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e s c o l a s u p e r i o r d e e n f e r m a g e m d e c o i m b r a MESTRADO EM ENFERMAGEM MÉDICO-CIRÚRGICA Impacto de um programa de formação na gestão emocional dos enfermeiros perante a morte Nelson Jacinto Pais Coimbra, janeiro de 2019 e s c o l a s u p e r i o r d e e n f e r m a g e m d e c o i m b r a MESTRADO EM ENFERMAGEM MÉDICO-CIRÚRGICA Impacto de um programa de formação na gestão emocional dos enfermeiros perante a morte Nelson Jacinto Pais Orientadora: Doutora Isabel Maria Pinheiro Borges Moreira, Professora Coordenadora da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra Dissertação apresentada à Escola Superior de Enfermagem de Coimbra para obtenção do grau de Mestre em Enfermagem Médico-Cirúrgica Coimbra, janeiro de 2019 PENSAMENTO “You matter because you are you, and you matter to the last moment of your life. We will do all we can, not only to help you die, but also to live untill you die”. Cicely Saunders DEDICATÓRIA A todos os enfermeiros que diariamente são confrontados com a morte dos seus doentes e desafiados com a sua autogestão emocional perante a morte. To all the nurses who are daily confronted with the death of their patients and challenged with their emotional self-management towards death. AGRADECIMENTOS À Professora Doutora Isabel Maria Pinheiro Borges Moreira pela orientação, pelos incentivos, pelas revisões, pela amizade. Ao Professor Doutor Armando Manuel Marques Silva pela ajuda e disponibilidade. Às enfermeiras que participaram no estudo, pela sua disponibilidade em fazer parte deste projeto. À enfermeira formadora pela sua dedicação, apoio e disponibilidade. Aos responsáveis pelo gabinete de formação da Instituição onde decorreu o estudo. À minha família e amigos pela compreensão e apoio durante este percurso. E à Cristina pelos incentivos, apoio e companheirismo. Muito obrigado! RESUMO As contingências atuais em torno da morte desafiam diariamente os enfermeiros a adquirirem estratégias eficazes de gestão emocional. Uma ineficaz gestão emocional interfere na qualidade dos cuidados de enfermagem à pessoa e família em situação de fim de vida ou morte. Perante esta constatação, realizou-se um estudo quase-experimental, numa Instituição de Saúde da região centro, que teve como objetivos elaborar um programa de formação para treino das competências/habilidades emocionais dos enfermeiros perante a morte, avaliar o impacto desse programa de formação, identificar as atitudes e identificar o coping dos enfermeiros perante a morte. A amostra foi constituída por vinte enfermeiros dos serviços de internamento que participaram no programa de formação sobre gestão emocional perante a morte que decorreu em quatro sessões com uma hora e meia cada. O questionário foi o instrumento utilizado para a recolha de dados e integrava as escalas EAPAM, ECM e EAIP. Este foi aplicado em 3 momentos predefinidos. Os dados foram analisados em programa estatístico (SPSS). Os resultados sugeriram que os enfermeiros com formação em cuidados paliativos referem sentir menos dificuldades em gerir as suas emoções perante a morte, sendo os enfermeiros mais novos, os que apresentaram maior dificuldade nessa gestão. O programa de formação produziu alterações nas dimensões das atitudes: medo e neutralidade e verificaram-se diferenças significativas no coping com a própria morte e com a morte dos outros, revelando uma capacitação dos enfermeiros nesta área. O programa de formação foi classificado como muito bom pelos participantes. A estruturação de programas de formação, baseados em estratégias de gestão emocional parecem ser importantes para o empoderamento dos enfermeiros na autogestão emocional perante a morte. PALAVRAS CHAVE: Enfermeiro; Gestão Emocional; Atitudes; Coping com a morte; Formação; ABSTRACT Today's contingencies around death daily challenge nurses to acquire effective emotional management strategies. Ineffective emotional management interferes in the quality of nursing care for the person and family in end-of-life situations. In this context, a quasi-experimental study was carried out at a health institution in the central region, whose objectives were elaborate a training program to develop emotional skills/abilities on nurses toward death, to analyze the impact of that training program, identify attitudes and to examine coping of nurses toward death. The sample consisted of twenty nurses from the inpatient services who participated in the training program on emotional management before death that took place in four sessions with an hour and a half each. The questionnaire was the instrument used to collect data and integrated the EAPAM, ECM and EAIP scales. This was applied in 3 preset moments. The data were analyzed in statistical program (SPSS). The results suggested that nurses with training in palliative care reported less difficulty in managing their emotions toward death, and the younger nurses were the ones who presented the greatest difficulty in this management. The training program produced changes in the dimensions of attitudes: fear and neutrality and there were significant differences in coping with one's own and with others, revealing a more capacitation of nurses in this area. The training program was rated as very good by the participants. The structuring of training programs based on emotional management strategies seems to be important for the empowerment of nurses in emotional self-management in the face of death. KEYWORDS: Nurse; Emotional Management; Attitudes; Coping with death; Formation; LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS % - Percentagem �̅� - Média ANA - American Nurses Association CIT - Contracto Individual de Trabalho CTFP - Contracto de Trabalho em Funções Públicas DAP-R - Death Attitude Profile-Revised EAIP - Escala de Avaliação da Implementação de Programas EAPAM - Escala de Atitudes Perante A Morte ECM - Escala de Coping com a Morte Enfª - Enfermeira Enfºs - Enfermeiros ESEnFC - Escola Superior de Enfermagem de Coimbra H - Hipótese ICN - International Council of Nurses INE - Instituto Nacional de Estatística Md - Mediana n - Tamanho da amostra s - Desvio padrão SPSS - Statistical Package for the Social Science Xmax - Valor máximo Xmin - Valor mínimo LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Desenho do estudo .................................................................................... 50 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Distribuição dos enfermeiros da amostra n (%). Inclui estatística resumo relativa à idade ........................................................................................................... 59 Tabela 2 - Estatística, resumo, relativa à idade das enfermeiras segundo o departamento de origem e tipo de contrato................................................................. 60 Tabela 3 - Estatística, resumo, relativa ao tempo de exercício profissional e aos anos de experiência no serviço atual ................................................................................... 61 Tabela 4 - Frequência de enfermeiras com formação em cuidados paliativos por departamento, inclui estatística resumo de nº de óbitos/ano ....................................... 61 Tabela 5 - Teste de Qui-Quadrado para análise de relação entre enfermeiras com formação em cuidadospaliativos e gestão positiva de emoções perante a morte ...... 62 Tabela 6 - Respostas aos itens nos três momentos da EAPAM ................................. 63 Tabela 7 - Estatística para avaliação da dimensão aproximação nos momentos de avaliação .................................................................................................................... 64 Tabela 8 - Teste de Wilcoxon para a dimensão aproximação nos momentos de avaliação .................................................................................................................... 64 Tabela 9 - Estatística para avaliação da dimensão medo nos momentos de avaliação ................................................................................................................................... 65 Tabela 10 - Teste de Wilcoxon para a dimensão medo nos momentos de avaliação . 65 Tabela 11 - Estatística para avaliação da dimensão evitamento nos momentos de avaliação .................................................................................................................... 65 Tabela 12 - Teste de Wilcoxon para a dimensão evitamento nos momentos de avaliação .................................................................................................................... 65 Tabela 13 - Estatística para avaliação da dimensão escape nos momentos de avaliação .................................................................................................................... 66 Tabela 14 - Teste de Wilcoxon para a dimensão escape nos momentos de avaliação ................................................................................................................................... 66 Tabela 15 - Estatística para avaliação da dimensão neutralidade nos momentos de avaliação .................................................................................................................... 66 Tabela 16 - Teste de Wilcoxon para a dimensão neutralidade nos momentos de avaliação .................................................................................................................... 67 Tabela 17 - Respostas aos itens nos três momentos da ECM .................................... 67 Tabela 18 - Estatística para avaliação do fator coping com a morte dos outros nos momentos de avaliação .............................................................................................. 69 Tabela 19 - Teste de Wilcoxon para o fator coping com a morte dos outros nos momentos de avaliação .............................................................................................. 69 Tabela 20 - Estatística para avaliação do fator coping com a própria morte nos momentos de avaliação .............................................................................................. 69 Tabela 21 - Teste de Wilcoxon para o fator coping com a própria morte nos momentos de avaliação ................................................................................................................ 69 Tabela 22 - Resultados dos itens pela EAIP ............................................................... 70 Tabela 23 - Avaliação do programa de formação ....................................................... 71 Tabela 24 - Análise por dimensões da EAIP ............................................................... 71 Tabela 25 - Análise da dimensão desenvolvimento .................................................... 72 Tabela 26 - Estímulo futuro para aprofundar as competências desenvolvidas ............ 72 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 23 PARTE 1: ENQUADRAMENTO TEÓRICO E CONCETUAL 1- O ENFERMEIRO E A MORTE ............................................................................... 29 1.1- MORTE: A FINITUDE DA VIDA ........................................................................... 29 1.2- ATITUDES PERANTE A MORTE ........................................................................ 31 1.3- OS ENFERMEIROS PERANTE A MORTE ......................................................... 33 2- GESTÃO EMOCIONAL DOS ENFERMEIROS PERANTE A MORTE ................... 37 2.1- AS EMOÇÕES E O COPING .............................................................................. 37 2.2- INTELIGÊNCIA EMOCIONAL: SOFT SKILL PERANTE A MORTE ..................... 39 2.3- GESTÃO EMOCIONAL, COPING E GRIEVING .................................................. 41 PARTE 2: INVESTIGAÇÃO EMPÍRICA 1- METODOLOGIA . …………………………………………………………………………47 1.1- FORMULAÇÃO DO PROBLEMA ........................................................................ 47 1.2- OBJETIVOS E TIPO DE ESTUDO ...................................................................... 47 1.3- DESENHO DO ESTUDO ..................................................................................... 48 1.4- HIPÓTESES ........................................................................................................ 51 1.5- VARIÁVEIS.......................................................................................................... 51 1.6- POPULAÇÃO E AMOSTRA ................................................................................ 51 1.7- INSTRUMENTO DE RECOLHA DE DADOS ....................................................... 52 1.8- PROCEDIMENTOS FORMAIS E ÉTICOS .......................................................... 55 1.9- PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DE DADOS .................................................... 56 2- APRESENTAÇÂO E ANÁLISE DOS RESULTADOS DO ESTUDO DESCRITIVO E DO ESTUDO INFERENCIAL...................................................................................... 59 3- DISCUSSÃO DOS RESULTADOS …………………………………..…………………73 CONCLUSÃO ............................................................................................................ 79 BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 83 ANEXOS ANEXO I - Autorização para aplicação da escala de avaliação do perfil de atitudes acerca da morte ANEXO II - Autorização para aplicação da escala de coping com a morte ANEXO III - Autorização para aplicação da escala de avaliação de implementação de programas ANEXO IV - Parecer da comissão de ética APÊNDICES APÊNDICE I - Programa de formação APÊNDICE II - Instrumentos de colheita de dados APÊNDICE III - Documento de consentimento informado 23 INTRODUÇÃO A morte é um acontecimento que suscita no ser humano uma mescla de emoções e sentimentos desde fascínio a medo, trata-se de uma vivência singular que tem sofrido alterações ao longo do tempo. Esta varia de sociedade para sociedade, de cultura para cultura, de família para família e de indivíduo para indivíduo, sendo sempre um evento que perturba a vida do Homem, na medida em que representa o desconhecido e a sua finitude. Na cultura ocidental, o Homem prefere ignorá-la, uma vez que não está preparado, nem foi educado para morrer (Tojal, 2011; Silva, Pereira & Mussi, 2015; Vicensi, 2016). A sociedade atual vive uma cultura de negação e rejeição da morte. Esta deixou de ser encarada como um processo natural, inerente à condição da vida e foi afastada progressivamente do quotidiano familiar e social. A evolução sociocultural do último século e o aumento da esperança média de vida tem conduzido a uma mudança do local de fim da vida, atualmente morre-se mais em hospitais e instituições de saúde. Esta realidade tende a aumentar nos próximos anos, segundo projeções do projeto dínamo, a morte torna-se mais escondida da sociedade (Braun, Gordon & Uziely, 2010; Neto, 2010; Morgado, 2012; Gomes, 2014; Dias, Backes, Silva, Vidal, Santos & Ilha, 2015; Sarmento, Higginson & Gomes, 2015). Esta mudança levaa que para os profissionais de saúde a morte e o morrer se torne parte da sua realidade cotidiana (Lima & Júnior, 2015), pois cuidam diariamente de pessoas próximas do fim da vida. A exposição diária à morte e ao processo de morrer, para além da sobrecarga de luto, pode constituir-se num desafio ao crescimento pessoal e profissional dos enfermeiros. A exigência de ter de lidar com a morte e o processo de morrer traduz-se fundamentalmente num trabalho de confronto de perdas, através de um processo que oscila entre o evitamento e a intrusão. Este acontecimento é considerado o mais desgastante no seu dia-a-dia profissional, interferindo não só com o seu equilíbrio, mas também com o funcionamento do hospital, que está mais preparado para curar do que para cuidar o doente incurável (Tojal, 2011; Gama, 2013). Os enfermeiros e restantes profissionais de saúde assumem a missão e a responsabilidade para que estão treinados que é adiar e lutar contra a morte (Moura, 24 2011), mas como processo inevitável esta ocorre e exige a estes profissionais que lidem com ela de forma eficaz. A sensação de fracasso profissional é induzida pela ilusão de “saúde e vida para sempre” e pela sobrecarga dos profissionais de saúde, que levam a processos de evitamento relacional e de isolamento social e profissional. Estas situações não permitem o aumento de competências nesta área e os profissionais de saúde necessitam de apoiar os doentes e famílias a serem mais competentes e eficazes, assim como eles próprios (Tojal, 2011; Udo, Danielson & Henock, 2013; Gama, 2013; Camarneiro & Gomes, 2015; Pimenta, 2015). Como referido a morte é vivenciada por uma variabilidade de sentimentos e emoções, tais como: impotência; angústia; revolta; perda; tristeza; raiva; desanimo; alívio; surpresa; alegria o que leva a que os profissionais que cuidam da pessoa em fim de vida sejam frequentemente expostos a questões existenciais, a desafios psicológicos e ao sofrimento emocional (Sansó, Galiana, Oliver, Pascual, Sinclair & Benito, 2015) gerando nos enfermeiros situações de elevado stress (Fão, 2013). Sabe-se que cada enfermeiro vivência a morte de forma diferente, e que nem todos lidam adequadamente com a morte, e que a forma como a percecionam interfere na qualidade dos cuidados de saúde que prestam (Morgado, 2012; Becker, Wright & Schmit, 2017). Os estudos apontam que os enfermeiros nem sempre apresentam emoções de aceitação da morte (Leung, Esplen, Peter, Howell, Rodin & Fitch, 2011; Souza e Souza, Mota Ribeiro, Barbosa Rosa, Ribeiro Gonçalves, Oliveira e Silva & Barbosa, 2013, Gama, Barbosa & Vieira, 2014, Dadfar & Lester, 2015). As emoções mais frequentes, nomeadamente o medo (Leung et al., 2011; Peters et al., 2013; Palease et al., 2013; Souza et al., 2013), frustração (Wolf, Delao, Perhats, Clark, Moon, Baker, Carman, Zavotsky & Lenehan, 2015), angustia e revolta (Souza e Souza et al., 2013; Fontura & Rosa, 2013) são dificultadoras da ação dos profissionais. Sabe- se que para além da interferência nos cuidados de saúde, que existe uma relação forte, entre a capacidade que os profissionais de saúde têm em lidar com a morte e a sua qualidade de vida (Sansó et al., 2015). As emoções, pensamentos e ações estão na base de julgamentos e tomadas de decisão dos enfermeiros (James, Andershed, Gustavsson & Ternestedt, 2010), pelo que a sua gestão se torna imperiosa em especial nos cuidados à pessoa em fim de vida. Os enfermeiros vivem a sua emocionalidade na relação de cuidar, assim sendo é importante conhecer como fazem a gestão das emoções mantendo a qualidade do cuidado e tendo em conta o seu bem-estar e equilíbrio. Os enfermeiros devem usar 25 estratégias que garantam a proximidade e a empatia emocional, mas que evitem deixá-los emocionalmente exaustos (Van Sant, 2003). É na utilização de estratégias de gestão emocional que os enfermeiros devem procurar o seu equilíbrio (Diogo & Rodrigues, 2012). Reconhecer que os enfermeiros e os estudantes de enfermagem vivenciam, no decurso da sua prática clínica, elevados níveis de stress emocional (Fernandes Pereira, Nunes Caldini, Di Ciero Miranda & Afio Caetano, 2014), imprime necessidade de se refletir em estratégias que os dotem de ferramentas para uma gestão emocional eficaz. Os enfermeiros consideram que possuem pouca formação que os ajude a gerir as emoções perante a morte dos seus doentes, neste sentido a formação tem sido identificada como uma estratégia eficaz (Zyga, Malliarou, Lavdaniti, Athanasopoulou & Sarafis, 2011; Lima, Nietsche & Teixeira, 2011; Udo, Danielson & Henock, 2013; Gama, Barbosa & Vieira, 2014; Dadfar & Lester, 2015), assim como a partilha de informação e experiência entre pares (Kent, Anderson & Owens, 2012). Na publicação de “Competências Centrais em Cuidados Paliativos: Um Guia Orientador da European Association of Palliative Care sobre Educação em cuidados Paliativos” (2013), esta entidade identifica a promoção do autoconhecimento e o contínuo desenvolvimento profissional como uma das dez competências centrais em cuidados paliativos, possível de alcançar através da educação e formação na área. Assim existe a necessidade de desenvolver programas de formação que levem ao empoderamento dos profissionais de saúde no processo de autogestão emocional perante a morte. Partindo destas constatações, definiram-se como objetivos do estudo: elaborar um programa de formação para treino das competências/habilidades emocionais dos enfermeiros perante a morte; avaliar o impacto desse programa de formação; identificar as atitudes dos enfermeiros perante a morte; examinar o coping dos enfermeiros perante a morte. Para responder aos objetivos desenvolveu-se um estudo quase-experimental caracterizado pela criação e aplicação de um programa de formação constituído por quatro sessões formativas dirigidas a enfermeiros de serviços de internamento de uma Instituição de Saúde da região centro. Esta dissertação apresenta o trabalho desenvolvido durante este processo que culminará com a discussão pública com vista à obtenção do grau de mestre pela Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnFC). Para facilitar o processo de 26 exposição do trabalho, dividiu-se, este relatório, em duas partes. A primeira correspondente ao enquadramento teórico e concetual e a segunda parte relativa ao estudo empírico. O enquadramento assentou na pesquisa bibliográfica em torno dos enfermeiros e a morte e da gestão emocional dos enfermeiros perante a morte. Na segunda parte descrevem-se as etapas percorridas durante a conceção e o trabalho de campo, assim como a fundamentação das tomadas de decisão, sendo integrado nesta parte a formulação do problema, objetivos, tipo de estudo, hipóteses, variáveis, população e amostra, colheita de dados, apresentação e análise de resultados, discussão de resultados e conclusão. 27 PARTE 1: ENQUADRAMENTO TEÓRICO E CONCETUAL 28 29 1- O ENFERMEIRO E A MORTE Os enfermeiros constituem, atualmente, a comunidade profissional e científica de maior relevância no funcionamento do sistema de saúde e na garantia do acesso da população a cuidados de saúde de qualidade, em especial aos cuidados de enfermagem (Ordem dos Enfermeiros, 2010). Os cuidados de enfermagem são transversais a todas as fases do ciclo vital incluído a transição para a morte. As representações sociais da morte, devido à dificuldade de aceitação e entendimento que o ser humano tem sobre a mesma, levam a que o conceito seja pautado no abstracionismo, na mitologia, no simbolismo, na religião e acima de tudo na subjetividade. A sua representação científica é uma realidade, que confere ao conceito uma pluralidade de representações sobre a morte (Chagas, 2018). Neste capítulo aprofunda-se o conhecimentosobre a morte, a vivencia da morte ao longo da história da humanidade e as alterações/modificações que têm acompanhado a forma como esta é vivida. 1.1- A FINITUDE DA VIDA O conceito de morte é um tema primordial no pensamento existencial, a reflexão em torno do mesmo tem ocupado cientistas e filósofos (Abdala, 2017). Esta realidade deve-se ao facto de ser o homem de entre todos os seres vivos, o único que tem consciência da morte (Peixoto, 2010; Osswald, 2016). A realidade da morte é transversal a várias áreas do saber, sendo o seu conceito mutável ao longo dos tempos (Chagas, 2018). Na filosofia existem duas correntes distintas que podem explicar a morte. A corrente Niilista e a corrente não Niilista. Na primeira é defendido que a morte é o fim completo do homem e na segunda o contrário. A corrente não niilista é defendida pela visão da generalidade das religiões, destacando-se a cristã que fala da vida depois da morte, (Marton, 1999). Ainda nesta corrente, Sócrates, considerado o pai da filosofia, defende que a morte só será boa quando a alma se harmonizar através do processo de eliminação gradual das diversas opiniões e a tornar uma imagem do cosmos. Sócrates sugere ainda, que o medo da morte é algo antinatural, pois baseia-se na noção de que se conhece algo que se desconhece (Dastur, 2002). Em 1972 no livro “The 30 Psychology of death” é referido que a palavra ou o pensamento sobre a morte funciona como um estímulo cuja resposta é a ansiedade e o medo (Kastenbaum & Aisenberg, 1972). A morte pertence à própria estrutura da vida, não é um acidente, não é extrínseca à mesma, visto que a existência humana é um ser-para-a-morte, é uma certeza desde o nascimento (Maranhão, 1985; Heidegger, 2007, Delgado, Duarte & Monteiro, 2013). Outrora a morte da pessoa era um acontecimento social, envolvia os familiares, amigos, vizinhos e pode-se por isso dizer que era uma “morte pública”. Atualmente, na sequência dos avanços técnico científicos e até das modificações sociais, a morte troca a casa pelo hospital e passa a ser vivida de forma isolada (Pereira, 2013). Reconhecesse que a morte é uma das experiências que mais influência o ser humano, que mais causa desconforto, inclusive aos profissionais de saúde (Moutinho, 2011; Zheng, Lee & Bloomer, 2018). Facto que se torna mais relevante se tivermos em conta o que nos diz Hennezel & Leloup (1998) de que “…o mundo que nos rodeia não nos ensina a morrer. Tudo é feito para esconder a morte para nos incitar a viver sem pensar nela” (p.14). Para compreender esta temática, é necessário definir a origem da palavra “morte”, esta derivada do latim mortis, que significa fim da vida; acabamento; destruição e perda (Ramos, 2001). A morte é a partida da vida é o fim de todas as funções fisiológicas. É considerada mais como um processo do que um evento. Normalmente é determinada pelo cessar das atividades neurais, cardíacas e respiratórias (Baldwin & Woodhouse, 2011). Em Portugal a morte é definida como a cessação irreversível das funções do tronco-cerebral, tal como consta do artigo 2º da Lei nº 141/99 de 28 de agosto. Atualmente considera-se morte com a presença de morte encefálica, mas esta visão nem sempre foi aceite por todas as civilizações. Para os egípcios o coração era o órgão vital, já para os judeus era a respiração e os batimentos cardíacos os elementos essenciais para se considerar vida, os japoneses consideravam o abdómen e as vísceras como os órgãos vitais. No caso dos cristãos estes achavam que a alma estava na cabeça, pelo que o conceito de morte cerebral é aceite para os mesmos. De forma transversal ao tempo a morte sempre foi considerada o último sopro da vida, e o cheiro a putrefação o indício irrevogável da situação de morte (Kovács, 2003). Embora a morte faça parte do ciclo de vida, cuidar de um ser humano em sofrimento ou em processo de morte não é um exercício automático nem uma sucessão 31 premeditada de atos, trata-se substancialmente de uma arte que abarca um profundo conhecimento antropológico, ético e estético (Roselló & Torralba, 2009). Kübler-Ross (1998), pioneira na abordagem dos doentes no processo de morrer, defende a ideia de que todas as pessoas deveriam ter uma “boa morte”. Uma boa morte significa não sofrer, significa a possibilidade de escolher onde morrer e quem ter a seu lado, que a pessoa se sinta acompanhada e que a escute. Morrer com dignidade significa ter permissão de morrer respeitando o carácter, a personalidade e o estilo de vida da pessoa. A autora supracitada descreve e identifica cinco estadios que um doente pode vivenciar durante o processo terminal, são eles: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Defende que as contingências atuais têm conduzido ao aumento do medo da morte, ao aumento do número de problemas emocionais associados à morte e à necessidade de compreender e de lidar com o processo de morrer (Kübler-Ross, 2017). Ainda que ao longo das últimas décadas a problemática da morte tenha sido muito estudada por diferentes áreas do conhecimento é importante que se continue a estudar, uma vez que a contextualização da morte se encontra numa fase diferente da realidade vivenciada no passado (Pereira, 2013). Todos os envolventes deste fenómeno devem ser conhecidos e minimizadas complicações e limitações, como seja por exemplo a existência de emoções dificultadoras associadas à morte. 1.2- ATITUDES PERANTE A MORTE Como refere Morin (1970) é nas atitudes e crenças, perante a morte que o homem exprime o que a vida tem de mais fundamental. Os paleontólogos defendem que o culto dos mortos marcou o início da hominização, o Homem é o único animal que enterra ou queima os indivíduos da sua espécie e que lhe presta homenagem e culto (Osswald, 2016), o que contribui para a importância do estudo das atitudes perante a morte. Estas atitudes apresentam oscilações ao longo do tempo, produto da conjugação de influências históricas, sociais e filosóficas (Magalhães, 2009). Se no passado a relação com a morte era de naturalidade e proximidade, mais recentemente a morte é vivida de forma reprimida e distante é mesmo considerada maldita, interdita e repelida (Ariès, 2003; 2011; Nunes, 2014). Atualmente, a tentativa do afastamento da morte tem conduzido, cada vez mais, a comportamentos de afastamento, afastam-se as crianças dos contextos de morte, desenvolvem-se cada vez mais técnicas de tanatopráxia para mascarar e embelezar o corpo morto, existe 32 cada vez mais uma não aceitação social da morte. Os rituais de culto e homenagem aos mortos têm-se alterado, hoje, privilegia-se a cremação e a resolução rápida desta transição ao contrário de antigamente, em que familiares e vizinhos realizavam homenagens noturnas junto do cadáver até ao momento do enterro (Osswald, 2016). Há necessidade de afastar rapidamente o que está relacionado com a morte. As atitudes perante a morte podem ser percebidas e definidas de duas perspetivas: positiva ou negativa. As atitudes positivas são classificadas como aceitação da morte, enquanto as negativas denotam o medo e o evitamento da morte. No que tange à aceitação da morte, é possível identificar três tipos distintos de atitudes: neutra, religiosa e escape. A aceitação neutra é caracterizada como o entendimento de que a morte é uma parte integral e natural da vida. A aceitação religiosa é marcada pela crença numa vida feliz após a morte e a aceitação de escape pode ser entendida a partir do pressuposto que quando se vive em certas circunstâncias que acarretam dor e sofrimento, a morte torna-se uma alternativa para o término destes. Nas negativas identificam-se as atitudes de medo e evitamento da morte. O medo da morte é caracterizado pelo pavor acerca desta, e o evitamento pela atitude de fazer o possível para não pensar ou falar sobre a mesma (Wong, Reker & Gesser, 1994;Loureiro, 2010; Santos Souza et al., 2017). Num estudo realizado na universidade de Brasília sobre as atitudes perante a morte em que participaram 1005 estudantes dos cursos de enfermagem, farmácia, fisioterapia, fonoaudiologia, saúde coletiva e terapia ocupacional, os autores encontraram que a atitude de aceitação neutra obteve maiores médias nos estudantes da amostra, assim como foram encontradas médias mais elevadas na dimensão medo da morte nos estudantes mais jovens e médias mais baixas de evitamento da morte nos com mais idade. Foi no curso de enfermagem que se encontrou a maior média da dimensão de aceitação neutra. Este estudo sugeriu a necessidade de formação dos profissionais na área da preparação para a morte (Santos Souza et al., 2017). Um outro estudo experimental desenvolvido num hospital oncológico na Turquia, comparou dois grupos de enfermeiros para verificar o efeito que a formação/treino dos enfermeiros com doentes terminais poderia ter na influência da sua atitude perante a morte. Os resultados sugeriram diferenças significativas no grupo experimental quando comparado o momento antes e depois da formação realizada (p<0.05). A avaliação da escala Death Attitude Profile-Revised (DAP-R) revelou que este grupo melhorou a sua atitude perante a morte, sugerindo a importância de melhorar o curriculum académico dos enfermeiros e de se repetirem momentos formativos nestas áreas ao longo do exercício profissional (Göriş, et al., 2017). 33 O autoconceito de morte interfere na forma como cada pessoa interpreta e vivencia o fenómeno de morte. Os enfermeiros são, frequentemente, quem acompanha o doente e a família ao longo do processo de morte, assistindo a um misto de reações e confrontações por parte da díade (doente/família), o que implica demostrar presença, flexibilidade, disponibilidade, coresponsabilidade, partilha de sentimentos e emoções, conhecimentos e solidariedade (Bettinelli, 1998; Stumm, Leite & Maschio, 2008; Wazquar, Kerr, Regan & Orchard, 2017), neste contexto é fundamental que se conheçam a forma como estes (re)agem perante a morte. 1.3- OS ENFERMEIROS PERANTE A MORTE Associado às dificuldades em lidar com a morte e em cuidar de quem está em fim de vida está também a dificuldade em gerir a conspiração do silêncio em torno do prognóstico e da situação clínica da pessoa resultante de uma atitude de paternalismo por parte de alguns profissionais de saúde, o que dificulta os cuidados ao doente e à família (Serra, 2012). Acresce-se a esta problemática a controvérsia em torno da eutanásia o que vem trazer novas interrogações sobre as atitudes dos profissionais que defendem o processo de decisão temporal da morte através de meios artificiais (Lemos, 2015). A exposição à morte e ao processo de morrer, para além da sobrecarga de luto, pode constituir-se num desafio ao crescimento pessoal e profissional dos enfermeiros. A exigência de ter de lidar com a morte e o processo de morrer numa sociedade, como vimos, que a oculta traduz-se fundamentalmente num trabalho de confronto de perdas através de um processo que oscila entre o evitamento e a intrusão. Este acontecimento é considerado o mais desgastante no dia-a-dia dos enfermeiros, interferindo não só com o seu equilíbrio, mas também com o funcionamento do hospital, que está mais preparado para curar do que para cuidar o doente incurável (Tojal, 2011; Gama, 2013; Zheng, Lee & Bloomer, 2017), sendo que os enfermeiros mais experientes possuem mais estratégias para lidar com o stress do que os menos experientes (Zheng, Lee & Bloomer, 2016). Na abordagem ao doente em fim de vida os enfermeiros são diariamente confrontados com situações de morte dos seus doentes, e quando não preparados, os cuidados prestados por estes tornam-se rotineiros e tecnicistas. Os estudos evidenciam que o efeito que a morte provoca nos enfermeiros e nos profissionais de saúde é negligenciado (Frey et al., 2018; Funk, Peters & Stieb, 2018). 34 Um estudo realizado em 2016 por Tranter, Josland & Turner sobre as necessidades de luto e atitudes dos enfermeiros perante a morte dos doentes numa unidade de diálise, evidenciou um nível de evitamento da morte significativo apesar da forte ligação religiosa e espiritual que detinham e a qual contribuía, como fator facilitador perante a morte, sugerindo Tranter, Josland & Turner (2016) a necessidade de apoio adequado nos processos de luto destes profissionais. Um outro estudo realizado em 2009, sobre a forma como os enfermeiros vivenciavam e enfrentavam situações de morte e morrer numa unidade de cuidados intensivos, evidenciou a religião como um fator facilitador no processo de enfrentamento da morte dos seus doentes. Neste estudo, os autores referem que a morte constituía uma vivência rotineira para a equipa e que é de difícil aceitação. Pelo que recomendam a necessidade de construir alternativas para estimular os enfermeiros a pensar, a discutir e a, compreender melhor o processo de morrer. Segundo os autores o tema deve ser mais debatido na formação académica, aliado à estruturação de espaços nas instituições de saúde para troca de ideias entre trabalhadores sobre questões relativas à morte, e implementação de serviços de suporte ao profissional que cuida do doente em fim de vida (Sulzbacher, Reck, Stum & Hildebrandt, 2009). Os contextos profissionais podem não ser demarcadores das vivências dos enfermeiros perante a morte, uma vez que as emoções que a morte de um doente desencadeia nos enfermeiros tendem a serem similares, independentemente do local de trabalho. Esta perspetiva foi verificada numa investigação que comparou enfermeiros que trabalhavam em emergência (n=28) com enfermeiros que trabalhavam em cuidados paliativos (n=28) e concluiu que ambos os grupos referiram elevada aceitação da realidade da morte (82%) e que lidavam melhor com as pessoas em fim de vida do que com a família dos mesmos. A divergência encontrada em termos de local de trabalho diz respeito aos enfermeiros de emergência que apresentaram valores mais altos de evitamento da morte, quando comparados com os enfermeiros de cuidados paliativos. Mas independentemente do local de trabalho, os enfermeiros que lidam melhor com a morte apresentavam atitudes mais positivas nos cuidados aos seus doentes em fim de vida (Peters, et al., 2013). Ainda um estudo sobre a perceção dos enfermeiros de emergência sobre a morte evidenciou resultados que sugeriam essa mesma situação, ou seja, os enfermeiros estavam confortáveis a cuidar de doentes em fim de vida, mas salientaram como dificuldades, na prestação de cuidados, as limitações associadas ao espaço físico, exigência de tempo e dotação de pessoal para poderem desenvolver bons cuidados (Wolf et al., 2015). Esta realidade inevitavelmente, empobrece a qualidade dos 35 cuidados no que diz respeito à dignificação da morte, garantindo a dignidade humana, sendo que esta é um valor essencial no exercício profissional da enfermagem (ANA, 2005; ICN, 2006). Num estudo realizado com profissionais de saúde (n=113) em que 30.1% eram enfermeiros, que cuidavam de idosos em fim de vida os autores concluíram que os profissionais que possuíam uma forte afiliação e crenças espirituais/religiosas apresentavam scores de burnout mais baixos do que os profissionais com baixa ligação espiritual/religiosa. Assim como uma relação cultural com a forma como lidavam com a morte (p<0.05). Neste estudo exploratório perceberam que as influências espirituais e religiosas muniam os profissionais de estratégias eficazes para lidar com o processo de morrer e com a morte (Frey et al., 2018). Associado às crenças espirituais e religiosas, a cultura e as atitudes das pessoas perante a morte são preditivas da qualidade dos cuidados à pessoa em fim de vida (Frey, et al., 2018; Wang, Li, Zang & Li, 2018) e da forma como enfrentama situação do morrer e da morte. Pelo descrito pode dizer-se que os estudos apontam que os profissionais de saúde, em especial os enfermeiros precisam de apoio, preparação, orientação, formação, treino nos processos de morte e morrer, ou seja, é importante que existam práticas conscientes nesta área, pois a forma como vivenciam esta situação irá interferir em situações futuras de cuidados em fim de vida (Gerow et al., 2010; Barooah, Boerner, & Van Riesenbeck, 2015). 36 37 2- GESTÃO EMOCIONAL DOS ENFERMEIROS PERANTE A MORTE A gestão de emoções é o alicerce do desempenho profissional, pessoal, gestão de pessoas, carreiras, otimização do tempo, inteligência financeira, de todos os tipos de coaching e construção de relacionamentos. Se não forem geridas as emoções nenhuma outra competência tem sustentação (Cury, 2018). O enfermeiro devido às suas contingências laborais é confrontado com diversas emoções, em especial quando confrontado com situações de fim de vida, que nem sempre são fáceis de serem geridas, exigindo deste a procura de ferramentas e estratégias que o ajudem nesta missão (Van Sant, 2003; Fão, 2013; Sansó, et al., 2015; Cleary, Visentin, West, Lopez & Kornhaber, 2018). Os estudos têm revelado que os enfermeiros, em especial os que trabalham em oncologia tem maior probabilidade de desenvolverem fadiga por compaixão, devido à complexidade de exigências emocionais a que são sujeitos, à alta taxa de mortalidade dos seus doentes, à elevada taxa de permanência e contacto com o sofrimento dos doentes e família (Finley & Sheppard, 2017). Neste capítulo serão apresentados conceitos de emoções, coping e inteligência emocional como soft skill facilitadora do enfermeiro perante situações de morte. 2.1- AS EMOÇÕES E O COPING As primeiras referências sobre emoções remontam a 300 a.C. reflexões acerca das emoções podem ser encontradas em algumas das obras de filósofos da época clássica, destacando-se nomes como Aristóteles que definiu e analisou diferentes emoções do ponto de vista cognitivo, começando pela ira (Diogo & Rodrigues, 2012). Os mesmos autores defendem que a compreensão das emoções e dos seus significados exige uma análise multidisciplinar. Atualmente o estudo das emoções tem apresentado um incremento desde os estudos de António Damásio. Este definiu as emoções como um conjunto complexo de respostas químicas e neurais que estão alinhadas com o corpo, enquanto os sentimentos estão alinhados com a mente. A esta definição mais neuroquímica Pio Abreu (2013) acrescenta uma mais psicológica que define as emoções como fenómenos individuais e elementares, facilmente reconhecíveis pelas características perturbadoras, da razão e da vontade, como 38 sejam: a alegria, o medo, a tristeza, a raiva, a repugnância, a surpresa, a vergonha, a culpa, a inveja, o ciúme. Estas são muitas vezes confundidas com sentimentos/afetos. Os pensamentos desencadeiam as emoções e as modificações do corpo, enquanto que as emoções se transformam nos fenómenos mentais a que chamamos sentimentos. Os sentimentos são gerados pelas emoções e permitem que as emoções se tornem conscientes para a pessoa (Diogo & Rodrigues, 2012). As emoções são entendidas como mediadoras do processo psíquico e experimentam os sentimentos que se manifestam. Os sentimentos referem-se ao reflexo no cérebro dos seres vivos, das suas relações com os objetos que satisfazem as suas necessidades ou que os impedem de satisfaze-las, assim como todos os fenómenos subjetivos do ser humano, manifestam-se antes de tudo nas ações e na conduta humana (Azevedo, 2015), são portanto, importantes para o processo de racionalidade (Damásio, 1994) e são capazes de interferir no comportamento neuro-vegetativo através de libertação de neurotransmissores como sejam adrenalina, dopamina ou outros de acordo com a emoção em causa (Botacin, 2016). A negação das emoções não facilita o dia-a-dia, é necessário tomar consciência das mesmas. Neste contexto é fundamental o autoconhecimento, pois todos sabemos que sentimos e que temos emoções, mas muitas vezes não somos capazes de as identificar. Este processo de identificação é fundamental para uma boa saúde mental (Palha, 2016). As emoções condicionam de tal forma a vida das pessoas que o seu percurso diário só é facilitado se esta adquirir estratégias de coping eficazes. O conceito de coping tem sido descrito como o conjunto das estratégias utilizadas pelas pessoas para se adaptarem a circunstâncias adversas ou stressantes (Antoniazzi, Dell`Áglio & Bandeira, 1998). As aptidões de coping mostram que as pessoas com mais recursos podem sofrer menos efeitos adversos em contextos de stress. Tratando-se de coping é importante distinguir estilos de coping e estratégias de coping. Os estilos de coping têm sido relacionados às características de personalidade ou a resultados de coping, enquanto que as estratégias de coping referem-se a ações cognitivas ou de comportamento tomadas no curso de um episódio particular de stress. Embora os estilos possam influenciar a extensão das estratégias de coping selecionadas eles são fenómenos distintos e têm diferentes origens teóricas (Folkman, 1984; Ryan-Wegner, 1992; Wein & Baider, 2015). 39 Numa perspetiva cognitivista, Folkman e Lazarus (1980) apresentam um modelo que divide o coping em duas categorias: o coping focalizado no problema e o coping focalizado na emoção. Nesta visão o coping é definido como um conjunto de esforços, cognitivos e comportamentais, utilizado pelos indivíduos com o objetivo de lidar com exigências especificas, internas ou externas, que surgem em situações de stress e são avaliadas como sobrecarregando ou excedendo os recursos da pessoa (Lazarus & Folkman, 1984; Quartilho, 2016). As experiências vivenciadas pelos indivíduos face às modificações que se processam no decurso da vida levam a que os processos de coping alterem ao longo do desenvolvimento da pessoa, assim os recursos de coping de uma criança são diferentes dos de um adulto (Lazarus & DeLongis, 1983). Os enfermeiros pelas vicissitudes laborais a que estão sujeitos, nomeadamente o stress, sofrimento e ansiedade vão adquirindo várias estratégias de coping (Wazquar, Kerr, Regan & Orchard, 2017). O enfrentamento eficaz é importante para os profissionais de saúde. O coping utilizado perante o distress emocional se não for eficaz pode levar ao burnout, à adição de drogas e álcool, e à fadiga emocional. O recurso a terapias que permitam dar significado, e possam abordar a coragem, heroísmo, identidade religiosa são importantes neste processo (Khot, Billings, Owens, & Longstreth, 2011). Reconhecesse que a formação em educação emocional é imprescindível para os enfermeiros, pois se estes não desenvolverem inteligência emocional, as consequências das vivencias dolorosas irão produzir dano no seu bem-estar e interferir negativamente com a sua vida pessoal. Os programas de desenvolvimento, de inteligência emocional, têm vindo a adquirir importância e procura na área da saúde (Gómez-Díaz, Delgado-Gómez & Gómez-Sánchez, 2017). 2.2- INTELIGÊNCIA EMOCIONAL: SOFT SKILL PERANTE A MORTE Atualmente nas instituições tem vindo a emergir a importância reconhecida das “soft skills” e não apenas das “hard skills”, o que acontece também na área da saúde. Geralmente, as pessoas adquirem soft skills, muitas vezes traduzidas como aptidões ou qualidades interpessoais, através de treino ou da frequência de cursos relacionados a um trabalho ou a uma profissão em particular. As profissões que se centram na interação humana, estabelecimento de relações, trabalho em equipa exigem o desenvolvimento destas aptidões (Robles, 2012; Ravindranath, 2016; 40 Sharma, 2018). Sendo a enfermagem uma profissão de relação esta é uma área profissional que não pode ser descurada. No artigo publicadopor Gray (2016) no World Economic Forum a inteligência emocional é classificada como uma das top dez soft skills mais importantes no mundo, no que diz respeito ao trabalho. Nas décadas de oitenta do século passado, na universidade de Harvard foi desenvolvida uma teoria intitulada de inteligências múltiplas que veio revolucionar a ideia aceite até ao momento do conceito limitante de inteligência, esta nova abordagem defendia que a ideia de incluir os conceitos de inteligência intrapessoal (aptidão de autoconhecimento, capacidade de compreender a si mesmo e de apreciar os próprios sentimentos, emoções e motivações) quanto de inteligência interpessoal (capacidade de compreender as intenções, motivações e desejos nos outros) (Gardner, 1983). Esta ideia veio a ser mais tarde trabalhada por outros, como sejam Mayer e Salovey (1997), mas foi com Goleman (1998) que o conceito de inteligência emocional ganha projeção social. A inteligência emocional traduz-se na capacidade de reconhecer e gerir as nossas emoções e as dos outros, de desenvolver a nossa capacidade de nos motivarmos, e de gerirmos os nossos relacionamentos (Torres, 2014). Este conceito relaciona-se com os resultados organizacionais, estando na base do desenvolvimento de uma vantagem competitiva para as organizações (Torres, 2014; Alves, 2017). O psicólogo Daniel Goleman (2010), acrescenta ainda que a inteligência emocional pode ser mais importante que o coeficiente de inteligência. A inteligência emocional é outro aspeto da inteligência que é frequentemente negligenciada. Para este autor, a inteligência emocional é a maior responsável pelo sucesso ou insucesso das pessoas. Segundo ele, é a capacidade de identificar os nossos próprios sentimentos e os dos outros. Existem cinco pilares centrais da inteligência emocional o autoconhecimento, controle emocional, automotivação, empatia e habilidades sociais. Autoconhecimento emocional refere-se à capacidade que cada pessoa tem em reconhecer as próprias emoções e sentimentos quando ocorrem. O controle emocional refere-se a lidar com os próprios sentimentos, adequando-os a cada situação vivida. A automotivação pretende dirigir as emoções para um objetivo ou realização pessoal. Empatia define-se por reconhecer emoções no outro e habilidade em relacionamentos interpessoais. As habilidades sociais são características de saber negociar as necessidades dos outros e equilibrá-las com suas próprias (Goleman, 1998). 41 O processo do autoconhecimento tornou-se fundamental para os profissionais que já orientados pela necessidade de desenvolvimento de competências técnicas, sentem, agora uma necessidade de desenvolver competências emocionais em busca de uma maior satisfação e realização pessoal e profissional (Morais, 2012). Uma revisão integrativa publicada em 2018 sobre o estudo da influência da inteligência emocional e a resiliência em estudantes de enfermagem, revelou resultados que sugerem que a resiliência e a performance dos estudantes apresentam uma relação positiva entre si, e que o desenvolvimento emocional é fundamental (Cleary et al., 2018). Esta realidade é semelhante nos enfermeiros, segundo as evidências de um estudo realizado com 92 enfermeiros e assistentes de enfermagem que cuidavam de pessoas idosas, o desenvolvimento da inteligência emocional pode constituir-se como uma estratégia eficaz para lidar com as emoções, autocontrolo, gestão de stress e lidar com situações difíceis (Sarabia-Cobo, et al., 2017) como as emoções associadas à morte. Em estudantes de enfermagem também foi encontrada relação, nos níveis emocionais de stress relacionado com a morte e os níveis de inteligência emocional. Estudantes com níveis mais elevados de inteligência emocional, apresentam níveis mais baixos de distress relacionado com a morte (Aradilla-Herrero, Tomás-Sábado & Gómez-Benito, 2012). Estes resultados sugerem que quanto mais desenvolvida é a inteligência emocional, melhor as pessoas gerem as emoções que interferem com os resultados dos seus cuidados, pois é facilitado o desenvolvimento das relações terapêuticas na relação enfermeiro-cliente (O’Connell, 2008; Stevenson, Ryan, & Masterson, 2011). Assim como nos estudantes de enfermagem a forma como lidam com as emoções é crucial para a eficácia e eficiência da relação terapêutica (Por, Barriball, Fitzpatrick, & Roberts, 2011). 2.3- GESTÃO EMOCIONAL, COPING E GRIEVING O Grieving traduzido por luto parece ser uma consequência da adaptação evolutiva das espécies, desde as observações realizadas por Darwin em macacos que choravam devido à perda de outros elementos (Darwin,1872). O processo de luto e as exigências da prestação de cuidados de enfermagem perante situações de morte implicam que os profissionais de saúde mobilizem estratégias de coping eficazes. O luto pode ser definido como a combinação de pensamentos e sentimentos experienciados no processo de perda. O luto decorrente do processo de 42 grieving não é um sinal de fraqueza nem uma doença, é sim indicativo da ligação humana ao outro. O luto numa fase inicial provoca a sensação de perda de controlo, manifestada por perda de apetite, choro, insónia, pensamentos dolorosos. O processo de luto deve ser realizado e poderá exigir ajuda de terceiros (Giddens & Giddens, 2003). Ao longo dos tempos os cientistas foram desenvolvendo modelos explicativos do processo de luto associado às emoções, atitudes e ao coping perante a morte. Um dos modelos mais conhecidos é o da adaptação à morte a qual faz parte de um processo de socialização segundo Kübler-Ross (1969; 2000). Para esta autora existem cinco diferentes estadios explicativos de adaptação emocional do ser humano à morte: negação, ira/revolta, negociação, depressão e aceitação. Na negação a pessoa recusa acreditar no que lhe está a acontecer. Na ira/revolta a questão mais frequente é “Porquê eu?” a pessoa sente-se privada de uma longa vida e revolta-se com ninguém e com todos, incluindo Deus. A negociação é a fase em que a pessoa faz acordos com algo que crê como superior para que o destino e a sorte lhe permitam viver o suficiente para experienciar um evento especial e significativo. À medida que as energias se vão perdendo e a pessoa vai ficando cada vez mais desgastada, vai começando a adaptar-se à ideia de fim de vida surgindo a depressão. Quando por fim a morte é compreendida mais pacificamente, e percebido que a luta está a terminar alcançamos o estadio da aceitação. Neste modelo as pessoas que passam pelo processo de morrer habitualmente passam por estes estadios, no entanto é possível serem vividos numa ordem diferente. A persistência da esperança é algo que é manifestado em todos os estadios de diversas formas. Para alguns autores como Palmer (1993) este modelo aplica-se a todos nós, pois para este autor a vida é encarada como doença terminal. Em 1974 Kavanaugh distingue mais dois estadios que Kübler-Ross (1969). O seu modelo apresenta sete comportamentos e sentimentos que estão presentes no processo de coping de luto que são: choque da negação, desorganização, reações voláteis, culpa, perdão e solidão, alívio e convalescença. Os sete estadios apresentados sobre o sofrimento referem-se a fases emocionais distintas que se sobrepõem e interligam (Kavanaugh, 1974). O choque da negação caracteriza-se pela necessidade de manter o contacto com algo que goste na vida. Neste estadio a pessoa diz para si própria “não à morte”. A desorganização leva a que a pessoa se encontre ausente dos procedimentos normais da vida, sente-se como se fosse eterno, desamparado, confuso. Nesta fase a pessoa necessita de falar no sentido de 43 recuperar a energia que perdeu nos pensamentos indesejados e sentimentos pouco habituais que lhe produzem confusão. Nas reações voláteis os sentimentos que surgem são os mais primários como o abandono, frustração.Tendem a negar e ocultar reações, transformando-as em vergonha e recalcam sentimentos o que podem produzir conflitos internos que poderão traduzir-se em sintomas físicos como cefaleias e alterações gástricas. Nesta fase é indispensável escuta permissiva para que a pessoa seja capaz de expressar os seus sentimentos de cólera e raiva. Na culpa a pessoa sente-se triste e deseja outra oportunidade para adiar a morte, deseja-se tempo para acabar com uma falha ou negligencia pessoal. Na perda e solidão é considerado o estadio que mais sofrimento produz. Neste estadio a presença de amigos e pessoas queridas é muito importante. No alívio é produto de uma reflexão da necessidade de continuar a viver. É uma resposta humana normal indispensável para libertação de sentimentos de culpa. Na convalescença, tem um início lento e é demorado, nesta fase são construídas novas relações e são estabelecidos novos objetivos para começar de novo. Posteriormente, Bowlby (1985) publica o seu modelo sobre as fases de sofrimento pelas quais as pessoas passam após perderem uma pessoa querida, são comuns com o processo psicológico pelo qual passa uma pessoa que está a viver a sua própria morte. Para este autor a primeira fase chama-se amortecimento da sensibilidade onde as pessoas que estão a viver o luto parecem não manifestar qualquer tipo de reação, embora interiorizem revolta, dor intensa, ataques de pânico ou euforia. A fase seguinte é denominada por desejo e procura pela pessoa perdida, caracteriza-se por uma fase de ira, em que as pessoas reconhecem a perda com angústia e manifestam ataques de raiva. A fase seguinte coincide com a fase apresentada por Kübler-Ross a negociação onde a pessoa tenta negociar com algo para recuperar a pessoa perdida. A fase da desorganização e desespero em que as pessoas reconhecem a real situação, manifestando-se muitas vezes por choro e dor profunda. E finalmente a fase da aceitação e reorganização das suas vidas. Em 1993 surge um novo modelo o denominado Modelo de Buckman constituído por três estadios que propõe que os indivíduos quando confrontados com a ameaça de morte iminente reagem de forma consistente ao seu carácter e à forma como lidaram com as dificuldades no passado. A fase inicial (enfrentando a ameaça) é uma mistura de reações que são características do indivíduo e que pode incluir medo, ansiedade, choque, descrença, raiva, negação, culpa, humor, esperança; a fase crónica (estar doente) usualmente as reações da fase inicial estão resolvidas e surge uma diminuição da intensidade de todas as emoções, a depressão é muito comum nesta 44 fase; a fase final (aceitação) caracterizado pela aceitação do doente da morte, em que o doente não está angustiado, comunica e toma decisões normalmente. Em 2000 surge o Modelo da Ansiedade da Morte de Tomer e Eliason que apresentaram um modelo integrado sobre a ansiedade face à morte, postulando a existência de três antecedentes imediatos do medo da morte: primeiro uma lamentação do passado, com objetivos que não foram atingidos, segundo uma lamentação do futuro com a constatação de que não se podem atingir todos os objetivos dada a finitude da vida e terceiro o significado que atribuem à morte e o que representa para si. Estes modelos, que acabam por ser complementares, propõem no fundo três grandes modalidades de atitudes-reação face ao processo de morrer: Reação aguda à ameaça; sentimento da inevitabilidade da morte e aceitação e significação. O conhecimento destes modelos é importante uma vez que os enfermeiros também são confrontados com a necessidade de fazer o seu processo de grieving para com os seus doentes que morrem, pelo que a compreensão dos modelos poderá adequar a apropriação e seleção de coping mais eficaz. Nos Estados Unidos da América foi realizado um estudo sobre coping em adultos que se encontravam em luto, foi estabelecido um focos grupo em idosos que tinham enviuvado, e foram sujeitos a um programa mind-body durante oito semanas, tendo-se verificado uma diminuição dos sintomas associados ao processo de luto em especial o stress físico e psicológico (Bui, Chad-Friedman, Wieman, Grasfield, Rolfe, Dong, Park & Denninger, 2018). A evidência recente sugere a necessidade de se criarem programas de formação, com espaços adequados e preparados para que os profissionais de saúde possam tirar dúvidas, partilhar e refletir sobre questões relacionadas com o processo de morrer (Carvalho et al., 2017). 45 PARTE 2: INVESTIGAÇÃO EMPÍRICA 46 47 1- METODOLOGIA Neste capítulo dá-se a conhecer as opções metodológicas que guiaram o desenvolvimento do estudo empírico. As decisões tomadas tiveram em conta a questão de investigação, os objetivos, a natureza do estudo e o espaço temporal previsto para a sua realização. 1.1- FORMULAÇÃO DO PROBLEMA Atualmente a morte é uma realidade frequente em meio hospitalar (Morgado, 2012; Dias et al., 2015), sendo os profissionais de saúde confrontados com a necessidade de gerir emoções decorrentes dos processos vivenciais do cuidar da pessoa em fim de vida e do confronto com a morte. Os estudos têm evidenciado que os enfermeiros com maiores dificuldades em gerir as emoções, perante a morte, apresentam proporcionalmente prejuízo na qualidade de cuidados que prestam à pessoa nesta fase de transição (Peters, et al., 2013). A justificação para este fenómeno parece estar associada à menor formação dos enfermeiros no campo da gestão das emoções e na aceitação da morte como um processo inevitável do ciclo de vida. Assim sendo, surge como questão de investigação: Qual o impacto de um programa de formação na gestão emocional dos enfermeiros perante a morte? No sentido de dar resposta à questão de investigação delineou-se e implementou-se um programa de formação dirigido a enfermeiros com o desígnio de os ajudar a encontrar estratégias de autogestão das emoções perante a morte. O estudo tem como finalidade desenvolver e avaliar um programa de formação que contribua para melhorar a gestão emocional do enfermeiro perante a morte. Desta forma, espera-se também, contribuir para a melhoria dos cuidados de enfermagem ao doente em fim de vida. 1.2- OBJETIVOS E TIPO DE ESTUDO Perante a questão de investigação delineou-se como objetivos: Elaborar um programa de formação para treino das competências/habilidades emocionais dos enfermeiros perante a morte; 48 Avaliar o impacto de um programa de formação, na gestão emocional dos enfermeiros perante a morte; Identificar as atitudes dos enfermeiros perante a morte; Identificar as características do coping dos enfermeiros perante a morte; O estudo desenvolvido enquadra-se num estudo de índole quantitativo do tipo quase- experimental com avaliação longitudinal. Este estudo é categorizado como quase- experimental por ter um desenho de estudo experimental, mas divergir, deste por não possuir uma randomização da amostra e longitudinal por realizar avaliações comparativas no mesmo grupo em três momentos distintos (Coutinho, 2014; Mertens, 2015). 1.3- DESENHO DO ESTUDO Partindo da questão de investigação e de forma a responder aos objetivos traçados construiu-se um programa de formação (Apêndice 1) a ser desenvolvido em quatro sessões. O tempo definido para cada sessão foi de hora e meia, perfazendo um total de seis horas. A construção do programa assentou na revisão da literatura e nas recomendações de estudos anteriores que realçavam a importância de existirem programas de formação na área da gestão emocional (Gómez-Díaz, Delgado-Gómez & Gómez-Sánchez, 2017), assim como a importância da criação de um espaço na Instituição para que fosse possível os profissionais partilharem ideias sobre a morte, e esclarecer dúvidas, partilhar e refletir sobre questões relacionadas como processo de morrer e simultaneamente apoiarem-se mutuamente (Carvalho et al., 2017; Sulzbacker, Reck, Stum & Hildebrandt, 2017). Nestas formações a literatura sugere a importância de se explorar estratégias eficazes de luto (Tranter, Josland & Turner, 2016), desenvolver formação sobre preparação para a morte (Santos Souza et al., 2017), e investir no desenvolvimento da inteligência emocional (Gómez-Díaz, Delgado-Gómez & Gómez- Sánchez, 2017). No seguimento, destas recomendações, o programa integrou conteúdos referentes a inteligência emocional, grieving, atitudes perante a morte e coping perante a morte. Assim, na primeira sessão trabalhou-se o conceito de morte e a sua interpretação social e histórica, os comportamentos e atitudes perante a morte e 49 identificaram-se as emoções associadas à morte. As técnicas utilizadas foram: debate em grupo, observação, escuta ativa, resolução de problemas, técnica socrática, metáforas, análise de imagens, jogos digitais. Na segunda sessão foram trabalhadas as formas de expressão e coping perante a morte. As técnicas usadas foram: debate de grupo; expressão emocional através de escrita e desenho, técnica socrática. Na terceira sessão formativa foram analisadas as estratégias de coping, e os conceitos de relaxamento e massagem terapêutica. As técnicas utilizadas foram debate de grupo, técnica socrática, exercícios de respiração abdominal, relaxamento por visualização guiada, técnicas de massagem de: deslizamento, amassamento, vibração e precursão, pressão em pontos de acupressão específicos para controlo de sintomatologia física e psicológica, uso de aromaterapia. Na quarta, e última, sessão (re)construiu-se o conceito de morte, coping eficaz e trabalhou-se o conceito de ancoragem. Como técnicas utilizaram-se debate de grupo, técnica socrática, visualização de um filme. Em todas as sessões foram utilizadas estratégias dinâmicas, assentes na reflexão de forma a levar os participantes a partilharem conhecimentos, emoções, desejos, expectativas e a desenvolverem auto e hétero conhecimento (inteligência emocional). O programa de formação decorreu na sala de formação 1 da Instituição de Saúde onde o estudo foi desenvolvido. Inicialmente foi estabelecido o contacto com o departamento de formação no sentido da disponibilização de uma sala para a formação, o que implicou a coordenação do desenvolvimento do programa de formação com as ações de formação planeadas pelo departamento. Foram realizados dois programas de formação, um nos dias 5,12, 19, 26 de fevereiro de 2018 e outro nos dias 26 março, 2,9,16 de abril de 2018. Todas as sessões formativas foram realizadas às segundas-feiras das 14:30h-16h. As sessões respeitaram o programa concebido pelo investigador e foram desenvolvidas por uma formadora convidada para o efeito. Antes da implementação do programa a formadora tomou conhecimento do programa e trabalhou com o investigador as estratégias a implementar. Considerou-se importante não ser o investigador a realizar a formação, no sentido de não influenciar as respostas dos participantes e a avaliação do programa, à semelhança do que acontece com as observações participantes, em que as respostas são influenciadas pela participação do observador (Amado, 2017). A formadora convidada para a realização das sessões de formação pertencia à Instituição de Saúde, e fazia parte da equipa de formação da mesma, é formadora 50 interna. Tem o curso de formação de formadores e formação pós-graduada na área da psico-antrolopogia da saúde e educação. Tem ainda formação na área dos cuidados paliativos. Para além das competências pedagógicas e do domínio do conhecimento no campo dos cuidados paliativos considerou-se que pelo facto da formadora ser enfermeira, a formação seria vista como um processo formativo por pares, o que é facilitador pela proximidade de experiências e emoções entre formador e formandos como salienta Gonçalves (2012). A educação por pares é considerada uma estratégia que aliada à formação em serviço leva a ganhos em saúde, tanto para os enfermeiros como para os clientes e para a Instituição. Esta estratégia estimula a mudança no comportamento entre os elementos desse mesmo grupo. Também leva à mobilização dos vários tipos de saberes, emergindo no processo de cuidados, a centralidade na pessoa (Dias, 2006; Gonçalves, 2012). Antes do início de cada sessão a formadora preparou a sala, dispondo as mesas em círculo, para que os participantes ficassem de frente uns para os outros inclusive a formadora, recriando a ideia de “mesa redonda”. Construído o programa formativo e tendo em conta que um dos propósitos do estudo era avaliar o impacto deste, na gestão emocional dos enfermeiros perante a morte considerou-se fundamental que a recolha de dados acontecesse antes e após a sua implementação. Assim, esta decorreu em três momentos distintos. O primeiro momento coincidiu com a primeira sessão do programa de formação, o segundo no final do desenvolvimento do programa de formação, isto é, no final da quarta sessão e o terceiro momento ocorreu cerca de dois meses após a conclusão do programa de formação. A opção por recolher os dados em três momentos distintos prendeu-se com a necessidade de identificar as atitudes e as características de coping dos enfermeiros perante a morte (1º momento) para posteriormente se poder avaliar o impacto do programa de formação na gestão das emoções bem como a qualidade do programa (2º momento) e aferir as mudanças produzidas ao longo do tempo, avaliando novamente as atitudes e as características de coping dos enfermeiros perante a morte (3º momento), como se apresenta na figura 1 relativa ao desenho do estudo. Figura 1 - Desenho do estudo 51 1.4- HIPÓTESES A hipótese é uma predição sobre uma relação existente entre variáveis que se verifica empiricamente (Pocinho, 2012; Oliveira & Ferreira, 2014). Tal como a questão de investigação, a hipótese tem em conta as variáveis-chave e a população-alvo. Podendo ser negada, uma vez que são afirmações provisórias. Foram definidas as seguintes hipóteses: H1: O programa de formação sobre gestão emocional perante a morte influencia positivamente as atitudes dos enfermeiros perante a morte; H2: O programa de formação sobre gestão emocional perante a morte influencia positivamente o coping dos enfermeiros perante a morte; H3: Os enfermeiros com formação em cuidados paliativos apresentam menos dificuldades em gerir emoções perante a morte; 1.5- VARIÁVEIS As variáveis são características, propriedades ou qualidades de pessoas ou situações, estudadas numa investigação (Pocinho, 2012). Baseado nos aspetos teóricos para o contexto e perante os objetivos definidos, serão considerados dois tipos de variáveis: as centrais e as de atributo. As variáveis centrais do estudo são: atitudes acerca da morte, medida pela escala de atitudes perante a morte - EAPAM (Loureiro, 2010), coping com a morte medida pela escala de coping com a morte - ECM (Camarneiro & Gomes, 2015) e avaliação do programa de formação medida pela Escala de Avaliação de Implementação de Programas - EAIP (adaptada por Jardim & Pereira, 2006). As variáveis atributo serão: idade, sexo, formação académica, anos de experiência profissional, local de trabalho, anos de experiência o serviço atual; experiência prévia com processos de morte; religião; formação prévia em paliativos. 1.6- POPULAÇÃO E AMOSTRA A população consiste num conjunto de elementos ou de sujeitos que apresentam caraterísticas comuns, definidos por um conjunto de critérios. A população alvo define- se por ser uma população particular que interessa ao investigador e que é submetida a 52 um estudo, sendo a amostra uma representação menor da população (Polit, Beck & Hungler, 2011). Assim, a população em estudo recaiu sobre os enfermeiros que trabalhamem unidades de internamento de uma Instituição de Saúde. A escolha desta população residiu no facto dos enfermeiros cuidarem de doentes do foro oncológico e serem confrontados com uma elevada taxa de mortalidade, o que implica uma maior gestão emocional dos enfermeiros quando confrontados com essa vivência (Finley & Sheppard, 2017). A amostra em estudo foi constituída pelos enfermeiros que se voluntariaram para participar no programa de formação. Como pré-requisitos da amostra estipulou-se que o número de participantes por sessão variaria entre 6 e 12. Foram realizados dois programas de formação como referido anteriormente. O primeiro programa foi constituído por doze formandos e o segundo por oito. No primeiro programa inscreveram-se vinte enfermeiros pelo que se recorreu à técnica de seleção aleatória dos participantes. Recorreu-se à atribuição de um número por inscrito e colocados vinte papeis num saco preto, tendo depois sido removido doze papeis. No segundo programa inscreveram-se doze enfermeiros, tendo apenas oito completado o programa de formação, uma vez que a presença era obrigatória em todas as sessões. A ausência dos participantes deveu-se ao gozo de férias programadas e a situações inesperadas. A amostra é caracterizada por ser aleatória não probabilística por conveniência. 1.7- INSTRUMENTO DE RECOLHA DE DADOS Os dados foram recolhidos através de questionário (Apêndice 2). Como referido, a recolha de dados realizou-se em três momentos, o que levou a que o questionário sofresse modificações ao longo dos três momentos de recolha de dados. No primeiro momento o questionário foi dividido em duas partes. A primeira parte relativa às variáveis atributo apresentadas anteriormente e a segunda integrou a EAPAM e a ECM. O questionário aplicado no segundo momento integrou as escalas utilizadas no primeiro momento de recolha de dados e a EAIP. Como referido o segundo momento de avaliação correspondeu ao términus do programa de formação. 53 O questionário utilizado no terceiro momento e que foi aplicado cerca de dois meses após o términus do plano de formação integrou as escalas usadas no primeiro momento, isto é: EAPAM e a ECM. Escala de avaliação do Perfil de Atitudes Acerca da Morte (EAPAM) A escala EAPAM foi traduzida e adaptada por Luís Loureiro (2010) da versão revista da “Revised Death Attitude Profile (DAP-R)” por Wong, Reker & Gesser (1994). Trata- se de uma escala constituída por 32 itens, apresentada sob a forma de auto-relato do tipo Likert com sete possibilidades de resposta: 1 (discordo completamente); 2 (discordo); 3 (discordo moderadamente); 4 (nem discordo nem concordo); 5 (concordo moderadamente); 6 (Concordo) e 7 (concordo completamente). Os 32 itens organizam-se em cinco dimensões: “medo” (diz respeito aos pensamentos e sentimentos acerca da morte, integra 7 itens: 1, 2, 7, 18, 20, 21, 32); “evitamento” (diz respeito a falar ou pensar sobre o processo de morrer de modo a reduzir o medo e ansiedade, uma vez que impulsionam a pessoa a dar significado à vida; compreende 5 itens: 3, 10, 12, 19, 26); “aceitação neutral/neutralidade” (a morte é perspetivada pelo individuo como parte integrante da vida, estar vivo significa coexistir com a morte e o morrer; compreende 5 itens: 6, 14, 17, 24, 30); “aceitação como aproximação” (acreditar numa vida feliz depois da morte; compreende 10 itens: 4, 8, 13, 15, 16, 22, 25, 27, 28, 31) e “aceitação como escape” (o escape parte do pressuposto que quando se vive em certas circunstâncias que produzem dor e sofrimento na pessoa, a morte torna-se numa alternativa para o términus do sofrimento; compreende 5 itens: 5, 9, 11, 23, 29). O estudo de fidelidade do instrumento (Loureiro, 2010), revelou valores de consistência interna na dimensão medo de 0.84, na dimensão evitamento de 0.87, na dimensão aceitação/neutralidade de 0.64, na dimensão aproximação de 0.91 e na dimensão escape de 0.82. No estudo de Wong, Reker & Gesser (1994) verificaram-se os seguintes valores de consistência interna na dimensão medo de 0.86, na de evitamento de 0.88, na de aceitação/neutralidade de 0.65, na de aproximação de 0.97 e na dimensão escape de 0.84. Para o estudo da validade de construto, Loureiro (2010) procedeu à realização de análises fatoriais em componentes principais, seguindo rotação ortogonal varimax. O resultado encontrado evidencia cinco fatores com valores próprios ≥1.00, e que explicam na totalidade 58.89% da variância. A medida KMO é de 0.905 valor considerado muito bom, assim como o resultado do teste de esfericidade de Bartlett (χ2 (496): =22120.7; p=0.000). A estrutura fatorial 54 emergida da análise é consistente tanto com os pressupostos teóricos que presidiram à construção do instrumento, assim como semelhante à solução obtida por Wong, Reker & Gesser (1994), apresentando os itens cargas fatoriais (factorial loadings) nas dimensões que lhe são devidas. No estudo desenvolvido encontrou-se as mesmas dimensões e os alfas de Cronbach das cinco dimensões “medo”, “evitamento”, aceitação neutral/neutralidade”, “aceitação como aproximação” e “aceitação como escape”, foram de ∝= 0.89; ∝= 0.93; ∝= 0.78; ∝= 0.91 e ∝= 0.80 respetivamente. Para os 32 itens foram encontrados valores totais de: ∝= 0.86, revelando bom nível de consistência interna. Escala de Coping com a Morte (ECM) A escala ECM foi traduzida e adaptada por Ana Paula Camarneiro & Sara Gomes (2015) da versão inicialmente elaborada por Bugen (1980-81) e posteriormente validada por Robbins (1991). Trata-se de uma escala constituída por 30 itens, apresentada sob a forma de auto-relato do tipo Likert com sete possibilidades de resposta: 1 (discordo totalmente); 2 (discordo); 3 (discordo parcialmente); 4 (neutro); 5 (concordo moderadamente); 6 (Concordo) e 7 (concordo totalmente). Os 30 itens organizam-se em duas dimensões: coping com a própria morte que compreende os itens (2, 3, 5, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 14, 15, 18, 20, 21) e o coping com a morte dos outros que compreendem os itens (6, 16, 17, 19, 22, 23). O coping com a própria morte denota uma maior compreensão, conhecimento e expressividade de emoções relativas à própria morte. O coping com a morte dos outros diz respeito ao aumento com as competências para comunicar com, e/ou ajudar os enlutados e os doentes terminais (Camarneiro & Gomes, 2015). O estudo de validade do instrumento (Camarneiro & Gomes, 2015), revelou valores de consistência interna na dimensão coping com a própria morte de 0.86 e na dimensão coping com a morte dos outros de 0.85. O coeficiente de KMO foi de 0.81 o que demostra a adequação amostral e o teste de Bartlett foi significativo (1592, 10, gl=325, p<0.001). No estudo desenvolvido, encontrou-se as mesmas dimensões e os alfas de Cronbach das duas dimensões “coping com a própria morte e “coping com a morte dos outros”, foram respetivamente ∝= 0.56 e ∝= 0.88. Tendo sido encontrado para o total (dos 30 itens) um alfa de Cronbach ∝= 0.91. 55 Escala de Avaliação de Implementação de Programas (EAIP) A EAIP é uma escala adaptada por Jacinto Jardim e Anabela Pereira (2006) que permite apreciar a qualidade do processo de implementação de um programa de formação, avaliando sete dimensões, designadas: apreciação global do programa (itens:1, 2, 3, 4, 5, 6), objetivos (itens: 7, 8, 9, 10), conteúdos (itens: 11, 12, 13, 14, 15), atividades (itens: 16, 17, 18, 19), participação (itens: 20, 21, 22, 23), recursos (itens: 24, 25, 26, 27) e desenvolvimento (itens: 28, 29, 30). O instrumento é constituído por 30 itens tipificados numa escala de Likert de 5 pontos, sendo: “Mau”, “Fraco”, “Razoável”, “Bom” e “Muito Bom”. Com base no somatório de todas as respostas pode-se avaliar a qualidade percebida em cada uma das dimensões do programa, em particular, e também na sua globalidade (Jardim & Pereira,
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