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capítulo 5 O papel do professor na sociedade digital Vani Moreira Kenski 5.10 que é um professor, afinal? Pensar no papel do professor no atual estágio da sociedade é identificar uma multiplicidade de ações diferentes para a mesma função. O que vem a ser na atualidade este profissional, no final das contas? Indagar a professores, de diversos níveis e formações, nos mostra caminhos abertos para a reflexão. Pessimistas, uns falam da não continuidade da profissão no futuro próximo, submersa em meio às inúmeras Inovações tecnológicas que crescem exponen- cialmente. Mais pessimistas ainda, outros nos dizem sobre as dificuldades de se manter o lado artesanal da função: a aula planejada dia após dia, transfor- mada a todo instante em meio às clrcunstâncias de cada classe. Um ensino "à Ia carte", dispendioso e difícil, impossível de ser reproduzido. Considera-se o fim do professor-artesão e, por extensão, o da profissão docente. Por outro lado, a sociedade — estimulada pelas opiniões veiculadas pela indústria da comunicação — discute o ato de ensinar não mais apenas como função deste Profissional. Na lógica publicitária apresentada em algumas "organizações de aprendizagem", o mérito de ensinar na sociedade contemporânea seria Para a utilização plena de "bons programas eletrônicos", plenos de recursos e que não dependem mais da intervenção do docente. Permitem que "todos aPrendam sozinhos". Aprendem? Alguma coisa, sim. Tudo? Com certeza, não. Independem de professor? Será? Retomo a pergunta inicial: o que é um professor na sociedade digital, afinal? Respondem-me alunos de pós-graduação e de cursos de Pedagogia e Cenciaturas, a maioria também docentes. "Um profissional que persiste, apesar de tudo" dizem uns. "Alguém que, ironicamente, quer sempre aprender", é a 94 ENSINAR A ENSINAR opinião de outro. Comecemos por aí. Esta é talvez uma das principais ticas desse profissional: a preocupação com a atualização de seus conhecimentos e práticas, a melhoria do seu desempenho. Apesar das dificuldades inerentes à profissão, o que vemos no cotidiano das universidades é o crescente número de professores em busca de novos conhecimentos; professores que enchem as salas dos cursos de atualiz açào participam de seminários, simpósios e congressos, compram livros e estudam espontaneamente. Professores que desejam mudar sua maneira de ensinar, que querem se adaptar às exigências educacionais dos novos tempos, que sentem que a sociedade (assim como os conhecimentos e a cultura em sentido amplo) mudou e anseiam acompanhar o ritmo dessas alterações. Almejam oferecer ensino de qualidade, adequado aos novos tempos, às novas exigências sociais e profissionais. Colocam-se profissionalmente como mestres e aprendizes, com a expectativa de que, por meio da interaçào estabelecida na "comunicação didática" com os alunos, conforme nos diz Amélia A. D. Castro, a aprendiza- gem aconteça para ambos. São estes os profissionais que buscam transformar a açào docente no atual momento da sociedade. Eles sabem que o papel do professor se altera, e muito, na nova sociedade digital. Em alguns sentidos se amplia, mas não se extingue. 5.2 Funções estruturais da ação docente A análise da açào docente na sociedade contemporânea nos mostra a existência de algumas funções que eu chamaria de estruturais, ou seja, que definem o papel do professor como profissional que responde às expectativas da sociedade. Estas funções não são necessariamente novas. Ao contrári0' abstraindo diferentes contextos espaço-temporais, elas resistem às mais di- versas inovações ocorridas na área educacional. Neste sentido, são inerentes à açào docente, portanto, estruturais. Indo contra a corrente da proposta de um professor cibernético, minha reflexão encaminha-se para a valorizaçã0 do professor como pessoa. Pessoa que em todas as épocas lida com outras (jovens, adultos, crianças.) , mediando interações comunicativas no ato de ensinar e aprender. E neste papel de professor-pessoa que vou buscar 0 que caracteriza a sua açào, sua função como aquele que ensina e, ao ensinar' também aprende. Entre as múltiplas ações existentes na atuaçào do docente de todos os tempos destaco algumas, para efeito de análise neste texto. Elas estão ligadas ao desempenho do professor como, em primeiro lugar, um agente de memófld' CAPíTUL05 | 0 PAPEL DO PROFESSOR NA SOCIEDADE DIGITAL 95 rofissional responsável, entre outras coisas, pela manutenção da memória Uni p dal ele compete cultura a aquisição, de certo grupo reflexão, social transmissão em determinado e manutenção momento. de aspectos valorizados peIa de memória, o professor é capaz de realizar interações e inter- Como agente câmbios entre linguagens, espaços, tempos e conhecimentos (pontes temporais, sociais, tecnológicas) diferenciados. Cria também pontes entre os estudantes que têm acesso ilimitado aos mais avançados equipamentos e tecnologias e os que dependem exclusivamente do espaço escolar para ingressar e vivenciar experiências nestas novas dimensões de ensino. Outra função inerente ao papel do professor em todos os tempos diz respeito à sua açào como agente de valores, aquele que influencia os comporta- mentos e atitudes de seus alunos. Neste mesmo sentido, é também o profis- sional capaz de estimular a identidade (individual e grupal) e a sociabilidade com e entre seus alunos. Um papel estrutural do docente é ser também agente das inovações. O profissional que vai auxiliar na compreensão, utilização, aplicação e avaliação crítica das inovações surgidas em todas as épocas, requeridas ou incorporadas à cultura escolar. Essas categorias ou funções, edificadas na açào docente, não se excluem ou se apresentam separadamente no ato de ensinar/ aprender. Ao contrário, elas aparecem na atividade cotidiana do professor sem ser anunciadas, em um processo de mixagens instantâneas do ser, de acordo com as necessidades e com a realidade de cada momento. Para efeito de uma análise mais direcionada, no entanto, vamos examlnar isoladamente cada uma delas. 5.2.10 professor, agente da memória Oprofessor, agente da memória social informal A escola é um local de transmissão e manutenção da memória social. Nela, traba- -se com o conhecimento valorizado pela sociedade, operacionalmente segmen- tad0 em áreas, cursos, disciplinas e séries. A escola centraliza suas preocupaçõesem alguns aspectos do conhecimento. Por isso, promove um determinado tipo de Educação -- educação escolar — respeitada socialmente e indicadora (por meio desuas avaliações e certificados), diante do grupo social, do grau de conhecimentose da formação que cada aluno foi capaz de atingir em sua trajetória escolar.A função limitada da escola — de todos os níveis — ao ensino de deter- Instituição de memória social competências informal. não As memórias restringe sua de plena um grupo atuaçào social comoconhecimentos e 96 ENSINAR A ENSINAR incorporadas nas linguagens, histórias, lendas, canções, relaçÕes brincadeiras e rituais, festas, tradições, nos hábitos e nos mitos estão manentemente presentes nas escolas de todos os tempos por meio das ações e interações espontâneas entre professores, alunos e demais pessoas que pot ali circulam. Nos espaços das salas de aula — independentemente do programa e da matéria que estiver sendo desenvolvida — trocam-se ideias e Recuperam-se memórias sociais: atitudes, hábitos e valores respeitados pelo grupo ao qual a escola pertence. Incorporam-se comportamentos caracterís_ ticos da instituição de ensino e que passam a fazer parte dos procedimentos — formais e informais — de professores e alunos. A "cultura escolar" — memória informal transmitida nesse convívio -é apreendida e marca a maneira de agir dos alunos. Eles aprendem, nas interações com seus colegas e mestres, algo mais que o conteúdo das disciplinas. Adquirem posturas e linguagens que identificam a formação, a origem escolar. Uma certa "aura" ou estilo que vai permear muitas de suasações durante toda sua vida. O Professor, agente da memória educativa A memória educativa caracterlza-se pelo conjunto de conhecimentos, informa- ções e posicionamentos teóricos que constituem os acervos e as particularidades de determinada instituição de ensino. Utiliza-se do conhecimento científico e da memória social geral para oferecer um corpo específico de referências, de acordo com os objetivos e o projeto da escola. Ser agente da memória educativa é talvez o principal papel do profes- sor em todos os tempos. Na memória educativa incluem-se os mais diversos objetivos da açào docente. A açào específica da escola — que a distingue das demais — apresenta-se principalmente por meio de seu acervo de conteúdo existentes nas diversas disciplinas, metodologias e práticas curriculares. Os conhecimentos teóricos, técnicas, habilidades, atitudes, ritos pedagógicos (como a avaliação, por exemplo) etc. ensinados e praticados nos diversos níveis de ensino constituem acervos valorizados pelo sistema educacion e pela sociedade. Variam de acordo com os objetivos e especificidades de cada instituição, de cada época. Espelham como cada grupo identifica o que seriam os conhecimentos básicos para ser ensinados/aprendidos ca Sâ0 estágio da civilização. Reflete maneiras específicas de pensar, sentir, agir' também formas particulares de classificar, identificar e valorizar socialmente o aluno bom e o ruim, o que sabe e o que não sabe, o que vai ser aprova o que será reprovado. CAPíTULO 5 | 0 PAPEL DO PROFESSOR NA SOCIEDADE DIGITAL 97 O domínio do conhecimento pelo professor em sua área de atuação é um dos pontos básicos de sua ação profissional como agente da memória educativa em todos os tempos. Este domínio, no entanto, precisa ser compreendido não mais apenas como aquisição de seu acervo próprio de conhecimentos, mas também pela sua capacidade permanente de questionar sua relação com esse conhecimento, de refletir e ir além. Neste sentido, colocar-se em estado permanente de aprendizagem é um aspecto estrutural da açào do docente. Esta disposição reflete-se no papel do professor em sala de aula por uma atitude propícia à interaçào e ao questionamento: com outros professores, com seus alunos e com todas as formas possíveis de ampliação e atualização de seu acervo pessoal de informações e saberes. Criam-se, assim, instantes em que o conteúdo da disciplina — a memória educativa em seu sentido mais estreito — é colocado não mais como certezas e verdadesPessoais, mas como um espaço de ousadias e descobertas, sempre aberto para novas aprendizagens. Oprofessor, agente de memória na sociedade digital No atual estágio da sociedade digital — em que conhecimentos e práticas edu- cativas não são mais apenas atribuições específicas das instituições tradicionais de ensino —, o professor amplia, não reduz, sua função de agente da memória educativa. Na sociedadepedagógica, '6m que a formação contínua e a aprendizagem a distância, sempre e em todo lado presente nas redes universais, se reunirão às bibliotecas, escolas e universidades ", como diz Serres (1996, p. 134), cabe ao professor coordenar a açào e a reflexão sobre o processo de definição das memórias educativas — metamorfoseadas em saberes e práticas — que cons- tituirào o acervo de conhecimentos valorizados e referendados socialmente. NO universo de dados apresentados pelos media e dispositivos eletrônicos de última geração, o papel do professor deverá ser o de estimular e atuar junto com os alunos para recuperar a origem e a memória do saber, estabelecer uma certa ordem e direcionamento para as práticas, os conhecimentos, as vivências e POSicionamentos apreendidos nos mais variados ambientes e equipamentos: dos livros aos computadores, redes e ambientes virtuais. Atuando com seus alunos em sala de aula ou nas mais diferenciadas formas de ensino on-line, o professor dinamiza a açào didática em atividades orientadas de busca, ordenação, organização, reflexão e crítica dos dados co- letados nas redes, transformando-os em acervos informativos educacionais, Por meio dos quais a aprendizagem coletiva, a memória do conhecimento escolar globalizado se faz. 98 ENSINARA ENSINAR O professor, como agente de memória — em um mundo que para a frente", sempre em busca do mais novo, 0 mais veloz, 0 mais — funciona também como a pessoa que leva as novas gerações a recuperar opassado, a discutir suas origens, histórias, sua memória social, a identificat avanços e recuos nas ciências, nos saberes e no processo civilizatório. Aaprender com o passado e a respeitá-lo como construção socialmente importante quanto o momento presente e as projeções de futuro. O professor como agente de memória educativa, leva os alunos a descobrir o sentido das coisas consideradas pontualmente importantes no presente e suas variações em outras épocas, a estabelecer relações entre tudo o que veio antes e virá (em termos de construções científicas e sociais), a identificar processos e descobertas que colocam esses saberes e práticas em permanente discussàoe ajuda seus alunos, como já dizia Babin, a conhecer suas origens, identidades e memória social na civilização que faz perdê-la". (1981, p. 165) A mais importante transformação no papel do professor como agente de memória educativa na sociedade digital é a de que, a partir das atividades realizadas interativamente com outras realidades e grupos sociais via redes, a escola deixa de ser uma instituição fechada e autocentrada para transformar-se em um espaço de trocas — informações e conhecimentos — com outras pessoas e instituições diferenciadas, no país e no mundo. "A utilização das múltiplas formas de interaçào e comunicação via redes amplia as áreas de atuaçào das escolas, colocando-as em um plano de intercâmbios e de cooperação interna- cional real, com instituições educacionais, culturais e outras que sejam de seus interesses." (Kenski, 1999). Neste sentido, o professor torna-se peça-chave para promover o conhecimento, o respeito e a integração de seus estudantes com as especificidades e tradições características dos diferenciados grupos aos quais eles têm acesso e com os quais se articulam no processo de aprender• O papel do professor como agente da memória na sociedade digital é, principalmente, o de ajudar seus alunos a se compreenderem como paro - cipantes de um grande e complexo grupo social, com tradições e processos civilizatórios diferenciados. Procurar, mediante a integração dessas diferenças' alcançar a utopia proposta por Pierre Lévy (1999) , do coletivo inteligente em direçáo à ecologia cognitiva que une a totalidade de seres — homens e máquinas santes, contribuindo todos para a memória coletiva comum, em permanente processo de ampliação e transformação. ode Esta universalização do processo educacional, no entanto, não P deixar de ser acompanhada da valorização dos aspectos que caracterizam • dariedade e caráter regional do ensino e o fortalecimento da cidadania, da rio do respeito entre os povos. Todos precisam se sentir cidadãos do seu prop CAPíTULO 5 | 0 PAPEL DO PROFESSOR NA SOCIEDADE DIGITAL 99 do mundo. Processos de intenção, colaboração e respeito às diferenças precisam ser e cionais. Neste aspecto, o papel do professor será, sobretudo, o de orientar seus alunos (e a si mesmo) a respeitar e a aprender por meio de trocas virtuais (e/ou presenciais) com seus colegas de classe e outras pessoas e alunos de diferentes culturas, idiomas e realidade social. Criar também pontes entre os estudantes que têm acesso ilimitado aos mais avançados equipamentos e tecnologias e os que dependem exclusivamente do espaço escolar para ingressar e vivenciar experiências nas novas dimensões de ensino. E assim capaz de realizar na ação docente interações e intercâmbios entre linguagens, espaços, tempos e conheci- mentos (pontes temporais, sociais, tecnológicas) diferenciados. 5.2.2 0 professor, agente de valores da sociedade ValoresPessoais no comportamento dodocente O professor é um comunicador, um formador de opiniões, hábitos e atitudes. No convívio regular com seus alunos, ele orienta e identifica o caminho a ser seguido. Ele faz escolhas que se refletem em seus aprendizes. Mesmo nas situações educacionais mais restritas, quando do cumprimento de programas fechados — sem margens para interações mais democráticas e trabalho coope- ratlvo— a forma como ele ensina (ou seja, tece mediações entre o conhecimento a ser trabalhado, suas posições diante deste conhecimento e as especificidades dos seus alunos) define valores. A cultura escolar disciplinar (no que diz respeito aos prêmios, castigos, Práticas, atitudes valorizadas, rituais etc.) estabelecida nos regimentos e nafilosofia da instituição de ensino tem no professor o seu principal agente deaplicação. Em muitos casos, ele reinterpreta essas disposições de acordo comPosicionamentos e valores pessoais. No espaço fisicamente restrito das salas deOu nos amplos ambientes das aulas virtuais, sua ação é fundamental para adefinição de regras de convivência, formas de ação, atitudes e comportamentosque vigorarão na dinâmica das interações com e entre seus alunos. soal papel do professor como agente de valores é uma construção pes-e Original. Estes valores pessoais resultam de um conjunto de fatores queenvolvem, entre outros, a competência do docente para ensinar determinada aula a, sua maneira de se relacionar com os alunos nas situações de sala dee sua postura como pessoa e como profissional, aberto (ou não) ao diálogodescoberta de novos caminhos para 0 ensino e aprendizagem (sua e de seus 100 ENSINARA ENSINAR alunos). Cada professor tem sua maneira específica de agir (logo pelos alunos) e de se comunicar. Estas especificidades da do docenterefletem - com maior ou menor intensidade - nas reações e comportamentos dos alunos em relação ao próprio professor, à disciplina ensinada, aos colegasà escola como um todo e aos demais professores. Estes valores se reproduzeme marcam os alunos, em muitos casos, com aprendizagens mais significativas doque as próprias informações apresentadas na disciplina. Nas rememorações os alunos esquecem os conteúdos de muitas das matérias, mas as atitudes evalores adquiridos no convívio e no exemplo de seus professores permanecem incorporados aos seus comportamentos, às suas lembranças. Valores do docente em relação ao conhecimento Na escola, terñtório em que supostamente predomina a leitura e a escrita, a ora- lidade nunca foi apartada. É pela voz e dos gestos do professor que os alunos são encaminhados na compreensão e análise dos saberes existentes nos textos, nos livros, nos sites e na internet em sentido amplo. A forma oral de transmis- são das informações faz recortes, seleciona, valoriza e reinterpreta a suposta objetividade do texto. E através da fala que os saberes socialmente valorizados são trabalhados como leituras pessoais que o professor tem diante daqueles conhecimentos. Suas atitudes diante do conhecimento influenciam direta ou indiretamente o comportamento intelectual de seus alunos. Gostar ou não de determinada disciplina ou matéria muitas vezes tem origem na relação do aluno com professores que comunicam junto com a informação o seu entusiasmo ou desencanto com o tema. O professor, quando ensina, não apresenta apenas a informação. Ele seduz com a informação. Cria um clima favorável ou não a partir da maneira como apresenta e desenvolve o tema com seus alunos. Através das mais diversas práticas e linguagens comunicativas, o professor reinterpreta os dados da informação e os transforma em mensagem, que vai ser recebida e recodificada diferenciada e individualmente pelos alunos. Não apenas puro saber nem somente sensações, mas um ensemb16 conjunto complexo, em que se misturam raciocínios lógicos, sentimentos, emoções e, sobretudo, valores que permanecem agregados às informações apreendidas O Professor, agente de valores na sociedade digital A sociedade contemporânea caracteriza-se pela complexidade, incerteza e velocidade de suas mudanças em todos os sentidos. A imprevisibilidade da época gera desafios permanentes que se refletem diretamente na açã0 docente, CAPíTULO 5 | 0 PAPEL DO PROFESSOR NA SOCIEDADE DIGITAL 101 0 professor de todos os níveis de ensino não pode mais se postar diante do conhecimento como "aquele que sabe", mas sim como "aquele que pesquisa". pesquisa, aqui entendida como procedimento docente, requer colaboração e ousadia. E preciso surpreender o conhecimento, desvendá-lo, estabelecer relações inusitadas, mas que sejam significativamente importantes para o avanço na construção individual do saber. Esta açào, porém, não é fruto apenas de trabalho solitário do sujeito que quer aprender. O estímulo à colaboração e a produção e açào em equipe para a superação de desafios de aprendizagem, aqui vistos na perspectiva dos valores que lhes são agregados, são procedimentos que exigrào ações definidoras do professor para que sejam bem-sucedidos. Além disso, nos ambientes virtuais de aprendizagem, o professor pode se dedicar a um processo intensivo de interação personalizada com cada um dos alunos de suas turmas (o que é praticamente impossível de ocorrer nos restritos tempos das aulas presenciais) estimulando-o a se comunicar e interagir com os demais participantes do mesmo espaço de aprendizagem. Ele tem melhores condições temporais para responder às perguntas e orientar as dúvidas de seus alunos. Seu papel como membro e articulador do trabalho em colaboração com todos os envolvidos — alunos, principalmente — requer o estabelecimento claro de valores e regras de comportamento que permearão toda açào no meio digital. Em primeiro lugar, é necessária a instituição de formas de convivên- Cia entre todos e a formação de um ambiente social amigável. Um clima de confiança e amizade em que haja respeito às diferenças individuais e estímulo à existência de um espírito interno de grupo; que propicie a construção não apenas do conhecimento, mas de uma rede de valores éticos e morais voltados à cooperação e colaboração entre todos. Na atualidade, a velocidade das inovações e das mudanças, " [...] desde os saberes científicos aos costumes [...]", [produz] "[...] continuamente situações e Problemáticas novas que deixam confusos e perturbados, muitas vezes de modo dramático, os indivíduos, os grupos e as instituições" (Nóvoa, 1992). Compete ao professor recuperar o respeito entre as pessoas, a solidariedade e a liberdade para se colocarem livremente conscientes da importância da Contribuição pessoal na construção do pensamento comum. Desponta entre os valores inerentes à função docente a preocupação na formação de cidadãos, conscientes de suas responsabilidades, orientados para açào social de qualidade não apenas no perímetro restrito do seu espaço Vivencial local, mas sem fronteiras, em todo o mundo. 102 ENSINARA ENSINAR 5.2.3 0 professor, agente das inovações Os papel do professor em todas as épocas é ser o arauto Permanente das inovações existentes. Ensinar é fazer conhecido o desconhecido. Agente das inovações por excelência, o professor aproxima o aprendiz das vidades, descobertas, informações e notícias orientadas para a efetivação da aprendizagem. Um novo momento da realidade escolar apresenta-se na atualidade, em que o eixo de veiculação dos conhecimentos a serem trabalhados na escola não se dá exclusivamente nesse espaço social. No atual estágio da sociedade as informações e inovações encontram-se disponíveis nos múltiplos media e sobretudo, nos ambientes virtuais acessíveis via redes. Um conhecimento fragmen- tário, bem mais facilmente acessível que um livro impresso. Um conhecimento sedutor, que se apresenta com todos os recursos de sons, cores, imagens e movimentos; que pode ser acessado em qualquer instante, sem restrições. Pela velocidade das mudanças, essas informações são, quase sempre, provisórias, múltiplas, díspares, confusas, paradoxais. Um excesso de dados que precisam ser compreendidos,discutidos e trabalhados coletivamente para serem apreen- didos e analisados criticamente. E em meio a esta multiplicidade de informações que o professor deve estar presente como agente de inovações em um novo sentido. Seu papel, neste momento, não será anunciar a informação, mas orientar, promover a discussão, estimular a reflexão crítica diante dos dados disponíveis nas mais variadas fon- tes. Possibilitar aos alunos a triagem destas informações e o estabelecimento de oportunidades para a reflexão, o debate e a identificação da qualidade do que lhes é oferecido pelos inúmeros canais por onde os conhecimentos disponibilizados. Neste sentido, ele é o profissional que vai auxiliar na com- preensão, utilização, aplicação e avaliação crítica das inovações, em sentido amplo, requeridas pela cultura escolar. Como diz Lévy (1999), o professor se torna o ponto de referência para orientar seus alunos no processo individualizado de aquisição de conhecimen- tos. Oferece oportunidades para o desenvolvimento de processos de construção coletiva do saber por meio de estratégias de colaboração, formação de redes e grupos de discussão on-line e comunidades de prática. Nessas novas confie gurações, os alunos são estimulados a superar desafios, desenvolver projetos e outras açôes coletivas, de A competência do docente deve compreender a busca e a proposição ações desafiadoras no sentido de incentivar a aprendizagem e o pensamento O professor torna-se o animador da inteligência coletiva dos grupos que estão a CAPíTULO 5 | 0 PAPEL DO PROFESSOR NA SOCIEDADE DIGITAL 103 seu encargo. Sua atividade será centrada no acompanhamento e na gestão das aprendizagens: o incitamento à troca de saberes, a mediação relacional e simbólica, a pilotagem personalizada dos percursos de aprendizagem etc. (Léw, 1999, p. 171). O professor, agente das inovações, é um incansável pesquisador, um pro- fissional que aceita os desafios e a imprevisibilidade da época para avançar no conhecimento e definir seus caminhos a cada instante. Em um mundo que muda rapidamente, o professor deve estar preparado para auxiliar seus alunos a lidarem com estas inovações, a analisarem situações com- plexas e inesperadas; a desenvolverem suas criatividades; a utilizarem outros tipos de "racionalidades": a imaginação criadora, a sensibilidade táctil, visual e auditiva, entre outras. (Kenski, 1999) Oprofessor, agente criador e estimulador de inovações Nos sistemas avançados de ensino a distância, a pseudo-objetividade da informa- ção parece dispensar a Interferência humana no processo educativo. Na verdade, esta possibilidade de ensino está cada dia mais integrada às formas tradicionais (e presenciais) de educação escolar. Com os recursos das redes, os estudantes podem usufruir formas híbridas de ensino (semipresenciais e a distância) com os mais diferenciados formatos. São blogues, wikis, MOOCs, videoaulas, diver- sos games interativos e os mais inovadores dispositivos tecnológicos digitais. Tecnologias imersivas e interativas, tais como realidade virtual, vídeos imersivos e realidade aumentada, podem ser utilizadas em processos didáticos e projetos educacionais diversos. Como dizia Tofler, em 1998, "[...] uma outra maneira de dizer e de fazer educação se anuncia e se faz necessária". Para ação do docente nessas novas realidades há que se ir além do conhecimento da lógica de funcio- n amento desses dispositivos e conhecer novos métodos adequados às finalidades da proposta pedagógica que valida o uso dessas inovações. Neste processo, a implantação de inovações tecnológicas estruturais viabiliza 0 uso de novos dispositivos digitais nas escolas, pelos alunos e pro- fessores. A primeira é a ampliação das redes wi-fi e a largura de banda. Elas Possibilitam a democratização do acesso e a possibilidade ubíqua de conexão a qualquer tempo. Complementar a essas novas realidades está a difusão ex- tensiva dos REA (recursos educacionais abertos), gratuitos e livres, possíveis ser Utilizados em diferenciados tipos de atividades on-line, presenciais -- em salas de aula e laboratórios — ou a distância. Smartphones, tablets e inúmeross Positivos móveis complementam essas condições básicas para acesso e 104 ENSINARA ENSINAR viabilizam o desenvolvimento de inúmeras ações educacionai colaborações mediadas pelos dispositivos e redes digitais. s, Interações e Nesta nova realidade educacional, torna-se impossível a açào isolada doprofessor como provedor de conhecimentos. Reunidos em equipes, sobretudo com seus alunos, professores assumem papéis diferenciados, que, segundo Berge (1995), dizem respeito a quatro áreas: pedagógica, social, gerencial e técnica. Na pedagógica, o professor é o orientador do caminho a ser seguido para o desen_ volvimento do curso. Na área social, cabe a ele o papel de criação de ambiente social favorável à comunicação interpessoal, procurando formas de integração grupal. Faz perguntas, estimula a apresentação de respostas e comentários de todos os alunos, encaminhando-os para a análise e reflexão crítica das informa- ções disponíveis nas redes e demais espaços virtuais. Sua função gerencial é definir horários, prazos, regras e o próprio ritmo de atividades do curso. A área técnica é a garantia de familiaridade do professor com a tecnologia em uso para desenvolver o curso on-line. E preciso também garantir que os alunos estejam seguros e dominem os procedimentos requeri- dos no ambiente digital para orientar seus esforços em direção aos objetivos do processo de aprendizagem. As tecnologias digitais permitem ao professor trabalhar na frontein do conhecimento que pretende ensinar. Mais ainda, possibilitam que ele e seus alunos possam ir além e inovar, produzir blogues, portfólios, e-books e usar de forma criativa o conteúdo aprendido. Inovar também na forma como são viabilizadas as produções nos espaços das redes. Para isso, além do domínio competente para promover ensino de qualidade, é preciso ter um razoável conhecimento das possibilidades de uso do computador, das redes e de de mais dispositivos digitais que pretenda utilizar em variadas e diferenciadas atividades de aprendizagem. Além disso, é necessário também identificar quais as melhores maneiras de uso destas e de outras tecnologias avançadas para a abordagem de determinado tema em um projeto específico, de maneira a aliar as especificidades do "suporte" tecnológico ao objetivo maior da qualidade de ensino que pretende oferecer. Na sociedade digital, o papel dos professores se amplia, ao invés de se extinguir. Novas qualificações para estes professores são exigidas, mas, ao mesmo novas oportunidades de ensino se apresentam. Os projetos de educação pe nente, as diversas instituições e cursos que podem ser oferecidos para to níveis de ensino e para todas as idades, a internacionalização do ensino CAPíTULO 5 | 0 PAPEL DO PROFESSOR NA SOCIEDADE DIGITAL 105 das redes — criam diferentes oportunidades educacionais para aqueles professo- res que aceitam estes desafios e se colocam abertos a estas novas e estimulantes funções. (Kenski,1999) Retomo, ao final, à pergunta inicial. O que é um professor na sociedade diótal? Qual é o seu papel? Respondem-me a minha própria experiência, os teóricos contemporâneos e todos os demais profissionais que vivenciam a com- plexidade da Educação na atualidade: o professor competente, que corresponde às necessidades de ensino do momento, é um profissional necessário. Seu papel, no processo de ensinar/ aprender, é o de usar, compartilhar, produzir e refletir com os seus estudantes sobre os conhecimentos apreendidos e trabalhados a partir das informações disponíveis nos espaços digitais. Além disso, sua ação deverá permitir a possibilidade de se criar elos e relações entre a realidade atual e as memórias de todos os tempos. Mais ainda, este professor precisa estabelecer uma cartografia de saberes, valores, pensamentos e atitudes a partir da qual possa instigar criticamente seus alunosem relação ao conhecimento e motivá-los a ir além, em busca do novo. E no novo, a eterna busca do ser, melhor, em todos os sentidos. Bibliografia BABIN, P.; KOULOUMDJIAN, M.-E os novos modos de compreender. A geração do audiovisual e do computador. São Paulo: Paulinas, 1989. BERGE, Z. L. The role of the online instructor/facilitator. 1995. Disponível em: <http://jan.ucc.nau.edu/—mpc3/mode- rate/teach_online.html>. Acesso em: 1995. CASTELLS, M. A sociedade em rede. 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