todos
os outros. Na opinião de Harvey, são ainda mais fanrásticas as possibilidades de
investimento de longo prazo em infra-eslrutura. o esforÇo envolvido na constru-
ção de novos sistemas de metrô, auto-estradas, ferrovias e na atualizaçáo da infra-
estrutura urbana 't muito maior in totum do que aquela realizada pelos Estados
unidos nas decadas de r950 e 1960, com potencial para absor,er excedenres de
capitai ainda durante vários anos"2r.
Em grande parte financiada pelo déftcit, essa produção maciça de novo espaço
traz consigo o risco de uma grande crise fiscal do Estado chinês. No entanto, su_
pondo que essa crise possaser evitada ou superada côm sucesso, o ajuste espacio-
temporal "tem conseqüências globais não só por: absorver o capÍtal superacumula-
do, mas também por alterar o equiiíbrio do poder econômico e político a favor da
China [...] e talvez colocar a regiáo asiática, sob liderança chinesa, em posição
muito mais competitiva diante dos Estados unidos'l É essa possibilidade que torna
ainda mais provável a resistência norte-amerlcana ao ajuste espacial suave, apesar
r0 Idem, li»rits to Capital, p. 428-9.
!r ldenr, The New Imperialisnt,p. 123
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de esse processo ter a rnelhor possibilidade cie solucionar a crise subjacente cie
,up..u.u*uiuçaot'lÀssim, a associação entre ajustes espaciais e mudanças hege-
mônicas reforÇa a situação paradoxal que enfrentam sempre os centros dominan-
tes do desenvolvimento capitalista. o desenvolvimento irrestrito de novas regiões
levaadesvalorízaÇâoaessescentros,pormeiodaintensificaçãodaconcorrência
ürternacional.odeserrvolvimentorestritonoexteriorlimitaaconcorrênciainter-
nacional, rnas impede oportunidades de investirnento lucrativo do capital exce-
dente e, assim, provoca desvalorizaçoes geradas intel llalnellter!
l-Se o centro ameaçado pela concorrência tambem e um centro hegemÔnico'
oi";;r.t resultado podt reàuzir não so o valor de seu patrimônio' como também
seupoderfiorainda,podeprejudicaraestabilidadesocialdocentroameaçado,
porque os ajustes espaciais das crises de superacumuiaçâo têm semPre uma di-
mensâo sociai que afeta seu irnpeto de modo positivo ou negativo' A principio'
Harvey derivou essa dimensâo social da observação que Heger faz na Fílosofia do
clit'eito de que a sociedade burguesa parece incapaz de resolver' por mecanismos
intefiros,o problema da desiglaidait t do instabilidade sociais que nascem da
tendência u supar".,l-ttiar riqueza num pólo e privação no outro' Assim' a socie-
dade civil "madura" ê levarta a buscar soluçoes externas' por meio do comércio
exterioredepráticascoloniaisouimperiais2a'ErnOrtovoimperialismo'Harvey
cornpiemeuta essa observação com a tese de Hannah Arendt de que "a comunida-
de de Hobbes e uma estrut.ra vacilante e precisa sempre dispor de muletas novas
vindas de fora; caso contrário, desmoronaria da r-roite para o clia no cao§ sem ob-
ietivo e sem sentido dos interesses privados do qual brotou'2t'
Fiarvey acl,a a proposiçáo de Alendt especialmente adequada para os Estados
Unidos.Nessa..so'ciedadeimigrantemulticulturaibastanteextraordinària[..'],o
indiviciualismo competitÍvo t ?"roz l"'] revoluciona perpetuamente a vida social'
econônricaepolÍtica[...][etorna]aciemocraciacronicamenteinstável,lAdificu1-
dadedeobtercoesáointelnanumasociecladecomtantamisturaétnicaetâoin-
tensamente individualista produziu a traciiçáo que Richard Hofstadter descreveu
no início da década de r96-0 como 
..estilo paranóico,, da política norte-americana,
ou seja, a tradiçáo de que o medo de algurn "outro" (como o comunismo' o socia-
lismo,oanarquismo,os"agitadoresexternos"ou'Paraaesquerda'asconspirações
'?t lbidem, P.173'4.
1r ]dem, linrits toCaPital,P'435'
1o G. W Hegef The phílosophy'of Ríght, p. t4g-52 .1.d.:trr:, 
Princípios da filosofia do dtreitol;David
Hnru"y, SpoI", of C a p it al, cap' | 4 ; Limits t o Cap rt al' p' 41 4-5'
25 Hannah Arcndt, The origi,rr;fro,tolito,'irtiirnr,p. i42 [ed' bras r origens do totalitarismol'
Adam Smith em Pequim
230
/,t I
A lôgica territorial do capitalismo histórico
capitalistasoudoEstado)éessencialparacriarsolidariedadepolÍticanaflente
interna'u; Às vezes, "o pais todo par:ece agitado â ponto de ser ingovernável"' Ape-
sar do boonteconÔmico e do fim da ameaÇa comunista com o término da Guerra
Fria (ou por causa disso), a decada de 1990 foi uma dessas épocas' na avaiiaçáo de
Harvey, e parte do encanto eleitoral de George W' Bush em 2000 deveu-se "à sua
promessa de oferecer uma büssola moral independente e Íirme a uma sociedade
.rrrlqrr.estavasainciodocontrole"'sejacomofor'olldeSetembro"foioestimu-
IopararompercomocompoÍtamentodissolutodosanoslgg0'iNesseaspecto'a
guerra contfa o Iraque nao foi um mero desvio das dificuldades intelnas, mas 
..a
ãportunidade grandiosa de impor internamente uma nova sensação de ordem so-
cial e pôr de joeihos a comuniáade das naçÕes'l Mais uma vez, o "cruel inimigo de
fora tornou-se a força primordial para exorcizar ou domar os demônios que se
escondiam internamente"2T'
Essas observações indicam que os spafialfxes [ajustes espaciais] são restrin-
gidos não só pela resistência à relocalização econômica e aos realinhamentos
leopolítlcos a ela associados) mas tambem pela resistência à rnudança social.
iri"a, ambos os significados d.e spatialfixtêm aspectos sociais incontornáveis'
AfixaçãoliteraldocapitalnaformadePortos'estradas'aeroportos'redeeletri-
ca, rede de água e de esgoto, fábricas' moradias' hospitais' escolas etc' na e sobre
a terra cfia aigo alérn da paisagern geográfica que facilita a acumulaçáo de capi-
tal. Tambem cria urn hábitat humano especííico de reprodução e interação so-
cial.Poroutrolado,ospaticllfxmetaíóricodascrisesdesuper.acumulação
englobamuitomaisdo,l,t"desvalor:izaçãodocapitalfixadoemesobreaterra'
qo. fi.u obsoleto corn a criação da nova paisagem geográfica Envolve também a
á.lrurtuçeo do hábitat huraano embutido na paisagem obsolescente da acumuia-
ção de caPital
Co,aoPol.nyiressaltouhâmuitotempocornreferênciaespeciaiàcriseciesu-
peracumulaçao do fim do seculo XIX e iniclo do seculo XX' as devastaçÕes desse
tipoprovocanrinevitavelmentea..autoproteçãodasociedade,,emformaspolíticas
tanto Progressistas quaüto reacionárias' mobilizada'por forças que buscam retar-
dar ou reverter a relocalização das atividades econômicas e do poder político cau-
26DavidHarvey,TfieNewlmperialistt,p.I5.ó,49;Richarri}Iofstadter,TlrcParanoídsqtlein'únert.
can Politics attd Other Issn)'s. t{ofstadter aPresentou a noção do estilo paranóico da Política norte-
americana com referência .r;.;à;;;;, direitistas radicars que conseguiram aprovar !arry Goidrva-
teruaconvençãodetg64doPartidoRepublicano.Hoje,observalftugman,es§esradicaiscontrolam
ranto o congresso quanro . àr*'sr"ni", de modo que a "paranóia politica [...] se tornou a linha
pr.ao.in"ni.' ("The Paranoid Sryle'i TLe Nerv York Tinrcs' 91fi 12006)'
i' David Harvey, The New Inrperialísn' p' 16-7 '
Âdam Smith em Pequim
sada pelo ajusle espacial2s. Essa mobilizâÇáo reforça a inéFia gt:gÍfltu e torna
mais problemâtica a solução cia crise de superacumulaçãolContudo' há uma saída
possivel pâra esse impasse, ou se)a' o "'o 
át meios financeiro.s "para livrar o siste-
madasuperacumulaçãocomaimposiçãodecrisesdedesvalorizaçáoaosterritó.
rios r.r:lnerâveis'l.Harvey th"mu " 
mobilização desses meios de "lado sinistro e*
destrutivo dos ajustes espaciotemporais para o probiema da superacumulaCão""' 
--/
Examínaremos rapidamente o que isso envolve'
Acumttlaçao P or des aPraPriação
Ao discutir a absorÇáo de capital excedente na produção de espaço novo, Harvey
,.rrJo que a conversáo dt estoqt'e' encalhados e a capacidade produtiva ociosa em
investimentos em iníra-estrutura depende fundamentaimente do papel mediador
dasinstituiÇôertino,tti""estatais"'Capitalexcedenteemcamisasecalçadosnão
pode se tlansformar diretamente em aeroPortos ou institutos de pesquisai' Mas as
instituições estatais . n,'u"ttitu'têm capacidade de gerar credito proporcional ao
capitar excedente encerrado na produçãà de camisas e calçados e oferecê-lo a enti-
dadescapazesedispostasainvesti-loemaeroportos'institutosdepesquisaou
quaisqueroutlasfolmasdeinvestimentoeminfra.estll]tllraenvolúdasnaprodu-
çao a. .rp^ço novo. É claro que os Estados tambem têm o poder de converter o ca-
pital excedenie na produção de espaço novo Por meio do financiamento do déficit
ou pela aplicação dt ttteitu' fiscais em investimento em infra-estrutura3o'
Nomundorealdocapitalismo'essafunçãoconstrutivadasfinançaspúblicase
privadas está invariâvelÁente entrelaçada com osbooms e as quebras por especu-iurro ao, mercados fundiârio e imobiliário e da dívida do governo' Os excessos
especrúativos desviam ttpnA a" comércio. e da prociuçáo e acabam como desvalo-
rizaçôes.Noentanto,"taoçaodaespecuiaçãolevariaaum"resultadoigualmen-
te odioso do ponto de vista do capitalismo 1
A transformaçáo de configuraçóes espaciais no ambiente construído seria impedido e
a paisagem física necessária pt" u oto*olução futura não teria esperanças de se mate'
rializar. [...] A especulaçâo crescente e a apropnaçáo irrestrita' por mais custosa§ que
IPolanyrnãofaladea)ustesespâciaisnemdecrisesdesuperacumulaÇão.Àindâassim,sua.ênfasena
oposicão de "habitaçáo u""'i'og""o'passa a mesma idéia de coniradição fundamental entre' de
um laclo, a rendência ao .Jiui a.L"nsformar impredosâmente âs paisagens geográÍicas e' de outro'
a tenclência ,lus .om*nidud.r;;;;.;;;;.rr", paimsgens de resisti, 
" 
..s", t.un'formaçôes impiedo'
sas (Karl Polanvi, rhe G,"';";:;';;;;;;i"' in' Poiitical and Ecottomic origirts of our Time' cap' 3
i.á.'ntu., o gtmtde transformaçni: as origens da nossa época))'
i' David Haivey, T}reNerv Imperialísn' p' 134-5'
ro lbÍdem, p 1 13i lírrríÍs to Capital' p' 404'
232
A 1Ógica territoÍial do capitalismo histôrico
sejam para o caprtal e preludiciais à vidr da *" 
,1i:il"'geram 
o fern:ento caottco cio
qual podem brotâr xs novas configtrrações espactats'-
Desde o-ue os excessos especurativos favoreÇam. emr-ez de atrapclhar, o sr'rrgl-
mento de novas configurações espaciais que permltam ao comêrcio e à produção
expandir-se mais do que poderiam nas configuraçóes preexistentes' eles são "ma-
les necessários" de um jogo que' em tudo mais' é de soma positiva' Foi assim que
a retórica oficial justificoit o' **tt"o' especulativos e a "exuberância irracional"
dadécadade1990:afirmou-seque,emu]timainstância,amobilidadeespacial
irrestrita do capital bentfu'u" a reprodução ampliada da economia globaf inclu-
sivedeseuscomponentesmaisl.r:lneráveis.Entretanto,sobaretoricaoficialestáa
rearidade mais destrutivu ão ;ogo de soma negativa que atrapalhou, em vez de fa-
cilitar, o surgimento de novas configurações esPaclars'
Comoaguelraemrelaçâoàdiplomacia'sinterr,ençáodocapitalfinanceiroapoiado
pelo poder estatal significa, com freqúência' acumulaÇão Por outros meios' A aliança
profana entre o poder t'*oi t os osiettos predatórios do capital financeiro cria o flo
cortantedo..capita.Iismodeabut,es",quetântodizrespeitoàspràticascanibaiseàs
desvalorizações forçadas quânto ao clesenvolvimento global harmonioso''2
Harvey prossegue, observândo que esses "outros meios" sáo o que lvlarx' acom-
panhandoSmith,c]ramoudemeiosdeacumu}ação..primitíva'ou..original,lEle
cita e sanciona a observação de Arendt de que "o surgimento de dinheiro 'super-
fluo I...1 que nâo consegue nrais encontÍar investimento produtivo dentro das
fronteiras nacionais,, .riJo u*" situaçáo no fim do sêculo xIX e inicio do xx em
que o "pecado original do simples roubd" de Marx' "acabou tendo de se repetir
n.* * o motor da acumdafão não parasse de repente"' Como situaçáo seme-
lhante parece ter surgido outra vez no li* do século XX e início do XXI' Harvey
defendea..reavaliaçãogeraldopapelcontínuoedapersistênciadasprâticaspre.
datórias da acumuraçãi pr,*nii ou 
,originai' na ronga geografia histórica da
acumulaÇãodecapital':EcomoeieachaestranhochamarumProcessoemanda-
mento de 
.,primitivo,, ou 
.briginal,,, propôe substituir essas palavras pelo conceito
de "acumulação por desapropriação'3r'
Historicamente, a acumulação por desapropriação assumiu muitas formas di-
ferentes,comoaconversáodeváriasformasdeclireitodepropriedade(comum,
!, Idem, linriÍs to Capital,p. 398; ver també m The New ImPerialisn' p' l3l'2'
'2 ldem, The Nerv lmPennlism' P' 136'
,, Ibidem, p. t42-4iK"d #l,t;;;;l (1959)' v' t' p 7)3 [ed' bras : o capitat); Hannah Arendt' The
Ongin s o! Totalitarinnis»r' p. 1 48'
233
Adam Smith em Pequim
coletiva, estatal etc.) em direitos exclusivos de propriedade privada; a apropriação
colonial, semicolonial, neocolonial e imperiai de ativos e recur.sos naturaisi e a
elirninação de alternativas ao uso capitalista dos recursos humanos e naturais. Em-
bora muito tenha sido contingente e ocasional no nodus operandi desses proces-
sos, o capital financeiro e o sÍstema de credito foram alavancas importantes de
desapropriação, enquanto os Estados, com o monopólio da violência e das defini-
çôes de legalidade, foram protagonistas iundanrentais. Mas sejam quais forem suas
manifestaçôes, agênclas e instrumentos,
[o] que a acumulação por desapropriaçáo faz é liberar um conjunto de ativos (inclusive
força de trabalho) a custo baixíssimo (zero, em alguns casos). O capital superacumula-
do pode tomâr posse desses ativos e empregâ-los inediatamente em uso lucrativo,3'r
I Na opinião de Harvey, o surgimento da ideologia neoliberal e da política de
privatização associada a eia a partir do fim da década de 1970 constitui a van-
guarda da fase atual de acumulaçâo por desapropriaçaoJ O colapso da União So-
viética e a privatização selvagem realizada sob o título de "terapia de choque", e
aconselhacia por potências capitalistas e instituiçóes financeiras internacionais,
foi um episódio importante da liberação a preço de banana de ativos até então
inacessíveis. Entretanto, teve a mesrna importâncía a liberaçào de ativos desvalo-
rizaclos em outros paises de baixa renda na esteira das crises fiuanceiras que mar-
câram a iiberalizaçáo dos fluxos de capital nas décadas de 1980 e 19903s. É claro
que sempre hà o perigo de que crises locais e desvalorizaçôes iocalizadas saiam de
controle e deflagrern um colapso global ou provoquem a reyolta contra o sistema,
visto como seu gerador. Portanto, enquanto orquestra o processo a seu próprio
favor, a potência hegemônica precisa orgatizar "operações de resgate" para man-
tel nos trilhos a acumulação global de capital. A mistura de coação e consenso
usacla nesses resgates varia consideraveimente. Ainda assim, conclui Harvey,
[ela revela] como a hegemonia e construida com mecanismos financeiros de modo a
beneficiar o pais hegemônico, enquanto leva os Estados subalternos pelo caminho su-
postamente dourado do desenvoivimento capitalista. O cordão umbilical que liga acu-
mulação por desapropriaçáo a reproduçáo ampliada é aquele dado pelo capital
íinanceiro e pela instituição de credito, apoiados, como sempre, pelo poder estata1.l6
Como vimos no capítulo 3, I"{arx tambem enfatizava o papel fundamental
que as instituições financeiras e estatais tiveram ao vincular a acumulaçáo por
r{ David Harvey, The Netv ltnperialisnt p. 145-9,
r5 Ibidern, p. 149.50, 156-61.
16 Ibidem, p. 151-2.
234
A lógica territoriai do capitalismo histôrico
desapropriação (a acumr.rlação primitiva) em diferente§ locais à rePlodução am-
pliada do capitalismo histórico, Contudo, ao contrário de Harvey, ele concentra-
va-se exclusivamente no papel da dívida nacional e do sistema de crédito
internacional como meios de cooperação invisivel entre câPitâlistas que "fomen-
taram" a acumulação de capital repetidas vezes no espaço-tempo do sistema ca-
pitalista mundial desde o seu surgimento até a época em que ele e§creveu.
Observamos que, na.seqüência de Marx de Estados capitalistas cooPerantes, o
que sulge como "Ponto de partida'num centro novo (Holanda, Inglaterra, Esta-
dos unidos) e, ao mesmo tempo, "resultado" de longos períodos de acumulação
de capital (e finaimente de superacumulação) eln centlos antes estabelecidos
(Veneza, Holanda, Inglaterra). Alem disso, embora Marx não o diga explicita-
mente, cada novo centro principal de sua seqüência é uma entidade de escala e
alcance territorial maior que seus predecessores.
A seqüência de Marx, nos termos da conceituação de Harvey, descreve uma
ser:ie de ajustes espaciais de escala e alcance cadavez maiores que ofelecem vias
de escape lucrativas para o capital excedente que se superacumula em centros
capitalistas antes estabelecidos e, ao mesmo tempo, reduzem a necessidadede
acumuiação por desapropriação nos centlos recém-§urgidos. Se essa tendêncla
ainda eStivesse em ação nos dias de hoje, os Estados Unidos e outros centros
maduros de acumulação de caPital estariam elllPlestando "volumes enormes de
capital" a centros emergentes. Então, por que e que os Estados Unidos, em vez de
emprestar, toma emprestados volumes enolmes de capital, como já foi constata-
do no capÍtulo 5, ao ritmo de mais de 2 bilhÕes de dólares por dia? E por que e
que parte cad^lez maior clesse capital vem de centros emergentes, plincipal-
meute da China?
Essa anomalia assinala um bioqueio dos mecanisn'ros que rlo passado facilitaram
a absorçáo de capital excedente em ajustes espaciaÍs de tamanho e alcance cada yez
maiores. Harvey não trata dessa anomalia, mas sua teoria do ajuste espacial i'ndica
que o fortalecimento das forças econÔmicas, politicas e sociais de inércia geográíica
podem ser a cau§a do bioqueio. Embora essa seja, sem ciúvida aiguma, parte da ex-
plicação, outra razão poderia ser que a acurnulação por desapropriaçáo cl"regou ao
seu limite, seja porque o príncipal centro emergente (a China) está acumuiando ca-
pital por outros meios - hipótese piausivel, como veremos no capítulo 12 -, seja
porque os meios coercivos náo podem mais crial. um ajuste esPacial de tamanhtl e
alcance suÍicientes para âbsorvel de modo lucrativo a massa de capital excedente
nunca antes vista que está se acumulando no mundo todo.
Harvey não investiga essa possibilidade nem esclarece a ligação entt'e o fato
de Washington ter adotado o programa do Novo Seculo Americâno e a acumu-
235
Adam Smith em Pequim
iação por desapropriação. Embora sugira que "a desapropriação do petróleo ira-
quiano" poderia marcar o princípio da continuação, por meios militares, da acu-
muiaçáo por desapropriaçáo, ele tambem afirma que a lógica territorial específica
que o projeto imperial neoconservador buscou impor era profundamente incoe-
rente corn a lógica capitalista de poder, Ainda que as despesas militares possam
estimr:lar a economia norte-americana no curto prazo, seu efeito mais duradouro
será o maior endividamento externo dos Estados unidos e, portânto, a maior vul-
nerabilidade à fuga de capÍtais. os riscos para o capital financeiro em continuâr
suportando a dívida nacional aumentará proporcionalmente, e se essa situação nâo
mudar, mais cedo ou mais tarde a fuga de capitais levará a economia norte-amerl-
cana a um "ajuste estrutural" que trará consigo "um grau nunca visto de austerida-
de, sem nada parecido desde a Grande Depressão da década de 1930"r.
Harvey especulou que, nessas circunstâncias, os Estados Unidos "ficariam ex-
trernamente tentados a usar seu poder sobre o petróleo para frear a china, provo-
cando, no minimo, um conflito geopolítico na Ásia central e taivez espalhando-o
pâra um conflito mais global': A única alternativa realista para resultado tão desâs-
troso, em sua opinião, seria algum tipo de "novo 'New Deal"' encabeçado pelos
Estados unidos e pela Euro»a, nacional e internacionalmente. "Isso significa liber-
tar a lôgica do capital [,..] das suas correntes neoliberais, reformular o poder estatal
segundo linhas bem mais intervencionistas e redistributivas, restringir o poder
especulativo do capital financeiro e descentralizar ou controlar democraticamente
o poder avassalador dos oligopólios e monopólios (especialmente [...] do comple-
xo militar-industrial)l'Esse projeto alternativo lembra o "uitra-imperialismo" das
potências capitalistas cooperantes vislumbrado por Karl Kautsky há muito tempo
e, como tal, tem suas próprias conotaçóes e conseqüências negativas. Ainda assim,
"parece propor uma trajetória imperial bem menos violenta e bem mais benevo-
lente do que o grosseiro imperialismo mil.itarista proposto atualmente pelo movi-
mento neoconservador dos Estados Unidos"38.
Nos quatro anos decorridos desde clue isso foi escrito, o desenrolar do projeto
imperial neoconservador excluiu a possibilidade de que a apropriação do petróleo
iraquiano por meios militares pudesse dar início a uma fase de acumulação por
desapropriação e aumentou aincla mais a divida externa dos Estados unidos e sua
vLrlnerabilidade à fuga de capitais. Entretanto, ate agorâ o capital financeiro e os
governos estrangeiros continuam a subscrever a dívida nacional norte-americana,
de modo que nenhuma fuga de capitais levou a economia dos Estados Unidos ao
ajuste estrutural que lhes daria certa austeridade e, muito menor, a algo compará-
r7 lbidem, p. 201-2, 204-9.
r! Ibidem, p.209-11.
236 /,3 /
A lógica territorial do capitalismo histórico
vel à experiência da década de 1930. Embora a fuga e o ajuste estrutural continuern
possíveis, e difícil dizer como os Estados Unidos reagiriam caso eles de fato se
materializassem. Como veremos na quartâ parte do livro, o fracasso no Iraque nâo
desencorajou os Estados Unidos a adotar estratégias com relação à Cliina que po-
dem cleflagrar o tipo de conflito geopolítico vislumbrado por Harvey. Mas o am-
biente econômico e político global tornou-se menôs propicio a esse resultado e, de
qualquer modo, o projeto "ultra-imperialista" euro-americano não é a única alter-
nativa, nem a mais plausivel, para o grosseiro imperiaiismo militarista posto em
prática corn tâo pouco sucesso pelo governo Bush.
Para identificar toria a gama de possibilidades históricas pÍopostas pelo de-
senrolar da iregemonia norte-americana, os conceitos de ajuste espacial e rie
acumulação por riesapropriaçáo devem ser reconfigurados de um ponto de vis-
ta histórico mais amplo e extenso do que o de Harvey. Dentro dessa óplica, o
novo imperialismo surgirá como resultado, de um lado, de um longo processo
histórico de tamanho e aicance cadavez maiores e, de outro, da tentativa dos
Estados Unidos de levar esse processo a cabo por meio da formaçáo de um go-
verno mundial centrado neles próprios. Essa tentativa, afirmo eu, fazia parte da
hegemonia norte-americana desde o principio. No governo de George W. Bush,
ela simplesmente atingiu seu limite e, com toda a probabilidade, deÍxará de ser
o determinante principal clas transformaçôes em andamento na econonria po-
1ítica global.
Sup er a cumula ç ã o e fin an c eir i za ç ã o
Em Origens do totalitarismo, Arendt faz uma observaçâo reveladora, embora
um tanto funcionaiista, sobre a relação entre â acumulação de capital e a acumu-
lação de poder:
À insistência de Hobbes no poder como motor de tudo o que é humano [...] surgiu da
proposiçáo teoricamente indiscutivel de que a acumulaÇão ínfindável de propriedade
precisa se basear numa acumulaçáo infindável de poder. [...] O processo ilimitado de
acumulação de capital necessita da estrutura política de um "poder tão ilimitado" que
possa proteger a propriedade crescente, tornando-se constantemente mais poderoso.
[...] Esse processo de acumulação infindâvel de poder necessàrio para a proteção da
acumulação infindável de capital determinou a ideologia "progressista" do firn do
século XIX e prenunciou o surgimento do imperialismo.3e
re Hannah Arendt, The Origíns of Totalitarianism, p. 143. Grifei "necessita" e "necessário" para desta-
car, pata referência futura, a natureza funcionalista da tese de Arendt.
Adam Smith em Pequim
Depois de citar essa observaÇão teórica, Harvey escreve que eia corresponde
"exatamente" à minha própria descrição empírica da sucessão de organizações do-
minantes que promoveu e sustentou a formação do sistema capitalista mundial,
desde as cidades-Estado itaiianas até as fases de iregemonia hoiandesa, britânica e
norte-american aao.
Assim como no fim do seculo XVII e início do XVIII o papel hegemônico tornou-se
grande demais para um pais com o tamanho e os Íecursos das provincias unidas, no
iniclo do seculo xX esse papel tornou-se grancie demais para um Estado com o tama-
nho e os recursos do Reino unido. Em ambos os casos, o papel hegemônico coube a um
Estado - o Reino unido no século xvIII, os Estados unidos no século XX - que passou
a gozar de uma"renda de proteçâo" substanciai, ou seja, va-ntagens de custo exclusivas,
associadas à insuiaridade geoestratégica absoluta ou relatiya. [...] Mas esse Estado, em
ambos os casos, tambem foi portadol de peso suÍiciente na economia mundial capita-
lista para ser capaz de alterar o equilíbrio de poder entre os Estados concorrentes na
direçáo que bem quisesse. E como a economia mundial capitalista expandiu-se consi-
deravelmente no século XIX, o território e os recursos necessários para tornar-se hege-
mônico no inicio do seculo XX eram muito maiores do que no XViII.4r
Embora inegável, a correspondência não e "exata'i como sugere Harvey. Afinal,
a observaçáo de Alendt refere-se à acumuiação de poder e capitai dentro d.os Esta-
dos, enquanto a minha se refere à acumulaçâo de poder e capital num sistenta de
Estados em evoluÇão. A diferença e fundamental em mais de um aspecto.
i Arendt chama nossa atenção para o processo pelo quai os Estados capitalistas
tendem a v.ivenciar individuaimente a acumulação de "dinheiro supérfluo" (ou
seja, de mais capital do que é possivel reinvestir com lucro dentro das fronteÍras
nacionais) e a necessidade de se tornar mais poderoso para,ploteger a proprie-
dade crescente.i D"sse ponto de vista, o irnperialismo de tipo capitalisra é uma
política que visa tanto a encontrar aplicaçoes externas lucrativas para o capitai
excedente quanto a fortalece ao contrârio, chama
o-Proae§s cada vez mais
poderosas tornaram-se agenles da expansão de um sistema de acumulaÇãô
mínio que, desde o princípio, englobava-urna,multiplicidade-de
ponto de vista, o imperialismo de tipo capitaiista e um aspecro das lutas Ç.g.ESÍan-
tes pelas quais os Estados capitalistas usaram meios coercivos na de
{0 DavidHarvey,The Newlnpertalísntp,34-5.Minhasob.servaçõesempiricasforantfeitasrndepen-
dentemente das teses teóricas de Ârendt. Sou grâto a Harvey por moslrar a correspondência entre elas.rr Giovannr Arri ghi, The Long Twentieth Century, p. 62.
238
seu fayor as mudanças espaciais causadas pela.ac umulação "interminá- r
Como ressalta Harvey, o capital financeiro, apoiado pelo poder estatal, tem
papel mediador fundamental tanto na produção de espaço envoivida na reprodu-
ção arnpliada do capital quanro nas 
,,pràticas
canibalistas e força-
das" que constituem a essência da acumulação por
A iógica territoriâl do capitalismo histónco
virar a
vel" de
e vago a respeito das coordenadas históricas mundiais desse papel. Arendt,
parece adotar o ponto de vista de que o capital financeiro foi um ramo clo capita-
lismo induitital do século XIX. Embora isso possa ser verdadeiro no caso do de-
s, certamente não é verdadeiro no caso
{r Prefiro o adjetivo "interminár,el" ao "infinr1ável" usado por Arendt, porque ,.inrermináver,, 
trars-
mite a idéia mais exata de uma acumulação que supostam.nt" "rrun.o acaba'e, .o -.r,,o ,",npo, .
um "Íjm em sr mesma", quer realmente acabe àu naà.
239
o éapitaüsmo se associar
esteve em evidência na economia européia muito antes de
Á isso devemos agora acrescentar que
Braudel rambem apràsenta ímu ilriá'ãe ààt.s, lugares e agentes que nos permite
basear no espaço e no tempo históricos mundiais as considerações teóricas de
Harvey sobre o capital financeíro. Braudel sugere que os holandeses terem aban_
donado o comércio, por volta de 1740,para se tornarem "os banqueiros da Euro-
pa" foi típico de uma tendência sistêmica rnundial recorrente. O mesmo processo
foi visível na Itália no seculo XV e novamente por voita de 1 560, quando os grupos
dorninantes da diáspora ernpresarial genovesa abandonaram aos poucos o comér-
cio para exercer, durante cerca de setenta anos, o controle das finanÇas européias
comparâvel àquele que o Banco de CompensaçÕes Internacionais IBank of Inter.-
national Settiement, BISI, da Basiléia, teve no século XX, 'tontrole tão discreto e
sofisticado que os histor.iadores, durante muito tempo, deixaram de percebê_lo,l
Depois dos holancieses, os britânicos repetiram a tendência durante e após a
Grancie Depressão de lB73-1896, quando "a aventura fantástica da Revolução In-
dustrial" criou superabundância de capital pecuniário. E preciso acrescentar que,
depois da aventura iguaimente fantástica do chamado fordis mo -keynesianismo,
capital norte-americano seguiu trajetór'ia semelhanre a partir da décacia de 1970.
"[Todo] desenvolvimento capitalista des.se tipo, ao chegar ao estágio de expansào
'r l.
Adam Smith em lequim
I finrn..iru, parece ter anunciado, em certo sentido, sua maturidad e: lé) tm sinal
l)I do autono. " I
' 1' Aturclessas observaçoes, a fórmula geral do capital definida por Marx (lDUp')
pode ser reinterpretada como se descrevesse não sô a lógica dos investimentos
capitalistas isolados, como tambem o padrão constante do capitalismo mundial'
o aspecto central desse padrão é a alternância de epocas de expansão material
(fasesDMdeacunrulaçãodecapital)comfasesdeexpansãofinanceira(fases
DII{,). Nas fases de expansão material, o capital dinheiro (D) póe em movimento
uma massa cada vez maior de mercadorias (M), inclusive força de trabalho e dons
da natureza; e em fases de expansão financeira' uma massa cada vez malor de
capital dinheiro (D',) liberta-se da forma mercadoria e a acumuiação Prossegue
com negociaçÕes financeiras (como na fórmula abreviada de Marx, DD',). Em
conjunto, essas duas épocas ou fases constituem o que chamei de ciclo sistêmico
cl e actrmtila ç ão (DMD')4''.
Partindodessaspremissas,identifiqueiquatrociclosdessetipo,cadaumdeles
englobandoumsécuio"longo":ocicloibero-genovês'quecobreoséculoXVao
inlcio do XVIII o ciclo holandês, do fim do sécu10 xvl ao íim do xvIII; o ciclo
britânico, rie meados do seculo XVIII ao inicio do XX; e o ciclo norte-americano'
do fím clo sêculo XIX à mais recente expansão financeira. cada ciclo recebe o
nomedocompiexoespecíficodeagentesgovernamentaiseempresariaisqueo
definiu e conduziu o sistema capitalista mundiai rumo à expansão material e, em
seguida, à expansâo financeira que, em conjunto' constituem o ciclo; Os sucessivos
cicios sistêmicos de acumulação sobrepôem-se uns aos outros no início e no fim'
poÍque as íases de expansâo financeira foram não apenas o "outono" de evoluções
importantes cio capitalismo mundiai, como também períodos em clue um novo
complexo governamental e empresarial dominante surgiu e' com o temPo' reorga-
nizou o sistema, tornando possivel nova expansãoas' 
-.r
i. As expansões material e financeira são ambas pffiessos de um sistema de acu-
mulaçâoededominioqueaumentouemtamanhoealcancenodecorrerdossêcu.
los, mas envolveu, desde o principio, grande nümero e 'variedade de agentes
,r FernandBrandel,CivihzationandCapitnlism, l5't'-18'LCentury,v.1:ThePerspectiveoftheWorld'
p.157,164,242.3,246,destaques*.u,1.d.b,u,''Civi!íznçãotlaterial,ecorlonínecapitalísmo,sé.
utlos W-Will, v. 3, O temPo do mundof '
{' Giovanni Arri ghi, The Long Twentieth Certtury, p' 4'6'
{5 Sobre a bose t]"óri.o e histôrica dos ciclos sistêmico, de acumulaçâo, ver Giovanni ArrÍghÍ'T}e
LorrgTvtentieth Century.Para uma análise detalhada da transição da hegemonia holandesa para a
britànica e da britânrca parâ a americanâ, ver Giovanni Arrighi e Beverly ). silvet' chaos and Gover'
nance in tlle Nloclern Wirltl Systen [ed' bras': Caos ' 
goue'nabilítlaàe no noderno ,,steila nundia\
240
A lógica territorial do capitalismo histórico
governamentâis e empresariaisfEm cada ciclo, as expansôes materiais ocorlem
em virtude do surgimento de um bloco específico de agentes governamentais
empresariais capazes de levar o sistema a novo ajuste espacial, que cria condiçÕ
para o surgimento de divisões de faba]ho mais ampias ou Profundas. Nessas
diçoes, o retorno do capital investido no comércio e nâ Produção âumenta; o lLrcro
tende a ser aplicado, de modo mais ou menos rotineiro, em mai§ expansáo do co-
mércio e da produção; e, conscientemente ou não, os principais centros do sistema
cooperam para manter a expansão uns dos outros. pom o tempo, Porém, o inves-
timento de uma massa semprecrescente de lucro no comércio e na produção leva
inevitavelmente à acumulação de capital bem acima do que pode ser reinvestido
na compra e na venda de mercadorias sem a redução drástica da margem de lucro.
Nesse ponto, os agentes capitalistas tendem a invadir a esiera de aÇâo uns dos ou- I
tros; a divisão de trabalho que antes definia os termos da cooperaçáo mútua des- i)," l
faz-se; e a concorrência torna-se cada vez mais nociva. A Possibilidade de recuPerar
o capitai investido no comércio e na produção diminui e os agentes capitalistas
tendem a manter líquida uma proporção maior do seu fluxo de caixa. Àrma-se o
palco, assim, para a mudança de fase, da expansão material para a financeira.
5 Em todas as expansões financeiras de importância sistêmica, a acumulação de
Capital excedente em forma líquida teve três efeitos principais. Eppdqe:g9JEg4r,
transformou o capital excedente embutido na paisagem, na infra-estrutura e nos
meios de comércio e de produção em oferta cadavez maior de dinheiro e crédito. D )-.'i'
§m segundo lugar, privou governos e populaçôes dos rendimentos retirados pre-
viarnêíG ão corrÉrcio e da produção, que não eram mâis realizados Porque se
tornaram pouco Iucrativos ou ariscados demais. Finalmente, e em boâ pârte como
corolário dos dois primeiros efeitos, criou nichos de mercado altamente lucrativos
para intermediários financeiros capazes de cana)izat a oferta de liquidez cadavez
maior para governos ou populaçôes em dificuldade financeira ou para emPÍeen-
dedores públicos e privados que pretendiam abrir novos.caminhos para a geração
delucronocomércio,enaprodução. r) l)t" "3" 
'fL )t"^r.):
Via de regra, os agentes principais da expansão material Precedente estavam
em melhores condiçôes para ocupar esses nichos de mercado altamente lucrativos
e, assim, conduzir o sistemâ de acumulação para a expansão financeira. Essa capa-
cidade de mudar de um de ouüofai a.p1li1çipa1 razão para que,
t:j'
depois. dasofre.-qt§1r,!4i1.q9l19: 
!.:g!_To",j..,1o9.9r__o_s, 
c-entros dominantes
do capitalismo.Ll$iel,4gCf.lrfilgt 
9-: 
umabelle époque de inflação de sua rique-
za e pode!_ma§ 3il9j.s_s_13_significativà',frazão-porque-'todas essas belles épo'
quesioram fenômenos temporários é que elas tenderam a aproíundar a crise de
all
LA\
Âdam Smith em Pequtm
superacumulaÇão subiacente, em vez de resolvê-la. Portanto, exâcel'baram a con-
corrência econômica, os conflitos sociais e as rivalidades entre os Estados num
nivel além do poder de controle dos centros dominantes. Antes de Pas§armos pala
a discussão da natureza inconstante das lutas que se Seguiram, devemos fazer duas
observações,
A primeira e que todas as exPansôes acumula-
, Ção por desapropriação. Basta ntencionar que emprestar capitai excedente a gover-
i ,o, . popülações em dificuidade financeíra só sería lucrativo na medida em que
] redistribuísse o patrimÔnio ou a renda dos tomadores dos empréstimos ent::e os
I
/ agentes que controlavam o capital excedente. Na verdade, esse tipo de redistribui-
çâo maciça foi o ingrediente fundamental de todas as belles époques do capitalismo
íinanceiro, desde a Florença renascentista ate as eras Reagan e Clinton. Entretanto,
por si só náo constituiu soluçáo para a crise subiacente de superacumulação. Pelo
contrário, ao transferir o poder de compra de estratos e comunidades com prefe-
rôncia por liquidez mais balra (ou seja, com meno§ disposição para acumular ca-
pital dinheiro) para estlatos e comunidades com preferência por liquidez mais alta,
tendeu a provocar uma supelacumulação de capital ainda maiot'e a repetição das
crises de lucratividade. Alem disso, ao alieuar os e§tratos e comunidades que esta-
vam sendo expropriados, tendeu a provocar também a crise de legitimidade. ob-
viamente, a combinação entle crises de lucratividade e de legitimidade e a condição
subjacente à quai Arendt e Harvey atribuem o imperialismo de suas respectivas
épocas. No entanro, condiçoes comparáveis tarabém eram visiveis em expansôes
financeiras anteriores, exacerbando direta ou indiretamente os conflito§ dentro
dos Estados e entre elesa6.
Ao menos a principio, a escalada dos conflitos entre Estados beneficiou os cen-
tros dominantes, pol'que inflacionou a necessídade financeira dos Estados e, desse
rnodo, intensiÍicou a competição mútua pelo capital móvel. Mas, em gera1, assim
clue os conflitos se transformaram em grandes guerras, os centros dominantes
perderam, até mesmo no âmbito financeiro, Pâra centÍos emergentes que estavam
em melhores condições de oferecer acumuiação intermináve1 de capitai e poder
com ajuste espacial de escala e alcance maiores que o anterior'
Isso nos leva à segundl 3-biq.ry!Ç3o,§ue diz respeito à transferência de capi-
toi .r..aéii.-ao, .Ê'Iiro, Jorninãt.Çi;; centros emergentes de desenvol-
vimento capitalista. Como observamos anteriormerte, o papel que Marx
{6 Giovanni Arrighi, The LotlgT$tet1tíeth century,; Giovanni Arrighi e Beverly J. silver, chaos and
Goverrrcnce in thi Modern Wotld System, especialmente o caPitulÔ 3'
242
A lógica territoríal do capitalismo histórico
atribuiu ao sistema de credito na promoção desses ponros cie realocaçáo indica
uma cooperação invisivel entre capitalistas que reduz a necessidade cie acumu-
lacão por desapropriação nos centros emergentes. Também observamos que a
seqüência dos principais cenrros capitalistas de Marx (Veneza, Holanda, Ingia-
terra e Estados unidos) indica uma série de ajustes espaciais de escala e alcance
cadavez maiores que criaram condições para a solução da crise de superacu-
muiação anterior e a decolagem de nova fase de expansão material, A isso deve-
mos acrescentar que as guerras tiveram papel muito importante,isso. Em pelo
menos dois casos (da Íiolanda para a Grã-Bletânha e da Grã-Bretanha para os
Estados unidos), a realocação do capital excedente de centros maduros para
centros emergentes comeÇou muito antes da escalacia dos conflitos entre Esta-
dos. Entretanto, essa transferência antecipada criou pretensões ao patrimônio e
à renda futura dos centros emergentes que fizeram retornar aos centros madu-
ros um fluxo de juros, lucros e rendas igual ou superior ao investimento origi-
nal. Portanto, eia iortaleceu a posiçâo dos centros dominantes no mundo das
altas finanças, em vez de enfraquecê-ia. Mas assim que as guerras se intensifi-
caram' a reiação credor-devedor que ligava os centros maduros aos emergentes
foi forçosamente invertida e a realocação para os centros emergentes tornou-se,
ao mesmo tempo, mais substancial e permanente.
os mecanisrnos da inversáo variaram consideraveimente de uma transição
para outra. Na inversão Holanda-Grã-Bretanha, o rnecanismo prÍncipal foi a
pilhagem da Índia durante e após a Guerra dos sete Anos, que permiriu à Grâ-
Bretanha comprâr dos holandeses sua dívida nacional e, assim, iniciar as Guer-
ras Napoleônicas quase sern dívida externa. Na inversão Grã-Bretanha-Estados
unídos, o mecanismo fundamental foi os Estados unidos terem for.neciclo, du-
rante a guerra, armas, máquinas, alimentos e matérias-primas bem alem daquilo
que a Grã-Bretanha podia pagâr com suas receitas correntes. Mas ern ambos os
casos a guerra foi ingrediente essencial na troca de guarda dos postos donrinan-
tes do capitalismo mundialai.
a' Quanto â inversão Holanda-Grã-Bretalha, ver Ralph Davrs; The htclLtstrial RevaftÍion a1d. Britislt
overseas rrade,p.55-6;Peterj,caineAnthonvG.Hopkrns,"ThepoiiticalEconomyofBritishExpa:.
sron overseas, 1750-1914", p.47 t; e Giovannr A rrtghí, The Long Twentieth century), p. 20g- 12. euanro
à inversâo Grâ-Bretanha-Estados unidos, ver Barry Eichengreen e fuchard lrortes, ;Debt 
and Deiault
in the I 930s: causes and consequences'i p. 601 -3; paul Kennedy, The Ríse and FaIl oJ tlte Great povers,
p' 268i Giovanni Arrighr e Beverly J. silver, chaos and Govenrunce in the Modern l\brld systetn, p.73-7 .
As peculíaridades da mversã.o Estados Unidos-Ásia oriental em andamento já foram sugeridas na se-
gun<ia parte deste livro eserào mais aprofundadas nos próximos capitulos.
243
Adam Smith em Pequim
Origem da estratégia capitalista de poder
Ao contrário da leitura de alguns crÍticos, meu conceito de ciclos sistêmicos de
acumulação não retrata a história do capitalismo como 'b eterno retorno do rnes-
mo"a8. Ele mostra, em vez disso, que, exatamente quando o "mesmo" (ou seja, as
expansões financeiras recorrentes no sistema como um todo) parecia voltar, novas
rocladas de concorrência entre capitalistas, rivalidade entre Estados, acumulação por
desapropriação e produção de espaço em escala cada vez maior revolucionaya,lt a
geografia e o modo de funcionamento do capitalismo mundial, assim como a sua
relaçâo com as práticas imperialistas. Assim, se rros concentrarmos nos 'tecipientes
de podel"rr que abrigaram o "quartel-general" dos principais agentes capitalistas dos
ciclos sucessivos de acumulação, veremos imediatamente uma progressão da cidade-
Estado e da diáspora comerciai cosmopolitana (os genoveses) para um Esrado pro-
tonacionai (as Províncias unidas) com as sociedades anônimas oÍLciais, um Estado
multinacional (o Reino unicio) com um império rributário que dava a volta ao mun-
do e um Estado nacional do tamanho de um continente (os Estados unidos) com
um sistema de grandes empresas üânsnacionais, bnses militares e instituiçóes de
governança mundial que englobam o mundo todo§o.
l^
/, Como mostra essa progressão, nenhum dos agentes que promoveram a forma-
ção e a expansão do capitalismo mundial corresponde ao Estado nacional mitico
ainda mais essen-
o lm-
p
i8 Michael Hardt e Ántonio Negri, Emprre, p.239 fed. bras.: Inrpério].
{' Anthony Giddens críou essa expressâo para caracterizar os Estâdos, especialmente os Estados na-
cionais. como nôtarâ ô leitor, a expressão e usada aqui para designar um conjunto mais amplo de
ôrganrzaÇóes. ver Anthony Giddens, The Nation-state nnd violence [ed. bras.: o Estado-naçdo e a
violêncial.
50 ve.ia descriçóes detalhadas dessa progressão em Giovanni Arrighi, The Long Twentieth cen-
fÍlrll; e Giovanni Ârrighi e Beverly ]. Silver, chaos anrl Governance in the Nlotlen wofld systen,
capitulo 1; Giovanni Arrighi e Beverly J. Silve r, "Capitalism and World (Dis)Order,,,
244
A lógica territoriai cio capitalismo histôrico
d a b u rgue sj l:-Çm -ve,d-e-üli mo-e-slti gp do c ap i ta l i srnoll\l4as e s s e pri m e iro e s tá-
gio deve ser situado nas cidades-Estado do inicio da era modêrnã-ã naoios Esta-
as práticas imperialistas terem sido fonte de iucro mais importante
nos primeiros estágios da expansáo capitalista do que nos últimos não significa
que as políticas e as açóes dos agentes posteriores tenham sido menos imperialis-
tas que as dos primeiros. Ao contrário, tornaram-se ainda mais imperiaiisras, em
razao da interpenetraÇão crescente das estratégias de poder capitalista e territoria-
lista. Essa tendência pode ser claramente observada quando se compara a geogra-
fia histórica dos sucessivos cicios sistêmicos de acumuJação.
Mesmo antes que o primeiro ciclo começasse a se materializar, aigumas cida-
des-Estado Ítalianas, mais notadamente veneza, demonstraram a viabilidade da
estrategia capitalista de poder no contexto europeu do inicio da era moderna.
os governantes que adotaram estrategias territorialistas buscavam acumuiar po-
der expandindo o tamanho de seus dominios territoriais. As burguesias que
controlavam as cidades-Estado italianas, ao contrário, buscavam acumular po-
der expandincio seu domínio sobre o capital pecuniário e ao mesmo tempo abs-
tinham-se de aquisições territoriais, a menos que fossem absolutamente
essenciais para a acumulação de capital. O g dessa estratégia baseou I
entre as gran-
euroPeu. utra foi a extroversão
do sistema de Estados europeu que estava surgindo, isto e, que a busca
I
{t
'i!
o
bem-sucedida por lucro e pocier dentro da Europa dependia fundamentalmente
do acesso privilegiado a recursoslfora dela por meio do comércio ou da pilha-
gem. o equilíbrio de poder não sô garantia a sobrevivência política das organi-
zações capitalistas territorialmente parcimoniosas, como tambem asseguravâ
que a comperição por recursos financeiros entre as grandes organizaçôes terri-
toriais aumentaria o poder das organizaçoes capitalistas que controlassem esses
recursos. Ao mesmo tempo, a extroversão da luta européia pe10 poder garantia
que essa competição seria constantemente renovada pela necessidade dos Esta-
dos de se superarem uns aos outros para obter acesso privilegiado aos recursos
fora da Europas2.
A principio, a combinaçâo dessas duas condições foi extremamente íavorâvel
para a estratégia capitalista de poder. De fato, foi tâo favorável que seu agente de
5f Hannah Arendt, The Origins oJ Totalitariírtlísm, p. l3g,!: Giovanni Arrighi,The LongTtventieth Century,iaps. 1 e 2.
245
da teoria política e sociai: Gênova e as Provincias Unidas eram um pouco menos,
um pouco mais que Estados nacionais§-des-o Reino Unido e os Estados Unidos
de a esses agente§
desempenhar o papel do mun-
dial não estavam'tontidasil nos que sua iden-
tidacle protonacional, multinacional ou comercro de longa
'des 
guerreiras e de construçáo cle imp,grl o_s 
I -e.1qq _l9ge s d e i u cro
crals para os Prlmerros agentes que paÍa Como
perialismo deve do
. ,.: Adam Smith em Pequim
' tii;irl*vt''i''+'tiiy, )
,r^rnaior sucesso foi uma organização quase sem territór'iol Afinal, a designação/-, ibero-genovesa do primeiro ciclo sistêmico de acumulaçâo não se refere à Repú-
t,..
blica de Gênova como tal, cidade-Estado que, durante todo o ciclo, teve vida po-
iiticamente precária e "continha" pouco poder. R9fere-se, ao con!rá-l:-91_as11les
. coilelciais e financeiras transcontinentais que permitiram-à,çl4§§-e-çeqiflillge-
novesa, qJganizada numa diáspora cosmopolita' tratar de ig_ual-t"1aif1a1.c93 os
go,rãrrru.,t., mais poderosos da Europa e transformar u .ó"ioriê"ti1 mtq.iliãS
ses governantes pelo capital num motor poderoso para a expansão do seu p1-óp1io
capital. Dessa posição de força, a diáspora capitalista genovesa estabeleceu uma
relação altarrente lucrativa de troca poiítica informai com os govelnantes <ie Por-
tugal e da Espanha imperial. Em virtude dessa relação, o§ governantes ibericos
realizaramtodas as atividades g-üàiêiras e de formação do Estado envolvidas na
criação de um mercado e de um imperio que davam a volta ao munclo, enquanto
os capitalistas da diáspora genovesa se especializaram em facilitar essas ativida-
des comercial e financeiramente. Ao contrário dos Fuggers, que se arruinaram
causa de sua ligaçâo corr a Espanha imperial, os genoveses provavelmente
am mais nessa relaÇão do que seus parceiros Íbéricos. Como observou Ri-
chard Ehrenberg, "náo foram as minas de prata de Potosí, mas as feiras de câmbio
genovesas que permitiram a Fiiipe II concretizar sua política de poder mundial
decada após década", Mas, nesse processo, como lamentou Suarez de Figueroa em
1617, Espanha e Portugal tornaram-se as "Índias dos genoveses"s3'
r l, No segundo cicio sistêmico de acumulaçáo (holandês), as condições para a
' adoção da estratégia de poder estritamente capitaiista continuaram favoráveis,
mas não tão favoráveis quanto no primeiro ciclo, É verdade que os conflitos inten-
sos que lançaram uns contra os outros os maiores Estados territoriais da Europa
foram essenciais para a ascensáo da Holanda e, em 1648, a Paz da Vestfália deu ao
equiiíbrio de poder europeu alguma estabilidade institucional, Alem disso, no se-
cLrlo XVII os holandeses sÓ puderam expandir a escala espacial de suas operaçÔes
do Báltico para o Atlântico e para o Oceano Índico cora tamanha facilidade e ra-
pidez porque os ibericos já haviam conquistado as Americas e aberto um caminho
marítimo direto para as Índias orientais. contudo, a paisagem geopoiítica criada
na Europa por um ajuste espacial iberico que dava a volta ao mundo náo deixava
(,ij
ü
il
\r r.
\ / .i
I
5r Ehrenberg e citado em Peter I(ri edte, Peasants, Landlords, ancl Merchant Capitalists: Europeand lhe
world Ecotomy, 1500- t800, p. 47 [ed.. pgr.t.' c aupoteses,.serthoreçe-netcadass:alggPS-.9-LgQJ!9:--->
ntía.trundial!.50a=rc9-q),-e riguci-óa, em J. Li. Eiliott, Tl,re old workl anrl the Netç 1492'1650, p.96
["a.'pÁ.t.' OillulwldoJ:lgva: 1492-1650]. Veja detalhes sobre o ciclo ibero-genovês em Giovan-
nr Airighi, T h e i ong Tw e tíiiÍt eíitfrfif' 1 0 9-32, i 45 -s 1.
246
 lógica territoriai do capita_lismo histórico
espaço para o tipo de estrategia capitalista de poder que havla feito a fortuna cla
diáspora genovesa no "longo,, século XVI. De fato, os holandeses conseguÍrar:t
talhar a partir do império maritimo e territorial iberico o sistema cie entrJpostos
comerciais e de sociedades anônimas oficiais centrado em An.rsterdá qo. r. rorno.,
a base do segu'<io ciclo sistêmico de acumulaçâo precisamente por fazer o que os
genove§es não estavan fazendo, ou seja, tornaram-se auto-suficientes nâ guerra e
na formaçâo do Estados{.
violet Barbour afilmou que esse sisterna centrado e,r Amsrerdã foi o último
caso de "verdacieiro imperio de comercio e de credito [...] mantido por uma cida-
de por direito próprio, sem ser sustentado pelas forças do Estado moderno,,ss.
como as ProvÍncias unidas coribinavam as características das cidades-Estaclo
que estavam desaparecendo com a§ dos Estados nacionais que vinham surgindo,
qualificá-ias ou não como "estado moderno" é uma questão controversa. IvIas
sejam quais forem as caracteristicas que se queiram enfatizar, parece que o cicio
hola'dês foi um divisor de águas e,tre duas épocas distintas de capitaiisrno his-
tórico: a época da cidade, de u,r lado, e a do Estado territorial e da economia
nacionai, de outro.
No coração da Europa inchada de sucesso e inclinada, no Íim do seculo XVIII, a abra-
çar o mundo toda, a zona cefltral dofiinatlte teve de aunrentat de tanmnho pàra equili-
brar a estrutura inteira- As cidades que se mantinham sozinhas, ou quase sozinhas, já
náo tiravam renda suficiente das economias vizinhas, cuja força eras sugavam; em bre-
ve não estariam mais à altura da tarefa. os Estados territoriais assumirizun o pod.er.56
Trataremos mais adiante do rnotivo por que a zona central tinha de ,,aumentar
de tamanho" para "equilibrar a estrutuÍa inteiraipor enquanto, observemos que
o surgimento dos Estados territoriais como principais agentes da expansão capi-
talista provocou uma interpenetração muito maior do que antes entre capitalis-
mo e imperialismo. Embora a fortuna da diáspora capita.lista genovesa dependes-
se inteiramente das atividades de guerra e de construção de impérios de seus
parceiros ibéricos, a diáspora propriamente dita absteve-se por completo dessas
atividades. o capitalismo genovês e o imperialismo iberico sustentavarn um ao
outro, mas por meio de uma relação de troca politica que reprociuzia, de ponta a
ponta, suas identidades organizacionais distintas. Embora não houvesse essa se-
sl.Giovanni Arnghi, The Long Twentieth centftr/, p. 36-47, rz7-5r; Giovanni Arrighr e Beverly I,Silver, Chaos and Governance rn the Modern World §ystem,p. 39-41, 99_l 09.5r Violet Barbour, Capitalisrtt itt Atnsterdam u the Seventeenth Centttry, p. 13.
56 [err:and Braud el, Civilization and Capitalism, v.3, p. 175; destaques meus.
247
I
I
l"
I
)
Adarn Smith em PequÍm
pâraçáo no ciclo holandês, os oitentâ anos de luta peia independêncÍa das ProvÍn-
cias Unidas contra a Espanha impenal dotaram o câpitalismo holandês de iclen-
tidade antiimperialista duradoura. Mesmo depois de terminada a luta, Peter de la
Court pôde retratar a Hoianda como um "gato" nurna selva de "feras seivagens'l
A: feras selvagens erarl os Estados territoriais da Europa: "Leões, tigres, lobos,
raposas, ursos ou qualquer outra fera de rapina, que costumam perecer pela pró-
pria força e são pegas quando estão à espreita de outras". O gato se pârece com o
leão. Mas a Holanda era um garo e assim permaneceria porque "nós, que somos
naturalmente mercadores, não podemos ser transformados em soldados" e "há
mais a ser obtido por nós em tempo de paz e bom comércio, do que pela guerrâ e
peia ruina do comércio"57.
Na verciade, antes disso, o sistema de acumulação holandês, que de fato se be-
neficiaria mais com a paz do que com a guerra depois da Vestfália, fora construido
sobre a guerra e a ruina do comércio iberico. Alem disso, no mundo não-europeu,
principalmente no arquipélago indonésio, o'gato da Llolanda" não ficava atrás de
nenhuma "fera de rapina" européia no uso dâ violência a fim de destruir as paisa-
gens rie comércio e de produção existentes e criar paisagens mais íavoráveis à acu-
mulação interminável de capital holandês, No entanto, a metáfora de De la Court
faz distlnçâo entre o imperialismo dos grandes Estados territoriais da Europa e o
capitalismo da territoriaimente pequenarepública holandesa, que se manteve peÍ-
ceptivel durante todo o ciclo holandês.(fiinal, a estratégia de poder da repúbiica
holandesa baseava-se primariament. nà n. expansão de seus dominios lerrito-
riais, mas sim na expansão do controie sobre o capital dinheiro e o sistema de
crédito internacionai. /Ao combinar os pontos fortes das estratégias venezÍana e
I
genovesa, escorâva-se no dinheiro e no crédito como meios fundamentais para
que as iutas entre Estados territoriais da Europa se transformassem no motor da
auto-expansão do capital holandês. §o-
lapgu o sucesso da estral(gia.holandesa
a fusâo compieta do capitalismo com o
' 
acabou se elevando-a-novo lÍdS.l-da expansâo,capitalista5s; *
Para termos alguma noÇão das razões para essa íusão, precisamos voltar à tese
de_Braudel deque a escala terrylggiaklo-c-entr.o-ciominaatgdo§stema-de.acumq_
Iação tinha de crescer dê algum modo para o aumento da escala es-
52 Citado em peter Taylor, "Ten Years that Shook the World? The United Proúnces as First Hege-
monic State", p. 36, 38.
58 Giovaani Arrighi, The Long Twentieth Century, p- 144-58; Giovmni Arrighi e Beverly J. Silver,
Chaos and Governance ín the Modent World System, p. 48-51.
248 249
A logica territorial do caprtalismo histonco
pacral do sistema. O próprio Braudel sugere que uma das principais razões por
G; . Éq-ma-escala territorial da Holar.rda se tornou uma desvantagem na sua
manutenÇão como centro do sistema de acumulação globali2ante europeu foi a
escassez estrutural de mão-de-obra. 'h Holandal afirma, "só poderia cumprir seu
papel de navio calgueiro Se conseguisse obter a mão-de-obra necessária entle os
miseráveis da Europa." Foi a pobreza do resto da Europa que "permitiu aos holan-
deses 'montar'sua República"se. Mas assim que um nümero crescente de Êstados
europeus buscou internalizar as fontes holandesas de riqueza e Poder em seus
prôprios domÍníos por meio de alguma variante do mercantilismo e do impena-
lismo, a concorrência pelos recursos humanos euloPeus intensificou-se e o tama-
nho da república holandesa tornou-se desvantagem cadavez mais insuperáve1'
Como lamentou Stavorinus:
[,.,] clesde o ano de 1740, as muitas guerras navais, o grande aumento do comércío e da
navegação, principalmente em muitos paises onde antes essas atividades erâm PÔucÔ
procuradas, e a conseqüente Procurâ intenSa e contínua rie marinheiros capazes, tanto
para navios de guerra quanto para navios mercantes, diminuiu tão consideravelmente
o oferta deles que, em nosso próprio pais, onde antes costumava haver grande abun-
dância de marinheiros, é hoje com muita dificuidade e despesa que a§ naus conseguem
obter o número justo de boas máos para tripulá-las.60
E os holandeses não podiam competir com os grandes Estados territoriais na
criação de colônias simplesmente porque havia poucos holandeses disponiveis
para a tarefa. como resultado, na América do Norte a maioria da população co-
lonial e quase toda a classe abastada de mercadores, fazendeiros e Profissionais
liberais eram de origem britânica, acostumadas aos manufaturados de origem
britânica e à venda por feitorias britânicas. Assim, os Poltos ingleses começaIam
a desafiar e depois a superâr

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