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FOTOGRAFIA E CIDADE
Material de apoio 
Por Cristiano Mascaro
Avenida São João, São Paulo, 1986
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Nasci em Catanduva, mas vivo em São Paulo 
desde os cinco anos. Assim que cheguei come-
cei a andar pela cidade: não havia carro na fa-
mília e íamos a pé para a escola, para comprar 
pão, para a escola, para o cinema. Quase sempre, 
meu caminho era a avenida São João, que me 
parecia um fundo de vale, ladeado por grandes 
prédios. A variedade das construções que se su-
cediam naquela reta imensa me assombrava – e 
talvez ali tenha se iniciado minha relação de en-
cantamento e intimidade com o espaço urbano. 
Cursei o ensino médio no Colégio de Aplicação, 
politizado e de elite entre as escolas públicas. 
Quando concluí o curso, estava, como quase 
todo adolescente, inseguro quanto à faculdade 
que deveria escolher. A família esperava que eu 
estudasse medicina, o que não tinha nada a ver 
com meus planos ainda confusos. 
Igreja de Santa Ifigênia, São Paulo, 2003
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O acaso me ajudou a resolver o dilema. Certo dia, 
no caminho de casa, passei em frente ao casa-
rão art-nouveau onde funcionava a Faculdade 
de Arquitetura da Universidade de São Paulo. Fi-
quei encantado com aquele ambiente e decidi, 
de imediato, que seria ali que eu iria estudar.
Prestei vestibular em 1964, o ano do golpe mi-
litar no país. Comecei, portanto, meu curso em 
plena ditadura. Foi um intenso e ativo período 
de política universitária, marcado por passeatas, 
tomadas dos prédios das faculdades e perma-
nente contestação na música, teatro, nas artes 
plásticas e no cinema. 
A fotografia surgiu, assim, em meio a essas ati-
vidades e às aulas. Mais uma vez, quase casual-
mente: fugindo de uma aula técnica, refugiei-
-me na biblioteca da faculdade e abri ao acaso 
um livro. Era Images à la sauvette, de Henri Car-
tier-Bresson, com fotos que me deixaram espan-
tado e entusiasmado. Naquele exato momento, 
eu soube que seria fotógrafo. 
Talvez não seja fantasioso pensar que ali, nesses 
anos iniciais, estavam presentes os elementos 
que iriam definir meu caminho ao longo das 
décadas seguintes: o impulso de caminhar pela 
cidade, o fascínio sempre renovado pela paisa-
gem construída, a permanente abertura para as 
possibilidades trazidas pelo acaso. 
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Um pouco de história 
Acredito que uma brevíssima digressão pela his-
tória da fotografia pode servir como uma espécie 
de genealogia do trabalho que faço, ou esclare-
cer a tradição em que me insiro como fotógrafo. 
A fotografia surgiu em meados do século XIX. Em 
1826, o francês Joseph Nicéphore Niépce produ-
ziu o que se considera a primeira fotografia da 
história, registrando com uma máquina primiti-
va uma vista de sua rua (e é curioso pensar que 
essa imagem inaugural seja justamente de uma 
rua, como se o retrato da paisagem urbana esti-
vesse na gênese mesma da fotografia). Niépce 
mais tarde se associaria a Louis Daguerre, inven-
tor do daguerreótipo, processo que consistia em 
fixar uma imagem – ainda única, não reprodutí-
vel – em uma placa metálica sensibilizada. 
Alguns anos depois, já na passagem do século 
XIX para o XX, Eugène Atget registraria as ruas 
de Paris, num trabalho pioneiro de fotografia ur-
bana. 
As primeiras câmeras, porém, eram enormes e 
obrigavam os fotógrafos a se comportar quase 
como pintores, tal o tempo necessário para fo-
tografar uma paisagem ou retratar uma pessoa. 
Niépce levou oito horas para conseguir sua fo-
tografia, e o próprio Atget tinha de se deslocar 
com um equipamento pesadíssimo e pouco 
ágil. Somente quase um século depois desses 
exercícios é que surgiram câmeras mais leves e 
portáteis, que permitiram aos fotógrafos cami-
nhar com seu equipamento a tiracolo. 
A câmera portátil proporcionou um avanço sig-
nificativo da narrativa fotográfica. Surgiu o que 
foi chamado de “o ponto de vista da calçada”, 
isso é, a fotografia obtida pelo fotógrafo que se 
movimenta pelas ruas das cidades e que regis-
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tra o momento no instante mesmo em que ele 
acontece. 
 
Os primeiros fotógrafos a se dedicarem àquilo 
que chamo de “ver as cidades” foram André Ker-
tész, Henri Cartier-Bresson e, mais tarde, Robert 
Frank. Não é coincidência que eles tenham sido 
minhas maiores referências no ofício que estava 
iniciando. 
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Primeiras experiências 
Comecei a fotografar principalmente nas via-
gens de estudante. Nesse espírito meio nôma-
de, fotografei Ouro Preto, Salvador, Brasília, e me 
aventurei por um destino muito em voga entre 
os jovens da época: Peru e Bolívia, pelo lendário 
Trem da Morte. Essa viagem acabou sendo de-
cisiva para mim: com as fotos dela ganhei o pri-
meiro lugar em um concurso cujos jurados eram 
Fernando Lemos, Claudia Andujar e João Xavier.
Procissão do Enterro do Senhor, Ouro Preto, 1965
Animado pelo concurso e imbuído da coragem 
da juventude, procurei Claudia Andujar, fotógra-
fa por quem tinha – e tenho – grande admiração. 
Ela acabou me levando para a editora Abril, onde 
comecei minha carreira de repórter fotográfico 
na revista Veja. 
Como fotojornalista, viajei pelo Brasil e pela 
América Latina, fui detido algumas vezes pela 
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ditadura vigilante, levei alguns golpes de casse-
tete em passeatas. Submetido às pautas jorna-
lísticas, chegava a realizar três trabalhos, às vezes 
sobre assuntos completamente diferentes, em 
um só dia. A experiência na Veja durou apenas 
dois anos e meio, mas marcou fortemente mi-
nha postura como fotógrafo. 
Rua de Cusco, Peru, 1966
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Fotógrafo autônomo 
Se o encontro com uma imagem produzida por 
um grande fotógrafo definiu minha profissão, foi 
uma fotografia feita por mim – ou melhor, uma 
cena a ser fotografada – que me mostrou o ca-
minho a seguir dentro do meu ofício. Ainda tra-
balhava na Veja quando vislumbrei na praça da 
Sé um vulto que parecia emparedado pelo már-
more negro de um edifício. Fiz a foto: o resulta-
do, que evocava uma tela de Edward Hopper, me 
pareceu instigante e fez com que me interessas-
se apaixonadamente pela fotografia de rua. 
Homem na praça da Sé, São Paulo, 1975
Foi o estímulo que faltava para me libertar das 
pautas da redação e me dedicar ativamente a 
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projetos autorais de documentação urbana e 
exploração da vida das cidades. À essa época, 
fui convidado a coordenar o recém-criado La-
boratório de Recursos Audiovisuais da FAU-USP; 
consegui dividir meu tempo, dedicando-me ao 
meu incipiente trabalho pessoal e mantendo o 
vínculo com a universidade, onde depois rece-
beria os títulos de mestre (dissertação: O uso da 
fotografia na interpretação do espaço urbano, 
1986) e de doutor (tese: A fotografia e a arquite-
tura, 1994). 
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Primeiros trabalhos 
Fiz minha primeira exposição em 1975, na esco-
la Enfoco, onde dei aulas de fotojornalismo. Essa 
escola formou importantes fotógrafos e tinha 
grandes profissionais em seus quadros. Entre 
eles estava Maureen Bisilliat, grande fotógrafa 
que me acolheu com generosidade. A exposição 
chamou-se Paisagens urbanas e reuniu minhas 
primeiras fotos paulistanas. O resultado foi mui-
to positivo, o que me deu a certeza de estar no 
caminho correto. 
Fotografia do projeto O bairro do Brás, São Paulo, 1977
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Lancei-me, então, àquilo que seria um primeiro 
trabalho significativo de documentação da ci-
dade: O bairro do Brás, em parceria com Pedro 
Martinelli. Àquela época – meados da década de 
1970 – o antigo bairro operário habitado sobretu-
do por imigrantes italianos se transformava rapi-
damente, com as obras de construção do metrô 
e a chegada de trabalhadores nordestinos. Nes-
se projeto, pude, de forma clara, conciliar as duas 
vertentes de minha formação – a arquitetura e 
a fotografia –, registrando ruas, edifícios, comér-
cios, novos prédios e velhos casarões. Ao mes-
mo tempo, ao fotografarpersonagens do bairro, 
pude explorar outro terreno: o retrato. 
Carregadores de sacos de farinha, bairro do Brás, São Paulo, 1977
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A fotografia como trabalho autoral 
Meu método de trabalho pode parecer um pou-
co indisciplinado em um primeiro momento. Ele 
consiste, basicamente, em andar muito, flanar livre 
de qualquer objetivo pré-definido. Trata-se, em úl-
tima instância, de estar predisposto ao improviso, 
aberto para identificar aquilo que há de surpreen-
dente, de espantoso na realidade cotidiana – e cap-
turá-lo. Saio em busca desses pequenos espantos, 
como disse certa vez o poeta Ferreira Gullar a pro-
pósito da “inspiração” de seu trabalho. 
Capela do Palácio da Alvorada, Brasília, 1996
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É verdade que há muito de intuição nessa forma 
de trabalhar. Mas é preciso notar que a intuição 
não brota sozinha; ela decorre de um longo trei-
no do olhar: a escolha do “momento certo” é re-
sultado de uma educação, de um “saber ver” que 
vem da prática, certamente, mas também do 
conhecimento. Por isso, insisto na necessidade 
de que os jovens fotógrafos conheçam a história 
da fotografia e o trabalho de outros profissionais 
– tanto o de seus contemporâneos quanto o da-
queles que os antecederam. 
A imprevisibilidade está presente inclusive nas 
fotos de arquitetura. Quando fotografo um pré-
dio ou um monumento, faço um planejamento 
prévio, examino o objeto da foto de forma ob-
jetiva e racional. No entanto, a foto em si, seu 
momento exato, sempre carrega uma surpresa, 
pois a realidade se transforma incessantemen-
te: uma nuvem sombreia a parede, o vento agita 
uma cortina, uma pessoa atravessa a rua distrai-
damente. A realidade está em permanente mu-
tação, e o que o fotógrafo faz é apreender um 
fragmento dela – único, irrepetível – antes que 
se dissolva. 
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Os trabalhos comissionados 
Bastante diferentes dessa liberdade dos traba-
lhos autorais, nos quais o compromisso é unica-
mente com nosso desejo, são os trabalhos ditos 
“comissionados”, ou seja, encomendados. Quan-
do aceitamos um projeto de um cliente – um ar-
quiteto, uma editora, uma instituição –, regras e 
prazos são muito mais estritos, e o primeiro man-
damento é, claro, dar ao cliente no mínimo aqui-
lo que ele busca. Ao fazer o trabalho encomen-
dado, levo vários tipos de câmeras, para que não 
haja acidentes. É importante lembrar que num 
trabalho pessoal todas as experimentações são 
permitidas; num trabalho comissionado, numa 
documentação arquitetônica, o compromisso 
é com o rigor e a exatidão, o que não significa 
seguir o óbvio, mas estar sempre atento ao de-
talhe, buscar algum ineditismo em um mundo 
saturado de imagens. 
Se deve responder a uma pauta previamente 
dada, o trabalho comissionado não é necessaria-
mente um corpo estranho à obra do fotógrafo. À 
medida que me aprofundei na documentação 
urbana e arquitetônica, passei a receber convites 
para projetos que enriqueceram minha experi-
ência. Assim foi com o projeto de fotografar os 
cem edifícios mais representativos da arquite-
tura brasileira, que me levou a ficar oito meses 
viajando pelo Brasil e deu origem ao livro Patri-
mônio construído (2002); vinte anos depois, em 
uma segunda edição, foram incluídas mais dez 
construções. Em 1998, fui incumbido de um pro-
jeto semelhante, o de fotografar 28 centros his-
tóricos brasileiros, dessa vez com uma aborda-
gem mais urbanística que arquitetônica, para o 
Programa Monumenta, do Ministério da Cultura. 
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Ensaio, livro, fotolivro 
O fotojornalismo não foi meu caminho, mas foi 
uma experiência decisiva e uma escola importan-
te para mim, pessoalmente, e para a linguagem 
fotográfica como um todo. O binômio imagem/
narrativa foi magistralmente desenvolvido pela 
revista americana Life, que circulou de 1886 a 
2000 e publicou, a partir da década de 1930, en-
saios fotográficos – ou “discursos visuais”, como 
também se dizia – de grandes fotógrafos. Um 
exemplo clássico são os ensaios de Eugene Smi-
th publicados pela revista, verdadeiras aulas de 
como compor frases visuais – as fotos em sequ-
ência dão toda uma modulação àquilo que se 
conta, assumindo a função de vírgulas e pontos 
conforme seu tamanho na página. Assim, no en-
saio Spanish Village, Smith mostrava um vilarejo 
espanhol durante a ditadura franquista. A ima-
gem domina a narrativa: após o início, em que se 
mostra uma foto mais geral da vila, a série apre-
senta personagens, lugares e cenas da vida local, 
conduzindo o olhar do leitor/observador até uma 
foto grande, sangrada, de um velório, que marca 
indiscutivelmente o fim – da vida, do ensaio, da 
história. Em outro ensaio, Country Doctor, Smith 
mostra o trabalho incessante de um médico ru-
ral, retratado no atendimento a seus pacientes 
em uma variada sequência de ações; na última 
imagem, ele está exausto, recostado, bebendo 
um café. Mais uma vez, a foto atua como ponto 
final, marcando tanto o fim da jornada do mé-
dico quanto da reportagem em si. É importante 
assinalar que Smith contou com uma autonomia 
incomum na edição desses ensaios, pois ele mes-
mo diagramava suas fotos; na imensa maioria 
dos casos, isso fica a cargo dos editores da revista. 
Enquanto o fotojornalismo liga-se mais à atu-
alidade, a um fato ou história ser contado com 
agilidade, um livro é projeto mais longo, mais 
pensado e mais livre, no sentido de poder trans-
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formar-se à medida que novas descobertas se 
coloquem para o fotógrafo. Foi o que me aconte-
ceu, por exemplo, no livro Portugal, em que uma 
ideia inicial, bastante restrita (fotografar duas bi-
bliotecas portuguesas), acabou por se desdobrar 
num longo ensaio que contemplou também a 
arquitetura contemporânea lusitana. Essa mu-
dança de planos só foi possível porque eu não 
estava trabalhando com os compromissos im-
postos pelo jornalismo. 
É importante lembrar, porém, que, mesmo no 
livro, o fotógrafo não é dono absoluto de seu tra-
balho. Ele dividirá a responsabilidade final com 
todos os profissionais envolvidos na produção 
editorial e terá de levar em conta questões como 
a escolha do papel, formato, impressão, custo fi-
nal da obra. O posicionamento das fotos ao lon-
go do livro é outro ponto importante, muitas ve-
zes discutido entre fotógrafo e designer ou chefe 
de arte: uma estrutura bastante usada é formar 
pares entre as fotos, colocando-as lado a lado, 
seguindo uma lógica de semelhança ou de con-
traste de forma ou conteúdo. Com o designer, 
o fotógrafo também decidirá que fotos devem 
ocupar as páginas duplas ou quantos espaços 
em branco (“respirações” na sequência) haverá 
no livro. 
Outra vertente que hoje está tomando fôlego, na 
esteira do desenvolvimento de impressoras rápi-
das de boa qualidade e custo menor que as grá-
ficas tradicionais, é o fotolivro. Ele permite que 
o fotógrafo assuma integralmente a produção 
de seu objeto, retirando o aspecto mais “solene” 
de uma edição convencional, que geralmente 
conta com um aparato de textos, créditos etc., e 
dando-lhe todo o controle sobre seu trabalho. 
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Forma, composição, luz 
Em 2006, resolvi reunir em livro as fotos urbanas 
que havia produzido ao longo de minha trajetó-
ria. O resultado foi Cidades reveladas, no qual as 
imagens foram divididas em capítulos segundo 
os pressupostos da fotografia: composição, for-
ma, luz e sombra. Parto, assim, do livro para falar 
um pouco sobre esses temas. 
No capítulo “Forma”, apresentamos fotografias 
em que esse é o elemento mais evidente: uma 
árvore que projeta no chão sombras que tomam 
formas geométricas; a escada do Itamaraty vista 
“ao contrário”, de trás, assumindo o desenho de 
uma grande sombra elíptica (essa imagem re-
força um ponto já comentado: o fotógrafo deve 
buscar novos ângulos, buscar uma forma dife-
rente do habitual, descobrir aquilo que o objeto 
a ser fotografado pode oferecer e que não havia 
sido suspeitado). 
As fotografiasque compõem o capítulo “Com-
posição” guardam também esse aspecto de sur-
presa. Não sei precisar até que ponto minha for-
mação de arquiteto me impele a procurar certo 
equilíbrio nos elementos da fotografia; muitas 
vezes, porém, o interesse não é o rigor da sime-
tria, mas exatamente sua ruptura. O fotógrafo 
anda, ajeita-se, aproxima-se e afasta-se até que 
o campo esteja ocupado da forma que deseja; 
pode fotografar um momento fugidio ou espe-
rar muito tempo até que surja um elemento que 
deseja – uma pessoa, uma sombra. São esco-
lhas feitas caso a caso, para as quais concorrem, 
como sempre, o acaso e a intuição. Não é inco-
mum que a qualidade de uma foto só se revele a 
posteriori – no tempo das fotografias analógicas, 
na revelação; hoje, com as digitais, ao serem ob-
servadas na tela. 
Por fim, outro capítulo de Cidades reveladas dis-
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cute um ponto essencial: a luz (e a sombra). Uma 
regra que obedeço é acordar o mais cedo possí-
vel e ver o sol nascer. No começo da manhã, a luz 
resvala na parede dos edifícios, lhes dá relevo, di-
ferentemente da luz do meio-dia, que é dura, fria. 
Escadaria do Palácio do Itamaraty, Brasília, 2002 
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Arquitetura 
A arquitetura foi minha primeira escolha profis-
sional e sempre fez parte da minha vida. Vejo-a 
como um vestígio da evolução do conhecimen-
to humano, o resultado concreto dos avanços 
da técnica e da tecnologia: a pegada que cada 
época deixa para seus sucessores. Arquitetura e 
cidade são, em meu trabalho, dois temas corre-
latos que correm paralelos e eventualmente se 
sobrepõem. 
Edifício Copan, São Paulo, 1995
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Uma importante referência para meu trabalho 
foi o livro Looking at architecture, do fotógrafo 
e arquiteto americano George Everard Kidder-
-Smith, que apresenta, em ordem cronológica, 
grandes obras arquitetônicas de todo o mun-
do. O livro é uma homenagem à arquitetura, 
expondo seu caráter de testemunho de época 
e da capacidade criativa humana por meio de 
fotografias de grande qualidade – nunca óbvias 
ou literais. Foi a partir desse livro que decidi re-
gistrar, de forma mais sistemática, e à minha 
maneira – sem a organização rígida de Kidder-
-Smith –, construções de importância históri-
ca e arquitetônica. Fiz isso em longas séries de 
viagens, dentro de meu trabalho pessoal ou em 
projetos comissionados – entre estes, além do 
livro Patrimônio construído e do Programa Mo-
numenta, já mencionados, estão o projeto Tra-
ces of peoples, de documentação de cinco cida-
des polonesas, e a documentação fotográfica da 
reforma, construção e restauro dos edifícios do 
complexo Cidade Matarazzo, de São Paulo, regis-
trados ao longo de 7 anos. 
É claro que há grandes diferenças na forma de 
lidar com cada um deles. Fotografar a cidade é 
debruçar-se sobre um organismo vivo, mutável, 
que surpreende a cada momento; um concerto 
sem maestro, incontrolável. A arquitetura, por 
sua vez, já está organizada para ser vista; tem 
um caráter estático, de permanência. A surpresa, 
na fotografia de arquitetura, é mais sutil e deve 
ser revelada pelo fotógrafo, por meio da luz, da 
atenção ao detalhe, da escolha de um ângulo 
incomum – muitas vezes insuspeitado até pelo 
próprio arquiteto. 
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Preto e branco 
Descobri a fotografia quando conheci o trabalho 
de Henri Cartier-Bresson, André Kertész e Ro-
bert Frank, e esses três nomes se mantiveram 
sempre como minhas referências básicas. Essa 
circunstância explicaria, em parte, minha prefe-
rência pela fotografia em preto e branco. Outra 
explicação, também plausível, é minha formação 
analógica: o preto e branco permitia o domínio 
da técnica da revelação do filme, mais simplifi-
cada e barata do que a dos filmes coloridos. 
Isso tudo é fato, mas há um motivo mais impor-
tante e de ordem puramente estética na minha 
escolha: o preto e branco imprime dramaticida-
de, estranhamento, “clima” à foto. Ao retirar a cor 
das imagens, fico mais próximo do objetivo que 
persigo, que é o de apresentar uma representa-
ção particular, pessoal, do mundo real. Costumo 
recorrer a uma ideia do professor Antonio Can-
dido que, a meu ver, se aplica ao ofício do fotó-
grafo da forma como o entendo e pratico: inter-
pretar o mundo que vemos a nossa volta é um 
exercício permanente de desfazer a realidade 
para em seguida refazê-la, transformada. Uso a 
cor eventualmente, mas costumo deixá-la para 
trabalhos mais documentais, em que é impor-
tante apresentar o objeto fotografado de uma 
maneira mais literal. 
Uma curiosidade: com as câmeras analógicas es-
colhia-se de antemão se o filme usado seria colo-
rido ou preto e branco; hoje a escolha é posterior 
à foto. Posso fotografar, em princípio, no modo 
colorido e depois transformar o arquivo colorido 
em preto e branco. E é o que faço normalmente: 
uso a opção “cor”, que permite melhor resolução, 
e, no computador, passo para o preto e branco. 
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Vida útil do fotógrafo 
Há uma imagem um pouco romantizada do 
fotógrafo como aventureiro, quase um atleta, 
pronto para os maiores malabarismos em sua 
busca pela foto ideal. Há alguma verdade nisso: 
sobretudo o fotógrafo que trabalha nas ruas, e 
não em estúdio, tem de ter disposição física su-
ficiente pelo menos para conseguir se deslocar 
com suas pesadas câmeras e demais acessórios 
(uma mochila bem desenhada, portanto, faz 
parte do equipamento básico do profissional). A 
“vida útil” do fotógrafo – se é que se pode usar 
essa expressão mais adequada a produtos e coi-
sas – dependeria, portanto, desse vigor físico e 
estaria encerrada tão logo a idade começasse a 
impor limitações. 
Não é bem assim. É fácil apontar, ao longo da 
história, exemplos de fotógrafos que continua-
ram a trabalhar com a qualidade de sempre em 
idades em que muita gente se aposenta. Hen-
ri Cartier- Bresson, André Kertész, Robert Frank 
(como sempre, volto a essa tríade fundamental), 
Robert Doisneau e Jacques-Henri Lartigue pas-
saram dos 80 anos, alguns dos 90, em plena ati-
vidade. A segurança técnica, o conhecimento e a 
intuição apurada ao longo do tempo constituem 
o grande patrimônio do artista (de qualquer ar-
tista, não apenas do fotógrafo). No meu caso, a 
partir dos 50 anos realizei alguns de meus tra-
balhos mais significativos e de maior fôlego. A 
conclusão: tão importante quanto a boa forma 
física é a experiência acumulada, o olhar aten-
to, as boas ideias e o ingrediente indispensável: a 
paixão pelo ofício. 
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A fotografia acessível 
Assim como o estereótipo do fotógrafo como 
arrojado aventureiro não corresponde à realida-
de, também não é verdade que ele precise estar 
sempre de posse de equipamentos ultrassofisti-
cados. 
Para realizar um bom trabalho, não é necessá-
rio se equipar exageradamente com as últimas 
novidades (que, aliás, se sucedem a cada ano, 
tornando obsoletas câmeras perfeitamente ca-
pazes de realizar ótimos trabalhos). O que limita 
a atuação é a falta de boas ideias. Se as tivermos, 
bastam um velho celular e a compreensão de 
como fazer bom uso dele. Deixo claro que não 
romantizo a precariedade nem sou apegado a 
tecnologias antigas; apenas questiono a corrida 
incessante por inovações que nem sempre re-
presentam, de fato, mudanças na prática ou na 
qualidade do trabalho. A melhor tecnologia é a 
que responde à necessidade e ao desejo de ex-
pressão do artista. 
Repito: uma boa fotografia é resultado de um 
olhar sensível e de uma boa ideia, independen-
temente do equipamento usado. Acredito até 
que uma preocupação técnica excessiva muitas 
vezes atrapalha. Poderemos criar belas imagens 
com velhas câmeras ou com celulares, assim 
como falhar redondamente com uma câmera 
de último tipo. 
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Fotografar com o celular 
Num projeto recente, feito conjuntamente com 
o fotógrafo José Bassit, fotografei a avenida Pau-
lista com um celular. Foi uma experiência nova 
e interessante paramim, que confirmou que a 
boa fotografia independe do equipamento. A 
agilidade e a discrição do celular me permitiram 
fotografar pessoas e lugares de maneira espon-
tânea, o que não é pouco nos dias hoje, em que 
todos parecem desconfiados e vigilantes, e os 
entraves burocráticos se multiplicam. 
No entanto, essa mesma facilidade resulta na 
produção de um excesso de imagens, no vício de 
fotografar muito e de ver pouco. Cada vez mais 
nos deparamos com reflexões sobre os rumos da 
fotografia: produzida aos milhares, ela corre o ris-
co de perder o interesse e o impacto? 
Creio que há diferentes respostas para essa per-
gunta. A mais evidente é que a fotografia não é 
só para fotógrafos. É legítimo fotografar apenas 
para guardar momentos sem nenhuma preten-
são adicional, e devemos lembrar que a sensa-
ção de “banalização” já estava presente mesmo 
em tempos analógicos, à medida em que a tec-
nologia se disseminava e permitia que todos 
construíssem seu acervo de memórias guar-
dadas nos álbuns de família. O celular apenas 
potencializou esse impulso, e os velhos álbuns 
foram sendo substituídos por publicações em 
redes sociais. 
Num segundo plano, é possível fotografar com 
qualidade mesmo sem desejar ser profissional, 
assim como se pode tocar bem um instrumen-
to sem pretender ser concertista. Mais que o re-
gistro puramente afetivo, a fotografia nesse caso 
começa a ser uma forma de expressão e, sobre-
tudo, uma forma de olhar, uma forma de pensar. 
Se a ideia é ter mais que um registro para a me-
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mória, uma atitude menos voraz é importante. 
O fotógrafo tem a intenção de descobrir coisas, 
mas não olha a realidade pela lente o tempo 
todo. Existe aí um jogo de equilíbrio, um vaivém; 
é preciso saber olhar para as coisas a olho nu, sem 
intermediação, para perceber que cena pode se 
transformar em uma boa foto. Só então é que o 
observador olha através da câmera e organiza o 
que vê – e espera o momento certo, em que to-
dos os elementos se compõem da forma como 
deseja. Essa operação, que se torna inconsciente 
e intuitiva pela prática, é tão necessária na foto-
grafia com o celular quanto naquela feita com 
uma câmera cheia de recursos. 
Escada rolante na avenida Paulista, São Paulo, 2018
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Conselhos para novos fotógrafos 
O elemento indispensável, básico, para quem 
quer se tornar fotógrafo é o entusiasmo pelo ofí-
cio. A paixão é o motor que faz com que o fotó-
grafo amador ou profissional saia todos os dias, 
enfrente obstáculos, persiga a imagem, acerte, 
erre, aprimore-se. 
Outro elemento fundamental é, como venho re-
petindo, conhecimento: das artes em geral, das 
artes visuais, da fotografia em particular. Todo 
fotógrafo precisa conhecer a obra dos grandes 
fotógrafos, estudá-las e entender o contexto em 
que foram criadas. E precisa também conhecer 
o trabalho dos fotógrafos contemporâneos, sa-
ber o que fazem seus pares, cercar-se de bons 
profissionais. Cultura, curiosidade, interesse é o 
que dá consistência e sentido ao trabalho. 
Evidentemente que a profissão pressupõe al-
gum conhecimento técnico, que será apurado 
pela prática, pela observação do trabalho de ou-
tros fotógrafos e pelo estudo. Mas, muitas vezes, 
por várias limitações, não temos condições de 
tratar os arquivos digitais ou de revelar nossos 
próprios filmes. Daí a importância de nos cercar-
mos de profissionais competentes, técnicos que 
se tornam verdadeiros parceiros – tive a sorte de 
contar com companheiros como Rosângela An-
drade, que revelou meus filmes por muitos anos, 
e Marcos Ribeiro, que hoje cuida de meus arqui-
vos profissionais. 
Por fim, o fotógrafo conta com alguns fatores 
mais fugidios, difíceis de descrever com obje-
tividade, mas sempre presentes. Um deles é a 
intuição, de que já falei muito, e que é filha do 
exercício e da sensibilidade. O outro, inescapável, 
é a sorte – de encontrar um tema que se encai-
xe em seu desejo, de escolher o caminho certo, 
de estar presente no momento mágico em que 
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tudo acontece. Sei que isso é imponderável. Mas 
sinto que posso dizer aos novos fotógrafos: estu-
dem, olhem, pratiquem. E acreditem na sorte – 
ela sempre aparece. 
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Flanando por São Paulo, como sempre 
Sou um fotógrafo andarilho. E um fotógrafo de 
São Paulo. Minha relação com a cidade que for-
mou meu olhar é intensa e sempre renovada. 
Para quem sempre busca o inesperado, ela é 
inesgotável em seus múltiplos cantos de sereia. 
Meus planos são sempre desviados pelas surpre-
sas que se interpõem em meu caminho. 
Hoje volto ao centro e revejo lugares que fotogra-
fei muitas vezes, desde muito tempo. Em 1983, 
Escadas rolantes, São Paulo, 1983
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passei por um centro comercial na rua 24 de 
Maio e, curioso, subi por escadas rolantes que-
bradas até o último andar carregando meu pe-
sado equipamento. Ao me encostar no parapei-
to, vi as escadas rolantes abaixo de mim, numa 
espantosa composição geométrica. Para cap-
tá-la, tive de tirar a câmera do tripé e apontá-la 
para baixo, mas não conseguia olhar pelo visor. 
Tive sorte: a imagem captou a simetria da cena, 
preservando seu aspecto de máquina, de engre-
nagem. Ali, há 40 anos, percebi que era possível 
falar da cidade por meio de seus detalhes, sem 
recorrer aos discursos mais desgastados. 
Também no centro paulistano fotografei, em 
1986, a avenida São João do alto do Edifício Ba-
nespa. O sol entre as nuvens refletia-se sobre o 
asfalto transformando a avenida num facho de 
luz. Um momento mágico que tive a sorte de 
presenciar, em uma circunstância – o dia enco-
berto – talvez considerada pouco adequada para 
a fotografia. Essas fotos se tornaram conhecidas 
e continuam entre minhas preferidas, pela histó-
ria por trás delas e pelo resultado. 
Flano pela cidade dando tanta atenção ao que 
é novo e preservado quanto ao que está degra-
dado ou em ruínas. As coisas abandonadas têm 
alma. Entre os japoneses há uma palavra – kint-
sugi – que designa a beleza das coisas quebradas. 
Quando um vaso quebra, eles o colam deixando 
o remendo aparente, ou usando como adesivo 
um material precioso que destaca e enobrece a 
rachadura. Para o fotógrafo, as cicatrizes das ci-
dades, em sua superposição de vidas e histórias, 
pelo eterno movimento de destruição e recons-
trução, são pontos de luz. 
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Capela de Santa Luzia, São Paulo, 2018
Este material de apoio é parte do curso Fotografia 
e Cidade. A formação é gratuita e está disponível 
na plataforma de educação a distância do Sesc São 
Paulo: www.sescsp.org.br/ead
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