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Universidade de Lisboa Instituto de Geografia e Ordenamento do Território Impactes das mudanças climáticas projetadas na distribuição de espécies arbóreas no sudoeste de Angola José Camôngua Luís Dissertação orientada pelo Prof. Doutor Albano Augusto Figueiredo Rodrigues e Prof. Doutor Carlos Silva Neto Mestrado em Geografia Física e Ordenamento do Território 2020 Universidade de Lisboa Instituto de Geografia e Ordenamento do Território Impactes das mudanças climáticas projetadas na distribuição de espécies arbóreas no sudoeste de Angola José Camôngua Luís Dissertação orientada pelo Prof. Doutor Albano Augusto Figueiredo Rodrigues e Prof. Doutor Carlos Silva Neto Júri: Presidente: Professor Doutor António Manuel Saraiva Lopes do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa Vogais: - Professor Doutor José Carlos Augusta da Costa do Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa - Professor Doutor Albano Augusto Figueiredo Rodrigues da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra 2020 i Agradecimentos A materialização deste feito, é certamente o culminar e o início de um sonho há muito desejado, sobre o qual me recusava despertar e a projeção de muitos outros, que contou com importantes apoios e impulsos, sem os quais não teria sido efetivado. A todos os que tornaram este sonho possível, estou eternamente grato. Primeiramente dou graças a Deus, o todo poderoso pelas bênçãos que me tem concedido durante toda esta trajetória, permitindo assim a materialização deste grande feito. Aos meus estimados orientadores Professor Doutor Carlos Silva Neto, Professor Doutor Albano Augusto Figueiredo Rodrigues, que sem medir esforço, abraçaram o compromisso e a ideia de guiarem de forma sábia, pedagógica, científica e profissional este processo, os meus mais sinceros sentimentos de gratidão. Ao Professor Luís Catarino e toda sua equipa do ex- Herbário Tropical de Lisboa. Aos meus pais, tios, irmãos que nunca pouparam esforço nesta minha longa trajetória, sempre acreditando em mim, sou-vos eternamente grato. Aos meus mestres e amigos António Válter Chisingui, José Luís Mateus Alexandre, Hélder Alicerces Bahu, Francisco Maiato P. Gonçalves, José da Silva, Isabel Galamba, Vladi Sénio Pereira, João Hequer, vocês foram a peça basilar para esta obra por terminar. Entretanto, palavras sempre hão-de faltar para exprimir a tamanha gratidão. Os meus agradecimentos estendem-se ainda aos meus amigos e colegas do CIDE – Centro de Investigação e Desenvolvimento da Educação do ISCED Huíla, e ao sub-projeto 154 do SASSCAL, nomeadamente Marina Rafael, José Tchamba, Hervé Vela, Abel Bala, Manuel Cachissapa, Joaquim Txifunga, Paula Páscoa, José Alexandre, Gelson Canísio, Teixeira, José Maria, Mário Tchipuputua, José Nkelleka, Edgar Mahapi, Evaristo das Mangas, os meus profundos votos de gratidão. Também devo aqui destacar os meus colegas e Professores do Mestrado pelo forte apoio incondicional e contributo que tiveram neste processo. Ao Instituto Nacional de Gestão de Bolsas de Estudo (INAGBE) pela concessão da bolsa de estudo, o que garantiu o financiamento da minha formação nestes pouco mais e dois anos de estadia em Portugal, ao Governo Provincial da Huíla na pessoa da Sua Excia Senhora Vice-Governadora para ii Setor Político, Social e Económico Dra. Maria João Tchipalavela, ao Gabinete Provincial de Educação da Huíla (GPE-Huíla), a Secção Municipal de Educação do Lubango e finalmente ao ISCED-Huíla pela oportunidade e por acreditar nas minhas capacidades individuais. A todos, os meus mais profundos agradecimentos. iii Dedicatória à minha família iv Resumo As mudanças climáticas constituem uma das principais ameaças para os ecossistemas, uma fragilidade que está potenciada pela ação antrópica. Esta realidade é bem evidente no território angolano, onde a pressão humana sobre os recursos naturais tem promovido profundas alterações dos ecossistemas. Os modelos de nicho ecológico constituem uma potente ferramenta neste contexto, pois fornecem informações detalhadas sobre a distribuição e requisitos ambientais, auxiliando na gestão sustentável dos habitats mais vulneráveis. O presente trabalho visa avaliar os impactes das mudanças climáticas projetadas na distribuição de espécies arbóreas no sudoeste de Angola para o período de 2061 - 2080, tendo como referência os cenários climáticos RCP 4.5 e RCP 8.5. Esta análise baseou-se na modelação de nicho ecológico, suportada no princípio da máxima entropia, com recurso ao software MAXENT. Os dados de presenças das espécies foram extraídos de diversas fontes, como herbários físicos e digitais, bases de dados online, como o GBIF, a base de dados da flora da Zâmbia e a BiotaBase. No sentido de avaliar a resposta de espécies associadas às condições ecológicas distintas, foram selecionadas quatro espécies caraterísticas das principais comunidades florestais do SW angolano descritas por Barbosa (1970): Brachystegia boehmii, Baikiaea plurijuga, Colophospermum mopane e Terminalia prunioides. As variáveis climáticas foram extraídas da base de dados worldclim com uma resolução de 1 km, tendo sido selecionadas as variáveis não correlacionadas. Quanto aos resultados, os modelos projetam expansão da área ecologicamente adequada para ocorrência das espécies ao nível da África Austral, em oposição a uma contração significativa projetada para o SW de Angola para ambos os cenários de referência. Estas projeções apontam para uma elevada suscetibilidade do SW de Angola, onde os efeitos das mudanças climáticas, nomeadamente a diminuição da precipitação e o aumento da temperatura podem ser reforçadas pela forte pressão antrópica sobre a biodiversidade. Palavras chaves: Distribuição de espécies, Nicho ecológico, Maxent, Cenários climáticos. v Abstract Climate change is identified as a major threat to ecosystems, a susceptibility that is reinforced by negative impacts from human activities. Such reality is clear in Angola, where pressure on natural resources from human activities increased during the last decades, promoting deep impacts on ecosystems. The knowledge about plants distribution and their resilience considering climate change scenarios is useful, namely, to set and implement measures focused on the sustainable management, a goal that is critical to the maintenance of functions and services associated to ecosystems under future climatic scenarios. Niche modelling can be a powerful tool in this context, providing detailed information about changes on suitable area comparing current and future climatic scenarios, giving support on the identification of the most vulnerable habitats. This work, supported on the maximum entropy algorithm, aims to assess changes on distribution for tree species associated to different ecologies in south-western Angola, considering the time-window 2061-2080 and having by reference two climatic scenarios (RCP 4.5 and RCP 8.5). Data for species occurrences were collected from different herbarium collections and from online databases. To represent the different ecologies, in this exercise we considered species associated to different vegetation types described by Barbosa (1970): Brachystegia boehmii, Baikiaea plurijuga, Colophospermum mopane e Terminalia prunioides. Aiming to ensure the production of robust models, only non-correlated variables were used in models’ calibration, and validation of models’ results was based on two different strategies: i) independent sample and ii) creation of a subset (30%) based on a random splitof the occurrences database. Despite the restriction of the analysis to south- western Angola, the models were projected to a broader area (Southern Africa). The results point to an expansion of suitable area for the broad territory and a significant contraction for the SW Angola. Keywords: Species distribution, Niche modelling, Maxent, Climatic scenarios. vi Índice Agradecimentos .................................................................................................. i Dedicatória ......................................................................................................... iii Resumo .............................................................................................................. iv Abstract .............................................................................................................. v 1 Introdução .................................................................................................... 1 1.1 Enquadramento ..................................................................................... 1 1.2 Objetivo geral: ....................................................................................... 4 1.3 Mudanças climáticas: passado, presente e futuro ................................ 5 1.4 Os cenários climáticos .......................................................................... 8 1.4.1 Cenários climáticos para África .................................................... 10 1.5 Os impactes potenciais das mudanças climáticas em África .............. 11 1.6 Impactes das mudanças climáticas nos ecossistemas ....................... 13 1.7 Modelos de nicho ecológico: vantagens e limitações .......................... 15 1.7.1 Algoritmos de modelação ............................................................. 21 2 Enquadramento geográfico ........................................................................ 22 2.1 Condições biofísicas da área em estudo ............................................. 22 2.1.1 Clima ............................................................................................ 24 2.1.2 Geologia ....................................................................................... 27 2.1.3 Solos ............................................................................................. 29 2.1.4 Vegetação e flora .......................................................................... 30 2.2 Atividades económicas e uso do solo ................................................. 32 3 Metodologia ............................................................................................... 34 3.1 Caracterização das espécies .................................................................. 34 3.2 Fontes e tratamento de dados ............................................................ 39 3.2.1 Registos de ocorrência ..................................................................... 39 3.2.2 Variáveis ambientais ......................................................................... 40 3.3 Processo de modelação .......................................................................... 41 3.4 Binarização dos modelos ........................................................................ 43 4 Resultados e discussão ............................................................................. 44 4.1 Resultados .......................................................................................... 44 4.1.1 Distribuição potencial atual e fatores ambientais determinantes ...... 44 4.1.1 Alterações na distribuição em função dos cenários futuros .......... 53 4.2 Discussão dos resultados ................................................................... 63 4.2.1 Espécies mais suscetíveis às alterações climáticas ..................... 65 vii Conclusões....................................................................................................... 67 Referências bibliográficas ................................................................................ 69 viii Índice de figuras Figura 1. Emissões antropogénicas globais de GEE. ............................................. 6 Figura 2. Diagrama representando a influência dos fatores na distribuição espacial das espécies e diferenciação dos tipos de nicho. .................................. 19 Figura 3. Situação geográfica da área de estudo. ................................................. 24 Figura 4. Variação da temperatura média anual. ................................................... 26 Figura 5. Distribuição da precipitação média anual. .............................................. 27 Figura 6- Pormenor das estruturas reprodutivas de Baikiaea plurijuga. ............. 35 Figura 8. Detalhe das folhas e favas da Brachystegia boehmii. .......................... 36 Figura 8. Detalhes das folhas e frutos do Colophospermum mopane. ............... 38 Figura 9. Detalhes das folhas e estruturas reprodutivas da Terminalia prunioides. ..................................................................................................................... 39 Figura 10. Taxa de omissão para o modelo produzido para a Brachystegia boehmii. ......................................................................................................................... 45 Figura 11. Teste do Jackknife para variáveis ambientais para a espécie Brachystegia boehmii. ................................................................................................. 45 Figura 12. Distribuição potencial da Brachystegia boehmii na África Austral e no Sudoeste de Angola. ................................................................................................... 46 Figura 13.Taxa de omissão para o modelo produzido para a espécie Baikiaea plurijuga. ........................................................................................................................ 47 Figura 14. Teste do Jackknife para variáveis ambientais para a espécie Baikiaea plurijuga. ....................................................................................................... 47 Figura 15. Distribuição potencial atual da Baikiaea plurijuga na África Austral e no Sudoeste de Angola. ............................................................................................. 48 Figura 16. Taxa de omissão para o modelo produzido para a espécie Colophospermum mopane. ........................................................................................ 49 Figura 17. Teste do Jackknife para variáveis ambientais no caso do modelo da espécie Colophospermum mopane. ......................................................................... 50 Figura 18. Distribuição potencial atual do Colophospermum mopane na África Austral e no Sudoeste de Angola. ............................................................................. 51 Figura 19. Taxa de omissão para o modelo produzido para a espécie Terminalia prunioides. ................................................................................................. 52 ix Figura 20. Teste de Jackknife da distribuição potencial atual da Terminalia prunioides. ..................................................................................................................... 52 Figura 21. Distribuição potencial atual da Terminalia prunioides na África Austral e no Sudoeste de Angola. ............................................................................. 53 Figura 22. Variação da área de ocorrência potencial da Brachystegia boehmii na África Austral e no Sudoeste de Angola segundo cenário RCP 4.5. ............. 54 Figura 23. Alterações na área de distribuição potencial da Brachystegia boehmii na África Austral (A) e no Sudoeste de Angola (B) segundo cenárioRCP 4.5. 55 Figura 24. Alterações na área de ocorrência potencial da Brachystegia boehmii na África Austral e Sudoeste de Angola segundo cenário RCP 8.5. .................. 55 Figura 25. Alterações na área de distribuição potencial da Brachystegia boehmii na África Austral (A) e no Sudoeste de Angola (B) segundo cenário RCP 8.5. 56 Figura 26. Alterações na área de ocorrência potencial da Baikiaea plurijuga na África Austral e Sudoeste de Angola segundo cenário RCP 4.5. ........................ 57 Figura 27. Alterações na área de distribuição potencial da Baikiaea plurijuga na África Austral (A) e no Sudoeste de Angola (B) segundo cenário RCP 4.5. ..... 57 Figura 28. Variação da área de ocorrência potencial da Baikiaea plurijuga na África Austral e no Sudoeste de Angola segundo cenário RCP 8.5. .................. 58 Figura 29. Alterações na área de distribuição potencial da Baikiaea plurijuga na África Austral (A) e no Sudoeste de Angola (B) segundo cenário RCP 8.5. ..... 58 Figura 30. Variação da área de ocorrência potencial da Terminalia prunioides na África Austral e Sudoeste de Angola segundo Cenário RCP 4.5. ................. 59 Figura 31. Alterações na área de distribuição potencial da Terminalia prunioides na África Austral (A) e no Sudoeste de Angola (B) segundo cenário RCP 4.5. 59 Figura 32. Variação da área de ocorrência potencial da Terminalia prunioides na África Austral e Sudoeste de Angola segundo Cenário 8.5. ........................... 60 Figura 33. Alterações na área de distribuição potencial da Terminalia prunioides na África Austral (A) e Sudoeste de Angola (B) segundo Cenário 8.5. .............. 60 Figura 34. Variação da área de ocorrência potencial do Colophospermum mopane na África Austral e Sudoeste de Angola segundo Cenário 4.5. ........... 61 Figura 35. Alterações na área de distribuição potencial do Colophospermum mopane na África Austral (A) e Sudoeste de Angola (B) segundo Cenário 4.5.61 x Figura 36. Variação da área de ocorrência potencial do Colophospermum mopane na África Austral e Sudoeste de Angola segundo Cenário 8.5. ........... 62 Figura 37. Alterações na área de distribuição potencial de Colophospermum mopane na África Austral (A) e no Sudoeste de Angola (B) segundo cenário 8.5. ................................................................................................................................. 62 xi Índice de tabelas Tabela 1. Lista das variáveis bioclimáticas utilizadas. ...................................... 41 Lista de siglas e acrónimos AUC - Area Under The Curve CBD- Convenção da Biodiversidade COP - Conferência das Partes CQNUAC - Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas ENB - Earth Negotiations Bulletin ENM - Ecological Niche Modelling GAM - Generalized Additive Models GARP - Genetic Algorithm for Rule-Set Production GBAD – Grupo do Banco de Desenvolvimento de África GCM - General Circulation Model GEE – Gases de Efeitos Estufa GIBF – Global Information Biodiversity Facility GLM - Generalized Linear Models INE – Instituto Nacional de Estatística IPCC – Intergovernmental Panel on Change Climate ISCED - Instituto Superior de Ciências de Educação da Huíla MEA – Millennium Ecosystem Assessment NGOWP- National Geographic Okavango Wilderness Project PK - Protocolo de Kyoto PPM – Partes Por Milhão RCP - Representative Concentration Pathways ROC - Receiver Operating Characteristic SABONET- Southern African Botanical Diversity Network SAREP – Southern Africa Regional Environmental Programme SASSCAL- Southern African Science Service Centre for Climate Change and Adaptive Lan d Management xii SDM – Species Distribution Model SIG – Sistemas de Informação Geográfica SRC – Sistema de Referências de Coordenadas SRESS - Special Report on Emission Scenarios TFO - The Future Okavango UNCCD – United Nations Conventions to Combat Desertification UNEP - United Nations Environment Programme WCMC - World Conservation Monitoring Centre WGS 84 - World Geodetic System 1984 1 1 Introdução 1.1 Enquadramento Angola, apesar de ocupar somente 4% da área terrestre do continente africano, é do ponto de vista florístico um dos maiores hotspots da África Austral, dada a sua rica diversidade fisiográfica, climática, que se traduz numa grande diversidade de biomas (White, 1983), com cerca de 7.296 táxons em 250 famílias e 1.765 géneros, e com mais de 1000 espécies endémicas (Figueiredo, Smith, & César, 2009), superada apenas pela África do Sul, tendo em conta o número de ecorregiões (Burgess et al., 2004; Huntley et al, 2019). Angola, possui uma superfície total de 1 246 700 km2, situada na costa oeste da África Central, entre os paralelos de 4°22' e 18°02' de latitude Sul e os meridianos de 11°41' e 24°05' de longitude Este. Do ponto de vista fisiográfico, é caracterizada por um gradiente bioclimático que se manifesta em várias comunidades vegetais, desde estépicas da faixa desértica, savanas, formações de escarpa ou Afro montana e formações mais densas e húmidas de altitude (Diniz, 1991). Apesar desta grande diversidade biológica, existem poucos estudos atualizados. Sendo que os primeiros estudos sobre a flora e vegetação de Angola foram realizados ainda na época colonial (finais do século XIX e meados do século XX), através de várias expedições realizadas no país por botânicos, tais como: Friedrich Welwitsch (1806-1872), Hugo Baum (1867-1950); John Gossweiler (1873- 1952). Outros coletores da era colonial que contribuíram para o estudo da flora e vegetação de Angola, cujos trabalhos serviram de base para a elaboração do Conspectus Florae de Angola (Excell e Mendonça, 1937) e do primeiro mapa de vegetação de Angola, que conta com 19 unidades vegetais (Gossweiler e Mendonça, 1939), Joaquim Monteiro e Rosa Monteiro, Luís W. Carrisso, Francisco Mendonça, Arthur Excell, Francisco de Sousa, Christian, Smith Joaquim José da Silva e muitos outros (Goyder & Gonçalves, 2019). Estes trabalhos resultaram numa grande coleção de plantas espalhadas nos mais variados herbários europeus, com destaque para o Royal Botanical Gardens, Kew (K), Museu de História Natural, Londres (BM), Museu Nacional de Historia 2 Natural, Paris (P), LISC do ex-Instituto de Investigação Científica Tropical de Lisboa (IICT), LISU da Universidade de Lisboa (Figueiredo et al., 2009). Um passo importante é dado em 1970 por Grandavaux Barbosa, com a publicação da Carta Fitogeográfica de Angola, contendo 32 comunidades de vegetação, baseando-se em trabalhos anteriores de Gossweiler & Mendonça de 1939, nos trabalhos de Friedrich Welwitsch (1806-1872), e em várias expedições botânicas realizadas no país durante cerca de 15 anos. Esta carta constitui até hoje, a principal obra de referência para os estudos de flora e vegetação de Angola (Huntley & Matos, 1994). No período de 1975-2002 registou-se uma rotura no avanço do estudo da biodiversidade angolana, devido à guerra civil que atingiu o país por mais de três décadas, o que impediu a realização de qualquer tipo de avanço científico neste domínio. Com o advento da paz efetiva em 2002, começam a reascender alguns trabalhos de investigação em biodiversidade, que têm sido garantidos principalmente com a participação de investigadores angolanos nos vários projetos de cooperação regional entre diferentes instituições, nomeadamente o Southern African Botanical Diversity Network (SABONET), o Programa Regional Ambiental da África Austral (SAREP), The Future Okavango Project (TFO), Centro da África Austral para Ciência e Serviços para Adaptação às Alterações Climáticas e Gestão Sustentável dos Solos (SASSCAL), o projeto de vida selvagem do Okavango da National Geographic (NGOWP), (Huntley& Almeida, 2019). Todos estes trabalhos resultaram em importantes contributos para o conhecimento da flora e vegetação de Angola, com destaque para o Livro dos nomes comuns de plantas de Angola (Figueiredo & Smith 2012), a Checklist de plantas de Angola (Figueiredo & Smith 2008). Importantes relatórios sobre o estado da biodiversidade, bem como estudos florísticos para a caracterização de importantes habitats regionais (ex: Vegetation survey of the woodlands of Huíla Province - Chisingui et al. 2018), e a mais recente contribuição sobre o estado actual da biodiversidade de Angola publicado recentemente (Huntley et al., 2019), são algumas das mais importantes contribuições. Apesar da importância dos projetos referidos e do trabalho de investigação associado, é muito evidente a falta de estudos com vista à 3 atualização da informação fitogeográfica. É muito evidente a falta de informação sobre a biodiversidade em geral, e particularmente da flora e vegetação deste vasto território da África Austral. Esta realidade dificulta ou mesmo impossibilita a implementação de medidas de proteção e conservação para espécies individuais, num momento em que se fala muito da contribuição da biodiversidade e das paisagens do país no grande esforço que tem de ser feito para o crescimento e desenvolvimento do país, baseado essencialmente no crescimento e desenvolvimento do setor do turismo. Para Jiménez et al., (2008), a preservação da biodiversidade requer o conhecimento dos padrões de distribuição e a abundância das espécies, trabalho este que está em grande medida por realizar no território nacional angolano. Para além do conhecimento da biodiversidade, no que respeita aos táxons presentes em Angola, e da sua corologia, são fundamentais estudos tendentes à compreensão da sua ecologia, principalmente no que respeita a variáveis ambientais determinantes para a sua distribuição espacial. Uma dessas variáveis ambientais é sem dúvida o clima, pois este está na base da distribuição potencial da flora e da vegetação de uma dada região. Desta forma, o estudo da relação entre a corologia e o clima é fundamental, não só para o entendimento dos atuais padrões de distribuição, mas também para a compreensão da forma como os seres vivos serão afetados no contexto das alterações climáticas projetadas para as próximas décadas, o que permitirá a implementação de medidas estritas de proteção, conservação e gestão dos recursos naturais, com base numa sólida compreensão dos fenómenos que afetam a biodiversidade e na identificação das principais ameaças. A opção pela avaliação da suscetibilidade às mudanças climáticas para o desenvolvimento deste trabalho, prende-se com o facto de praticamente não existirem resultados sobre esta problemática em Angola, podendo estas alterações ter implicações importantes em termos de alteração dos padrões de distribuição das espécies. E vários estudos apresentam as alterações climáticas como estando na base das principais ameaças aos ecossistemas, uma fragilidade que está reforçada pela pressão direta e indireta, resultantes das atividades humanas (MEA, 2005). Esta realidade é bem evidente no território angolano, onde a pressão sobre os recursos naturais tem aumentado 4 nas últimas décadas. As florestas são especialmente vulneráveis a este tipo de pressão, a qual resulta em processos de degradação e de fragmentação, efeitos que diminuem a sua resiliência perante mudanças ambientais. Tendo em conta a ameaça que representam as mudanças climáticas para os ecossistemas, torna-se premente avaliar os seus impactes potencias, uma tarefa que se revela de grande utilidade para a identificação de áreas prioritárias de intervenção e para a definição de medidas de adaptação e/ou mitigação. Neste contexto, o trabalho aqui apresentado, irá abordar os impactes potenciais das mudanças climáticas sobre a distribuição de espécies indicadoras de comunidades vegetais no Sudoeste de Angola, tendo por referência dois cenários climáticos (RCP 4.5 e RCP 8.5) projetados para o horizonte 2061-2080. Para a realização deste trabalho consideram-se os seguintes objetivos: 1.2 Objetivo geral: Avaliar os Impactes potenciais das mudanças climáticas na distribuição de espécies florestais indicadoras das principais comunidades vegetais da região Sudoeste de Angola, tendo como referências cenários RCP 4.5 e RCP 8.5. Objetivos específicos: ▪ Contribuir para melhorar o conhecimento da distribuição atual de espécies arbóreas selecionadas para este estudo; ▪ Explorar a influência de diferentes fatores ambientais na distribuição destas espécies arbóreas; ▪ Avaliar a suscetibilidade das espécies arbóreas segundo dois cenários de alteração climática (RCP 4.5 e RCP 8.5); ▪ Identificar as áreas mais suscetíveis a mudanças climáticas no Sudoeste de Angola. 5 1.3 Mudanças climáticas: passado, presente e futuro O clima do planeta Terra sofreu muitas mudanças desde a sua formação. Contudo, as que têm caracterizado as últimas décadas, e que se preveem ampliadas nas próximas, têm um claro fundo antrópico (IPCC, 2013). No entanto, os modelos apontam para que as mudanças climáticas, apesar da escala global, tenham impactes diferenciados dependendo das condições geográficas dos territórios, necessitando de ações concertadas a diferentes escalas: local, nacional, continental, regional e global (Moreira & Ramos, 2016). Constituem um dos maiores desafios do século XXI e um dos assuntos mais debatidos pela comunidade científica, por políticos e Organizações Não- governamentais, refletindo a preocupação com um processo com impactes à escala mundial (Figueiredo, 2013). Esta preocupação reside no facto de os seus impactes negativos serem globais que afetarão as próximas gerações, podendo ser um fator projetado através de cenários climáticos. Apesar das incertezas existentes, o atual conhecimento científico sobre as mudanças climáticas já é suficiente para afirmar que as atividades humanas afetam no padrão e na velocidade das mudanças climáticas. Segundo o IPCC (2007), só entre 1970 e 2004 as emissões globais derivadas das atividades humanas aumentaram 70% (Figura 1), valores significativos dada a sua interferência na redução em cerca de 2% da quantidade de energia que o planeta liberta para o espaço (Alcoforado et al., 2009). Durante o século XX, o efeito da ação antrópica sobre o planeta Terra teve influências significativas no clima global, como a subida do nível médio das águas do mar, o aumento das chuvas nas latitudes médias e altas e diminuição considerável em muitas regiões de latitude média e regiões subtropicais dos hemisférios norte e sul, aumento da frequência de episódios de chuvas extremas e consequentes ocorrências de inundações, e o aumento da frequência das secas em várias regiões subtropicais, principalmente na África e na Ásia (Santos, 1990), tendência esta que se irá prolongar até finais do século XXI (IPCC, 2013). Segundo o IPCC (2007), a ação antrópica foi responsável pelo incremento de dióxido de carbono (CO2) em cerca de 32% (emitido em maior 6 quantidade pela queima de combustíveis fósseis – 2/3 do total e pela desflorestação e outras alterações no uso do solo) (Figura 1), com uma variação significativa de 280 ppm (partes por milhão) para 370 ppm em 2005 e 383 ppm em 2007. Em 2019 ultrapassou-se pela primeira vez as 400 ppm. Figura 1. Emissões antropogénicas globais de GEE. (Fonte: IPCC, 2007). Tendo em conta este aumento rápido da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, e segundo os impactes potenciais que daí advêm, vários instrumentos internacionais legais foram criados com vista à redução da emissão destes gases. Foi assim que em 1979 foi dado o primeiro grande passo em matéria de mudança climática, através da primeira Conferênciado Clima convocada pelo Organização Meteorológica Mundial, realizada em Genebra, onde foi criado o Programa Mundial sobre o Clima, onde se discutiu sobre a existência deste fenómeno, seus impactes e a severidade das emissões antrópicas de GEE ( Santos, 1990). O relatório final desta cimeira solicitava aos governos a sensibilização das populações sobre os impactes da ação antrópica sobre o clima. Neste âmbito, passados dez anos (1988) a Organização Meteorológica Internacional cria o Programa das Nações Unidas para o Ambiente (UNEP) e o Painel Internacional para as Alterações Climáticas (IPCC) (Borrego, Ribeiro, & Miranda, 2010). A Cimeira Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável foi o Desenvolvimento, realizada na cidade do Rio Janeiro, em 1992, onde foram adotados diferentes tratados e discutidas formas e estratégias de mitigação dos 7 efeitos das mudanças climáticas, nomeadamente a Convenção da Biodiversidade (CBD), a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD) e a Convenção Quadro das Nações Unidas para às Alterações Climáticas (CQNUAC) ((Santos, 2006; Santos, 2014). Da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (CQNUAC), deriva a Terceira Conferência das Partes (COP3), que ocorreu no período de 1 a 10 de dezembro do ano de 1997 em Kyoto, Japão. Nesta conferência foi adotado o Protocolo de Kyoto (Santos, 2006). Um tratado que estabeleceu pela primeira vez, através de compromissos juridicamente vinculados a redução global das emissões de 6 GEE, principalmente para os países industrializados (Dióxido de Carbono - CO2, Metano - CH4, Óxido Nitroso - N2O, Hexafluoreto de Enxofre - SF6; Hidrofluorcarbonetos - HFC, Perfluorcarbonetos - PFC) de 5,2% no período 2008 a 2012, relativamente à 1990 (Pittock, 2009). A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (CQNUAC), Protocolo de Kyoto (PK), o Acordo de Copenhague, o Acordo de Cancun e a Plataforma Durban e o Acordo de Paris, constituem os principais instrumentos internacionais legais de índole jurídico para mitigação e combate às alterações climáticas (ENB, 2009; Borrego, Ribeiro, & Miranda, 2010; Ferreira, 2017). A última Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP25), decorreu em Junho de 2019, na cidade de Madrid, projetada para dar os próximos passos cruciais no processo e concluir vários assuntos sobre a operacionalização completa do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas. Além disso, serviu para mostrar a importância da ação climática empreendida por partes interessadas não partidárias e ajudou a galvanizar a ação de regiões, cidades, empresas, investidores e sociedade civil (https://unfccc.int/). Em relação à COP26 que tinha sido agendada para Novembro de 2020 em Glasgow, Reino Unido, teve de ser reagendada para 2021 face aos efeitos mundiais em curso da COVID-19. https://unfccc.int/ 8 1.4 Os cenários climáticos Os modelos climáticos, constituem os principais instrumentos disponíveis para avaliação das respostas do sistema climático à diferentes escalas espaciais (da escala regional à global) e temporais, com vista a fazer simulações climáticas, compreender o comportamento do clima atual e a partir daí projetar cenários climáticos (Santos, 2006; Bernardino & Santo, 2015). Os cenários climáticos são importantes ferramentas de análise da influência dos gases de efeito estufa e os resultados das emissões projetadas para o futuro, que auxiliam no estudo das mudanças climáticas, pois envolvem a modelação climática e avaliação dos respetivos impactes, mitigação e adaptação (IPCC, 2000; IPCC, 2007). Obtêm-se por meio de métodos quantitativos que simulam o sistema climático global com os seus subsistemas - atmosfera, hidrosfera, criosfera, biosfera e litosfera e as interações entre eles (Santos, 1990). Sendo, que os mais recentes e mais usados, apresentam uma certa ambiguidade e complexidade por incluírem os subsistemas atmosfera e oceano, e as interações dos vários processos (físicos, químicos e biológicos), que condicionam o clima (IPCC, 2007; Santos, 2006). Até ao Quarto Relatório IPCC (2007), os cenários de referência estavam associados a cenários de emissão, tendo o IPCC criado um relatório especial sobre os mesmos (SRES-Special Report on Emission Scenarios - 1992), num grupo que abrange quatro combinações de mudança demográfica, desenvolvimento social e económico e desenvolvimentos tecnológicos, correspondentes a quatro famílias distintas (A1, A2, B1, B2), cada uma delas com a sua cenarização caraterística (IPCC, 2000; IPCC, 2007). ➢ A família A1, traduz um crescimento económico, tecnológico, demográfico global acelerado, cuja população atinge o auge em meados do século e diminui rapidamente, e a rápida introdução das novas tecnologias. Está dividido em três subfamílias: i) A1FI- alto uso de combustíveis fósseis; ii) A1T- recursos energéticos não-fósseis; iii) A1B- equilíbrio em todas as fontes; 9 ➢ A família A2, corresponde a um mundo mais heterogéneo do ponto de vista económico, com economias não autossuficientes, com um aumento continuo da população, e mais orientado para o desenvolvimento económico regional; ➢ O cenário B1, caracterizado por um mundo convergente com crescimento populacional baixo, igual à família A1, mas com rápidas mudanças económicas em direção a uma economia de serviços e de informações; introdução de recursos limpos e tecnologias eficientes, com ênfase em soluções globais para a sustentabilidade económica, social e ambiental; ➢ A família B2, traduz um mundo que valoriza as soluções locais para a sustentabilidade económica, social e ambiental. É um mundo com crescimento populacional moderado, níveis médios de desenvolvimento económico e mudanças tecnológicas menos rápidas e mais diversificadas em relação a família B1 e A1. De acordo com o Quinto Relatório de avaliação do IPCC, (2013) houve necessidade de se incluir uma nova família de cenários climáticos para facilitar a avaliação de futuras mudanças climáticas, devido às seguintes razões (Vuuren et al., 2011): ▪ Necessidade de informações mais detalhadas para a geração atual de cenários climático do que as fornecidas pelos cenários anteriores (SRES); ▪ Interesse crescente em cenários que exploram claramente os impactes de diferentes políticas climáticas, permitindo a avaliação dos custos e benefícios das metas climáticas; ▪ Interesse crescente em explorar os conceitos de adaptação e mitigação. Esta nova família baseia-se no forçamento radiativo e antrópico de gases de efeito estufa, até aproximadamente ao ano de 2100, em relação a 1750, num conjunto de quatro cenários denominados RCP (Representative Concentration Pathways): RCP 8.5, RCP 6.0, RCP 4.5 e RCP 2.6, que correspondem a forçamentos radiativos de 8.5, 6.0, 4.5 e 2.6 W/m2, respetivamente. O primeiro cenário (RCP 8.5) é o pessimista, caraterizado pelo 10 crescimento contínuo nas emissões de gases de efeito estufa, dois cenários de estabilização (RCP 4.5 e RCP 6.0), caraterizado por um crescimento socioeconómico em que o forçamento radiativo é estabilizado antes de 2100, devido a adoção de um conjunto de políticas mitigadoras com vista reduzir as emissões de GEE, e um cenário otimista (RCP 2.6), que traduz um forçamento global relativamente baixo, equivalente a um aumento global de 1,5ºC (Vuuren et al., 2011; IPCC, 2014). Os cenários RCPs preveem de forma geral alteração nos padrões de distribuição da precipitação, onde as altas e as baixas latitudes poderão registar um aumento nos valores de precipitação média anual. Ao passo que as regiões secas e áridas das médias latitudes e subtropicais poderão assistir a uma redução significativa dos valores de precipitação, com destaque para os cenários RCP 4.5 e RCP 8.5. Os cenários projetam ainda um aumentoda frequências de eventos extremos de precipitação em todas latitudes (Serdeczny et al., 2016; IPCC, 2013). Em relação à temperatura, os cenários projetam aumentos substanciais em diferentes cenários de emissão de GEE para o período de 2046 a 2065. A temperatura média global deverá aumentar em cerca de 1,5ºC - RCP 2.6; 2,4ºC - RCP 4.5; 3ºC - RCP 6.0; e 4,9ºC – RCP 8.5 (IPCC, 2013). 1.4.1 Cenários climáticos para África Para o continente Africano os cenários climáticos projetam variações significativas de temperatura, precipitação, com especial significado nas regiões áridas, semiáridas e subtropicais, onde a taxa de aumento da temperatura mínima sobrepõe-se à das temperaturas máximas. Estima-se, portanto, que as temperaturas em África aumentarão mais rápido do que a média global (Niang et al., 2014). Enquanto que no cenário mais gravoso (RCP 8.5) o aumento de temperatura poderá atingir cerca de 3,5 a 6,5ºC, no caso do cenário mais otimista (RCP 2.6) prevê-se um aumento que poderá variar de 1,5 a 3ºC até finais do século XXI (IPCC, 2013; Niang et al., 2014). 11 Em relação às precipitações projetadas para a África até finais do século XXI, existem ainda muitas incertezas associadas. Para esta variável, os modelos projetam reduções prováveis de precipitação média anual na região mediterrânea do norte de África e em todo o extremo sul de África sob cenário RCP 8.5 em meados do século XXI, que se irá prolongar até finais do século XXI. Esta redução prevê-se acentuada nas zonas áridas e semiáridas da região Austral nos meses de verão e um aumento significativo na zona equatorial e nas maiores altitudes (Dike et al., 2015; Niang et al., 2014). No caso do SW de Angola, o registo cíclico de períodos de seca prolongados, a par de uma redução progressiva nos valores de precipitação e com significativos aumentos das temperaturas, identificam-no como um território suscetível às mudanças climáticas. As projeções sobre as mudanças climáticas para o território angolano apontam para um aumento da temperatura média na ordem dos 4,9ºC e diminuição da precipitação em cerca de 2%, com maior incidência na região sul de Angola, principalmente durante os meses mais seco, tendo em conta que esta zona já é afetada, atualmente, pela escassez de precipitação, e continuará previsivelmente a sê-lo até finais do século XXI (Carvalho, Santos, & Pulquério, 2017; Dike et al., 2015). 1.5 Os impactes potenciais das mudanças climáticas em África O IPCC (2014), identifica o continente africano como uma das regiões do mundo mais vulneráveis aos impactes das mudanças climáticas. Durante o período de 2070-2099, mais de metade (60%) dos meses de verão da África Subsariana registarão temperaturas mais altas do que atualmente, com destaque para a África ocidental e tropical (Serdeczny et al., 2016). A situação geográfica (maioritariamente entre os trópicos e limitadas a norte e sul por dois grandes desertos) faz com que o continente seja particularmente vulnerável à variabilidade às mudanças climáticas (Zolho, 2007). Esta vulnerabilidade é agravada pela crescente pressão antrópica sobre os recursos naturais devido à grande dependência de uma agricultura pouco desenvolvida, caraterizada por ser itinerante e de subsistência, bem como a 12 fraca capacidade de resiliência resultante do desenvolvimento socioeconómico e tecnológico, o acelerado crescimento demográfico e o modo de vida da população nesta região (Santos & Miranda, 2006; Chisingui, 2017). Serdeczny et al., (2016), carateriza a população africana como sendo uma das que mais cresce. Tendo em conta que a África Subsariana deverá atingir os 2 mil milhões de pessoas até 2050, número que pode vir a aumentar em 2100 (Angel et al., 2011), aumentando igualmente a necessidade alimentar, água potável e outros recursos naturais, promovendo uma forte pressão sobre a biodiversidade, e às funções e serviços ecossistémicos (Chisingui, 2017), o que irá acelerar a fragmentação dos habitats, reduzindo a capacidade de dispersão e fixação de organismos, bem como o aparecimento ou a instalação de outras populações com diferentes variabilidades genéticas e capacidade de adaptação a diferentes condições ambientais (Costa, 2006; Fahrig et al., 2019). Estes aspetos fazem de África um dos maiores “hotspots” no que respeita a mudanças climáticas e uso do solo (Alcamo et al., 2011). A região Austral de África é essencialmente dominada por formações do tipo miombo, cuja cobertura é estimada em cerca de 2.4 milhões de km2 (Dewees, 1994; Dewees et al., 2010). Fortemente modificada pelo uso intensivo dos seus recursos, uma tendência que varia muito de país para país. Estima-se uma perda anual da cobertura florestal extremamente alta nos países com este tipo de vegetação, variando entre 33.000 a 445.000 hectares associada à redução dos valores de precipitação em cerca de 5 a 15% (Moura, et al., 2017) e à pressão humana associada à dependência das populações em relação a recursos florestais (Chirwa, Syampungani, & Geldenhuys 2009). Estes são aspetos, entre outros responsáveis pela elevada vulnerabilidade do continente africano às mudanças climáticas. Para além dos aspetos associados à utilização dos recursos, há ainda a probabilidade de um acelerado processo de desertificação no Sul, Norte e Oeste de África, devido à diminuição da precipitação anual projetada nos cenários climáticos. A acontecer, é expectável que ocorra uma perda significativa da biodiversidade (Heubes et al., 2013). 13 Em relação à temperatura, prevê-se um aumento de cerca de 1,6ºC até 2050 no Saara e nas regiões semiáridas da África Austral. Nas regiões equatoriais (Camarões, Uganda, Uganda, Quénia), esse aumento poderá atingir cerca de 1,4ºC. Quanto à precipitação, prevê-se uma diminuição nas áreas mais áridas e um aumento na faixa intertropical, com impactes significativos na biodiversidade, principalmente nas espécies endémicas no centro de endemismo da África do Sul (White, 1983; Burgess, et al., 2004). Os estudos sobre mudanças climáticas em Angola estão de alguma forma limitados pela escassez de séries climáticas consistentes e pela qualidade dos dados atuais, resultado da decadência registada nas estações meteorológicas instaladas no período colonial, pelo antigo Serviço Meteorológico Nacional, que terá sofrido uma queda de 225 para zero (0) em 2010. Atualmente a rede de estações meteorológicas conta com cerca de 22 estações, muitas delas instaladas no âmbito do projeto SASSCAL (Centro da África Austral para Ciências e Serviços para Adaptação às Alterações Climáticas e Gestão Sustentável dos Solos) (Huntley, 2019). 1.6 Impactes das mudanças climáticas nos ecossistemas As mudanças climáticas constituem uma das principais ameaças à biodiversidade, promovendo um conjunto de impactes que vão desde a fenologia e/ou modo de vida das espécies, até às alterações na corologia ou mesmo contribuindo para processos de extinção, os quais se irão manifestar a diferentes níveis: desde os territórios de baixa altitude até aos mais elevados, desde os lagos e lagoas, ribeiros e rios até aos oceanos e mares (Bhattarai, 2017). Desta forma, as mudanças climáticas irão traduzir-se em grandes alterações na estrutura e composição dos habitats, com graves implicações no fornecimento de bens e serviços oferecidos pelos ecossistemas (Moura et al., 2017). A avaliação dos impactes resultantes das mudanças climáticas nos ecossistemas começaram a merecer maior atenção nas ultimas décadas, principalmente em estudos ecológicos (Figueiredo, 2013). Os serviços ecossistémicos desempenham um papel crucial na adaptação e mitigação das consequências das mudanças climáticas. 14 Deveremos estar preparados para que estas mudanças possam ocorrer a uma velocidade superior à capacidade de regeneraçãodos ecossistemas, crescimento, reprodução e estabelecimento de novas espécies florestais (Zolho, 2007). Os impactes provocados pelas mudanças climáticas variam de espécie para espécie, e os mais importantes registar-se-ão naquelas que estão inseridas nos ecossistemas localizados nos limiares de temperatura ou secura, com corologia limitada ou em populações fragmentadas, e portanto, podem apresentar variadas respostas em função das diferentes características biológicas de cada uma delas: movimento, adaptação e extirpação (Hickling et al., 2006). Santos & Miranda (2006) defendem que a perda da diversidade biológica reduz a capacidade de dispersão dos taxa devido à diminuição do número de potenciais colonizadores e, portanto, esse fato reduz a capacidade de ajuste dos ecossistemas às novas condições. Nestas circunstâncias há, necessidade de um maior número de espécies e de indivíduos por espécie, para manter as condições da estabilidade face às mudanças climáticas. Ao nível de África, os cientistas advertem que os efeitos das mudanças climáticas terão efeitos dramáticos na vida selvagem, demostrados através de estudos que apontam para a extinção de cerca de 40% de habitats das espécies vegetais e animais, enquanto que mais de 90% de habitats adequados às espécies irão restringir-se devido as mudanças climáticas em 2085 (ONU, 2008). Sendo África, o continente que apresenta uma biodiversidade com menores índices de impacto antrópico, quando comparada com outros continentes, esta situação pode inverter-se rapidamente pela imprevisibilidade do clima, pelo aumento rápido das populações humanas, pelos conflitos, pelas economias locais, nacionais e regionais e as políticas de governança altamente voláteis na sua evolução. Todos estes fatores, estão na base das maiores ameaças ao equilíbrio dos ecossistemas e sobrevivência de uma boa parte da biodiversidade desta parte do mundo (Burgess et al., 2004). O aumento da temperatura de cerca de 1 a 2ºC acima dos níveis verificados em 1999 levou a uma perda da biodiversidade vegetal na ordem de 15 40 a 50%. Da mesma forma uma subida de cerca de 2.5 a 3ºC poderá implicar uma diminuição da produtividade das savanas, sobretudo devido à seca, e à extinção de cerca de 10% de taxa endémicos (Lesolle, 2012). A maior ameaça reside na combinação entre a elevada suscetibilidade às mudanças climáticas e a elevada pressão antrópica sobre os ecossistemas, associada a extrema pobreza de alguns países africanos, tendo em conta que cerca de 60 milhões de habitantes vivem nas florestas da África subsariana, onde a lenha e o carvão vegetal constituem as principais fontes de energia de 80% da população (Mayaux et al., 2013). As mudanças no uso e ocupação do solo, a urbanização rápida e a exploração desenfreada da madeira são, entre outras, apontadas como os motores de elevada fragmentação dos habitats africanos (Burgess et al., 2004). Devemos ter em conta as altas taxas de expansão urbana a que se assiste nesta região, apontadas por Angel et al., (2011) como sendo das mais elevadas do mundo, (estima-se um aumento em cerca de 12 vezes (1.232.083) até 2050, valor este só superado pela Ásia). Estes números vão-se refletir, certamente, numa crescente urbanização, e na necessidade alimentar de um número crescente de pessoas com consequente diminuição das áreas dos ecossistemas e decréscimo da biodiversidade. Tendo em conta os possíveis impactes das mudanças climáticas, assume-se como importante o desenvolvimento de estudos que visam não só determinar a magnitude desses mesmos impactes, como identificar os territórios mais suscetíveis e vulneráveis. Neste contexto, a modelação de nicho ecológico tem sido uma ferramenta importante para prever os efeitos das mudanças climáticas sobre a distribuição espacial das espécies, com o objetivo de definir medidas de mitigação de tais efeitos (Gomes et al., 2018). 1.7 Modelos de nicho ecológico: vantagens e limitações Um dos principais impactes das mudanças climáticas é a alteração das condições ambientais de adequabilidade para ocorrência das espécies ou em potenciais áreas de ocorrência futura, tendo em conta que os indivíduos se estabelecem em habitats onde as condições edafoclimáticas são favoráveis à sua sobrevivência e reprodução, (Pearson & Dawson, 2003). Entretanto, esta adequabilidade pode ser influenciada pelos fatores e elementos climáticos, 16 modificando os padrões de distribuição das espécies, expressa pela ecologia e história evolutiva de cada uma delas, em diferentes intensidades e escalas por um longo período de tempo, (Soberón & Peterson, 2005). Os modelos de nicho ecológico (ecological niche modelling - ENM), têm- se tornado numa importante ferramenta de investigação nos campos da biogeografia, ecologia, evolução e na biologia da conservação (Gomes et al., 2018). Têm sido amplamente usados para definir estratégias e medidas de mitigação dos efeitos negativos das mudanças climáticas sobre os ecossistemas, que se baseia na correlação entre dados de presenças conhecidas e as camadas ambientais projetadas para diferentes cenários climáticos (Guisan & Thuiller, 2005; Gomes et al., 2018). Estes modelos têm sido usados em vários estudos de análise da dinâmica de distribuição espacial de espécies, sob diferentes cenários climáticos, seleção de habitats, definição de novas áreas protegidas para espécies raras e endémicas (Lopes, Rocha & Rocha, 2007). A sua importância e utilização tem sido impulsionada pela crescente procura de dados de ocorrências de espécies (principalmente georreferenciadas) disponíveis online, facilidade de acesso às várias plataformas que disponibilizam gratuitamente as camadas ambientais e a disponibilidade de vários métodos de modelação, desenvolvidos nos últimos anos com o progresso significativo da informática, estatística e principalmente pelo contributo teórico da ecologia preditiva (Guisan & Thuiller, 2005, Gomes et al., 2018). Diferentes abordagens têm sido utilizadas para definir o conceito de nicho, criando alguma ambiguidade entre diferentes autores, devido às diferentes componentes ou elementos que cada um considera (Araújo & Guisan, 2006). A primeira abordagem ao conceito de nicho ecológico, foi proposta por Joseph Grinnell (1917), que considerava o nicho ecológico como sendo uma subdivisão do habitat de uma espécie, incluindo todos fatores bióticos como a temperatura, humidade, precipitação, assim como fatores abióticos, como a presença de alimentos, concorrência, predação, abrigo, etc. Sem levar em consideração a presença de interações com outras espécies, considerando somente os locais que reúne as condições favoráveis para a ocorrência da 17 espécie (Pocheville, 2015). Mais tarde Charles Elton, enfatizou o papel funcional de uma espécie numa comunidade, as interações bióticas, as dinâmicas de consumo de alimento e a sua posição na cadeia alimentar (Wiens, et al., 2009). O conceito de nicho ecológico ganhou protagonismo com os trabalhos de Hutchinson (1944), tendo definido o nicho como o conjunto de fatores ambientais que condicionam a presença de espécies; “um híper-espaço n- dimensional”. Mais tarde, o conceito “híper-espaço” foi substituído por “híper- volume”, em que os valores mínimos e máximos dos limites de tolerância para cada fator constituiria um hiper volume com n-dimensões. O fundamento da abordagem de Hutchinson (1944), está na distição entre o nicho fundamental e o nicho realizado. Em que o nicho fundamental representa um conjunto de variáveis ambientais que permitem a sobrevivência e reprodução da espécie num determinado local. E o nicho realizado corresponde ao subconjunto do nicho fundamental, no qual uma espécie ocorre realmente e onde está restringida por interações com outras espécies através da competição e/ou predação (Araújo& Guisan, 2006; Wiens et al., 2009). Geralmente a modelação de nicho ecológico assenta em duas abordagens: a mecanicista e correlativa, que correspondem respetivamente aos modelos de nicho ecológicos descritos por Hutchinson (1944): Nicho fundamental e Nicho realizado. A abordagem mecanicista baseia-se nas propriedades intrínsecas das espécies que determinam a sua sensibilidade às características físicas do ambiente, fisiologia, história de vida, plasticidade comportamental ou genética para cartografar áreas atuais ou futuras, enquadradas nos limites de tolerância das espécies (Wiens et al., 2009). A abordagem correlativa baseia-se na correlação estatística entre as variáveis bioclimáticas e os dados de presença das espécies, para aferir implicitamente os processos que limitam a sua distribuição, sendo amplamente usadas para prever a distribuição futura das espécies face às mudanças climáticas (Kearney et al., 2010). Mostram-se mais vantajosos em relação aos 18 modelos mecanicistas, devido à simplicidade e à disponibilidade dos dados. Este atributo explica o facto de ter sido amplamente usado na definição de politicas conservacionistas (Kearney et al., 2010). A área de distribuição das espécies é, segundo Pearson & Dawson (2003), determinada por diversos fatores que atuam com diferentes intensidades e a escalas diferentes. Para Soberón & Peterson (2005) estes fatores dividem-se em quatros grupos: i- Condições abióticas, que correspondem aos aspetos climáticos, ambiente físico e condições edáficas, que impõem limites fisiológicos à capacidade de persistência da espécie; ii- Condições bióticas, referem-se ao conjunto de interações interespecíficas, que interfere na capacidade de sobrevivência das espécies. Estas interações podem ser positivas (mutualismo e comensalismo) ou negativas (concorrência, competição e doenças); iii- As áreas que são acessíveis à dispersão pelas espécies de algumas regiões. Portanto, este fator é muito útil para distinguir a distribuição real da distribuição potencial; iv- Capacidade evolutiva das espécies para se adaptar às novas condições. Estes fatores interagem de forma dinâmica e a diferentes escalas, definindo os padrões de distribuição de uma espécie. Soberón & Peterson (2005), sintetizaram estas interações através de um diagrama, denominado diagrama de Venn ou diagrama de bam, (Figura 2) onde se pode ter uma perceção da influência de cada grupo de fatores na definição dos diferentes tipos de nicho. 19 G B A = GA GI GO Figura 2. Diagrama representando a influência dos fatores na distribuição espacial das espécies e diferenciação dos tipos de nicho. Adaptado de Soberón, Osorio-olvera, & Peterson, 2017. O diagrama de BAM é a representação abstrata de uma região geográfica (G), onde são ilustradas diferentes áreas com condições distintas e os fatores limitantes na distribuição das espécies. Onde A (fatores abióticos) representa a região geográfica com um conjunto de condições ambientais adequadas para a espécie, e pode ser considerada como sendo a expressão geográfica do Nicho Fundamental da espécie (NF); a área B (fatores bióticos) representa as regiões onde as condições biológicas (mutualismo, comensalismo, competição, predação, doenças) são favoráveis; a área M (Migração) representa as regiões do mundo acessíveis às espécies, sem impedimento à migração e colonização; a área G0, corresponde ás regiões de distribuição real, onde há condições bióticas e abióticas favoráveis e com uma grande capacidade de dispersão dos indivíduos constituindo o Nicho Realizado (NR); a área GI representa as regiões geográficas com condições bióticas, ambientais favoráveis e que não são colonizáveis (área invisível). Os pontos negritos correspondem às presenças e pontos brancos às ausências (Peterson et al., 2011; Soberón et al., 2017). Os modelos de nicho ecológico têm muitas aplicações, principalmente na definição de medidas conservacionistas, tendo em conta que têm sido usados com frequência no estudo das relações entre os fatores ambientais e a 20 presença de espécies, permitindo o entendimento dos padrões de distribuição dos ecossistemas, traduzindo-se numa ferramenta útil aos investigadores para a exploração de questões ecológicas, evolução e conservação (Thuiller et al., 2006). No entanto, os modelos de nicho ecológico apresentam vantagens e limitações. Thuiller et al., (2006); Elith et al., (2006); Illoldi & Tania, (2016), enumeram as seguintes vantagens dos modelos de nicho ecológico: • Permitem obter cartogramas de distribuição com boa capacidade de discriminação das áreas preditas à ocorrência da espécie com base em duas medidas, o índice Kappa e o ROC (Receiver Operating Characteristic); • Permitem a realização de análises rápidas, precisas e realistas sobre a resposta das espécies às mudanças climáticas individualmente em relação a outros modelos; • Fornecem informações importantes sobre os possíveis impactes das mudanças climáticas na biodiversidade através dos modelos preditivos. Paralelamente às vantagens acima descritas, os modelos de nicho ecológicos também estão sujeitos a certas limitações. Estas limitações estão principalmente relacionadas às incertezas associadas aos dados de entradas (Wiens et al., 2009), como a seguir se apresentam: • A resolução espacial e temporal das variáveis climáticas afeta o downscaling dos GCM (General Circulation Model) e as diferenças nas amplas variáveis climáticas usadas para conduzir os GCMs podem resultar em projeções indiferentes; • A confiabilidade dos registos de ocorrência das espécies usadas para derivar os modelos depende da área de abrangência da área amostral, o que pode resultar em vieses nos registos de ocorrências; • O tamanho das amostras ou a cobertura espacial inadequada diminui a confiança estatística das correlações subjacentes aos modelos de nicho, aumentando a incerteza, tendo em conta que os modelos gerados com poucos pontos geram modelos menos robustos (Thuiller et al., 2006). 21 1.7.1 Algoritmos de modelação O progresso registado na área informática, o desenvolvimento e o surgimento de vários algoritmos matemáticos permitiu modelar cada vez mais com maior precisão o nicho ecológico dos taxa (Illoldi & Tania, 2016). Este progresso impulsionou o surgimento de vários algoritmos de modelação com abordagens diferentes, cuja seleção do algoritmo a usar depende principalmente dos dados à disposição e do objetivo que se pretende. Sendo assim, podem ser divididos em dois grupos (Elith et al., 2006). O primeiro grupo inclui apenas abordagens correlacionais que usam dados de presença e variáveis ambientais para caracterizar paisagens ambientais, nomeadamente: o BIOCLIM, que usa o envelope bioclimático para encontrar uma regra que identifica as áreas com condições adequadas para a ocorrência da espécie (Busby, 1991; Illoldi & Tania, 2016), o DOMAIN que calcula distribuições potenciais baseadas numa métrica de similaridade ponto- a-ponto padronizada em faixas e fornece um método simples e robusto para modelar a distribuição de espécies animais e vegetais (Gillison, 1997) e o MAXENT, que é um algoritmo baseado no principio da máxima entropia, fundamentada numa abordagem mecanicista para estimar a distribuição probabilística uniforme em toda área de estudo a partir de informações incompletas (Phillips, Anderson, & Schapire, 2006). O segundo grupo inclui várias abordagens de regressão que englobam dados de presenças e ausências como por exemplo o GAM (Generalized Additive Models) e GLM (Generalized Linear Models), amplamente utilizados em modelação de distribuição de espécie devido a uma forte base estatística e uma grande capacidade de modelar realisticamente as relações ecológicas. GARP (Genetic Algorithm for Rule-Set Production), que usa umalgoritmo genético para encontrar associações entre variáveis ambientais e as ocorrências conhecidas das espécies (Elith et al., 2006). 22 2 Enquadramento geográfico 2.1 Condições biofísicas da área em estudo A área de estudo compreende a região Austral de África, desde o paralelo de 5º 22’ 50” N até à África do Sul, mas a análise e discussão dos resultados irá limitar-se ao sudoeste de Angola. A área em referência é fortemente influenciada pelo gradiente latitudinal e altitudinal, constituindo assim um dos principais fatores modeladores do clima, tendo em conta que os valores de precipitação sofrem influências destes elementos. Os referidos gradientes (latitudinal e altitudinal) definem, em grande medida, os padrões de distribuição da vegetação os quais variam desde as florestas densas até à vegetação desértica (ex: o Deserto do Namibe) e como tal repartem-se por cinco das unidades vegetais descritas por White (1983), sendo que de norte a sul, o Centro de Endemismo da Zambézia, a Zona de transição regional do Kalahari, o Centro de endemismo do Karoo-Namibe, o Arquipélago afro montano e o centro de endemismo do Cabo. O Sudoeste de Angola abrange administrativamente três províncias nomeadamente a Huíla, Namibe e Cunene, (Figura 3) sensivelmente entre os paralelos 17º 26’ 14” e 17º 24’ 22” de Latitude Sul e os meridianos 11º 40’ 24’’ e 17º 24’ 22” de Longitude Este. É caraterizada por planaltos extensos, que se prolongam para leste e nordeste e muito além dos limites dela, e por um majestoso degrau, formando a escarpa da Chela que, a pouco mais de 150 km do mar, na área do Lubango (ex-Sá da Bandeira) apresenta um degrau com mais de 1000 m de desnível (Feio, 1981). Junto ao mar, encontra-se uma estreita faixa de sedimentos, que se estende desde a Lucira à Foz do Cunene, atingindo uma largura superior a 20 km na parte central. A região Austral de África é caraterizada por apresentar um relevo muito acidentado, o qual varia desde o nível médio das águas do mar e se eleva bruscamente até acima dos 5000 metros de altitude no Kilimanjaro onde se encontra o pico mais alto de África, originando assim as comunidades vegetais Afro-montanas, que constituem um grande centro de endemismo (White, 1983). Em relação o Sudoeste angolano, o relevo é segundo Medeiros (1976) 23 caraterizado por uma sucessão de superfícies planas, extensas, escalonadas a diferentes altitudes e isoladas por escarpas menos vigorosas, formando escadarias de aplanações, cuja Serra da Chela constitui o ponto mais alto, atingindo cerca de 2000 metros de altitude. Em termos hidrográficos, a região é drenada de norte a sul pelas bacias hidrográficas do Zaire ou Congo no extremo norte, do Alto Zambeze na faixa leste, as bacias hidrográficas do Cuanza e Cunene, que nascem ambos no planalto central de Angola, a bacia hidrográfica do Okavango, com as cabeceiras instaladas no planalto central de Angola, e a bacia hidrográfica do Limpopo na África do Sul (White, 1983). Para Diniz, (1991), o sudoeste de Angola é de Norte a Sul drenada por três (3) principais bacias hidrográficas: Bacia hidrográfica do Cunene, Bacia hidrográfica do Sudoeste angolano e a Bacia hidrográfica do Cuanhama. A bacia hidrográfica do Cunene, integra a maior parte da área de estudo, cujas cabeceiras se encontram no planalto central e que de norte a sul atravessa grande parte de região, sendo por isso a mais importante da região centro e sul, recebendo ao longo do seu curso a água de vários afluentes de regime permanente nas suas duas margens (Diniz, 1991; Diniz, 1973). As duas últimas caraterizam-se por serem de regime intermitente, devido principalmente às condições climáticas desta parte de Angola. E são drenadas por pequenas linhas de água não bem definidas, designadas localmente por “Mulolas”. Entretanto, estes aspetos formam por si só fortes condicionantes ao comportamento das precipitações e são, portanto, responsáveis pelo mosaico da flora e vegetação da região. 24 Figura 3. Situação geográfica da área de estudo. 2.1.1 Clima O clima constitui um dos fatores mais importantes em estudos biogeográficos, dada a sua influência na fisionomia, cobertura e determinação dos padrões de distribuição espacial da diversidade biológica (Mucina, 2019). A África Austral é segundo a classificação de Köppen-Geiger (http://koeppen-geiger.vu-wien.ac.at/) caracterizada pelos climas do tipo A- Clima equatorial ou tropical (das regiões equatoriais e subtropicais), B-Clima árido e semiárido (climas das regiões áridas e dos desertos das regiões costeiras ocidentais dos continentes) e C-Clima temperado (clima das regiões oceânicas e marítimas e das regiões costeiras ocidentais dos continentes). Quanto ao Sudoeste de Angola, o clima varia por duas causas principais, uma que está relacionada ao gradiente latitudinal, que provoca redução da precipitação a medida que nos afastamos da zona equatorial em direção ao anticiclone subtropical, outro relacionado com a proximidade ao mar e a corrente fria de Benguela, que provoca elevada humidade atmosférica e ausência de chuva junto a costa, caraterística que se enfraquece para o http://koeppen-geiger.vu-wien.ac.at/ 25 interior. Também deve-se aqui destacar a influência da altitude no comportamento das chuvas (Feio, 1981). Destacam-se quatro subtipos climáticos: o BSh- (clima semiárido ou de estepe) que ocupa a faixa que se estende desde a província do Namibe até a província do Cunene, (Diniz, 1991) e é caraterizado pela existência plantas xerófitas como acácias, que resistem ao deficit hídrico (Chisingui, 2017); o BWh (clima desértico ou árido), compreende toda faixa desértica do litoral Sul (Deserto do Namibe) desde a Lucira, estendendo-se até a fronteira sul com a Namíbia (Deserto do Kalahari); o Cwa (Clima subtropical húmido com Inverno seco e Verão quente), compreende uma pequena faixa à Norte da província de Moçâmedes; o Cwb (Clima subtropical de altitude com Inverno seco e Verão temperado), abrange maior parte da província da Huíla e uma pequena porção da província do Cunene (Diniz, 1973). A temperatura nesta região varia desde -4 a 30 ºC, sendo também influenciada principalmente pela altitude e latitude. Registando-se por isso, temperaturas negativas nas maiores elevações (ex: Kilimanjaro e a cordilheira de Drakesmberg) e as temperaturas mais altas, nas baixas latitudes (Zona equatorial) e nas regiões costeiras (Figura 4). Quanto ao SW de Angola, as temperaturas médias anuais apresentam uma variação significativa, aumentando com o afastamento em relação ao mar até a base da escarpa da Chela, que por sua vez passam a ser condicionadas pelo gradiente altitudinal e também pela quantidade de precipitação, variando de 14,5 a 24,8 ºC. E apresenta uma amplitude térmica que varia de 5 a 19 ºC. 26 Figura 4. Variação da temperatura média anual. Existe uma variação considerável na quantidade e na distribuição das chuvas, sendo estas influenciadas pelo gradiente latitudinal e principalmente pela altitude (White, 1983) apresentando uma variação média anual entre 50 à 3000 mm (Figura 5), com os maiores valores observados nas baixas latitudes (zona equatorial) e nas grandes altitudes onde chegam a atingir 5 000 mm por ano. Em relação ao sudoeste de Angola, a distribuição da precipitação muda com a altitude, com o afastamento em relação ao mar e com a latitude, variando de 26 mm em toda faixa desértica a 1226 mm na cordilheira da Chela e no Planalto Principal. Onde os maiores valores registam-se nas terras altas da Chela e no planalto principal, que compreende toda faixa norte do SW 27 angolano, (< 1000 mm), (Medeiros, 1976). É caracterizado por duas estações principais (chuvosa e seca - também designada por estação do cacimbo) euma de transição. Sendo seis meses de chuvas (Novembro, Dezembro, Janeiro, fevereiro, Março e Abril), dois de transição (Maio e Outubro) e quatro meses secos (Junho, Julho, Agosto e Setembro) (Feio, 1981). Figura 5. Distribuição da precipitação média anual. 2.1.2 Geologia Segundo White, (1983) a área de estudo é dominada no extremo norte por formações Pré-câmbricas cobertas por sedimentos que vão desde a era Paleozoica até às mais recentes (depósitos fluviais modernos e areais de praia 28 e dunares litorais, entre outros). As rochas são constituídas maioritariamente por: quartzitos, xisto, anfibolito, gnaisse, migmatito, diorito e mechas. O centro da área de estudo, precisamente no vale do Zimbabwe é caracterizado por formações pré-câmbricas, extraordinárias, que se estendem até 480 km na direção NNE-SSW, com 5-6 km de largura que consistem em intrusões ultrabásicas e básicas de diorito, gabro, peridotite, serpentina, as quais constituem importante fonte de níquel e crómio. A região do Karoo-Namibe e Kalahari são dominados por basaltos triássicos, intrusões de soleira e tilita. A região do Cabo é dominada por arenito e quartzito, sendo que a faixa costeira é constituída por sedimentos terciários, conglomerados e calcários. Diniz (1991), considera a região Sudoeste de Angola constituída pelas seguintes estruturas geológicas: 1- Formações marinhas Ceno-Mesozoicas (orla sedimentar do litoral) de Plataformas arenosas, argilas, calcários, arenitos e margas, depositados desde o Cretáceo inferior até ao Miocénico, que se evidenciam principalmente na bacia sedimentar do Namibe. 2- Formações continentais cenozoicas: ➢ De dunas, que correspondem aos extensos depósitos de areias quartzosas de origem eólica, desde o Curoca até a foz do rio Cunene; ➢ De depósitos quaternários de aluviões e areias os quais dizem respeito às formações sedimentares de maior continuidade, que corresponde com a aplanação da bacia sedimentar do Cuanhama e com o Planalto Antigo constituídas essencialmente por aluviões de areias, granitos, granodioritos e gabro-norito; ➢ Do Kalahari (terciário) e areias quaternárias de coberturas. Caraterizadas por materiais arenosos mais ou menos soltos, conhecidos geralmente por areias do Kalahari. Corresponde, portanto, à parte leste da área de estudo, cujo desenvolvimento teve lugar desde o Terciário inferior até ao Holocénico. 3- Formações continentais Pré-Câmbricas: ➢ De Calcário, Xistos, Arenitos, Quartzitos, Grauvaques, Arcoses, Argilitos, que incluem o grupo da formação da Chela e da Leba; 29 ➢ Doleritos e noritos; ➢ Granitos e granitos porfiroides; ➢ Complexo gabro-arnotositico; ➢ Complexo xisto-quartzítico. 2.1.3 Solos O solo constitui um dos elementos responsável pela heterogeneidade dos habitats, influenciando os padrões de distribuição da flora e vegetação. Segundo a carta global de solos da FAO (1977) na escala 1:5 000 000, o continente africano abrange 53 grandes regiões edáficas, sendo que, a área de estudo compreende cerca de 22 grandes regiões de solo, repartidas em três grandes unidades: Acrisóis, Cambissolos e Chernossolos. Estas 22 regiões edáficas apresentam uma grande diversidade de solos que se reflete na riqueza e diversidade da flora que carateriza esta região. O Sudoeste de Angola é de acordo a Carta de solos apresentada por Diniz (1991) constituída de norte a sul por 6 principais unidades pedológicas relacionadas às caraterísticas climáticas, referindo-se principalmente aos valores de precipitação e ao grau de secura do solo como afirma Cardoso, (2015): ▪ Dunas do Deserto, correspondem aos materiais arenosos de origem eólica, formadas por acumulações de materiais quartzosos. Ocupa uma extensa faixa litoral, desde o Curoca até à foz do rio do Cunene; ▪ Solos aluviais, solos pouco evoluídos, de origem fluvial. Característicos das planícies marginais dos principais rios. Não possuem horizontes bem definidos, produzindo depósitos estratificado de sedimentos aluvionais; ▪ Litossolos e Terrenos rochosos, corresponde aos solos pouco evoluídos e com rocha consolidada, pouco meteorizada e pouco profundos (15/20 cm); ▪ Solos psamíticos, agrupa todos os solos de textura grosseira, arenosos-francos relacionando-os com materiais quartzosos mais ou menos espessos, pouco evoluídos, compostos pelos perfis ABC; ▪ Solos arídicos tropicais, distribuem-se com maior incidência a sul e 30 sudoeste (Baixo Cunene e Namibe) e está, portanto, relacionado com substratos rochosos gnaissíco e granito-gnaissico e com sedimentos gresíferos e argiláceos do Cretácico; ▪ Solos felsialíticos, compreende a faixa subplanáltica de clima subhúmido e na sua transição para o semiárido, com ocorrência descontinua desde o rio Zaire até ao sopé da Serra da Chela. 2.1.4 Vegetação e flora A área de estudo é abrangida pelos principais biomas que caraterizam o continente africano de norte a sul, desde florestas tropicais húmidas a desertos secos (Burgess et al., 2004). A área de estudo se estende pelas seguintes principais regiões florísticas (White 1983): Guineo-Congoleana, Zambesiáca, Karoo-Namibe, Kalahari, Cabo e Afro montano. Sendo que a região Zambesiáca é de maior extensão, abrangendo quase todos os países que compreendem a área de estudo, com cerca de 3.770 000 km2, seguido pela região Guineo-Congoleana que compreende a faixa norte com de cerca de 2.800 000 km2. Em relação ao Sudoeste de Angola, Barbosa (1970) considera que as várias formações vegetais aí existentes compreendem sobretudo associações de miombo com savanas, que varia através das caraterísticas climáticas e edáficas, tendo descrito 8 formações vegetais para esta região: ➢ i - Bosque e balcedo alto, caducifólios, das altitudes médias (areias da Chibemba, Bicuar, Mulondo, etc.) (tipo de vegetação nº 15).
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