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Revisão técnica desta edição Flávio Guimarães da Fonseca Professor adjunto do Departamento de Microbiologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Subcoordenador do Curso de Pós-graduação em Microbiologia da UFMG. Doutor em Microbiologia pela UFMG. Catalogação na publicação: Ana Paula M. Magnus – CRB 10/2052 L665m Levinson, Warren. Microbiologia médica e imunologia [recurso eletrônico] / Warren Levinson ; [tradução: Bárbara Resende Quinan ... et al.] ; revisão técnica: Flávio Guimarães da Fonseca. – 12. ed. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : AMGH, 2014. Editado também como livro impresso em 2014. ISBN 978-85-8055-390-1 1. Microbiologia médica. 2. Imunologia. I. Título. CDU 579.61 Bárbara Resende Quinan (Capítulos 38 a 40, 42 e 46) Pesquisadora P.D. do Centro de Pesquisas René Rachou – FIOCRUZ. Doutora em Microbiologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Edel Figueiredo Barbosa Stancioli (Capítulos 37, 41, 43 a 45) Professora associada do Departamento de Microbiologia da UFMG. Doutora em Microbiologia pela UFMG. Flaviano dos Santos Martins (Capítulos 14 a 27) Professor adjunto do Departamento de Microbiologia da UFMG. Doutor em Microbiologia pela UFMG. Flávio Guimarães da Fonseca (Iniciais, Capítulos 57 a 68, Parte IX) Professor adjunto do Departamento de Microbiologia da UFMG. Subcoordenador do Curso de Pós-graduação em Microbiologia da UFMG. Doutor em Microbiologia pela UFMG. Gabriel Magno de Freitas Almeida (Capítulos 28 a 36 e 69, Partes XII, XIII) Pesquisador P.D. do Departamento de Microbiologia da UFMG. Doutor em Microbiologia pela UFMG. Jônatas Santos Abrahão (Capítulos 1 a 13) Professor adjunto do Departamento de Microbiologia da UFMG. Doutor em Microbiologia pela UFMG. Luiz Henrique Rosa (Capítulos 47 a 56, Partes X, XI) Professor adjunto do Departamento de Microbiologia da UFMG. Doutor em Microbiologia pela UFMG. Tânia Murta Apolinário (Índice) Pesquisadora P.D. do Departamento de Microbiologia da UFMG. Doutora em Microbiologia pela UFMG. Equipe de tradução Levinson_iniciais_12ed_eletronica.indd iiLevinson_iniciais_12ed_eletronica.indd ii 13/06/14 15:1613/06/14 15:16 CAPÍTULO 37 Vírus de DNA Envelopado 281 desse líquido. O diagnóstico da infecção neonatal por herpes- -vírus geralmente envolve o uso de culturas virais ou ensaios de PCR. A PCR é o teste mais sensível para o diagnóstico do HHV. Testes sorológicos, como o teste de neutralização, podem ser utilizados no diagnóstico das infecções primárias, já que um aumento significativo no título de anticorpos é rapidamente ob- servado. Entretanto, esse teste não é utilizado nas infecções re- cidivantes porque muitos adultos já possuem anticorpos circu- lantes, e recidivas raramente causam um aumento no título de anticorpos. Tratamento O aciclovir (acicloguanosina, Zovirax) é o tratamento de esco- lha para a encefalite e doença sistêmica causada por HHV-1. Ele é útil também para o tratamento de herpes genital primário e recidivante; esse medicamento encurta a duração das lesões e reduz a extensão da disseminação viral. O aciclovir é também utilizado para tratar infecções neonatais causadas pelo HHV-2. Mutantes do HHV-1 resistentes ao aciclovir têm sido isolados de pacientes; foscarnete é utilizado nesses casos. Para infecções oculares do HHV-1, outros análogos de nucleosídeos (p. ex., trifluridina[Viroptic]) são utilizados topicamente. Penciclovir (um derivado do aciclovir) ou docosanol (um álcool saturado de cadeia longa) pode ser utilizado para tratar recidivas de infecções orolabiais por HHV-1 em adultos imunocompetentes. Valaci- clovir (Valtrex) e fanciclovir (Famvir) são usados no tratamento de herpes genital e na supressão de recidivas; fármacos não têm efeito sobre o estado latente, mas sim sobre o efeito profilático. Administração de longo prazo de aciclovir, valaciclovir ou fanci- clovir podem suprimir a recidiva clínica. Prevenção A prevenção envolve evitar contato com a lesão vesicular ou úl- cera. A cesariana é recomendada para mulheres que apresentam lesões genitais ou cultura viral positiva no pré-parto. A circunci- são reduz o risco de infecção pelo HHV-2. VÍRUS DA VARICELAZÓSTER VZV Doença Varicela (catapora) é a doença primária; o zóster (cobreiro) é a forma recorrente. Propriedades importantes O VZV é estrutural e morfologicamente similar a outros herpes- -vírus, mas é antigenicamente diferente. Ele possui um único so- rotipo. O mesmo vírus causa varicela e zóster. Os seres humanos são os hospedeiros naturais. Resumo do ciclo de multiplicação O ciclo é similar ao do HHV (ver página 278). Transmissão e epidemiologia O vírus é transmitido por gotículas respiratórias e pelo contato direto com as lesões. A varicela é uma doença altamente conta- giosa da infância; mais de 90% das pessoas nos Estados Unidos desenvolvem anticorpos a partir dos 10 anos de idade.* A varice- la ocorre em todo o mundo. Antes de 2001, havia mais casos de varicela do que de qualquer outra doença notificável, mas o uso difundido da vacina tem reduzido significativamente o número de casos. Há VZV infeccioso nas vesículas de zóster. Esse vírus pode ser transmitido para crianças, normalmente por contato direto, e causar varicela. A ocorrência de varicela e zóster em um hospital é um grande problema no controle de infecções, porque o vírus pode ser transmitido a pacientes imunocomprometidos e causar infecção disseminada com risco de morte. Patogênese e imunidade O VZV infecta a mucosa do trato respiratório superior e dis- semina-se via sangue até a pele, onde erupção vesicular típica acontece. Células gigantes multinucleadas com inclusões cito- plasmáticas são visualizadas na base das lesões. O vírus infecta os neurônios sensoriais e é levado por fluxo axonal retrógrado para as células do gânglio da raiz dorsal, onde se torna latente. Nas células latentemente infectadas, o DNA do VZV fica lo- calizado no núcleo e não é integrado ao DNA celular. Na vida adulta, frequentemente quando a imunidade mediada por células se encontra reduzida ou em razão de trauma local, o vírus é ativa- do e causa lesões vesiculares na pele e neuralgia por zóster. A imunidade após a varicela dura por toda a vida: uma pes- soa apresenta varicela somente uma vez, mas zóster pode ocorrer apesar da imunidade à varicela. Zóster normalmente ocorre so- mente uma vez. A frequência do zóster aumenta com o avanço da idade, talvez como consequência da perda de imunidade. Achados clínicos Varicela Após um período de incubação de 14 a 21 dias, breves sintomas prodrômicos de febre e mal-estar podem ocorrer. Uma erupção papulovesiculosa aparece em agrupamentos no tronco e espalha- -se para a cabeça e extremidades (ver Figura 37-5). A erupção evolui de pápulas a vesículas e depois a pústulas e, finalmente, a crostas. O prurido é um sintoma acentuado, especialmente quan- do as vesículas estão presentes. A varicela é branda em crianças, mas grave em adultos. A pneumonia e a encefalite são as princi- pais complicações, sendo raras e ocorrendo com frequência em adultos. A síndrome de Reye, caracterizada por encefalopatia e degeneração do fígado, é associada à infecção por VZV e pelo Imagens das lesões realçadas em cor de laranja podem ser visualizadas na Galeria de Imagem disponível em http://www.langetextbooks.com/levinson/ gallery/. * N. de R.T. Os números no Brasil são semelhantes, mas as crianças costu- mam ser acometidas mais cedo, até os oito anos de idade. Levinson_37.indd 281Levinson_37.indd 281 27/05/14 17:0127/05/14 17:01 http://www.langetextbooks.com/levinson/ 282 PARTE IV Virologia Clínica influenzavírus B, principalmente em crianças que tomam ácido acetilsalicílico. Sua patogênese é ainda desconhecida. Zóster A ocorrência de vesículas dolorosas ao longo de um nervo senso- rial da cabeça ou do tronco é o quadro comum (ver Figura 37-6). A dor pode durar por semanas, e a neuralgia pós-zóster (também conhecida como neuralgia pós-herpética)pode ser debilitante. Em pacientes imunocomprometidos, infecções disseminadas com risco de morte, como a pneumonia, podem ocorrer. Diagnóstico laboratorial Embora a maioria dos diagnósticos seja feita clinicamente, tes- tes laboratoriais estão disponíveis. Um diagnóstico presuntivo pode ser feito pelo uso do esfregaço de Tzanck. Células gigantes multinucleadas são visualizadas em lesões por VZV, bem como nas por HHV (Figura 37-2). O diagnóstico definitivo é feito pelo isolamento do vírus em cultura de célula e identificação com an- tissoro específico. Um aumento no título de anticorpos pode ser usado para diagnosticar varicela, mas é menos útil no diagnósti- co de zóster. Tratamento Nenhuma terapia antiviral é necessária para varicela ou zóster em crianças imunocompetentes. Adultos imunocompetentes com casos moderados ou graves de varicela ou zóster frequentemente são tratados com aciclovir, pois ele pode reduzir a duração e a gra- vidade dos sintomas. Crianças e adultos imunocomprometidos com varicela, zóster ou doença disseminada devem ser tratados com aciclovir. Doença causada por amostras de VZV resistentes ao aciclovir pode ser tratada com foscarnete. Dois fármacos simi- lares ao aciclovir, o fanciclovir e valaciclovir, podem ser adminis- trados em pacientes com zóster para acelerar a cura das lesões, mas nenhum desses fármacos pode curar o estado latente e pro- duzir qualquer efeito sobre a neuralgia pós-zóster. Prevenção Há duas vacinas contra VZV: uma desenvolvida para prevenir va- ricela, chamada Varivax, e outra desenvolvida para prevenir zós- ter, chamada Zostavax. Ambas contêm VZV vivo atenuado, mas a vacina de zóster contém 14 vezes mais vírus que a vacina contra a varicela. A vacina de zóster é efetiva em prevenir os sintomas de zóster, mas não erradica o estado latente do VZV. A vacina de varicela é recomendada para crianças entre um e 12 anos, enquanto a vacina de zóster é recomendada para maio- res de 60 anos e para quem já apresentou varicela. Já que essas vacinas contêm vírus vivo, elas não devem ser administradas a pessoas imunocomprometidas ou mulheres grávidas. O aciclovir é útil na prevenção da varicela e na disseminação de zóster em pessoas imunocomprometidas expostas ao vírus. A imunoglobulina contra varicela-zóster (VZIG), a qual contém um alto título de anticorpos para o vírus, é também útil como profilaxia. CITOMEGALOVÍRUS CMV Doenças O CMV causa uma doença de inclusão citomegálica (especial- mente anormalidades congênitas) em neonatos. Essa é a causa mais comum de anormalidades congênitas nos Estados Unidos. FIGURA 37-5 Varicela (catapora) – observam-se vesículas sobre uma base eritematosa causada pelo vírus da varicela-zóster. (Figura cortesia de Richard P. Usatine, MD, e The Color Atlas of Family Medicine.) FIGURA 37-6 Zóster (cobreiro) – observam-se vesículas ao longo do dermátomo de um nervo torácico causadas pelo vírus da varicela-zóster. (Figura cortesia de Richard P. Usatine, MD, e The Color Atlas of Family Medicine) Levinson_37.indd 282Levinson_37.indd 282 27/05/14 17:0127/05/14 17:01 CAPÍTULO 37 Vírus de DNA Envelopado 287 O sarcoma de Kaposi em pacientes com Aids é uma maligni- zação das células endoteliais vasculares que contêm muitas células fusiformes e hemácias. As lesões são roxo-escuras, de planas a no- dulares, e frequentemente aparecem em sítios múltiplos como a pele, a cavidade oral e as plantas dos pés (mas não nas palmas das mãos) (ver Figura 37-10). Internamente, as lesões ocorrem geral- mente no trato intestinal e nos pulmões. As hemácias extravasa- das dão à lesão a cor púrpura. O HHV-8 também infecta células B, induzindo-as a proliferar e produzir um tipo de linfoma chamado de linfoma de efusão primária. O diagnóstico laboratorial do sarcoma de Kaposi é normal- mente realizado em biópsias de lesões de pele. O DNA e o RNA do HHV-8 estão presentes na maioria das células fusiformes, mas essa análise não é realizada com frequência. O vírus não cresce em culturas celulares. O tipo de tratamento depende do sítio e do número de lesões. Excisão cirúrgica, radiação e medicamentos sistêmicos, como o interferon alfa ou a vimblastina, podem ser utilizados. Não há te- rapia antiviral específica e não há vacinação contra o HHV-8. FIGURA 37-10 Sarcoma de Kaposi – observam-se duas lesões ele- vadas e púrpuro-avermelhadas no pé, causadas pelo herpes-vírus humano 8 (vírus associado ao sarcoma de Kaposi). (Reproduzida com a permissão de Usatine, R.P. et al. The Color Atlas of Family Medicine. New York: McGraw-Hill, 2009. Copyright © 2009 por The McGraw-Hill Companies, Inc.) POXVÍRUS A família Poxviridae inclui três vírus de importância médica: vírus da varíola, vírus vaccínia e vírus do molusco contagioso (MCV). Os poxvírus são os maiores e mais complexos vírus que infectam animais. VÍRUS DA VARÍOLA Doença O vírus da varíola é o agente da varíola, a única doença que foi totalmente erradicada. A erradicação é devida à vacina. Existe uma preocupação com o uso do vírus da varíola com um agente do bioterrorismo. Os poxvírus de origem animal, como o cowpox e o monkey pox, são descritos no Capítulo 46. Propriedades importantes Os poxvírus são partículas em forma de tijolo contendo DNA li- near de fita dupla, um cerne em forma de disco no interior de uma membrana dupla e um envelope lipoproteico. O virion con- tém uma RNA-polimerase dependente de DNA. Essa enzima é necessária porque o vírus se multiplica no citoplasma e não tem acesso à RNA-polimerase celular, que está localizada no núcleo. O vírus da varíola possui um único e estável sorotipo, o qual é a chave para o sucesso da vacina. Se a antigenicidade variasse, como no caso do influenzavírus, a erradicação não teria tido su- cesso. O vírus da virus infecta somente seres humanos, não há reservatório animal. Resumo do ciclo de multiplicação A seguinte descrição do ciclo de multiplicação é baseada em es- tudos com o vírus vaccínia, uma vez que é muito menos provável que cause doença em seres humanos em comparação ao vírus da varíola. Após a penetração na célula e desnudamento, a RNA- -polimerase viral dependente de DNA sintetiza o mRNA pre- coce, o qual é traduzido em proteínas precoces não estruturais, principalmente enzimas requeridas para os passos subsequentes da replicação viral. O DNA viral é então replicado, e, após, serão sintetizadas proteínas estruturais que irão formar a progênie viral. Os virions serão montados e irão adquirir seus envelopes por bro- tamento, a partir da membrana da célula hospedeira* de onde são liberados. Observa-se que todos os passos da multiplicação ocor- rem no citoplasma, o que é pouco comum para um vírus de DNA. Transmissão e epidemiologia O vírus da varíola é transmitido via aerossóis respiratórios ou por contato direto com o vírus em lesões de pele ou em fômites, como roupas de cama. No período anterior aos anos 1960, a varíola espalhou-se em grandes áreas da África, Ásia e América do Sul, e milhões de pes- *N. de R.T. Pesquisas recentes mostram que os poxvírus adquirem seu envelo- pe de membranas do aparelho de Golgi ou da rede trans-Golgi. Imagens das lesões realçadas em cor de laranja podem ser visualizadas na Galeria de Imagem disponível em: http://www.langetextbooks.com/levinson/ gallery/. Levinson_37.indd 287Levinson_37.indd 287 27/05/14 17:0127/05/14 17:01 http://www.langetextbooks.com/levinson/ 288 PARTE IV Virologia Clínica soas foram afetadas. Em 1967, a Organização Mundial da Saúde lançou uma campanha de vacinação que levou à erradicação da varíola. O último caso ocorrido naturalmente foi na Somália, em 1977. Patogênese e imunidade A varíola inicia quando o vírus infecta o trato respiratório supe- rior e os linfonodos locais e então penetra no sangue (viremia primária). Os órgãos internos são infectados; então, o vírus disse- mina-se no sangue novamente (viremia secundária) e espalha-se para a pele. Esses eventos ocorrem durante o período deincuba- ção, quando o paciente ainda está bem. A erupção é o resultado da multiplicação do vírus na pele, seguida do dano causado pelas células T citotóxicas que atacam as células infectadas pelo vírus. A imunidade que se segue à varíola dura por toda a vida; a imunidade pós-vacinal dura cerca de 10 anos. Achados clínicos Após um período de incubação de sete a 14 dias, há um início súbito dos sintomas prodrômicos como febre e mal-estar. Isso é seguido por erupção, a qual é pior na face e nas extremidades do que no tronco (i.e., apresenta uma distribuição centrífuga). A erupção desenvolve-se por meio de estágio de máculas a pápulas, vesículas, pústulas e, finalmente, crostas em duas a três semanas. Diagnóstico laboratorial No passado, quando a doença ocorria, o diagnóstico era feito pelo isolamento viral em cultura de células ou em embriões de galinha, ou pela detecção de antígenos virais no fluido vesicular por imunofluorescência. Prevenção A doença foi erradicada pelo uso global da vacina, contendo o vírus vaccínia vivo atenuado. O sucesso da vacina é dependente de cinco fatores críticos: (1) o vírus da varíola tem um único e estável sorotipo; (2) não há reservatório animal, e os seres hu- manos são os únicos hospedeiros; (3) a resposta de anticorpos é rápida, e, portanto, as pessoas expostas podem ser protegidas; (4) a doença é facilmente reconhecível clinicamente e, portanto, pessoas expostas podem ser rapidamente imunizadas; e (5) não há estado de portador ou infecção subclínica. A vacina é inoculada intradermicamente, onde a multipli- cação do vírus ocorre. A formação da vesícula é indicativa de “pega” (sucesso). Embora a vacina fosse relativamente segura, tornou-se aparente na década de 1970, quando a incidência de efeitos colaterais como a encefalite, vaccínia generalizada e vaccí- nia gangrenosa excediam a incidência de varíola. A rotina de va- cinação de civis foi descontinuada, e não é mais um pré-requisito para viagens internacionais. Militares ainda são vacinados. Em resposta à possibilidade de um ataque bioterrorista uti- lizando o vírus da varíola, o governo federal dos Estados Unidos instituiu um programa para vacinar os socorristas na linha de frente, para que eles pudessem fornecer cuidado médico emer- gencial sem medo de contrair a doença. Esse fato é baseado no co- nhecimento de que um indivíduo exposto pode ser imunizado até quatro dias pós-exposição e ser protegido. Então, se um ata- que ocorrer, pessoas que tiverem sido reconhecidamente expostas serão imunizadas, bem como as pessoas que tiverem contato com estas e, em seguida, tiverem o contato do contato, em um círculo em expansão. Muitas pessoas, civis e militares, têm tido miocar- dite após a vacinação e, como já descrito, é necessário cuidado a respeito da expansão desse programa para a população em geral. Imunoglobulina contra vaccínia (VIG) contendo altos títulos de anticorpos contra o vírus vaccínia pode ser utilizada para tratar a maioria das complicações vacinais. No passado, a metisazona era usada para tratar as complicações da vacinação e poderia ser utili- zada novamente. A rifampina inibe a RNA-polimerase viral depen- dente de DNA, mas não foi utilizada clinicamente contra a varíola. VÍRUS DO MOLUSCO CONTAGIOSO O vírus do molusco contagioso (MCV) é um membro da família Poxviridae, mas é bastante distinto dos vírus vaccínia e da va- ríola. A lesão do molusco contagioso é uma pequena pápula (2 a 5 mm) da cor de carne sobre a pele ou membrana mucosa, não dolorosa, não pruriginosa e não inflamada (ver Figura 37-11). As lesões têm uma depressão característica em forma de taça com um cerne branco; são compostas por células epiteliais hiperplá- sicas nas quais os corpúsculos de inclusão citoplasmática podem ser vistos. Estes contêm a progênie de MCV. Observa-se que essas lesões diferem das verrugas, as quais são causadas pelo papilomavírus, um membro da família Papo- vaviridae.* FIGURA 37-11 Molusco contagioso – observam-se duas lesões pa- pulares abaixo do olho causadas pelo vírus do molusco contagioso, um membro da família dos poxvírus. (Reproduzida com a permissão de Usatine, R.P. et al. The Color Atlas of Family Medicine. New York: McGraw-Hill, 2009. Copyright © 2009 por The McGraw-Hill Companies, Inc.) Imagens das lesões realçadas em cor de laranja podem ser visualizadas na Galeria de Imagem disponível em http://www.langetextbooks.com/levinson/ gallery/. *N. de R.T. Essa família viral não existe mais. Ela foi dividida em duas famí- lias: Papillomaviridae e Polyomaviridae. Levinson_37.indd 288Levinson_37.indd 288 27/05/14 17:0127/05/14 17:01 http://www.langetextbooks.com/levinson/ CAPÍTULO 39 Vírus de RNA Envelopado 303 A capacidade de a cepa H5N1 infectar galinhas (e outras aves) de maneira mais eficiente do que infecta humanos é devida à pre- sença de certo tipo de receptor viral por toda a mucosa do trato respiratório das galinhas. Em contrapartida, humanos apresentam esse tipo de receptor apenas nos alvéolos, não no trato respiratório superior. Isso explica porque os humanos são raramente infecta- dos com a cepa H5N1. Porém, quando a exposição é intensa, o vírus é capaz de alcançar os alvéolos e causar pneumonia grave. A virulência da cepa H5N1 é significativamente maior do que as linhagens H1N1 e H3N2, que vêm causando doença em humanos por muitos anos. Isso é atribuído a duas características da cepa H5N1, a saber, resistência relativa ao interferon e indu- ção aumentada de citocinas, especialmente TNF. Acredita-se que o aumento das citocinas medeie a patogênese da pneumonia e da síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) observada nas infecções por H5N1. A cepa de H5N1 é sensível aos inibidores de neuraminidase, oseltamivir (Tamiflu) e zanamivir (Relenza), mas não é sensível à amantadina e à rimantadina. Tamiflu é o fármaco de escolha para o tratamento e a prevenção. Não existe vacina humana disponível contra a cepa H5N1, mas há uma disponível para o uso em espé- cies aviárias. Em 2008, a Food and Drug Administration (FDA), órgão norte-americano responsável pelo controle de alimentos e fármacos, aprovou uma vacina inativada contra o influenzavírus H5N1, mas até 2009, ela não estava disponível para o público. A vacina está sendo estocada na Reserva Nacional de Emergência nos Estados Unidos. 3. Infecções em humanos por influenzavírus suíno Em abril de 2009, uma nova cepa (H1N1) de influenzavírus A de origem suína (S-OIV) causou um surto de gripe humana, que surgiu inicialmente no México, depois nos Estados Unidos, posteriormente disseminando-se para 208 países. O Centers for Disease Control and Prevention (CDC) utiliza o nome “nova in- fluenza A (H1N1)” para esse vírus. Até dezembro de 2009, milhões de casos ocorreram em todo o mundo. Houve tantos casos que muitos países interromperam o registro do número de casos. Houve 9.596 mortes mundialmente, das quais 1.445 ocorreram nos Estados Unidos.* Em 11 de junho de 2009, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou nível 6 de pandemia (o mais alto nível de alerta). Até agosto de 2010, o número de casos declinou significativamente e o alerta de pan- demia foi rescindido. Até novembro de 2011, o número de casos nos Estados Unidos e no mundo declinou significativamente. A doença afetou principalmente pessoas jovens (60% dos ca- sos eram em indivíduos com 18 anos de idade ou mais novos). Os sintomas foram, no geral, brandos com poucas fatalidades ocor- rendo em pacientes comprometidos em termos médicos. Não houve surto de gripe suína em porcos antes desse surto humano. A alimentação com carne de porco não transmite o vírus. S-OIV é um rearranjo quádruplo: a hemaglutinina, a nucleoproteína e os genes da proteína não estrutural são de ori- gem suína norte-americana; a neuraminidase e os genes da pro- teína de matriz são de origem suína euro-asiática; os genes que codificam duas subunidades da polimerase são de origem aviária norte-americana; e o geneque codifica a terceira subunidade da polimerase é de origem humana H3N2. Uma cepa de rearranjo triplo circulou em suínos norte-ame- ricanos durante vários anos antes de 2009, mas raramente causou gripe humana. Na cepa de rearranjo triplo, todos os cinco genes, que não são genes da polimerase, são de origem suína norte- -americana; e os genes da polimerase possuem a mesma origem da cepa de rearranjo quádruplo. Essa cepa não apresenta genes de origem suína euro-asiática. É importante salientar que a maior parte dos indivíduos no mundo não possui anticorpos protetores contra a hemaglutini- na suína de S-OIV, apesar de poder apresentar anticorpos con- tra a cepa sazonal do vírus H1N1, adquirido por imunização ou por exposição ao próprio vírus. Observa-se também que a cepa S-OIV dissemina-se facilmente entre humanos, ao contrário da cepa aviária H5N1, que não se dissemina. Um teste de PCR para diagnóstico da infecção por S-OIV está disponível. S-OIV é sensível a oseltamivir e zanamivir, mas resistente a amantadina e rimantadina. Tanto uma vacina inativa- da quanto uma vacina viva atenuada contra S-OIV tornaram-se amplamente disponíveis em novembro de 2009. *N. de R.T. Nessa mesma época, o Brasil notificou 750 óbitos causados pela nova cepa de influenza. PARAMIXOVÍRUS A família dos paramixovírus contém quatro patógenos humanos importantes: vírus do sarampo, vírus da caxumba, vírus sincicial respiratório (RSV) e vírus da parainfluenza. Diferem dos ortomi- xovírus porque os seus genomas não são segmentados, apresen- tam diâmetro maior e suas espículas de superfície são diferentes (Tabela 39-1). Os paramixovírus são compostos por um segmento de RNA fita simples, um nucleocapsídeo helicoidal e um envelope lipo- proteico externo. O virion contém uma RNA-polimerase RNA- -dependente, que transcreve o genoma de polaridade negativa em mRNA. O genoma, portanto, não é infeccioso. O envelope é coberto por espículas, que contêm hemaglutinina, neuraminidase ou uma proteína de fusão que causa fusão celular e, em alguns ca- sos, hemólise (Tabela 39-4). VÍRUS DO SARAMPO Doença Esse vírus causa o sarampo, uma doença caracterizada por uma erupção maculopapular. Ocorre principalmente na infância. (Ver seção “Achados clínicos” para uma descrição mais detalhada.) Propriedades importantes O RNA genômico e o nucleocapsídeo do vírus do sarampo são de um paramixovírus típico (ver anteriormente). O virion possui Levinson_book.indb 303 Levinson_book.indb 303 13/05/14 15:4613/05/14 15:46 304 PARTE IV Virologia Clínica dois tipos de espículas no envelope, uma com atividade de hema- glutinação e a outra com atividades de fusão celular e hemolítica (Tabela 39-4). Apresenta um único sorotipo e a hemaglutinina é o antígeno contra o qual os anticorpos neutralizantes são direcio- nados. Os humanos são os hospedeiros naturais. Resumo do ciclo de multiplicação Após a adsorção à superfície celular por meio de sua hemaglu- tinina, o vírus penetra e desnuda-se, e a RNA-polimerase do vi- rion transcreve o genoma de fita negativa em mRNA. Múltiplos mRNAs são sintetizados, e cada um deles é traduzido nas proteí- nas virais específicas; nenhuma poliproteína análoga à sintetizada por poliovírus é produzida. O nucleocapsídeo helicoidal é mon- tado, a proteína de matriz medeia a interação com o envelope, e o vírus é liberado por brotamento a partir da membrana celular. Transmissão e epidemiologia O vírus do sarampo é transmitido por gotículas respiratórias produzidas por tosse ou espirro, tanto durante o período prodrô- mico quanto por alguns dias após o aparecimento da erupção. O sarampo ocorre mundialmente, em geral em surtos a cada dois a três anos, quando o número de crianças suscetíveis alcança um alto nível. A OMS estima que ocorram 30 milhões de casos de sarampo por ano em todo o mundo. A taxa de acometimento é uma das mais altas entre as doen- ças virais; a maioria das crianças contrai a doença clínica por exposição. Quando esse vírus é introduzido em uma população que não enfrentou o sarampo, como foi verificado nos habitantes do Arquipélago do Havaí por volta de 1800, ocorrem epidemias devastadoras. Em crianças desnutridas, especialmente nas de paí- ses em desenvolvimento, o sarampo é uma doença muito mais grave do que em crianças bem-nutridas. Deficiência de vitamina A é especialmente importante nesse contexto, e a suplementação dessa vitamina reduz significativamente a gravidade do sarampo. Pacientes com imunidade mediada por células deficiente (p. ex., pacientes com Aids) apresentam uma doença grave e com risco de vida quando contraem sarampo. Patogênese e imunidade Após infectar as células de revestimento do trato respiratório supe- rior, o vírus entra na corrente sanguínea e infecta as células reticu- loendoteliais, onde se multiplica novamente. Então, dissemina-se até a pele pela corrente sanguínea. A erupção é causada principal- mente pelas células T citotóxicas que atacam as células endoteliais vasculares da pele infectadas pelo vírus do sarampo. A vasculite mediada por anticorpos também pode desempenhar um papel importante. Logo após o surgimento da erupção, o vírus não pode mais ser recuperado e o paciente não dissemina o vírus para os ou- tros. Células gigantes multinucleadas, formadas como resultado da proteína de fusão das espículas, são características das lesões. A imunidade permanente ocorre em indivíduos que já apre- sentaram a doença. Embora anticorpos IgG possam desempenhar um papel significativo na neutralização do vírus durante o estágio de viremia, a imunidade mediada por células é mais importante. A importância da imunidade mediada por células é ilustrada pelo fato de crianças agamaglobulinêmicas apresentarem um curso normal da doença e imunidade subsequente, e por serem protegi- das pela imunização. Anticorpos maternos atravessam a placenta e os bebês são protegidos durante os primeiros seis meses de vida. A infecção pelo vírus do sarampo pode transitoriamente deprimir a imunidade mediada por células contra outros mi- crorganismos intracelulares, como Mycobacterium tuberculosis, levando a uma perda na reatividade do teste cutâneo PPD, reati- vação de organismos dormentes e doença clínica. O mecanismo proposto para essa descoberta incomum é que quando o vírus do sarampo se liga ao seu receptor (denominado CD46) na superfí- cie de macrófagos humanos, a produção de IL-12, necessária para que ocorra a imunidade mediada por células, é suprimida. Achados clínicos Após um período de incubação de 10 a 14 dias, ocorre uma fase prodrômica caracterizada por febre, conjuntivite (causando foto- fobia), coriza e tosse. Manchas de Koplik são lesões vermelhas brilhantes com um ponto branco central, localizadas na mucosa bucal, sendo praticamente diagnósticas. Poucos dias depois, sur- ge uma erupção maculopapular na face, que progride gradual- mente pelo corpo até as extremidades inferiores, incluindo as palmas das mãos e plantas dos pés (Figura 39-3). Posteriormente, a erupção desenvolve uma tonalidade marrom. As complicações do sarampo podem ser bastante graves. A encefalite ocorre com uma taxa de 1 a cada 1.000 casos de saram- po. A taxa de mortalidade da encefalite é de 10%, e ocorrem seque- las permanentes, como surdez e retardo mental, em 40% dos casos. Além disso, há ocorrência de pneumonia primária associada ao sa- rampo (células gigantes) e pneumonia bacteriana secundária. Oti- te média bacteriana é bastante comum. A panencefalite esclero- TABELA 39-4 Espículas do envelope dos paramixovírus Vírus Hemaglutinina Neuraminidase Proteína de fusão1 Vírus do sarampo 1 2 1 Vírus da caxumba2 1 1 1 Vírus sincicial respiratório 2 2 1 Vírus da parainfluenza2 1 1 1 1As proteínas de fusão dos vírus do sarampo e da caxumba são também hemolisinas. 2Nos vírus da caxumba e da parainfluenza, a hemaglutinina e a neuraminidase estão na mesma espícula e a proteína de fusão está em uma espícula diferente. Levinson_book.indb 304 Levinson_book.indb304 13/05/14 15:4613/05/14 15:46 CAPÍTULO 39 Vírus de RNA Envelopado 305 sante subaguda (PEES) é uma doença fatal rara do sistema nervoso central que ocorre vários anos após o sarampo (ver Capítulo 44). O sarampo em mulheres grávidas leva ao aumento do risco de natimorto em vez de anomalias congênitas. A infecção do feto pelo vírus do sarampo é mais grave que a infecção pelo vírus da rubéola, pois o vírus do sarampo geralmente causa morte fetal, enquanto o vírus da rubéola causa anomalias congênitas. O sarampo atípico ocorre em alguns indivíduos que rece- beram a vacina inativada e foram subsequentemente infectados pelo vírus do sarampo. É caracterizado por uma erupção atípica sem as manchas de Koplik. Uma vez que a vacina inativada não é utilizada há vários anos, o sarampo atípico ocorre apenas em adultos e é infrequente. Diagnóstico laboratorial A maioria dos diagnósticos é realizada com base clínica, mas o vírus pode ser isolado em culturas celulares. Um aumento supe- rior a quatro vezes no título de anticorpos pode ser utilizado para diagnosticar casos difíceis. Ensaios de reação em cadeia da poli- merase (PCR) são também utilizados. Tratamento Não há terapia antiviral disponível. Prevenção A prevenção baseia-se na imunização com a vacina viva ate- nuada. A vacina é eficaz e causa poucos efeitos colaterais. É ad- ministrada por via subcutânea em crianças aos 15 meses de ida- de, geralmente em combinação com as vacinas contra rubéola e caxumba. A vacina não deve ser administrada às crianças antes dos 15 meses de idade, uma vez que anticorpos maternos na criança podem neutralizar o vírus e reduzir a resposta imune. Uma dose de reforço é recomendada, já que a imunidade pode sofrer um declínio. A vacina contém vírus vivos, portanto, não deve ser administrada em indivíduos imunocomprometidos ou em gestantes. A vacina reduziu significativamente o número de casos de sarampo nos Estados Unidos; foram relatados apenas 138 casos de sarampo em 1997. No entanto, ainda ocorrem surtos entre indivíduos não imunizados (p. ex., crianças de cidades do interior norte-americano e de países em desenvolvimento).* A vacina inativada não deve ser utilizada. Imunoglobulinas podem ser utilizadas para modificar a doença quando adminis- tradas a indivíduos não imunizados precocemente, no período de incubação. Isso é especialmente necessário quando os indiví- duos não imunizados são imunocomprometidos. VÍRUS DA CAXUMBA Doença Esse vírus causa caxumba, uma doença caracterizada por edema da glândula parótida. Ocorre principalmente na infância. (Ver seção “Achados clínicos” para uma descrição completa.) Propriedades importantes O RNA genômico e o nucleocapsídeo são os de um paramixo- vírus típico. O virion possui dois tipos de espículas de envelope: uma com atividade de hemaglutinina e de neuraminidase, e a outra com atividade de fusão celular e hemolítica (Tabela 39-4). O vírus apresenta um único sorotipo. O anticorpo neutra- lizante é dirigido contra a hemaglutinina. A proteína interna do nucleocapsídeo é o antígeno S (solúvel) detectado no teste de fi- xação do complemento utilizado para diagnóstico. Os humanos são os hospedeiros naturais. Resumo do ciclo de multiplicação A multiplicação é similar à do vírus do sarampo (ver página 304). Transmissão e epidemiologia O vírus da caxumba é transmitido por gotículas respiratórias. A caxumba ocorre mundialmente, com o pico de incidência durante FIGURA 39-3 Sarampo – observa-se erupção maculopapular man- chada “morbiliforme”. (Figura cortesia da Public Health Image Library, Cen- ters for Disease Control and Prevention.) Imagens das lesões realçadas em cor de laranja podem ser visualizadas na Galeria de Imagem disponível em http://www.langetextbooks.com/levinson/ gallery/. *N. de R.T. O Brasil é considerado um modelo mundial de cobertura vacinal contra o sarampo. Nos últimos 10 anos, foram relatados aproximadamente 180 casos. Levinson_book.indb 305 Levinson_book.indb 305 13/05/14 15:4613/05/14 15:46 http://www.langetextbooks.com/levinson/ CAPÍTULO 40 Vírus de RNA Não Envelopado 317 ENTEROVÍRUS 1. Poliovírus Doença Esse vírus causa poliomielite. Propriedades importantes A gama de hospedeiros é limitada aos primatas (i.e., humanos e primatas não humanos, como macacos e símios). Essa limita- ção deve-se à ligação da proteína do capsídeo viral ao receptor encontrado apenas nas membranas de células de primatas. En- tretanto, observa-se que o RNA viral purificado (destituído da proteína do capsídeo) pode penetrar e replicar-se em diversas cé- lulas de não primatas – o RNA pode escapar do crivo do receptor da membrana celular (i.e., um “RNA infeccioso”). Existem três tipos sorológicos (antigênicos) baseados em diferentes determinantes antigênicos das proteínas externas do capsídeo. Devido à pouca reação cruzada existente, a proteção contra a doença requer a presença de anticorpos contra cada um dos três tipos. Resumo do ciclo de multiplicação O virion interage com receptores celulares específicos da mem- brana celular e penetra na célula. As proteínas do capsídeo são, então, removidas. Após o desnudamento, o genoma de RNA fun- ciona como mRNA e é traduzido em um grande polipeptídeo, denominado proteína viral não capsídea 00. Esse polipeptídeo é clivado em múltiplas etapas por uma protease codificada pelo vírus, formando tanto as proteínas do capsídeo da progênie de virions quanto as diversas proteínas não capsídeas, incluindo a RNA-polimerase que sintetiza os RNAs genômicos da progênie. A replicação do genoma ocorre pela síntese de uma fita com- plementar negativa, que serve de molde para as fitas positivas. Algumas dessas fitas positivas atuam como mRNA na produção de mais proteínas virais, enquanto o restante torna-se RNA genô- mico da progênie de virions. A montagem da progênie de virions ocorre pela encapsulação do RNA genômico com as proteínas do capsídeo. Os virions acumulam-se no citoplasma celular e são liberados como consequência da morte celular. Os virions não brotam da membrana celular. Transmissão e epidemiologia Os poliovírus são transmitidos pela via fecal-oral. Replicam-se na parte oral da faringe e no trato intestinal. Os humanos são os únicos hospedeiros naturais. Devido ao sucesso da vacina, a poliomielite causada pelo vírus “selvagem” de ocorrência natural foi erradicada dos Esta- dos Unidos e, de fato, de todo o Hemisfério Ocidental. Os casos raros nos Estados Unidos ocorrem principalmente em (1) indi- víduos expostos a revertentes virulentos do vírus atenuado da va- cina viva e (2) indivíduos não imunizados expostos ao poliovírus selvagem quando viajam ao exterior. Anteriormente à disponibi- lidade da vacina, ocorriam epidemias no verão e no outono. A Organização Mundial da Saúde estabeleceu como meta a erradicação da pólio paralítica até 2005. Infelizmente, essa meta não foi alcançada. Em 1988, ocorreram 388 mil casos de pólio paralítica em todo o mundo, enquanto em 2005 ocorreram me- nos de 2 mil. Apesar dessa notável diminuição, a pólio paralíti- ca continua a ocorrer. A partir de 2009, ainda havia um total de aproximadamente 1 mil a 2 mil casos por ano em quatro países: Afeganistão, Índia, Nigéria e Paquistão. Até o momento, a varíola é a única doença infecciosa que foi erradicada, uma consequên- cia do uso mundial da vacina contra a varíola. Patogênese e imunidade Após multiplicação na parte oral da faringe e no intestino delga- do, especialmente no tecido linfoide, o vírus dissemina-se pela corrente sanguínea até o sistema nervoso central. Também pode disseminar-se por via retrógrada pelos axônios dos nervos. No sistema nervoso central, o poliovírus multiplica-se prefe- rencialmente nos neurônios motores localizados no corno ante- TABELA 40-2 Características dos vírus que comumente infectam o trato intestinal Vírus Ácido nucleico Doença Número de sorotipos Imunidade permanente à doença Vacina disponível Terapia antiviral PoliovírusRNA Poliomielite 3 Sim (tipo-específica) 1 2 Vírus Coxsackie RNA Meningite, cardite, etc. Vários Não 2 2 Ecovírus RNA Meningite, etc. Vários Não 2 2 Vírus da hepatite A RNA Hepatite 1 Sim 1 2 Rotavírus RNA Diarreia Diversos1 Não 1 2 Vírus Norwalk (norovírus) RNA Diarreia Desconhecido Não 2 2 Adenovírus DNA Diarreia 41, dos quais dois cau- sam diarreia Desconhecida 2 2 1O número exato é incerto. Imagens das lesões realçadas em cor de laranja podem ser visualizadas na Galeria de Imagem disponível em http://www.langetextbooks.com/levinson/ gallery/. Levinson_40.indd 317Levinson_40.indd 317 27/05/14 16:3827/05/14 16:38 http://www.langetextbooks.com/levinson/ 318 PARTE IV Virologia Clínica rior da medula espinal. A morte dessas células resulta em paralisia dos músculos inervados pelos neurônios motores. A paralisia não é devida à infecção viral de células musculares. O vírus também afeta o tronco cerebral, levando à poliomielite “bulbar” (com para- lisia respiratória), mas raramente causa danos ao córtex cerebral. Em indivíduos infectados, a resposta imune consiste tanto em IgA intestinal quanto em IgG humoral específicos para o sorotipo. Infecções proporcionam imunidade tipo-específica duradoura. Achados clínicos A gama de respostas à infecção por poliovírus inclui (1) infecção assintomática inaparente, (2) poliomielite abortiva, (3) poliomie- lite não paralítica, e (4) poliomielite paralítica. A infecção assinto- mática é bastante comum. Cerca de 1% das infecções é clinicamen- te aparente. O período de incubação geralmente é de 10 a 14 dias. A forma clínica mais comum é a poliomielite abortiva, que é uma doença branda e febril, caracterizada por cefaleia, garganta inflamada, náusea e vômitos. A maioria dos pacientes recupera- -se espontaneamente. A poliomielite não paralítica manifesta-se como meningite asséptica com febre, cefaleia e torcicolo. Esse qua- dro, com frequência, também regride de forma espontânea. Na po- liomielite paralítica, a paralisia flácida é o achado predominante, mas o envolvimento do tronco cerebral pode levar à paralisia res- piratória com risco à vida. Espasmos musculares dolorosos tam- bém ocorrem. O dano aos nervos motores é permanente, porém, alguma recuperação da função motora ocorre à medida que outras células nervosas assumem a função. Na pólio paralítica, tanto as meninges quanto o parênquima cerebral (meningoencefalite) es- tão frequentemente envolvidos. Quando a medula espinal também está envolvida, o termo meningomieloencefalite é empregado. Uma síndrome pós-poliomielite que ocorre vários anos após a doença aguda tem sido descrita. Uma deterioração significati- va da função residual dos músculos afetados ocorre vários anos após a fase aguda. A causa dessa deterioração é desconhecida. O estado de portador permanente não ocorre após a infec- ção por poliovírus, mas a excreção de vírus nas fezes pode ocor- rer por diversos meses. Diagnóstico laboratorial O diagnóstico é realizado pelo isolamento do vírus ou pela eleva- ção no título de anticorpos. O vírus pode ser recuperado da gar- ganta, das fezes ou do líquido espinal pela inoculação em cultu- ras celulares. O vírus causa um efeito citopático (ECP) e pode ser identificado pela neutralização do ECP com antissoros específicos. Tratamento Não existe terapia antiviral. O tratamento é limitado ao alívio sintomático e ao suporte respiratório, se necessário. Fisioterapia para os músculos afetados é importante. Prevenção A poliomielite pode ser prevenida tanto pela vacina inativada (vacina Salk, vacina morta, IPV) quanto pela vacina viva ate- nuada (vacina Sabin, vacina oral, OPV) (Tabela 40-3). Ambas as vacinas induzem anticorpos humorais que neutralizam os vírus TABELA 40-3 Características importantes das vacinas contra poliovírus Propriedade Inativada (Salk) Viva (Sabin) Previne doença Sim Sim Interrompe a transmissão Não Sim Induz IgG humoral Sim Sim Induz IgA intestinal Não Sim Confere proteção secundária pela disseminação a outras pessoas Não Sim Interfere na multiplicação de vírus virulentos no intestino Não Sim Reverte à virulência Não Sim (raramente) Coinfecção com outros enterovírus pode prejudicar a imunização Não Sim Pode causar doença em indiví- duos imunocomprometidos Não Sim Via de administração Injetável Oral Requer refrigeração Não Sim Duração da imunidade Mais curta Mais duradoura que penetram no sangue e, desse modo, previnem a infecção do sistema nervoso central e a doença. Ambas as vacinas, viva e ina- tivada, contêm os três sorotipos. Atualmente, a vacina inativada é preferida por razões descritas a seguir. A versão atual da vacina inativada é denominada vacina in- tensificada contra pólio, ou eIPV. Essa vacina apresenta uma maior taxa de soroconversão e induz títulos de anticorpos maiores que a IPV anterior. A eIPV também induz alguma imunidade de mucosas por IgA, tornando-a capaz de interromper a transmis- são, embora a quantidade de IgA secretora induzida pela eIPV seja significativamente menor que a quantidade induzida pela OPV. Desse modo, a OPV é preferida para os esforços de erradicação. A única versão da vacina contra a pólio produzida atualmente nos Estados Unidos é a eIPV. Em certos países onde a pólio permanece endêmica (p. ex., Índia), uma vacina oral monovalente contra a pólio é utilizada, uma vez que a taxa de soroconversão é mais alta com a vacina monovalente do que com a vacina trivalente. Anteriormente, havia preferência pela vacina viva nos Es- tados Unidos por duas razões principais: (1) ela interrompe a transmissão fecal-oral por induzir IgA secretora no trato gastrin- testinal e (2) é administrada via oral e, portanto, é mais pronta- mente aceita que a vacina inativada, a qual deve ser injetada. A vacina viva* apresenta quatro desvantagens: (1) em casos raros, pode ocorrer a reversão do vírus atenuado para a virulência, podendo resultar em doença (especialmente para o vírus do tipo 3); *N. de R.T. No Brasil, o uso da vacina viva contra pólio (vacina Sabin) é a es- tratégia de escolha. No entanto, o Ministério da Saúde planeja introduzir o uso intercalado da vacina inativada contra pólio de forma gradual, até a completa substituição da vacina viva pela inativada, em alguns anos. Essa estratégia faz parte do processo final de eliminação completa do poliovírus. Desde 1990, o Brasil não apresenta nenhum caso de poliomielite autóctone. Levinson_40.indd 318Levinson_40.indd 318 27/05/14 16:3827/05/14 16:38 CAPÍTULO 40 Vírus de RNA Não Envelopado 319 (2) a vacina pode causar doença em indivíduos imunodeficientes e, portanto, não deve ser administrada nesses casos; (3) a infecção do trato intestinal por outros enterovírus pode limitar a multiplicação do vírus vacinal e reduzir a proteção; e (4) a vacina deve ser manti- da refrigerada para impedir a inativação dos vírus vivos pelo calor. Surtos de pólio paralítica causada por poliovírus derivados da vacina (VDPVs) continuam a ocorrer, especialmente em re- giões onde existe um grande número de pessoas não imunizadas. Essas linhagens de VDPV perderam sua atenuação pela aquisi- ção, por recombinação, de genes de enterovírus selvagens. Surtos de pólio paralítica associada a VDPV foram contidos por campa- nhas para imunizar pessoas na região afetada com a vacina oral (Sabin), que interrompe a transmissão fecal-oral. Acredita-se que a duração da imunidade seja mais longa com a vacina viva quando comparada com a vacina inativada, embora uma dose de reforço seja recomendada para ambas. O esquema de vacinação atualmente aprovado nos Estados Unidos consiste em quatro doses da vacina inativada, administra- das aos dois meses, quatro meses, seis a 18 meses, e após o ingresso na escola, dos quatro aos seis anos. Um reforço (vitalício) é reco- mendado para adultos que viajam para regiões endêmicas. O uso da vacina inativada deve prevenir alguns dos aproximadamente 10 casos anuais de pólio paralítica associada à vacina quesurgem pela reversão do vírus atenuado. No passado, alguns lotes da vacina de poliovírus foram contaminados por um papovavírus, o vírus SV40, que causa sarcomas em roedores. O vírus SV40 foi um vírus “passageiro” nas células renais de macaco utilizadas para cultivar os poliovírus para a vacina. Felizmente, não houve aumento na in- cidência de câncer nos indivíduos inoculados com a vacina contra a pólio contendo o vírus SV40. No entanto, existem algumas evi- dências de que o DNA de SV40 possa ser encontrado em certos cânceres humanos, como linfoma não Hodgkin; o papel do SV40 como causador de câncer em indivíduos imunizados com as pri- meiras versões da vacina contra a pólio é indefinido. Atualmente, culturas celulares utilizadas para fins vacinais são cuidadosamente analisadas para excluir a presença de vírus acidentais. A imunização passiva com imunoglobulinas séricas está dis- ponível para a proteção de indivíduos não imunizados que fo- ram expostos. A imunização passiva de recém-nascidos também ocorre, como resultado da passagem de anticorpos IgG maternos por meio da placenta. A quarentena de pacientes com a doença não é efetiva, uma vez que a excreção fecal dos vírus ocorre em indivíduos infec- tados antes da manifestação dos sintomas, bem como nos que permanecem assintomáticos. 2. Vírus Coxsackie Os vírus Coxsackie são nomeados devido à cidade de Coxsackie, no Estado de Nova Iorque, onde foram primeiramente isolados. Doenças Os vírus Coxsackie causam uma variedade de doenças. Os vírus do grupo A causam, por exemplo, herpangina, conjuntivite he- morrágica aguda e doença de mão-pé-boca, enquanto os vírus do grupo B causam pleurodinia, miocardite e pericardite. Ambos os tipos causam doença inespecífica do trato respiratório superior (resfriado comum), erupções febris e meningite asséptica. Os ví- rus Coxsackie e os ecovírus (ver a próxima seção), juntos, causam aproximadamente 90% dos casos de meningite (asséptica) viral. Propriedades importantes A classificação dos grupos baseia-se na patogenicidade em ca- mundongos. Os vírus do grupo A causam miosite difundida e paralisia flácida, que é rapidamente fatal, enquanto os vírus do grupo B causam lesões generalizadas menos graves no coração, no pâncreas e no sistema nervoso central, bem como miosite fo- cal. Pelo menos 24 sorotipos de vírus Coxsackie A e seis sorotipos de vírus Coxsackie B são reconhecidos. O tamanho e a estrutura do virion, assim como a natureza do RNA genômico, são similares aos dos poliovírus. Diferente- mente dos poliovírus, estes podem infectar outros mamíferos além dos primatas. Resumo do ciclo de multiplicação A multiplicação é similar à do poliovírus. Transmissão e epidemiologia Os vírus Coxsackie são transmitidos principalmente pela via fecal-oral, mas aerossóis respiratórios também desempenham um papel importante na transmissão. Multiplicam-se na parte oral da faringe e no trato intestinal. Os humanos são os únicos hospedeiros naturais. As infecções por vírus Coxsackie ocorrem mundialmente, sobretudo no verão e no outono. Patogênese e imunidade Os vírus do grupo A têm preferência pela pele e pelas membra- nas mucosas, enquanto os vírus do grupo B causam doenças em vários órgãos, como coração, pleura, pâncreas e fígado. Tanto os vírus do grupo A quanto os do B podem afetar as meninges e os neurônios motores (células do corno anterior), causando para- lisia. A partir de seu sítio inicial de multiplicação na parte oral da faringe e no trato intestinal, eles disseminam-se pela corrente sanguínea. A imunidade após a infecção é conferida por anticorpos IgG tipo-específicos. Achados clínicos Grupo A – Doenças específicas A herpangina caracteriza-se por febre, dor de garganta e vesícu- las sensíveis na parte oral da faringe. A doença de mão-pé-boca é caracterizada por uma erupção vesicular nas mãos e nos pés e por ulcerações na boca, principalmente em crianças. Grupo B – Doenças específicas A pleurodinia (doença de Bornholm, mialgia epidêmica, “garra do diabo”) caracteriza-se por febre e dor peitoral grave do tipo Imagens das lesões realçadas em cor de laranja podem ser visualizadas na Galeria de Imagem disponível em http://www.langetextbooks.com/levinson/ gallery/. Levinson_40.indd 319Levinson_40.indd 319 27/05/14 16:3827/05/14 16:38 http://www.langetextbooks.com/levinson/ Vírus da varicela-zóster (VZV) Doença Propriedades importantes Resumo do ciclo de multiplicação Transmissão e epidemiologia Patogênese e imunidade Achados clínicos Varicela Zóster Diagnóstico laboratorial Tratamento Prevenção Vírus da varíola Doença Propriedades importantes Resumo do ciclo de multiplicação Transmissão e epidemiologia Patogênese e imunidade Achados clínicos Diagnóstico laboratorial Prevenção Vírus do sarampo Doença Propriedades importantes Resumo do ciclo de multiplicação Transmissão e epidemiologia Patogênese e imunidade Achados clínicos Diagnóstico laboratorial Tratamento Prevenção Enterovírus Doença Propriedades importantes Resumo do ciclo de multiplicação Transmissão e epidemiologia Patogênese e imunidade Achados clínicos Diagnóstico laboratorial Tratamento Prevenção
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