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235 A vida humana como valor jurídico Para a consideração da vida como valor jurídico, um ponto de par- tida adequado é a observação, ainda que sucinta, do tratamento dispensa- do à pessoa humana e suas caracte- rísticas essenciais ao longo dos tem- pos. O exame dos documentos mais antigos, inclusive dos mais remotos textos legislativos, mostra que se per- de na origem dos tempos o reconheci- mento de que os seres humanos são criaturas especiais, que nascem com certas peculiaridades. Com o avanço dos conhecimentos humanos foi ha- vendo maior precisão, esclarecendo-se que há certas necessidades básicas, de natureza material, psicológica e espi- ritual, que são as mesmas para todas as pessoas. Entre as peculiaridades da condição humana encontra-se a possi- bilidade de se desenvolver interiormen- te, de transformar a natureza e de esta- belecer novas formas de convivência. Essa evolução levou à conclusão de que o ser humano é dotado de es- pecial dignidade, bem como de que é imperativo que todos recebam prote- ção e apoio tanto para a satisfação de suas necessidades básicas como para o pleno uso e desenvolvimento de suas possibilidades físicas e intelectuais. Em decorrência de todos esses fatores, foi sendo definido um conjunto de facul- dades naturais necessitadas de apoio e estímulo social, que hoje se externam como direitos fundamentais da pessoa humana. Nos textos da antiguidade se confundem preceitos religiosos, políti- cos e jurídicos, mas já se percebe a existência de regras de comportamen- to social impostas à obediência de to- dos e com a possibilidade de puni- ção para os que desobedecerem. Em vários casos a punição vai além da sanção moral e uma autoridade públi- ca pode impor castigos ou restrições a direitos. Aí está a origem humana e social dos direitos, inclusive do direito à vida, que através dos séculos será reconhe- cido e protegido como um valor jurídi- co. Conforme observam muitos auto- res, durante séculos a proteção da vida como direito se deu por via reflexa. Não havia a declaração formal do di- reito à vida, mas era punido com se- veridade quem atentasse contra ela. Isso chegou até os nossos dias, sendo interessante assinalar que no Brasil o direito à vida só foi expresso na Cons- tituição de 1988, embora desde 1830 a legislação brasileira já previsse a punição do homicida. Existem divergências quanto ao momento e local em que surgi- ram as primeiras normas que, à luz das concepções atuais, podem ser identificadas como de direitos huma- nos. Mas em autores da Grécia anti- ga, assim como em documentos de di- ferentes épocas e que hoje recebem a qualificação de monumentos legisla- tivos da humanidade, encontram-se afirmações e dispositivos que corres- pondem ao que atualmente denomina- mos normas de direitos humanos. A partir do século V da era cristã, no iní- cio da Idade Média, a humanidade passou por transformações profundas, incluindo grandes movimentos migra- tórios, aquisição de novos conheci- mentos que passariam a influenciar consideravelmente a vida e a convivên- cia das pessoas, invenção de novas 236 formas de organização política e mui- tas outras descobertas que mudariam substancialmente os rumos da história humana. Nesse ambiente surgiram graves confrontos de valores e de objetivos temporais imediatos ou permanentes, favorecendo a formação de grupos sociais privilegiados, fundados na acumulação dos poderes militar, polí- tico e econômico. Como parte desse processo, foi-se definindo também uma situação de submissão de indivíduos e de coletividades, fragilizados por não terem participação nos instrumentos de poder. E como sempre acontece quan- do há grupos sociais com o privilégio de uso do poder, os direitos fundamen- tais daquelas pessoas e coletividades mais fracas foram sendo anulados pela vontade e pelos interesses dos dominadores, a tal ponto que nem mesmo a dignidade inerente à sua con- dição humana foi respeitada. Assim nasceu a moderna diferen- ciação entre nobres e plebeus, entre os ricos proprietários, sempre participan- tes diretos ou indiretos do poder políti- co, e os outros, incluindo pequenos proprietários e também muitas pesso- as pobres ou miseráveis que só tendo a força de seu corpo e de sua mente viviam, como vivem ainda hoje, em situação de sujeição, sendo forçados, mediante coação expressa ou disfarçada, a contribuir para a pros- peridade dos primeiros. Durante essa fase histórica, que irá durar alguns séculos, os chefes que dispunham de mais força assumiram poderes absolutos, exercendo, inclusi- ve, o poder de julgar e de impor penas escolhidas segundo seu arbítrio, o que incluía a pena de morte, muitas vezes aplicada para eliminar um inimigo ou competidor, como também para servir de exemplo e fator de intimidação, pre- venindo eventuais rebeliões. Na segun- da metade da Idade Média, com o au- mento do número de cidades e o cres- cimento de suas populações, vai-se definir e desenvolver a figura do co- merciante e emprestador de dinheiro o qual, muitas vezes, será também vi- timado pelo poder absoluto dos governantes – que sob diversos pretex- tos eliminavam os credores e confis- cavam seu patrimônio. O excesso de agressões à vida, à integridade física e à dignidade da pes- soa humana, em decorrência do ego- ísmo, da insaciável voracidade, da in- sensibilidade moral dos dominadores, acabaria por despertar reações tanto no plano das idéias quanto no âmbito da ação material. Desse modo, surgi- ram teorias e movimentos revolucio- nários que foram contribuindo para que um número cada vez maior de se- res humanos tomasse consciência de sua dignidade essencial e dos direitos a ela inerentes. Os direitos humanos: defesa da pessoa e da vida No final da Idade Média, no sé- culo XIII, aparece a grande figura de Santo Tomás de Aquino, que terá gran- de importância para a recuperação do reconhecimento da dignidade essencial da pessoa humana. Embora sendo um pensador cristão, Santo To- más de Aquino retomou Aristóteles, sob muitos aspectos, e procurou fixar conceitos universais. De seus estudos,
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