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Introdução a Cabala - Introdução

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Introdução à Cabala – Vol. 1 – Introdução 
 
Desde muito tempo a cabala tem sido praticamente inacessível para a média dos 
Judeus: seu estudo de fato tem se limitado aos setores mais ortodoxos do 
Judaísmo, bem como a pesquisadores acadêmicos, sendo que nenhum deles sentiu 
a necessidade de propor uma avaliação e compreensão mais ampla dos 
ensinamentos dos cabalistas. 
O Judaísmo ortodoxo sempre enfatizou a importância dos estudos talmúdicos, pois 
segundo seu entendimento a Cabala é indicada principalmente para os entendidos 
nos ritos do Talmud e da Mishná os quais, por terem alcançado uma idade mais 
avançada, são capazes de lidar com os segredos da sabedoria exotérica. 
O mundo acadêmico, por sua vez, evidentemente vê a Cabala como o campo ideal 
para investigação, o qual oferece textos enigmáticos, personagens pitorescas e 
massas de simbolismo e alusões que devem ser reunidas, analisadas e 
transformadas em numerosos estudos eruditos. 
Neste caso também não há nenhuma tentativa reconhecida em tratar a vasta 
literatura sobre a Cabala como um sistema de pensamento vivo e viável, e poucas 
tentativas têm sido realizadas com vistas à apresentar o material proveniente da 
pesquisa em uma forma que possa ser entendido pela grande maioria dos Judeus, 
os quais não têm nenhum conhecimento especializado nesse campo. 
O Judeu leigo que quer conhecer mais sobre a natureza e conteúdo do campo de 
estudo da Cabala terá, portanto, que se defrontar com as seguintes dificuldades: se 
ele contata pessoas religiosas, ele será inevitavelmente dissuadido, tanto devido à 
ignorância generalizada que existe em relação à Cabala, mesmo nos círculos 
ortodoxos, quanto à especificidade das qualificações que serão requeridas antes 
mesmo que ele possa iniciar investigações preliminares. 
O resultado desta negligência sobre a Cabala — que, como se pode ver, significa 
uma falta de conhecimento sobre a posição central mantida pela Cabala no 
entendimento da Torá — pode ser vista na frequente degeneração do Judaísmo em 
uma atividade social marginal, e no abandono do Judaísmo por parte das pessoas 
jovens, para as religiões orientais mais inclinadas misticamente. 
O propósito deste estudo, portanto, não é só prover o leitor com o gosto pelo vasto 
mundo do pensamento místico judaico, e com uma experiência de como a Cabala 
pode ser aplicada aos problemas que o mundo de hoje enfrenta, mas também 
argumentar sobre a propriedade e necessidade de se retornar ao entendimento do 
universo e de suas leis conforme nos é ensinado pela Cabala. 
Não há dúvida de que o recente renascimento do interesse pelo misticismo e pelo 
oculto entre os jovens tem causado um importante ímpeto no ressurgimento da 
Cabala como uma força viva nos estudos judaicos. 
De fato, ele tem ocorrido como uma surpresa e uma revelação para muitos, no 
sentido de descobrir dentro do Judaísmo a existência insuspeita de um sistema 
amadurecido, complexo e absorvente como a Cabala — um sistema que além do 
mais pode lidar confidentemente com todos os problemas postos pela existência no 
século vinte, uma área na qual as autoridades tradicionais têm quase que 
geralmente sido vistas como ineficazes. 
O Judaísmo tem frequentemente sido vivido pelas pessoas jovens como um sistema 
arcaico e arbitrário de regras coercitivas e restritivas, projetado para capacitar uma 
nação mítica de ex-escravos a sobreviver em um deserto durante quarenta anos, e 
a seguir fossilizada através de rápidos arranjos dos sábios, cujo resultado pareceria 
de maior interesse ao historiador e ao arqueólogo, que à uma pessoa que esteja 
enfrentando problemas de busca sobre o que significa ser Judeu na sociedade 
moderna. 
Quão renovador, então, o descobrir da Cabala: aqui nós verificamos que todas as 
formas de coerção são finalmente excluídas! 
Ensina-se que o Todo Poderoso que criou todos e a cada um de nós, não nos força 
a fazer o bem. 
Como então nós podemos justificar o uso da força e da ameaça, para compelir o 
outro à certas formas de comportamento? 
De acordo com a Cabala, nenhum princípio deveria ser seguido meramente em 
nome da Tradição e da Celebração, sem um maior entendimento das razões, 
subjacentes a tal principio. 
A única razão para uma tal observância, é que fazendo uso do entendimento 
propiciado pela Cabala junto às ferramentas e instrumentos providos para nosso 
uso pela Torá, alguém pode reconstruir a dimensão mística de um tempo perdido 
no passado, um tempo cujas energias místicas continuam a existir no universo. 
Estas energias metafísicas, as quais são minuciosamente descritas na Cabala, estão 
disponíveis para nosso uso em qualquer e a todo dia, desde que nós saibamos 
manipulá-las e usá-las devidamente. 
O rabino Shimon bar Yohai, o autor do Zohar (o Livro do Esplendor, o trabalho 
clássico sobre o entendimento oculto dá Torá) construiu exatamente este ponto ao 
refutar o entendimento de que a obrigação religiosa era razão suficiente para o 
ritual e o seguimento das Mitzvot (preceitos): «Oração e ritual, destituídos de 
significado e espiritualidade, são como palha — o resumo da ausência de vida». 
Se a religião não é percebida como uma força motora na nossa sociedade, a causa 
pode, portanto, estar ligada à sua atual inabilidade em atender as necessidades do 
crescimento espiritual de seus membros. 
Mais próximo de nosso próprio tempo nós temos a observação do rabino Yehuda 
Ashlag (1886-1955), o qual traduziu o Zohar e seus conceitos do original escrito em 
Aramaico, para o moderno Hebraico: «Caso estas necessidades não sejam 
atendidas, então nós podemos esperar uma sociedade totalmente 
desespiritualizada e desmoralizada, de tal modo nunca antes experimentada na 
história da humanidade». 
Está se tomando cada vez mais claro que o que se torna necessário é um sistema 
espiritual e moral que nos capacite a definir tais termos básicos como o Bem e o 
Mal para a geração para quem eles se tomaram sem significado, e nos ajude a dar 
sentido a um universo que presentemente contém viagens espaciais, o uso de 
drogas, a destruição atômica, a televisão e o raio laser. 
Este estudo argumenta que o conhecimento da Cabala conduz a um entendimento 
e apreciação correta sobre o significado destes problemas, e proporciona a chave 
para o seu entendimento e eventual domínio. 
A ignorância generalizada em relação à natureza e conteúdo da Cabala tem imposto 
o crescimento de idéias falsas, de medo e desconfiança; os poucos Cabalistas que 
no passado usaram indevidamente seus poderes ou deram uma interpretação 
inadequada ao seu papel como geradores de sabedoria, têm tido um efeito 
prejudicial na atitude popular em relação aos Cabalistas, o qual é muito 
desproporcional considerando o seu número. 
Na total ausência de argumentos contrários tanto de parte da comunidade ortodoxa 
como dos acadêmicos, normalmente acredita-se que o estudo da Cabala constitui-
se em empreendimento desnecessário e mesmo perigoso. 
Julga-se desnecessário o conhecimento da Cabala porque acredita-se que tudo o 
que o Judeu precisa conhecer está contido na Torá e nos comentários, sendo 
mesmo perigoso pois ameaça não só o equilíbrio e a sanidade do indivíduo, como 
também o bem estar da comunidade como um todo. 
De fato, foi precisamente por esta razão que o rabino Shimon bar Yohai elaborou 
uma distinção vital entre o T'amei Torá (o entendimento oculto do Torá, o qual é 
acessível a todo aquele que quiser aprender) e o Sitrei Torá (os ensinamentos 
secretos que são mantidos ocultos para todos aqueles até que estes cheguem ao 
ponto onde eles podem, de maneira adequada, lidar com o poder contido nestes 
ensinamentos). 
Enquanto aspectos do Sitrei Torá são de várias maneiras mantidos ocultos exceto 
para visão e compreensão de uns poucos, as idéias luminosas do T'amei Torá 
existem para o benefício de todos os Judeus, independentemente da idade ou seita: 
de fato,o rabi Shimon chegou ao ponto de propor que os ensinamentos do T'amei 
Torá poderiam inclusive beneficiar uma criança com a idade de seis anos. 
Todavia, o fato de algumas áreas da Cabala conter revelações sobre a natureza e a 
estrutura do universo, as quais carregam consigo um aumento do entendimento e 
poder do indivíduo, não constitui-se em si mesmo uma razão suficiente para que se 
negligencie em relação ao estudo da Cabala, o que nós temos testemunhado nos 
últimos anos. 
Muito ao contrário, pareceria que qualquer sistema de crença que argumenta sobre 
a sua viabilidade e importância no século XX, deve conter uma grande — e, 
portanto, potencialmente perigosa — dose de poder. 
Uma reflexão sobre o momento atual mostrará que o Judaísmo atual encontra-se 
frente à duas possibilidades: o mesmo pode continuar seu rumo atual, celebrando 
no seu cotidiano a história de seus ancestrais, de ano a ano diminuindo em número 
e influência, ou ele pode mostrar sua importância e poder no mundo de hoje, 
através da demonstração de que sozinho ele tem poder para reunificar os povos 
fragmentados e dispersos na face da terra. 
A diversidade que nós vemos ao redor de nós, e que nos desvia da unidade central 
de toda a existência, é similar às diferenças a serem encontradas nos galhos e 
ramos de uma árvore. 
Uma força unificadora para reagir à esta diversidade constitui-se na principal 
necessidade de hoje, com vistas à capacitar as pessoas a perceberem seu papel no 
drama que se desenrola — um conhecimento da estrutura e do poder das raízes de 
todas as coisas, o qual pode ser encontrado somente na Cabaia. 
O rabino Shimon apontou, em resposta às crises de uma época particular, que os 
objetivos e significados espirituais transcenderão as rivalidades de organização e os 
cismas. 
Com tal idéia ele quis dizer que o envolvimento em assuntos ligados à verdadeira 
espiritualidade retira as pessoas dos pequenos faccionalismos e permite a 
emergência das intenções de unidade. 
Este objetivo em torno da unidade espiritual e comunal é melhor percebido através 
de uma exposição clara do próprio Judaísmo, uma exposição que será melhor 
alcançada por meio do estudo da Cabala. 
Um excelente, embora desafortunado exemplo da extensa inquietação que 
atualmente assola o Judaísmo, constitui-se na profunda divisão de poder em 
relação à questão da Halachá. 
Cada facção tem seu próprio ponto de vista e entendimento sobre o assunto, e o 
debate entre as facções parecem estar limitados à enérgica defesa de posições 
particulares. 
Uma alternativa correta e desejável constituir-se-ia em desenvolver um enfoque 
para a Halachá que aflore suas dimensões profundas e unificantes, enfatizando a 
experiência da espiritualidade da Halachá, e não apenas sua performance 
ritualizada: tal enfoque se tornaria possível por meio de uma compreensão do 
T'amei Torá, as razões da Torá, as quais estão expostas no Zohar. 
O Judeu já não necessita se apoiar nas apologias e no obscurantismo quando 
deparado com críticas. 
A Cabala tem demonstrado que a ciência, que por muito tempo tem sido 
considerada como a refutação da religião, nada mais é que um mero comentário 
sobre a Torá, e que as normas e rituais da Halachá, os quais são aparentemente 
casuais e destituídos de significado, de fato são expressões das leis básicas do 
universo, e não mais arbitrárias que as leis da termodinâmica ou das fórmulas 
químicas. 
A justificação tradicional do kah katuv — assim está escrito — não é mais 
necessária, porque supõe que não há uma razão maior para cumprirmos um 
preceito o qual nos diz que devemos trabalhar assim, isto à despeito do fato de que 
os sábios do Talmud não se encontravam evidentemente dispostos a aceitar nada 
ao pé da letra, e discutiam energicamente o significado de cada palavra do Torá. 
Nos anos vindouros, com o crescente conhecimento e compreensão da Cabala, nós 
deveremos testemunhar que os cientistas que pretenderam ter dispensado a 
necessidade de religião e de fé se voltarão para os ensinamentos do Zohar, para 
encontrar o conhecimento da estrutura básica e das leis do universo. 
Então a Halachá será vista na sua verdadeira luz — não como o foco conveniente 
para o faccionalismo que existe hoje, mas como a expressão do movimento 
fundamental e do fluxo do cosmos. 
 
Continua

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