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Limites do Controle Material

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OS LIMITES DO CONTROLE MATERIAL DO TIPO INCRIMINADOR 
 
 
Como se percebe, é imperativo do Estado Democrático de Direito a 
investigação ontológica do tipo incriminador. Crime não é apenas aquilo que o 
legislador diz sê-lo (conceito formal), uma vez que nenhuma conduta pode, 
materialmente, ser considerada criminosa se, de algum modo, não colocar em 
perigo valores fundamentais da sociedade. Imaginemos um tipo com a seguinte 
descrição: “manifestar ponto de vista contrário ao regime político dominante ou 
opinião capaz de causar melindre nas lideranças políticas”. Por evidente, a par de 
estarem sendo obedecidas as garantias formais de veiculação em lei, 
materialmente esse tipo não teria qualquer subsistência, por ferir o princípio da 
dignidade humana e, assim, não resistir ao controle de compatibilidade vertical 
com os princípios insertos na ordem constitucional. Na doutrina não existe 
divergência a respeito. A polêmica circunscreve-se aos limites desse controle por 
parte do Poder Judiciário. 
Com efeito, a regra do art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal, segundo a qual 
“não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, 
incumbiu, com exclusividade, ao legislador a tarefa de selecionar, dentre todas as 
condutas do gênero humano, aquelas capazes de colocar em risco a tranquilidade 
social e a ordem pública. A isso se convencionou chamar “função seletiva do tipo”. 
A missão de detectar os anseios nas manifestações sociais é específica de quem 
detém mandato popular. 
Ao Poder Legislativo cabe, por conseguinte, a exclusiva função de selecionar 
as condutas mais perniciosas ao convívio social e defini-las como delitos, 
associando-lhes penas. A discussão sobre esses critérios escapa à formação 
predominantemente técnica do Poder Judiciário. Daí por que, em atenção ao 
princípio da separação dos Poderes, ínsito em nosso Texto Constitucional (art. 2º), 
o controle judicial de constitucionalidade material do tipo deve ser excepcional e 
exercido em caso de flagrante atentado aos princípios constitucionais sensíveis. 
Não padecendo de vícios explícitos em seu conteúdo, não cabe ao magistrado 
determinar o expurgo do crime de nosso ordenamento jurídico, sob o argumento de 
que não reflete um verdadeiro anseio popular. O controle material é, por essa razão, 
excepcional e deve ser feito apenas em casos óbvios de afronta a direitos 
fundamentais do homem. 
DA PARTE GERAL DO CÓDIGO PENAL: FINALIDADE 
Ao se analisar o Código Penal brasileiro, verifica-se que a sua estrutura 
sistemática possibilita, desde logo, vislumbrar os princípios comuns e as 
orientações gerais que o norteiam. É a denominada “Parte Geral”. Nela constam os 
dispositivos comuns incidentes sobre todas as normas. Na concepção de Welzel14 
, a finalidade da Parte Geral do Código Penal é assinalar as características 
OS LIMITES DO CONTROLE MATERIAL DO TIPO INCRIMINADOR 
 
essenciais do delito e de seu autor, comuns a todas as condutas puníveis. Assim é 
que toda ação ou omissão penalmente relevante é uma unidade constituída por 
momentos objetivos e subjetivos. A realização dessas condutas percorre diferentes 
etapas: a preparação, a tentativa e a consumação. A comunidade pode valorar tais 
condutas como jurídicas ou antijurídicas, culpáveis ou não. Elas estão 
relacionadas inseparavelmente com seu autor, cuja personalidade, vontade e 
consciência imprimem sua peculiaridade. Expor esses momentos é a missão da 
Parte Geral, competindo, por sua vez, à Parte Especial delimitar as classes 
particulares de delitos, como o homicídio, o estupro, o dano etc. 
Nesse sentido, a sempre precisa lição de Luiz Flávio Gomes: “A função 
principal do princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos é a de delimitar uma 
forma de direito penal, o direito penal do bem jurídico, daí que não seja tarefa sua 
proteger a ética, a moral, os costumes, uma ideologia, uma determinada religião, 
estratégias sociais, valores culturais como tais, programas de governo, a norma 
penal em si etc. O direito penal, em outras palavras, pode e deve ser conceituado 
como um conjunto normativo destinado à tutela de bens jurídicos, isto é, de 
relações sociais conflitivas valoradas positivamente na sociedade democrática. O 
princípio da ofensividade, por sua vez, nada diz diretamente sobre a missão ou 
forma do direito penal, senão que expressa uma forma de compreender ou de 
conceber o delito: o delito como ofensa a um bem jurídico. E disso deriva, como já 
afirmamos tantas vezes, a inadmissibilidade de outras formas de delito (mera 
desobediência, simples violação da norma imperativa etc.). Em face do exposto 
impende a conclusão de que não podemos mencionar tais princípios.

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