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1 TEOLOGIA E CIDADANIA 1 Sumário FACUMINAS.................................................................................................... 2 1 – INTRODUÇÃO ........................................................................................... 3 2 - Conceito de cidadania ................................................................................ 5 2.1 Fatores que influenciam as mudanças culturais ..................................... 10 3 . SOCIALIZAÇÃO: UMA APRENDIZAGEM PERMANENTE ..................... 14 4 - BASES DE UMA TEOLOGIA DA CIDADANIA ......................................... 16 4.1 Teologia trinitária para a cidadania ......................................................... 19 5. UMA TEOLOGIA PÚBLICA DA CIDADANIA: CONTEXTUAL E CATÓLICA ................................................................................................................................. 22 Considerações finais ..................................................................................... 24 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 25 2 FACUMINAS A história do InstitutoFACUMINAS, inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender a crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação.Com isso foi criado a FACUMINAS, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A FACUMINAS tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética.Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 1 – INTRODUÇÃO A cidadania é uma questão central da convivência humana. Ela ocupa um lugar proeminente no terceiro livro da Política, do filósofo grego Aristóteles, em que define o cidadão (polites) da cidade (polis) com sua constituição específica (politeia). O apóstolo Paulo insiste que ele é “judeu, natural de Tarso, cidade importante da Cilícia” (Atos 21,39) e reivindica, ao mesmo tempo, ser cidadão romano (Atos 16,38; 22,25- 28), invocando direitos e privilégios específicos implícitos. O autor da carta aos Efésios enfatiza que vale para os judeus e os gregos em Cristo: “(…) já não sois estrangeiros nem forasteiros, mas concidadãos dos santos e familiares de Deus” (Ef 2,19). O autor da carta aos Hebreus sublinha o caráter precário da cidadania terrena: “Na verdade, não temos aqui cidade permanente, mas estamos à procura da que está por vir” (Hb 13.14). A visão do livro do Apocalipse é uma cidade, a Jerusalém celestial, curiosamente uma cidade sem templo (Ap 21,22). No fim dos tempos, o profano e o espiritual, o secular e o religioso coincidem na presença de Deus. Agostinho escreveu proeminentemente sobre a relação entre a cidade de Deus e a cidade terrena. Assim, pode-se afirmar que a cidadania é um tema cristão que está presente desde os primórdios do cristianismo. A cidade humana é sempre precária, mas é a localização adequada dos cristãos em sua vida. Os cristãos são fiéis à cidade de Deus, que deve ser revelada e instalada em sua plenitude, e que já está presente na cidade humana com todas as suas ambiguidades. Na atualidade, as questões da cidadania nacional, e especialmente a luta pela inclusão em um sentido mais amplo pela moradia, pelo “direito de ter direitos” (ARENDT, 2012, p.296), de pertencer a algum espaço e deter propriedade desse lugar são questões autênticas e centrais. Também se pode mencionar aqui os fluxos de migrantes e refugiados que o mundo acompanha e enfrenta hoje. Estas realidades mostram o desafio do desarraigamento e do deslocamento. Cristãos sabem que nunca estão totalmente “em casa” neste mundo, e sua fidelidade não pode ficar ininterrupta com relação a um lugar específico, um povo específico, uma nação específica. O Evangelho transcende os limites estabelecidos pelos seres humanos. No entanto, pessoas cristãs são chamadas a dar sua contribuição precisamente em um contexto e num momento específicos, para ajudar seus pares a se sentirem em casa onde quer que estejam. Isso implica que devam trabalhar para os direitos da cidadania para todas as pessoas em todos os lugares. Na medida em que a teologia 4 reflete sobre seu devido lugar e sua incidência na sociedade, na esfera pública, trata- se de uma teologia pública, que aqui formulamos como uma teologia pública da cidadania. 5 2 - Conceito de cidadania “Cidadania” denota antes um campo conceitual do que de um conceito claramente definido, devido à crescente multiplicidade de assuntos, questões, objetivos e políticas relacionados. Foi historicamente forjado no Ocidente, tendo como referência inicial Atenas e Roma e passando pelas revoluções do século XVIII nos Estados Unidos e na França. No entanto, não se deve esquecer que a primeira pessoa a falar de “direitos humanos” foi Bartolomé de Las Casas (1484-1566), que desencadeou uma importante discussão sobre o status humano dos povos indígenas. Thomas Janoski define a cidadania como “ser membro passivo e ativo de indivíduos em um Estado-Nação com direitos e obrigações universais em um nível específico de igualdade” (1998, p.9). Muitos autores referem-se às três categorias de direitos do sociólogo britânico Thomas H. Marshall (1893-1981) – civis, políticos e sociais –, conquistados nesta ordem entre os séculos XVIII e XX (cf. CARVALHO, 2001). O advogado brasileiro Darcísio Corrêa introduz sua definição destacando aspectos econômicos e sociais da cidadania: “A cidadania (…) significa a realização democrática de uma sociedade, compartilhada por todos os indivíduos ao ponto de garantir a todos o acesso ao espaço público e condições de sobrevivência digna, tendo como valor-fonte a plenitude da vida”(2006, p.217). É evidente que tal definição ultrapassa a questão dos direitos (e deveres) previstos na lei, introduzindo uma dimensão utópica e escatológica quando se fala da “plenitude da vida” (ver João 10,10, texto frequentemente citado por movimentos sociais e ONGs ligadas a igrejas). “Acesso ao espaço público” aponta para as necessárias garantias a serem providenciadas pelo sistema político e jurídico, bem como para a esfera pública como 6 espaço discursivo, de formação de uma opinião pública, enquanto a “sobrevivência digna” indica que as necessidades básicas devem ser adequadamente atendidas. O uso frequente, na literatura e advocacia brasileiras, de “conquista”, “participação”, “emancipação” e “cidadania ativa” indicam a esperança e, de fato, a expectativa de muitas pessoas ativas na sociedade civil para construir uma sociedade nova, uma sociedade “de baixo”, com mais ênfase dada ao social do que ao individual. Para o sociólogo Pedro Demo, a cidadania é “um processo histórico de conquista popular, pelo qual a sociedade adquire, progressivamente, condições de se tornar um sujeito histórico consciente e organizado, com capacidade para conceber e tornar efetivo um projeto próprio” (1992, p. 17). Um exemplo disso pode ser o chamado Orçamento Participativo, uma invenção brasileira hoje praticada em muitas partes do mundo e quefaz parte desta nova visão: parte da execução do orçamento municipal é decidida em assembleias populares, sendo as prioridades estabelecidas para a aplicação do orçamento público pela participação popular e democrática. As consultas populares são outro meio de uma “cidadania ativa” (BENEVIDES, 2003) previstas na Constituição de 1988 (Art. 14), mas ainda pouco utilizadas, ao menos enquanto voto oficial. Seriam outro avanço importante da participação popular na política. Contudo, como sempre na democracia, o voto da maioria precisa ser contracenado com a garantia dos direitos humanos e, especialmente, a proteção de minorias. Questões como a pena de morte sabiamente não foram postas à votação, porque o direito à vida é um direito fundamental (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988, Art. 5º, inciso XLVII) que, por princípio, não está sujeito a mudanças. De acordo com pesquisas de opinião, no entanto, é bastante provável que uma votação popular encontraria uma maioria a favor. No sentido de formação para a cidadania e exercício de participação do povo de Deus, as igrejas podem exercer um papel de escolas de democracia, onde são testadas formas de relacionar a motivação, a análise e a ação a uma discussão e ação participativa, tanto para dentro quanto para fora dos muros das igrejas. Isto pode ser o caso mesmo onde estruturas hierárquicas e patriarcais, a princípio, não dão muito espaço para a participação e liderança cidadã. Mesmo em tais ambientes, capacitações importantes como a de mulheres como lideranças comunitárias podem ocorrer e incidir sobre a vida comunitária da igreja e da comunidade local. Além disto, motivações cidadãs podem ocorrer mesmo em igrejas com autoridade centralizadora. 7 Mais amplamente falando, a cultura cívica, ou seja, o significado atribuído à cidadania e às atitudes de (des)crença dos cidadãos em relação à sua cidadania, tem influência direta no grau em que a cidadania pode ser efetiva e participativa, principalmente porque o poder e o trabalho na máquina pública também são realizados por pessoas cidadãs e suas deficiências refletem o seu potencial e as suas limitações. Em suma, a cidadania não pode ser reduzida a direitos e deveres em um Estado nacional. Por um lado, a lei escrita precisa basear-se em algo que é anterior a ela, ao qual as pessoas, pelo menos, concordam e se sentem comprometidas. A moral e a normatividade entram aqui, assim como os direitos humanos, que, por definição, ultrapassam as fronteiras nacionais. Em segundo lugar, a lei é inútil, a menos que esteja efetivamente disponível para as pessoas, que implica tanto como é tratada pelas autoridades instituídas quanto como é percebida pelos cidadãos. Em terceiro lugar, a cidadania é moldada pelo discurso e a prática na esfera pública, em que a sociedade civil (inclusive as igrejas que, hoje, pertencem a esta esfera) tem uma tarefa específica como a parte organizada baseada, como eu defino, na iniciativa privada envolvida na promoção da cidadania na esfera pública para promover o bem comum para toda a sociedade. É na esfera pública nacional que as pessoas podem efetivamente lutar pela melhoria de suas vidas e por maior participação. Ainda assim, é preciso destacar que a sociedade civil está interagindo em redes no todo o mundo, a exemplo do Fórum Social Mundial que começou em Porto Alegre/RS. Existem realidades e concepções de uma cidadania global. Uma economia globalizada, bem como meios de comunicação cada vez mais rápidos, parecem não fazer sentido em relação às fronteiras nacionais. Mas a fragmentação, as questões étnicas, a migração com reações frequentes de xenofobia, e o fechamento das fronteiras também criaram novas fronteiras e reforçaram antigas. Em todo caso, é a configuração nacional que coloca em prática direitos concretos e direitos de livre manifestação. Volto ao papel de igrejas na luta pela cidadania. Não há dúvida de que as igrejas contribuíram e continuam contribuindo de forma importante para a democracia e a cidadania (cf. SINNER, 2012a; 2018; 2019). No Brasil, notadamente a Igreja Católica Romana tornou-se amplamente reconhecida por fornecer uma espécie de incubadora para a sociedade civil emergente no final dos anos 1960 e 1970. A contribuição e presença das igrejas protestantes históricas, entre elas a Igreja Evangélica da Confissão Luterana no Brasil, é menos visível. Muitas vezes essa foi criticada por seu 8 quietismo ou até mesmo por dar apoio indireto ao regime militar. Contudo, vem desenvolvendo importantes trabalhos educacionais e diaconais, além de ter se pronunciado, desde 1970, acerca de temáticas candentes na sociedade (SINNER, 2019, p.111-133). Já igrejas pentecostais como as Assembleias de Deus, o segmento de igrejas de mais rápido crescimento no Brasil, bem como na América Latina, África e partes da Ásia, são, muitas vezes, eficazes no estabelecimento de um sentido mais importante da dignidade humana entre os seus crentes (MARIZ, 1994; CORTEN, 1996; MAJEWSKI, 2008). Elas promovem a autoestima, proporcionando oportunidades para qualificação pessoal e profissional, e o resgate de muitos prisioneiros e pessoas viciadas em drogas. Ao mesmo tempo, muitas igrejas do segmento pentecostal e neopentecostal “nomeiam” e apoiam candidatos específicos para cargos políticos, buscando influência pública e até hegemonia. No geral, a imagem desse setor é bastante ambígua, o que ficou especialmente visível nas eleições brasileiras de 2018 e no governo que as seguiu. Quatro aspectos parecem ser particularmente importantes em relação a uma potencial contribuição de igrejas cristãs para a cidadania: (1) a prática das igrejas; (2) seu papel pedagógico; (3) sua ação no espaço público e (4) sua reflexão teológica. Explico essas quatro dimensões brevemente e, como indicado acima, alerto pela enorme diversidade de igrejas, posições e práticas em relação à cidadania. 1) A prática das igrejas: a forma como se dá a prática de fé nas igrejas, seja na adoração, na catequese, nos retiros, nos grupos de leitura da Bíblia, nos programas sociais e similares, refletirá sobre como irão se comportar os cidadãos conscientes de seus direitos e deveres. Tal prática abrange as atividades desenvolvidas pelas igrejas e pode incluir membros da igreja ou até mesmo a população além de sua membresia. As atividades, em muitos lugares, contam com membros batizados e não batizados, contribuintes e não contribuintes, até porque muitas igrejas não possuem um sistema de registro confiável. De uma ou outra forma, as igrejas contribuem para o bem-estar da população em geral baseadas em sua fé, independentemente da afiliação religiosa ou ausência dela. 2) O papel pedagógico das igrejas: em muitos lugares, as igrejas alcançam mais pessoas do que qualquer outra organização, tendo uma capilaridade incomparável. Muitas de suas atividades incluem algum tipo de educação, seja diretamente – através de sermões, palestras, catequese, retiros – ou indiretamente, 9 através do desenvolvimento das habilidades práticas, organizacionais e de lideranças. De forma explícita ou implícita, as questões da cidadania podem ser parte de tais processos educacionais. Outro ponto são as escolas vinculadas às igrejas, já que muitas delas são consideradas as melhores escolas dentre as privadas – embora muitas vezes exclusivas – em vários países, e também existem universidades confessionais com excelentes padrões de ensino. 3) A ação das igrejas na esfera pública: as igrejas, através de seus membros e/ou suas lideranças, congregações, mídias ou organizações e ministérios específicos, colaboram com a sociedade civil e com o governo em todos os níveis e fazem suas contribuições críticas e construtivas através da busca de soluções. Dada a crescente competição entre igrejas em muitos lugares, contudo, não são apenas parte da solução, mas também doproblema, em termos de tendências corporativas e concorrentes que refletem na sua forma de ser e o desenvolvimento de suas ações. Além do grande desgaste da imagem pública das igrejas, que torna difícil ou quase impossível a colaboração entre diferentes igrejas, muito mais ainda entre diferentes religiões, embora existam exemplos do contrário. A crescente busca por formação e qualificação por parte das igrejas mais recentes oferece uma chance ímpar de superar a competição e descobrir possíveis sinergias. 4) Reflexão teológica: embora nem sempre sejam explícitas, as reflexões teológicas sustentam a ação das igrejas, tanto ad intra como extra, às vezes chamadas de teologia confessional e teologia pública, respectivamente (cf. SOARES; PASSOS, 2011). Os documentos oficiais das igrejas geralmente carregam com eles um fundamento teológico de seu argumento, mesmo que seja afirmado, em vez de desenvolvido, ou implícito e não explícito. Ao mesmo tempo, eles se relacionam com questões do debate mais amplo sobre democracia, cidadania, política, espaço público, pobreza e outros. Assim, não há dúvida de que as igrejas desenvolvem, de fato, um papel público. Isso se dá por sua presença numérica, sua influência na vida das pessoas, bem como, no sistema político, nas inúmeras instituições e projetos educacionais e sociais, gozando ainda de notável confiança entre a população. Veremos o que impulsiona igrejas a exercerem tal papel também por princípio. 10 2.1 Fatores que influenciam as mudanças culturais Por outro lado, a continuidade cultural tem seus custos. No campo da tecnologia, por exemplo, a inovação leva, em geral, a uma maior eficiência no uso da energia e do tempo humano, a uma melhoria no padrão de vida e amplia as possibilidades em diversas áreas. Da mesma forma podem ser grandes os benefícios com as mudanças no campo das organizações sociais. Nenhuma sociedade é perfeita ou adquiriu uma forma acabada e definitiva para a vida em comum. Especialmente no mundo moderno e contemporâneo, após a Revolução Industrial e o desenvolvimento da ciência moderna, a mudança sociocultural tornou-se permanente e intensa. Nos dias de hoje, as sociedades que incluem um mais amplo componente de mudança, tendem a favorecer uma melhor qualidade de vida para uma parcela cada vez maior da sua população. São vários o s fatores que contribuem para a mudança e inovação em uma 11 sociedade: fato resinternos à própria sociedade ou fatores externos do ambiente que a cerca. Em nossos dias, tornou-se muito clara a extrema importância da relação entre a sociedade e o seu ambiente. O meio ambiente não é somente uma fonte crucial para o sustento da sociedade com suas características climáticas e geográficas em geral, suas riquezas naturais, suas fontes de energia, sua flora e fauna, tudo isso funcionando como um conjunto de condições em relação ao qual a sociedade deve se adaptar. Nesse processo, a sociedade pode interagir com o seu ambiente em diferentes formas e direções: seja contribuindo para melhorar ou para piorar e prejudicar suas condições de vida. As mudanças no ambiente acabam por forçar mudanças na sociedade. As sociedades, ao longo da história, tiveram necessidade de ajustar-se às mudanças no ambiente. Esse é um processo de adaptação inquestionável. O ambiente a que uma sociedade deve adaptar-se inclui, também, outras sociedades com as quais ela mantém contato. Uma mudança maior em uma costuma desencadear um processo em cadeia gerando consequências para as outras e obrigando a ajustamentos e inovações. Mas há outras fontes de mudanças. A dinâmica das forças no interior das sociedades, que fazem parte da própria condição do ser humano, impede que a sociedade permaneça estável permanentemente. Em primeiro lugar, na transmissão da herança cultural de uma geração para outra ocorrem alterações de vários tipos. Os indivíduos não são passivos na formação dos hábitos, na aprendizagem dos costumes e na recepção das informações ao longo de seu crescimento e desenvolvimento . Os seres humanos aparentemente, por sua própria natureza, são motivados a tentar novos padrões de ação. Muitas vezes, a motivação é a simples curiosidade que pode ser intensificada pelo mundo cultural. Ou, então, a motivação pode ser o simples auto interesse material. Os homens buscam maximizar suas recompensas, isto é, ganhar mais e melhor como resultado de suas ações. Dessa forma, a experimentação e as inovações são inevitáveis. O acaso ou as “chances” desempenham uma parte importante no processo da inovação e das descobertas, mas o conhecimento, a inteligência e a ação com propósito, que movem a disposição maior para a pesquisa, sã o essenciais. As novas descobertas e a s inovações resultam da combinação de “chance”, conhecimento e persistência em uma ação com propósito. 12 A quantidade de informação acumulada por um grupo social é, talvez, o fator mais importante para a capacidade de inovação e mudança positiva para a vida de seus membros. As invenções que constituem um dos processos básicos de inovação são essencialmente recombinações de elementos existentes da cultura. Outro fator dos mais importantes no mundo atual é o contato com outras sociedades. Quanto maior for o relacionamento com outros povos e culturas maiores são as oportunidades para incorporar suas descobertas e inovações. É sempre possível incorporar a herança cultural de outras sociedades. É importante assinalar que esses fatores mencionados, que estimulam e promovem as mudanças e a inovação nas sociedades, são mutuamente interdependentes. Há outro aspecto na relação entre diferentes sociedades e culturas que devemos considerar. É um engano pensar que a paz entre nações seja um estado normal e que a hostilidade, o conflito e a guerra são condições anormais. Gostaríamos que fosse verdade, mas os registros históricos e a realidade de nosso tempo indicam que é diferente. São várias as razões para explicar porque as guerras e outros confrontos são tão comuns. A causa básica parece ser a mesma que motiva a competição no mundo biológico de maneira geral, isto é, a escassez de recursos. Tanto Malthus quanto Darwin reconheceram que uma oferta finita de recursos, independente de seu tamanho, nunca seria suficiente para uma população com uma infinita capacidade para o crescimento. A não ser que uma população, animal ou humana, controle seu crescimento, em algum momento ela esgotaria seus recursos. Isso ajuda a explicar a s ações de invasão de territórios e apropriação de recursos de outros grupos sociais, ou povos ou nações. Na medida em que esses recursos são essenciais, a sociedade atingida reage. O conflito, assim, torna-se inevitável. No caso dos humanos o problema tornou-se especialmente complicado pela existência d a cultura. O problema da escassez torna -se ma is agudo nas sociedades humanas porque a cultura multiplica enormemente nossos desejos e necessidades. Os desejos dos animais sã o limitados enquanto os dos seres humanos quanto mais os realizam mais, de um modo geral, desejam. O cientista social americano Thorstein Veblen viu isso com clareza. Em um livro publicado no final do século IXX ele desenvolveu a tese de que uma vez que uma sociedade 13 é capaz de produzir mais do que o necessário p araviver, seus membros lutam para adquirir bens e serviços não essenciais por causa de seu valor de prestigio. Um pouco antes, na metade do mesmo século, Karl Marx havia diagnosticado esse mesmo problema ao descrever as sempre novas necessidades criadas artificialmente pelo processo de desenvolvimento da sociedade moderna. Considerando que o prestígio é sempre, para as diferentes pessoas das diversas classes sociais, uma questão relativa (é uma medida da posição social de alguém em relação aos demais), é impossível satisfazer a demanda por bens e serviços gerada pela permanente busca de sempre mais prestígio. A escassez seria, portanto, inevitável não importando o quanto de tecnologia se desenvolva e em quanto se aumente a produção. Guerras podem destruir culturas e civilizações. E, com isso, acabam gerando grandes transformações sociais e culturais. Formas não militares d e poder também acarretam destruição de culturas através de um processo de incorporação de sociedades culturalmente mais vulneráveis porque tecnologicamente menos desenvolvidas. É o caso de muitas sociedades, tribos e etnias antigas, que acabam abandonando sua cultura tradicional, minando sua autonomia como grupo social. Isso acontece especialmente com a cultura de sociedades menores e economicamente menos desenvolvidas quando entram em contato com sociedades maiores e economicamente mais fortes. Considerem como exemplo o que ocorreu, e continua ocorrendo, com as culturas indígenas e as de etnias africanas, tanto no Brasil como em outros países. 14 3 . SOCIALIZAÇÃO: UMA APRENDIZAGEM PERMANENTE O processo através do qual aprendemos a cultura da sociedade em que vivemos é o que chamamos de socialização. De um modo geral, os seres humanos são dotados de uma grande capacidade para aprender a agir de maneira socialmente responsável. A socialização é um processo sócio psicológico bastante complexo que se inicia no momento do nascimento. O objetivo principal de tal processo é adaptar o indivíduo aos costumes, comportamentos e modos da cultura do seu ambiente social para que possa aprender a sobreviver por si mesmo e ser capaz de,gradativamente, controlar seu comportamento de acordo com as exigências da vida em sociedade. Ao aprender o significado que a Sociologia atribui ao processo de socialização e as maneiras como este processo se desenvolve, podemos ampliar nossa visão e conhecimento sobre os mecanismos que operam nas 15 sociedades e que dizem respeito à vida cultural. Isso possibilita uma melhor compreensão do modo e estilos de vida da sociedade em que nascemos e no qual nossas identidades, pessoal e de grupo, se desenvolvem. Através do processo de socialização nos tornamos, gradualmente, pessoas autoconscientes e capazes de lidar de forma competente com o mundo a nossa volta. O estudo dos processos de socialização pode contribuir para uma melhor compreensão de fatores que influenciam na construção das identidades pessoais (auto identidade) e das identidades do s grupos sociais a que pertencemos como a família, o gênero, o grupo religioso, o grupo de convivência social, o profissional e outros. O processo de socialização é o principal mecanismo que uma sociedade possui para a transmissão da cultura através do tempo e das gerações. A socialização, além de estar diretamente relacionada com as identidades sociais, deve ser vista como um processo que dura à vida toda na medida em que as nossas ideias e o nosso comportamento são continuamente influenciados p elos relacionamentos sociais e pelo ambiente em que vivemos. É através da socialização que a prendemos e incorporamos os hábitos, os costumes, valores e normas da vida cultural de nossa sociedade. Desde o nascimento, através da infância e da adolescência e mesmo na vida adulta, estamos continuamente a aprender comportamentos e formas de interagir em diversos e novos ambientes a que somos expostos em nossa trajetória de vida. Nossa identidade se modifica ao atingirmos diferentes estágios de desenvolvimento e ao assumirmos papéis sociais diversos que se alternam e multiplicam ao longo da vida. 16 4 - BASES DE UMA TEOLOGIA DA CIDADANIA Como dito anteriormente, a cidadania celestial das pessoas cristãs em sua relação com a cidadania mundana é uma questão que vem acompanhando o cristianismo desde o seu surgimento. Minha intenção aqui, no contexto brasileiro e latino-americano, é explorar o patrimônio da Teologia da Libertação e suas recentes inovações. Um dos ensaios mais desafiadores da Teologia da Libertação na década de 1990 foi um artigo do teólogo católico romano e professor de educação Hugo Assmann (1933-2007). Assmann reivindicou precisamente a continuação da Teologia da Libertação como uma “teologia da cidadania e da solidariedade”. Sua crítica à Teologia da Libertação clássica incluiu a falta de percepção de quem são os pobres e de que ela tenha mantido uma visão idealizada destes como sujeitos de sua própria libertação enquanto não percebeu seus genuínos desejos. Assim, ele conta entre os desafios pendentes “uma teologia do direito a sonhar, ao prazer, à fraternura, 17 ao criativiver, à felicidade” (ASSMANN, 1994, p.30 et seq.), resumida na noção de corporeidade. Ao mesmo tempo, como os pobres tornaram-se perfeitamente dispensáveis para o capitalismo de mercado neoliberal dominante, eles são vistos apenas por aqueles “convertidos à solidariedade” (ASSMANN, 1994, p.31). Assim, o autor trabalhou consistentemente na educação para a solidariedade, insistindo que é necessário “conjugar valores solidários com direitos efetivos de cidadania” (ASSMANN, 1994, p.33). Pressupondo a presença duradoura de uma economia de mercado, há necessidade de compensar a lógica dos efeitos da exclusão, combinando medidas de mercado e sociais por instituições instaladas democraticamente. Assmann critica a ênfase exagerada dada pelos cristãos aos relacionamentos comunitários, como se fossem suficientes para tornar a solidariedade efetiva em sociedades grandes, complexas e urbanizadas. Há necessidade de um (novo) pacto social que não fique apenas na retórica. Denuncia Assmann que “(…) há um perigoso descuido do uso da lei como arma dos mais fracos (…), sobretudo um falacioso viés anti-institucional” (1994, p.33). Enquanto Assmann situa seu argumento mais na esfera econômica, pode-se acrescentar que a situação democrática pós-regime militar permitiu novas formas de participação política, o que tornou necessário e oportuno um novo tipo de teologia, precisamente uma teologia centrada na cidadania. Isto é válido mesmo com os retrocessos recentes, com uma política de direita que não valoriza os direitos humanos. Enquanto o sistema democrático se mostrar estável, pode – e deve – se utilizar os espaços existentes para articulação e participação política. Sem dúvida isto significa, mais do que nunca, uma situação conflitiva e de resistência, mas não de abstinência. O teólogo metodista Clovis Pinto de Castro (2000) dedicou um estudo importante ao tema da cidadania, no qual reivindicou uma pastoral da cidadania (“ação pastoral para a cidadania”) como “dimensão pública da igreja”. Seu conceito central é o de uma “cidadania ativa e emancipada”, que ele desenvolve com base no conceito de vita activa de Hannah Arendt, nas reflexões da filósofa políticabrasileira Marilena Chauí sobre o mito fundacional do Brasil – que promoveu o paternalismo e o messianismo, ao contrário de uma noção democrática e participativa de cidadania ) e na crítica de Pedro Demo, de uma cidadania paternalista (cidadania tutelada, como em um estado liberal) ou de assistência social (cidadania assistida, como em um 18 estado de bem-estar), a favor de uma cidadania emancipada, na qual a participação efetiva das pessoas é fundamental para a democracia. Teologicamente, Castro baseia a pastoral da cidadania em Deus como aquele que ama a justiça e o direito, no mandamento de amar o próximo, na prática de boas obras e na justiça de acordo com o testemunho do Novo Testamento; também no conceito de shalom (“paz”) como bem-estar abrangente e, finalmente, na perspectiva do Reino de Deus. A partir daí, ele deduz o mandato da igreja de viver não só no privado, mas na sua dimensão pública (pastoral), orientada para os seres humanos em sua vida diária e real, e não apenas para os seus membros. A fé consciente da cidadania (fé cidadã) é orientada pelas três dimensões da fé – como confissão (conhecer Deus), como confiança (amar Deus) e como ação (servir a Deus). O último inclui a formação de assuntos de cidadania (sujeito cidadão) e participação de cristãos na administração democrática das cidades. A cidadania, portanto, passou pelo menos de forma inicial pela teologia. Sociedades estão famintas por pessoas de virtude pública e cívica: sabedoria pública em contextos de complexidade, ambivalência, ambiguidade, paradoxalidade, tragédia e aporia (becos sem saída); justiça pública em contexto de desigualdades e injustiças nos níveis local e mundial; temperança pública em contexto de ganância e consumismo em meio à pobreza e à alienação; valentia pública em situações de impotência e inércia; fé pública em meio a sentimentos de desorientação e de desarraigo nas sociedades contemporâneas; esperança pública em meio a situações de desespero e melancolia; amor público em sociedades onde a solidariedade pública e a compaixão estão ausentes. (KOOPMAN, 2015, p. 434; tradução própria) Agora é minha tarefa cavar ainda mais nos fundamentos teológicos de uma teologia pública da cidadania. Como mencionado, Nico Koopman relaciona a cidadania teologicamente às marcas tradicionais da igreja, em direção a uma cidadania católica e inclusiva, unida e pedindo justiça, santa, virtuosa, apostólica e responsável. No entanto, ele também expandiu a Trindade no âmbito de uma teologia pública, abordando a teologia planetária de Sallie McFague (2001) e insistindo na “dimensão pública da fé trinitária” (KOOPMAN, 2015, p.243) que relacione Deus e o mundo. 19 4.1 Teologia trinitária para a cidadania Na sua conferência inaugural realizada na Universidade Stellenbosch em 2009, Koopman (2009) defendeu uma “antropologia teológica da relacionalidade, vulnerabilidade e interdependência que se baseia principalmente no chamado pensamento trinitário econômico”. Enfatizar a Trindade econômica permitiu que Koopman discuta a antropologia “em relação a desafios públicos concretos, como pessoas com deficiência, relações de gênero, discursos ubuntu, identidade social, dignidade humana e violência” (KOOPMAN, 2009, p.6). Em suas teologias trinitárias, Jürgen Moltmann e Leonardo Boff assumiram uma posição crítica em relação ao que eles chamam de “monoteísmo” – em vez disso, deveria ser o monarquismo – na compreensão de Deus que, segundo eles, deu lugar a possíveis analogias do tipo “um Deus – um Império – um Imperador”, uma linha de pensamento que Erik Peterson denunciou notoriamente em uma tese histórica como crítica contemporânea contra o nazismo crescente na Alemanha. Positivamente, eles 20 sugeriram uma analogia social da Trindade através da pericorese (interconexão) que poderia sustentar uma comunhão igualitária tanto dentro da igreja como na sociedade. Boff, além disso, apresenta a visão de uma comunidade planetária da natureza e da humanidade, dos humanos entre si, da humanidade e de Deus; para ele, a cidadania é cidadania (nacional), cocidadania e cidadania da Terra. A questão é como essa “inspiração” trinitária pode ser aplicada à formação de estruturas na sociedade e na igreja. O próprio Boff não vai além de reivindicar, em termos gerais, a necessidade de uma “democracia fundamental”: A democracia fundamental visa a maior igualdade possível entre as pessoas mediante processos cada vez mais abrangentes de participação em tudo o que concernir à existência humana pessoal e social. Além da igualdade e participação intenciona a comunhão com os valores transcendentes, aqueles que definem o sentido supremo da vida e da história (BOFF, 1987, p.190). Tentando combinar a função crítica e construtiva de uma doutrina trinitária pericorética e os desafios da sociedade brasileira, gostaria de enfatizar quatro aspectos que considero serem aspectos fundamentais para a contribuição das igrejas motivadas pela fé para a democracia. Um primeiro aspecto central é a alteridade. A pluralidade implica a diversidade e a comunidade, em uma democracia, é impensável sem reconhecer a singularidade de cada membro da sociedade. Portanto, o respeito à alteridade, o reconhecimento da diferença e o direito de ser diferente é essencial. Na teologia latino-americana, isso se originou entre aqueles que estavam em contato direto com os povos indígenas, mas recebeu uma atenção mais ampla nos últimos tempos. Uma hermenêutica sensível do outro é necessária para preservar a singularidade de cada pessoa e seu direito à diferença, incluindo a diferença religiosa. A alteridade preserva o mistério e busca a compreensão, como acontece na teologia tentando desvendar e, ao mesmo tempo, respeitar o mistério de Deus como tri-uno, unidade na diferença. Um segundo aspecto é a participação. Este conceito é fundamental para o discurso sobre a cidadania. O aspecto da participação efetiva do cidadão vem à tona, assim como a cultura política pela qual essa participação é encorajada ou prejudicada. As igrejas, como parte da sociedade civil, têm um papel importante a desempenhar nesse encorajamento da participação cidadã, e de fato, de maneiras diferentes, como apontei acima. Em muitos lugares, as igrejas podem contar com 21 participação muito maior de pessoas do que outros tipos de organizações de voluntários. Em termos de teologia trinitária, o aspecto da participação constitui uma analogia apropriada da ideia de interconexão, pericorese. Um terceiro aspecto é a necessidade de confiança. Numa sociedade democrática, torna-se necessário confiar nas pessoas de forma bastante abstrata, porque nunca conheço a maioria dos meus concidadãos. Para que a democracia funcione, tenho que pressupor que outros tenham um interesse semelhante no funcionamento da democracia. Se esse interesse comum não pode ser dado por certo, e se um bom número de cidadãos, especialmente aqueles que detêm mais poder do que eu, falhar na confiança, é necessário um motivo mais profundo para ainda estar pronto para investir na confiança. Essa razão pode ser dada pela fé, que essencialmente significa confiança – não em si mesmo, mas em Deus. Especialmente pessoas cristãs luteranas estão acostumadas a pensar no ser humano como simultaneamente justo e pecador. Elas sabem que os seres humanos não podem confiar em si mesmos e uns aos outros por seu próprio bem e mérito, mas pelo amor e mérito de Deus, porque ele prova ser confiável, mesmo na ambiguidade da vida. Deus visto como tri-uno preserva a continuidade em meio a situações históricas diferentes, altamente ambíguas, onde ele se manifesta, mais centralmente na cruz em Gólgota, mas também na criação e na presença do Espírito, e capacita as pessoas para viverem suas vidas. Finalmente, um quarto elemento necessário é a coerência:ter um projeto para toda a sociedade e não apenas para si próprio ou para o grupo de pares, ou mesmo para a igreja. Isso depende de uma percepção específica da sociedade e da fé, sendo necessária uma hermenêutica de coerência. O mercado religioso altamente competitivo emergente em muitos lugares do mundo, especialmente na África e na América Latina, com uma diversidade cada vez maior de igrejas e movimentos religiosos, está dando um testemunho muito triste dessa (in)coerência. Teologicamente falando, insistir em Deus como Trindade pode ajudar a prevenir mal- entendidos restritivos, como se Deus fosse somente o Espírito Santo e não apenas o Filho, feito humano em Jesus Cristo e Pai, como criador. Este equilíbrio de unidade e diversidade em Deus é propenso a promover a koinonia, a palavra ecumênica para a comunidade entre os diferentes membros do Corpo de Cristo. Em termos da sociedade como um todo, essa integração da unidade e da diversidade poderia, se 22 bem-sucedida, ser uma importante contribuição das igrejas para uma sociedade pluralista. Isso pressupõe que os cristãos e as igrejas não busquem principalmente obter vantagens para as respectivas igrejas, mas ver sua missão como testemunho de serviço (diakonia) para toda a sociedade. 5. UMA TEOLOGIA PÚBLICA DA CIDADANIA: CONTEXTUAL E CATÓLICA O debate sobre teologia pública, como desenvolvido no Brasil e, internacionalmente, na Rede Global de Teologia Pública e seu periódico International Journal of Public Theology, mostra a diversidade de entendimentos e implicações do conceito (cf. SINNER, 2012b). Já as primeiras questões da revista trataram explicitamente do projeto geral e as implicações do conceito. Vários autores afirmaram que a teologia pública não era uniforme nem monolítica, não tinha um único significado e que não havia uma teologia pública universal. No entanto, existe uma 23 articulação global em torno do termo. Eu chamaria isso de “conceito agregador”, isto é, uma maneira de expressar uma dimensão intrínseca à igreja, ao mesmo tempo em que incorpora uma diversidade de aspectos e focos. É mais uma dimensão do que uma linha de pensamento específica, além de denotar um campo – a esfera pública. Embora isso ofereça uma ampla abertura para a contextualização, mostra certa imprecisão e flexibilidade do conceito. No contexto brasileiro, uma note-se o consciente uso do artigo indefinido teologia pública pode ser adequadamente qualificada como teologia da cidadania (cf. ZEFERINO, 2018), o que mostra concretamente como as igrejas – e a teologia que sobre sua prática reflete – contribuem para uma dimensão profundamente necessária e ainda desejável da vida humana. Não se trata de um simples oportunismo, mas posturas e ações arraigadas em suas convicções teológicas. Uma teologia pública insiste em formas de comunicação além das igrejas, na esfera pública. Como bem disse David Tracy, a pessoa teóloga atende à igreja, à academia e à sociedade, cada uma com seus discursos e linguajar específicos. É, portanto, uma teologia desenvolvida de dentro para fora, comunicando a missão da igreja na fé, na vida e na ação (catolicidade). Ao mesmo tempo, é desenvolvida a partir e dentro de um contexto específico, com seus públicos e sua esfera pública específicos (contextualidade). Isso torna necessária uma análise apurada e um diálogo interdisciplinar. Metodologicamente, portanto, tanto a contextualidade quanto a catolicidade da teologia pública devem sempre ser levadas em consideração e explicitadas quanto ao seu significado específico. 24 Considerações finais Não é demais repetir que a teologia pública, na América Latina e no Brasil, está dando seus primeiros passos. Tal como afirmado no início desta reflexão, a teologia pública na América Latina e no Brasil ainda anda à procura sua delimitação teórica, a especificação de seus objetivos e de referenciais teóricos. Não se está de modo algum afirmando que as possibilidades aqui apresentadas, isto é, o pensamento de filósofos como Levinas, Morin e Vattimo, sejam as únicas corretas ou possíveis. São algumas, entre outras tantas, todas igualmente legítimas academicamente falando. O que é realmente importante é que a teologia na América Latina e no Brasil definitivamente tomou consciência que há outros públicos para os quais deverá falar e ouvir, além dos conhecidos há mais de milênio e meio, da igreja e da academia. Há também o público da sociedade. Falar com e ouvir a sociedade não é fácil. Mas esta é a tarefa da teologia que quer ser pública. Empreitada difícil, em todos os aspectos. À teologia cabe a responsabilidade de falar e ouvir, sem abrir mão de seu conteúdo específico, de seu depósito particular. A tarefa é difícil, sem dúvida. Mas a partir da perspectiva do diferencial da fé cristã, é uma tarefa a ser enfrentada com humildade, disposição para servir e coragem, pela capacitação do Espírito de Deus. 25 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. ASSMANN, Hugo. Teologia da Solidariedade e da Cidadania. 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