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Fonogramas e Performance no Choro

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PESSOA, Felipe; FREIRE, Ricardo Dourado. Fonogramas, performance e musicologia no universo do choro. Música 
Popular em Revista, Campinas, ano 2, v. 1, p. 34-58, jul.-dez. 2013. 
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Fonogramas, performance e 
musicologia no universo do choro 
 
FELIPE PESSOA* 
RICARDO DOURADO FREIRE** 
 
RESUMO: A música urbana do século XX tornou-se popular a partir da divulgação 
realizada por meio das tecnologias de difusão, sendo que o rádio e o disco podem ser 
considerados importantes meios de transmissão das performances musicais. A tecnologia de 
gravação permitiu a fixação das realizações musicais por meio de fonogramas que então se 
tornam paradigmas para a recepção e aprendizagem de novos estilos musicais. As 
transformações na tecnologia de captação e registro dos fonogramas auxiliaram a definir a 
própria percepção dos objetos sonoros. O que foi gravado, no início das gravações mecânicas, 
tornou-se referência principal para os músicos de outras cidades e estados, que passam a tocar 
a partir da imitação das performances gravadas e não somente por meio de partituras ou 
performances ao vivo. No caso do choro, todo a construção dos acompanhamentos realizados 
pelos violões, cavaquinho e pandeiro sofreram influências tanto dos fonogramas quanto do 
rádio. A tecnologia de captação elétrica, que permitiu o registro e a transmissão dos 
programas musicais, aconteceu quando cantores e solistas instrumentais se apresentavam 
acompanhados pelos conjuntos regionais. A gravação estereofônica, desenvolvida a partir da 
década de 1950, possibilitou que instrumentos fossem gravados de maneira separada, e em 
várias tomadas, o que permitiu um maior grau de precisão e clareza musicais. A relação 
dialógica entre estilo de performance e tecnologia oferece subsídios para a musicologia abordar 
o desenvolvimento do Choro a partir das alterações que acontecem no contexto, permitindo a 
compreensão da relação entre artista e o meio no qual ele está inserido. 
PALAVRAS-CHAVE: musicologia, música brasileira, Choro, Performance, fonogramas 
 
Recordings, performance and musicology 
in the universe of Choro 
 
ABSTRACT: The urban music of Brazil became popular through the use of media and 
recordings, and the radio and the disc can be thought as important means of transmission of 
musical performances. The recording technology allowed the settlement of musical 
productions through recordings that became paradigms for reception and learning new 
musical styles. The changes in recording technologies helped to define the very perception of 
 
* Felipe Pessoa possui Mestrado em Música pela Universidade de Brasília e é professor da Escola de 
Música de Brasília. E-mail: felipe7cordas@gmail.com 
** Ricardo Dourado Freire possui Licenciatura em Música pela Universidade de Brasília (1992), 
Bacharelado em Música pela Universidade de Brasília (1991), Master of Music - Michigan State 
University (1994) e Doctoral In Musical Arts - Michigan State University (2000). Atualmente é 
presidente da Associação Brasileira de Clarinetistas e professor associado da Universidade de Brasília. 
E-mail: freireri@unb.br 
 
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sound objects. The mechanical recordings became the main reference for musicians of several 
cities and states, and they started to play by imitating recording performances and not only 
through scores or live performances. In the case of Choro, the construction of accompaniment 
by guitars, cavaquinho and pandeiro was influenced both by the recordings and by the 
radio. The electric recording, that allowed the recording and the broadcasting of musical 
programs, was established when singers and instrumental soloists showed themselves 
accompanied by the Regional group. The stereophonic recording, that was developing during 
the 1950s, enabled instruments to be recorded in a separate manner, which allowed a greater 
precision and musical clarity. The dialogic relation between performance style and technology 
offers subvention for the Musicology to approach Choro development from the changes in 
the context, enabling the comprehension of the relationship between the artist and the medium 
he is inserted. 
KEYWORDS: Musicology, Brazilian music, Choro, Performance, recordings 
 
 
 
 
 musicologia abrange de maneira ampla o estudo da música nas suas 
diversas manifestações e formas de documentação. No Brasil, as questões 
culturais têm sido estudadas desde o início do séc. XX, e no momento 
atual as pesquisas buscam apresentar a diversidade da cultura brasileira. Nesse 
contexto, a música popular tem sido abordada como objeto de estudo de vários 
pesquisadores, tanto na área de musicologia quanto na área de etnomusicologia. No 
âmbito da musicologia, a música popular oferece desafios por apresentar 
documentação sonora que necessita de novos recursos para as metodologias de 
pesquisa. Nesse sentido, faz-se necessário observar aspectos sociais, como a cultura 
de massa, e também aspectos tecnológicos que definiram maneiras de registro dos 
documentos sonoros. Tecnologia e mídia tornaram-se fatores importantes a serem 
considerados nos estudos cujas fontes documentais primárias são gravações em 
áudio ou vídeo, principalmente nas metodologias modernas de estudo da música 
popular. 
Nesta pesquisa, busca-se compreender o processo de consolidação da 
performance dos agrupamentos de choro tomando-se como principal foco de dados os 
fonogramas enquanto registro documental. Foram identificados três períodos nos 
quais a tecnologia influenciou a maneira de registro de uma performance e, 
consequentemente, uma transformação da percepção da prática do choro. Em um 
primeiro momento, durante o período de fase mecânica de gravação, era necessário 
A 
 
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um grande volume sonoro para o registro em matrizes de cera. A partir da tecnologia 
de gravação elétrica, foi possível criar uma nova maneira de captação e transmissão 
das performances, tanto por meio do rádio quanto por meio de registros em discos de 
78 RPM. O terceiro momento acontece a partir do estabelecimento de uma tecnologia 
de gravação em Alta Fidelidade (Hi-Fi), o uso de discos de longa duração (Long Play 
– LP) e a possibilidade de captação em etapas, por meio do uso de canais 
estereofônicos. As inovações tecnológicas propiciam o desenvolvimento de uma 
nova prática musical no choro, na qual o ensaio e a precisão tornam-se fundamentais 
para a qualidade do registro sonoro. 
Por meio de uma compreensão dialética da relação entre 
tecnologia/performance, em que necessidades e possibilidades são criadas e 
desenvolvidas em um contexto de influências múltiplas e recíprocas, buscou-se 
construir um retrato de cada momento em que os agrupamentos de choro 
adaptaram-se ao contexto e desenvolveram um novo paradigma de performance no 
estilo de acompanhamento. Dessa forma, foi necessário recorrer não somente ao 
histórico técnico de cada momento das gravações, mas também identificar vários 
aspectos contextuais, dentre eles: 1) Quais foram os agentes que atuaram na 
construção das performances, 2) qual era o contexto em que as gravações estavam 
inseridas, 3) como as gravações foram realizadas e 4) como o resultado sonoro de 
uma gravação pode fundamentar a construção de uma prática musical e formação de 
um estilo de acompanhamento. 
 
Fonogramas 
 
O objeto fonograma pode ser considerado uma ruptura de diversos 
paradigmas do próprio ato de se ouvir e se fazer música do período anterior ao séc. 
XX. Durante a formação de um mercado consumidor de música, no séc. XIX, a 
música escrita era o principal meio detransmissão e divulgação dos repertórios por 
meio de partituras e editoras musicais. Ao longo do século XX, a arte musical esteve 
exposta a uma mediação da indústria fonográfica mais intensamente relacionada ao 
objeto sonoro, no qual os fonogramas passam a substituir as partiuras. Desta 
 
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maneira, a circulação da música por meio da fonofixação viria a mudar as práticas 
musicais. 
A substituição da partitura pelo fonograma torna-se ainda mais 
significativa se pensada a natureza primordial da arte musical: o som, sua “matéria-
prima”. Essa matéria-prima é, de certa maneira, alterada na sua realidade, pois o som 
deixa de ser exclusivamente imaterial e passa a ser fixado em objetos que podem ser 
reproduzidos sem a necessidade de uma performance ao vivo. A partir deste 
momento, torna-se possível ouvir determinada música quando e onde se deseje. A 
música ganha uma dimensão concreta, que lhe confere também um novo caráter de 
objetividade. 
O conceito de objetividade adotado baseia-se no filósofo alemão G. W. 
Hegel ao debater as características do belo dentro da concepção das artes. Hegel 
(2010), a princípio, diferencia a música das outras manifestações artísticas por esta 
ser isenta de materialidade. Tal fato traz também uma característica de 
atemporalidade, uma vez que a música só poderia ser sensível no presente ato da 
performance. Por sua vez, as pinturas e esculturas permanecem em sua manifestação 
material, podendo ser vistas e revistas diversas vezes e estando, assim, sujeitas à 
interpretação objetiva do olhar e do tempo. O fonograma vem a modificar a relação 
da música com o ouvinte, e a partir de sua nova objetividade, modifica as formas de 
escuta da própria música. 
A fonofixação permite essa reescuta da performance, tirando-a da 
subjetividade do momento presente e dando-lhe perspectiva temporal para ser 
ouvida e reproduzida diversas vezes. Além disso, o som ganha um suporte físico que 
materializa a música por meio da tecnologia pioneira dos fonógrafos e vitrolas. 
Acerca das novas relações estabelecidas entre tecnologia e o fazer musical, 
Delalande (2007) elucida a importância da fonofixação na compreensão de uma nova 
escuta do som, não somente aplicável ao ato de se apreciar música, mas também na 
criação a partir da escuta. A partir do desenvolvimento, cada vez maior, da 
fidelidade na captação e reprodução da performance, criou-se uma sensibilidade ao 
que Delalande chama de uma escuta do som. 
 
Mencionamos, assim, o som do jazz da mesma forma que o som do cravo, de 
 
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um grupo de rock, de um selo discográfico ou de um conjunto barroco. O 
som é uma extensão do conceito de timbre, aplicado, contudo, a objetos 
musicais os mais variados, para qualificá-los esteticamente. (DELALANDE, 
2007, p. 53) 
 
O musicólogo francês ressalta que essa busca por um som, em 
praticamente todos os gêneros musicais, marcou o processo de produção e da 
performance. Dessa forma, a performance nos fonogramas precisa ser compreendida 
dentro do contexto desse som, mais especificamente, para esse trabalho, o som dos 
conjuntos de choro. Essas questões acerca dos fonogramas fazem emergir novas 
perspectivas de se pensar a performance gravada. 
Em relação à prática do choro, torna-se fundamental este debate, pois 
pode-se considerar que a própria consolidação do choro enquanto gênero, e seu 
modo de tocar, foram influenciados pela mediação das performances informais dos 
grupos e sua fixação no formato de fonograma. A fixação e divulgação da produção 
dos músicos de choro permitiu a criação de novos paradigmas musicais no qual o 
fonograma torna-se a fonte de informação musical principal, e não mais a partitura 
ou mesmo a perfomance ao vivo. 
 
Sobre a ideia de performance 
 
Em parte dos trabalhos que realizam pesquisas fundamentadas em 
fonogramas, a recepção/percepção da performance é, normalmente, colocada de lado, 
em razão da grande dificuldade em se estabelecer uma metodologia fundamentada 
na própria linguagem musical. O trabalho do linguista Paul Zumthor vem 
iluminando esse campo da interpretação da música gravada. Ao se aproximar das 
culturas de tradição oral, a fim de compreender o universo poético da Idade Média, 
Zumthor desenvolve sua tese sobre a poesia oral baseando-se nos efeitos causados 
sobre a própria prática poética enquanto uma manifestação da oralidade, e não da 
escrita. Esta abordagem permitiu que Zumthor expandisse seus estudos sobre o 
corpo e a voz humana, considerando-os principais mediadores da poesia medieval. 
Neste contexto, a ideia de performance, segundo Zumthor (2007), se constrói sobre 
uma forma determinada, que envolve um ambiente, um momento, um contexto 
 
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individual e coletivo. 
O conceito de forma sob o qual se dá a recepção da performance é 
explicitado por Zumthor como as sensações e emoções que dão sentido à obra, e que 
não são intrínsecos à ela somente, mas se relacionam à situação na qual ela foi 
apreciada. Assim, cada percepção se dá de maneira única, pois ocorre em uma forma 
específica, de modo que, se determinado fato musical tivesse marcado a infância ou 
um momento especial, não bastaria somente ouvir a música para reviver a 
experiência musical completa. A música apenas traria uma lembrança de tal 
experiência, e essa lembrança se completaria por objetos extrínsecos à música em si, 
como as pessoas que estavam juntas na ocasião do fato musical, o contexto e as 
diversas situações psicológicas e sociais do dado momento. 
Tanto o conceito de forma, de Zumthor, como o conceito de som, de 
Delalande, ampliam a perspectiva de análise da performance gravada. Ao abordar 
esses conceitos no universo do choro, torna-se objetivo deste artigo compreender a 
forma da performance nos conjuntos de choro como o som construído pelos registros 
nos fonogramas se estabeleceu como paradigma para construção da performance nos 
grupos de choro. 
 
Musicologia 
 
A musicologia – em seu conceito mais amplo de estudo da música – 
propõe a interação com outras disciplinas para conseguir compreender as práticas 
musicais de modo contextualizado. Pelo menos desde a nova musicologia de Kerman 
(1987), discute-se muito acerca das interações multidisciplinares necessárias para 
compreender a música em seus diversos campos de atuação, principalmente no que 
tange à música gravada, regida ou influenciada por uma indústria fonográfica. 
Contudo, as dificuldades de se estabelecer o som como fonte documental mais 
objetiva e fundamentada ainda se tem colocado como um dos principais desafios da 
disciplina, que, mesmo após a superação dos paradigmas positivistas, ainda mantém 
na documentação escrita, tanto em textos quanto em partituras, biografias, matérias e 
recortes de época, seu principal foco. 
 
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Dentre os recentes trabalhos que buscam colocar os fonogramas como 
principal foco de pesquisa é importante frisar a iniciativa do Centre for the History and 
Analysis of Recorded Music (CHARM), grupo de pesquisa criado na Inglaterra em 2004 
e que tem dentre seus principais colaboradores o musicólogo Nicholas Cook. Em 
recente artigo relatando algumas das experiências desse grupo, Cook (2008) suscita a 
discussãoacerca das possibilidades concretas de análise de decisões interpretativas 
que se pode ter por meio da audição de fonogramas com o auxílio de softwares que 
possibilitam a comparação entre diferentes interpretações. Com isso, frisa a 
importância da análise comparativa como método que possibilita estabelecer uma 
relação concreta entre o que é inerente à obra – considerando inerente aquilo que foi 
escrito e pensado pelo compositor – e o que foi uma escolha própria do intérprete, o 
que chama de decisões interpretativas. 
O trabalho com fonogramas como fonte documental abre uma enorme 
possibilidade de caminhos à pesquisa em música, ao tratar o som como documento 
que forneça o modo como uma obra era interpretada em determinada época e 
contexto, permitindo, assim, a reconstrução de um estilo de performance. Contudo, é 
importante ressaltar que essa percepção é mediada por uma indústria fonográfica e 
pelos meios tecnológicos, além de expressar o contexto no qual a obra foi produzida. 
A exemplo do trabalho relatado por Cook (2007), que busca reconhecer as 
escolhas interpretativas em gravações, o que direciona novas perspectivas ao estudo 
da performance, o presente artigo pretende levar em consideração outros expoentes 
que se tornam significantes. Mas o que se pode ter como parâmetro da performance 
nos fonogramas? O que se pode ouvir que leve a conclusões sustentáveis? 
Em Empirical Musicology (2004), Nicholas Cook e Eric Clarke desenvolvem 
uma argumentação em prol do estudo musicológico fundamentado na 
experiência/experimentação musical a partir do som, sem cair nas armadilhas de 
uma opinião por demais subjetiva. Ao frisar a importância da interpretação nas 
ciências humanas e sociais, Cook pontua que não é somente a observação que poderá 
fundamentar uma pesquisa. Daí a necessidade da criação de parâmetros de 
investigação que envolvam a generalização e explicação, possibilitando a 
transformação da informação, ou hipótese, em conhecimento que de fato possibilite 
 
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reiteradas comprovações por meio da reprodução dos modelos metodológicos. O uso 
da pesquisa fundamentada nos fonogramas, precedido da abordagem contextual, 
mas principalmente focada na experiência perceptiva, ou da audição, como 
parâmetro na produção do conhecimento amplia as possibilidades da pesquisa 
musicológica, ou, nas palavras de Cook, da Musicologia Empírica. 
O próprio Cook defende essa proposta não como um novo ramo para a 
disciplina, mas somente como um novo olhar metodológico. Não há real diferença na 
musicologia empírica e não-empírica, em virtude das necessidades de interpretação e 
experimentação da música (arte) enquanto atividade estética, humana e socialmente 
construída. A pesquisa na música não pode descartar seu ponto de partida, que é a 
experiência da música enquanto fenômeno sonoro, e compreendê-la como tal. O 
contexto é essencial para a autenticidade do conhecimento, e a partir dele é possível 
fundamentar as possíveis interpretações propostas pela experiência sonora. 
 
Possibilidades de análise e questões sobre recepção 
 
Ao se abordar a pesquisa musicológica sob o foco dos fonogramas, 
principalmente no Brasil e na América Latina, não se pode negligenciar a 
importância dos fonogramas para o registro e divulgação da música popular e seu 
alcance nas diversas camadas sociais. No entanto, o historiador Marcos Napolitano 
salienta a importância da reflexão a respeito da música popular, segundo ele, 
“música não só para ouvir, mas para pensar” (2005, p.11). Esse tipo de música é, em 
grande parte, experimentado apenas sensível e esteticamente, sem passar por um 
processo de reflexão e questionamentos. 
Nascida em fins do século XIX, a música popular urbana é um produto 
que se desenvolveu e amadureceu no século XX, tendo se moldado como tal a partir 
do suporte fonográfico. Essa associação entre música popular e indústria fonográfica 
se mantém estreita, em termos tanto de estética quanto de produção, o que criou um 
formato específico da música popular dentro do universo das mídias, como, por 
exemplo, a duração do fonograma com menos de 4 minutos. Considerando 
principalmente a canção popular urbana, Napolitano (2005) credita as necessidades 
 
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de síntese desse formato fonográfico à exaltação corporal e emocional, principais 
usos a que a canção é atribuída na contemporaneidade. 
Apesar de se restringir a um tipo de música, mais especificamente a um 
tipo de canção, a reflexão proposta pelo autor quanto à relação entre o formato da 
música popular gravada pode ser estendida a outros gêneros. No que tange ao choro, 
sua estrutura e forma de tocar também se adaptou ao formato dos fonogramas. Em 
uma roda de choro, a estrutura rondó tradicional do gênero (AABBACCA) pode ser 
repetida inúmeras vezes, em virtude da quantidade de solistas a executar os temas e 
dos improvisos requisitados. Nos fonogramas, além da execução da música uma 
única vez, as improvisações interpõem-se na própria apresentação dos temas, ou, 
ainda, como se pode observar nos exemplos das gravações de Altamiro Carrilho, 
durante a década de 1960, quando não há repetição das partes (ABACA), para que as 
durações das faixas possam ser adequadas ao tempo total do disco. 
Essa discussão é ressaltada no âmbito deste texto, dado que a tecnologia 
de gravação e os novos formatos de fonogramas vão influenciar e agir na construção 
da performance do músico de choro. O modo de se tocar o acompanhamento em uma 
roda de choro, com inúmeras repetições de cada parte, assim como possibilidades 
espontâneas de erros e acertos, diferencia-se em grande parte das gravações rápidas 
e em uma única tomada com as quais os músicos, muitas vezes sem ensaios, 
deveriam lidar. 
A acessibilidade dos discos e a tecnologia de gravação por canais também 
muda a prática musical, uma vez que passa a ser necessário ensaiar, criar arranjos e 
abre-se a possibilidade de se reouvir. Se, por um lado, a música popular se moldou 
com o desenvolvimento dos fonogramas, por outro, o próprio músico e a prática 
musical em si também se transformaram com esse suporte. Reouvir hoje um 
fonograma conduz não só a questões tecnológicas e estéticas, mas ao processo que 
transformou a música gravada enquanto parâmetro para a criação da performance 
musical. 
 
 
 
 
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Pesquisa e análise de fonogramas na música popular 
 
O trabalho com fonogramas requer muito cuidado, tanto na abordagem 
estética quanto na histórica, devido a ausência do registro de várias informações 
importante para identificação dos participantes e das condições contextuais das 
gravações, o que requer a reconstrução por meios secundários ou por registros da 
história oral. Há também a dificuldade em se escutar o que realmente aconteceu, pois 
os recursos técnicos permitem analisar somente o que se tornou possível de ser 
registrado. 
Neste trabalho, optou-se por identificar os momentos em que houve a 
construção de um novo paradigma no modo de acompanhar o choro mediado pelas 
mudanças tecnológicas e midiáticas. Neste contexto, foram observadas as relações 
entre tecnologia de gravação e performance considerando as características dos 
instrumentos e o resultado sonoro final. 
Todavia, a reciprocidade que envolve esse caminho também apresenta 
questões sociais importantes: 1) quem eram os músicos, 2) como se escolheu o 
repertório a sergravado, 3) os músicos e o repertório realmente representam o modo 
de tocar choro do período, 4) quais aspectos estilísticos foram selecionados para a 
gravação. Todas essas questões, que envolvem aspectos tecnológicos e sociais, 
tornam possível uma orientação na abordagem de fonogramas e permitem uma 
aproximação científica de um objeto estético, possibilitando a produção de trabalhos 
acadêmicos que visem a interpretação e a crítica concebidas a partir do produto 
fonográfico. 
A música popular urbana encontra-se no centro das questões sobre a 
produção fonográfica no Brasil. Não que a música de concerto não possua uma 
indústria do disco tão atuante, específica e tecnologicamente transformada. Porém, a 
era fonográfica surgiu junto com a música popular, e ambas estão associadas desde 
então. Por outro lado, a partitura foi, durante muitos anos, a principal fonte de 
pesquisa da música de concerto e, ainda hoje, detém grande importância na 
construção da performance e das decisões interpretativas. Tal postura, contudo, não 
ocorre na mesma intensidade na música popular, cujo principal foco de aprendizado 
 
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e disseminação não é a partitura e sim as gravações. 
A gravação torna-se para o músico popular, em grande parte dos casos, 
mais importante do que a partitura, quando esta existe. Os detalhes de interpretação, 
floreios rítmicos e melódicos, rubatos, timbres e sonoridades só podem ser percebidos 
por meio da audição, seja ao vivo, seja por meio de gravações. Mesmo com o atual 
auxílio tecnológico, que permite escrever na partitura todos os detalhes preciosos da 
interpretação popular, o foco do aprendizado e da caracterização do estilo está no 
processo pelo qual se apreende o vocabulário e o “jeitinho malandro” de tocar, para, 
depois, criar, espontaneamente, a própria interpretação. 
Por isso, muito além da compreensão do que foi feito, a musicologia pode 
buscar compreender como foi feito, como foi desenvolvido, enfim, qual o processo de 
desenvolvimento do estilo de performance. A mera transcrição das gravações, assim 
como uma análise a partir de ferramentas tradicionais, poderiam trazer dados 
interessantes, mas que não teriam real significância na prática musical aqui discutida, 
pois esta, em sua origem, está calcada no processo. Não é suficiente decorar três 
choros e tocá-los em uma roda, mas é necessário, dando “dentros e foras”, i.e., 
através de erros e acertos, observar onde há recorrência de alguns comportamentos 
melódicos e harmônicos e onde não há, onde se deve fazer ou não, por exemplo, um 
contraponto ou uma baixaria. 
Ao mesmo tempo em que não há uma meticulosidade na reprodução do 
que foi escrito ou composto originalmente, a prática musical se transforma e 
permanece na linguagem e no estilo, tornando possível hoje, após quase 150 anos de 
choro, que o mais “tradicional” e o “moderno” coexistam e se perpetuem. 
A prática informal da Roda de Choro tem grande importância na 
perpetuação do gênero. Cazes (1998) refere-se às rodas como o habitat natural do 
choro. A roda de choro é o meio pelo qual o choro se perpetuou e se disseminou no 
território brasileiro. “As rodas que aconteciam nos casamentos, aniversários, saraus e bailes 
populares sedimentaram o estilo do choro”, reforça Diniz (2007, p. 46). A roda consiste em 
um encontro doméstico, informal de músicos para tocar choro. Esses encontros 
possuem uma série de códigos pertencentes às comunidades específicas onde são 
praticados. 
 
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A roda de choro caracteriza-se, apesar do alto grau de habilidade 
requerido entre os músicos, pela informalidade e pelo amadorismo, sendo um 
encontro de músicos sem a intenção final do profissionalismo, ou seja, é um encontro 
de músicos amadores e profissionais que não estão ensaiando para uma atividade 
remunerada ou artística, apenas estão tocando pelo divertimento e prazer do fazer 
musical. 
Se, em grande feito, a roda de choro mantém vivo o gênero, é fundamental 
destacar também a importância da gravação nesse processo. Ao ouvir uma versão de 
“Ingênuo” nas rodas de choro do Brasil, nota-se como a interpretação gravada por 
Jacob do Bandolim no disco Vibrações, de 1967, se consolidou como paradigma de 
interpretação e arranjo para a composição de Pixinguinha. O músico aprende 
determinado choro pela gravação e vai para a roda de choro tocar com outros 
músicos que ouviram a mesma gravação. Contudo, este processo não é apenas 
imitativo, pois na execução ao vivo o músico insere a sua interpretação, mas o faz 
dentro da harmonia, das convenções, solos e improvisos que foram consolidados 
pela gravação. 
As gravações trazem o exemplo sonoro que permite a compreensão da 
interpretação do choro da época. Pixinguinha, frequentador assíduo de rodas de 
choro e samba, como mostra Cabral (1978), ao se iniciar como profissional, 
substituindo Antonio Passos, chama a atenção por suas “bossas” de livre 
interpretação. Ao gravar suas próprias composições em trio com o Grupo 
Pixinguinha, reforça seu jeito individual, repleto de “bossas”, variações melódicas e 
rítmicas, não encontradas em outras gravações da época. 
Por um lado, especula-se que se trata de uma habilidade particular de 
Pixinguinha; por outro, essa pode ter sido uma atividade desenvolvida nas rodas de 
choro, ou seja, esse modo não é visto como diferencial nos encontros informais dos 
chorões. É uma habilidade que consagrou o estilo interpretativo do choro e hoje é 
possível reconhecê-lo e perpetuá-lo a partir das gravações. 
Essa tese pode ser reforçada, ainda, escutando-se as gravações do Choro 
Carioca, grupo formado por Bonfiglio de Oliveira, no trompete, Pixinguinha, na 
flauta, e Irineu Batina, o professor de Pixinguinha. Membro da Banda do Corpo de 
 
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Bombeiros, Irineu frequentou, juntamente com outros chorões, a pensão Viana - casa 
de Alfredo Viana, pai de Pixinguinha e músico amador -, onde também ocorriam 
informalmente reuniões musicais. Esse mesmo modo, espontâneo e cheio de “bossa”, 
pode ser ouvido nos contracantos do oficleide de Irineu nas gravações com o Choro 
Carioca. 
Se, por um lado, sabe-se o destaque dado a Pixinguinha por suas “bossas” 
e contracantos espontâneos, afirmar que esse era o modo “tradicional” de tocar choro 
na época talvez ofereça alguns perigos. Na verdade, essa pode ser uma escola 
desenvolvida pelo próprio Irineu Batina e seus alunos, não tendo sido, à época, 
disseminada por todas as rodas do Rio de Janeiro. Isso se nota pelo fato de que 
algumas das primeiras gravações não apresentam essas “bossas”. Contudo, a 
performance de Pixinguinha, ao passar pela fonofixação e adentrar o “universo das 
mídas”, acaba deixando de ser um elemento isolado e singular, passando a integrar 
um espaço/tempo mais amplo. Os conceitos de nomadismo e movência de Paul 
Zumthor, explicados pela pesquisadora Heloísa Valente (2007), auxiliam a 
compreensão desse movimento de desapropriação da obra em sua mediação. 
Uma obra, ao ser gravada, passa pelo processo que Zumthor chamou de 
nomadismo, abordado por Valente (2007) quando busca caracterizar as (in)fronteiras 
entre o popular e o erudito nas canções das mídias. A pesquisadora ressalta o caráter 
de migração da obra enquanto um gênero específico – ou qualquer classificação que 
se busque estritamente embasada na análise musical – para um tipo de repertório 
que é transmitido pelos alto-falantes,ou seja, a obra passa a integrar o “universo das 
mídias” (VALENTE, 2007, p. 86). 
A música popular, nascida miscigenada – a priori resultante da mistura da 
música europeia produzida para o entretenimento da burguesia com a música 
africana –, passa por alguns momentos e espaços de mediações em que são criadas 
tensões entre multiplicidades diferentes que se encontram. Valente cita como 
exemplo a Paris da década de 20 do século passado, onde várias manifestações 
musicais, principalmente estadunidenses, se encontraram e tiveram, no ambiente e 
na figura de alguns músicos e personalidades, os mediadores que levaram ao 
processo de adaptação e miscigenação da música ao espaço/tempo de Paris, 
 
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permitindo à música deslocar-se e reancorar-se em um novo ambiente musical, 
tratado pela autora como processo de movência, conceito também proveniente de 
Zumthor. 
Esses encontros não só definiram os múltiplos caminhos que o Jazz norte-
americano seguiu, mas também os que seguiram o tango, a própria música de Paris e 
ainda o choro. É de interesse deste artigo discutir a característica de movência pela 
qual o choro passou quando suas gravações registraram uma performance, que foi 
sedimentada enquanto modelo para o gênero. 
Contribuindo para tal perspectiva, em mesmo artigo, Valente elucida: 
 
A formação do repertório individual do intérprete acaba por contribuir para 
uma história da canção (música) midiática. Os intérpretes da música popular 
[...] acabam por criar uma marca própria da sua performance, ao ponto de se 
converterem em modelos e, não raro, coincidentemente, em ícones na e da 
paisagem sonora de sua época, verdadeiros álbuns de recordações audíveis. 
(VALENTE, 2007, p. 84) 
 
O conceito de paisagem sonora de Schafer é utilizado pela autora para 
conceber a influência das mídias na disseminação e construção da identidade de 
gêneros diversos que passaram a ser ouvidos em outras paisagens sonoras, como 
ocorre com a associação do fado a Lisboa, do samba ao Rio de Janeiro etc., e no 
cruzamento dessas influências: ao ouvir uma orquestra de bolero tocar um samba, 
por exemplo. Os artistas também passam a marcar com sua performance a paisagem 
sonora ao criar modelos de interpretação para determinado estilo. 
Tais modelos, citados pela autora a favor de um argumento 
fundamentado nos cantores e virtuoses explorados pela indústria do disco, também 
podem ser aplicados ao universo do choro. A relação entre Pixinguinha e Benedito 
Lacerda, a abrangência do trabalho de Altamiro Carrilho, assim como a postura e 
personalidade tradicionalistas de Jacob do Bandolim, são características 
extramusicais e que foram exploradas pela indústria cultural, deixando marcas em 
suas interpretações. 
Ao buscar os modelos de performance do choro, um estudante, 
pesquisador, músico ou apreciador encontrará nos músicos citados a marca de uma 
interpretação considerada como parte fundamental do gênero Choro. As performances 
de Pixinguinha, Jacob do Bandolim e Altamiro ficaram consolidadas como estes 
 
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modelos, mesmo não sendo, talvez, os únicos modelos de interpretação de suas 
respectivas épocas. Assim também, linguagens inovadoras e influências de outros 
gêneros podem ter sido usadas para criar essas performances. Desse modo, ao ser 
gravado e adentrar o “universo das mídias”, o Choro também passa pelos processos 
de nomadismo e movência que, por sua vez, auxiliam na consolidação de modelos de 
performance do choro. 
Os modelos de performance escolhidos retratam a construção de uma 
“tradição” que dialogará com as práticas da época em que as performances foram 
concebidas assim como com a escuta e a prática atuais – as rodas e os fonogramas 
interagem na atualidade. Modelos que outrora foram inovadores em sua fonofixação 
transformam-se em paradigmas da performance do gênero choro, observado tanto na 
música gravada como nas rodas de choro. O processo em que se deu a formação 
desse paradigma na performance nos grupos de choro traz significativas perspectivas 
para a compreensão e a criação desses acompanhamentos na atualidade. 
 
O choro, uma identidade e vários estilos de performance 
 
Apesar das experiências e transformações ao longo de mais de um século 
de “tradição”, o choro ainda mantém o vínculo com sua instrumentação de base que 
expressou e adaptou a sincrética cultura brasileira no processo de abrasileiramento 
das danças de salão europeias, base estrutural do choro. Mesmo havendo 
semelhança com o que ocorreu nas demais colônias portuguesas, a música popular 
urbana brasileira apresenta características singulares, devido aos sotaques das 
matrizes culturais aqui presentes e decorrentes do processo político-social que levou 
ao desenvolvimento urbano. 
 Por isso, julgar como suficiente que a sonoridade de flauta, cavaquinho 
e violões seja elemento característico do choro, por ser comum à música popular 
desenvolvida nos países de cultura lusa, seria simplista demais para caracterizar um 
estilo ou um gênero musical complexo, advindo de um contexto próprio, que 
alimenta a própria história e a busca da identidade brasileira. Deve-se considerar 
principalmente o que diferencia o uso desses instrumentos no choro e como essa 
 
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diferença caracteriza um estilo de acompanhamento do gênero. 
 Estilo, segundo o Grove, dicionário de música e músicos, é o modo ou a 
maneira de um discurso ou expressão artística, o modo como a arte é executada. O 
estilo reúne características musicais de um compositor, de um período, de uma 
localização geográfica ou social. Logo, o estilo constrói características que podem 
desenvolver um gênero. 
 A respeito do choro enquanto gênero ou estilo, Borges (2008) afirma o 
seguinte: 
 
O choro pode ser entendido como gênero ou estilo, dependendo de uma 
acepção mais abrangente ou específica que costuma estar implícita na 
performance. Tal concepção deve ser indicada mediante uma abordagem 
analítica, de modo a evitar equívocos. A maneira de tocar o choro é parte 
integrante e indissociável do estilo musical, ao passo que o choro como 
gênero está ligado não apenas a uma maneira de tocar, mas, sobretudo, a 
uma variedade de padrões formais, harmônicos e frasísticos, vinculados a 
um repertorio comum que foi sendo consolidado, gradativamente, desde o 
século XIX. (BORGES, 2008, p. 18) 
 
Assim, a sonoridade do acompanhamento do conjunto base do choro – 
cavaquinho e violões – pode ser compreendida como uma questão estilística dentro 
do universo do choro. Porém, o modo como estes instrumentos são usados, ou seja, 
as harmonizações, as baixarias – frases contrapontísticas na região grave do violão – 
e o acompanhamento rítmico, creditam-lhe características de gênero, uma vez que 
foram consolidadas dentro do repertório “tradicional” do choro. Ao buscar as 
gravações da fase mecânica, da fase elétrica do rádio e dos discos em alta-fidelidade, 
pode-se compreender como se desenvolveu a performance do choro com essas 
características e como a tecnologia influenciou esse processo. 
 
O fonógrafo e as primeiras gravações 
 
O aparelho criado por Thomas Edison em 1877 chegou ao Brasil em 1891, 
pelas mãos de Frederico Figner, que viajou por diversas regiões brasileiras 
demonstrando as inovações da “fantástica machina falante” (TINHORÂO, 1981 p. 
 
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16). O fonógrafo era a grande novidade que fixava o som em sulcos de cera de 
formato cilíndrico; os punhos1 podiam gravar e reproduzir qualquer coisa. 
Em um primeiro momento, Figner apresentava gravações de músicas de 
artistas europeus, bem como discursos e falas feitas na hora. Preparava sessões 
demonstrando o aparelho em lugares públicos ou mesmo em casas de 
patrocinadores mais abastados. Logo que outros empreiteiros passaram também a 
trazer o aparelho, e até versões concorrentes diferenciadas, Figner deixou de ser um 
mero demonstrador e passou a assumir a venda de fonógrafos e fonogramas em 
escala industrial, criando, assim, sua Casa Edison, a primeira gravadora brasileira. 
Foi em 1897, por iniciativa do próprio Figner, que ocorreu a primeira 
gravação de música popular brasileira, com os cantores Cadete, Antônio da Costa 
Moreira, e Baiano, Manoel Pedro dos Santos (TINHORÃO, 1981, p. 20). Com eles fez-
se a primeira interpretação da música popular brasileira cantada. Baiano inclusive se 
destacará historicamente também por ter gravado, em 1917, o primeiro samba, “Pelo 
Telefone”, de Donga. 
Tinhorão ressalta a importância dos registros fonográficos dessa primeira 
fase não apenas no campo artístico e estético, mas também social: “Coube ao fonógrafo 
não apenas guardar a memória daqueles gêneros em extinção, mas documentar o surgimento 
dessa música de uma nova era” (1981, p. 14). O fonógrafo chega ao Brasil pouco tempo 
depois da abolição, quando os negros e mestiços passam a não só fazer parte da 
sociedade economicamente ativa, mas também a compor a estética da produção 
artística nacional. 
Em 1904, os cilindros de cera dão lugar ao disco de cera e ao som 
produzido pela agulha metálica ligada a um diafragma de mica, quando chega ao 
Brasil o Zon-O-Phone, lançado por Figner, que ainda assegurava também a 
fabricação exclusiva de chapas prensadas nos dois lados. Tamanha foi a 
popularidade do novo produto que, em pouco mais de dois anos, o preço, tanto dos 
gramofones quanto dos discos, caíra bastante, e havia fonógrafos e fonogramas para 
todas as classes. 
 
1 Tinhorão (1981) frisa a popularidade com que os cilindros eram conhecidos e vendidos, chamados 
de punhos. 
 
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Dentro desse contexto, criou-se uma demanda artística para o mercado de 
fonogramas de música feita no Brasil. As primeiras gravações, além dos cantores 
Cadete e Baiano, apresentam a Banda Militar do Corpo de Bombeiros, a Banda da 
Casa Edison, os cantores Eduardo das Neves e Senhorita Consuelo. As bandas, pelo 
grande volume sonoro, possuem maior número de gravações do que os cantores, 
favorecendo o repertório instrumental. O repertório das bandas é composto 
principalmente por marchas, hinos, cateretês, polcas, valsas e choros. 
As primeiras gravações de grupos de choro começaram em 1907, com o 
grupos Novo Cordão e Grupo Cavaquinho de Ouro (CAZES, 1998). Os grupos 
trouxeram para o mercado fonográfico a formação característica dos ternos regionais, 
com violão e cavaquinho no acompanhamento de um solista. Nessas primeiras 
gravações, já aparecem alguns elementos da linguagem do choro, como em 
“Doralice”, gravada pelo grupo Novo Cordão, em que é possível encontrar o violão 
esboçando frases contrapontísticas de ligação de harmonia na região grave e 
modulações. 
A segunda fase das gravações mecânicas traz uma significativa melhora 
em relação às primeiras edições, entre 1904 e 1913, quando a Casa Edison passou a 
usar o selo Odeon2 e o disco de cera. Essas gravações incluem a série de número 
40.000, que vai mais ou menos de 1904 a 1907, e a série de número 10.000, que vai de 
1907 a 1913. Já na segunda fase, a partir de 1913, quando a Casa Edison abriu a 
fábrica de discos Odeon, produzindo todos os discos com equipamentos importados 
da Alemanha, aprimorando ainda mais a qualidade das gravações. Tinhorão (1981, p. 
29) ressalta que o novo investimento de Figner, além de baratear a produção, 
também a acelera, pois ele não tem de ficar mais a mercê das importações vindas por 
navio. 
 
 
 
 
2 O selo Odeon já era usado desde 1904 com a série de número 40.000, segundo Taborda (2008). 
Contudo, Tinhorão (1981) diferencia o uso do selo da criação da fábrica, pois antes os discos eram 
gravados no Brasil, mas produzidos e prensados no exterior. 
 
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A Era do Rádio e a transformação das gravações 
 
No final do século XIX, o Pe. Roberto Landell, considerado pioneiro no 
Brasil na transmissão e captação de sons usando ondas de energia irradiadas, iniciou 
as experiências da radiodifusão em São Paulo. O domínio desse espaço de 
transmissão sonora irá, então, se desenvolver no Brasil de modo amador a partir dos 
radioclubes, o que dará um caráter amadorístico ao rádio no Brasil nas primeiras 
décadas do século XX, como sustenta Tinhorão (1981, p.33). 
Uma das primeiras experiências de recepção radiotelefônica a se 
consolidar ocorreu em Recife, com o Rádio Clube de Pernambuco, fundado em 6 de 
abril de 1919. Nesse mesmo ano, experiências nos EUA e na Europa já tornavam 
pública a radiotelefonia. A radiofonia, porém, só seria inaugurada nos EUA em 2 de 
novembro de 1920. 
Tinhorão defende que o lançamento do rádio no Brasil em caráter público 
ocorreu em 7 de setembro de 1922. Uma estação de pequena potência transmitiu a 
centenas de pessoas o pronunciamento do presidente Epitácio Pessoa. Essa estação 
foi montada pela empresa norte-americana Westinghouse Electric Company, como 
atração do Pavilhão dos Estados Unidos na Exposição Internacional do Rio de 
Janeiro, por ocasião da comemoração do centenário da independência. Contudo, 
Roquette-Pinto é considerado o fundador do rádio no Brasil. O antropólogo e 
educador trabalhava em pesquisas fisiológicas com a radioeletricidade quando foi 
anunciada a novidade na feira internacional. Seu objetivo foi utilizar a radiodifusão 
para transmitir conhecimento e cultura. O plano era criar uma emissora dedicada 
especialmente ao ensino. 
O projeto levará à fundação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, em 20 
de abril de 1923, com funcionamento bastante rudimentar e de caráter amador, sendo 
que o projeto foi assumido pelo governo no Estado Novo e rebatizado como Rádio 
do Ministério da Educação (Rádio MEC). Roquette-Pinto cedeu o direito de emissão 
em prol da abrangência nacional que o Estado poderia dar à rádio e em virtude do 
elevado custo que seria manter a estação nas tecnologias mais avançadas. Entretanto, 
 
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esse direito será precedido da exigência de manter os interesses exclusivamente 
educacionais da emissora, que ficou sob a direção de Roquette-Pinto até 1943. 
A profissionalização do rádio aconteceu na década de 30, quando o 
modelo amador deu lugar ao rádio massificador e nacionalista fomentado pelo 
governo de Vargas, que chegará a criar, em 1935, a Rádio Nacional, que competirá, 
então, com as soberanas Mayrink Veiga e Philips. Essa competição decorre do 
modelo adotado por tais rádios, centrado acima de tudo na conquista da audiência. 
A grande transformação do modelo de rádio amador para o profissional, 
além do domínio dessa tecnologia, consistiu na mudança na produção musical. Os 
radioclubes tocavammúsicas a partir de discos e não havia grande circuito comercial 
para falar ou cantar no rádio, pois os cachês eram simbólicos. 
A necessidade de conquistar e seduzir o ouvinte levará as emissoras à 
busca por uma programação mais diversificada, o que requererá novas vozes e 
estilos musicais. Serão necessários músicos para acompanhar essas novas vozes, 
falantes e cantoras. A modernização e profissionalização dos estúdios levarão à 
criação de um novo ambiente. Primeiro surgirá o denominado Aquário. Depois, 
aquilo que Tinhorão denomina de “palcos-auditórios”, com a criação dos programas 
de auditório, fase em que cantores e apresentadores encenavam para uma plateia. Do 
modelo educacional de Roquette-Pinto às possibilidades comerciais que surgiam, o 
rádio agora também passaria a ter rosto. 
A implantação da tecnologia de gravação elétrica, nesse momento, mudou 
o panorama musical, pois a utilização de microfones de melhor qualidade, 
condensadores e válvulas permitiam a captação e reprodução de detalhes inaudíveis 
na tecnologia anterior. A gravação em matriz de cera é substituída pela matriz de 
acetato em base de alumínio realizada por meio de corte direto, enquanto as cópias 
começam a ser realizadas com um novo composto químico, o baquelite, um polímero 
sintético industrializado. Esta tecnologia será predominante no período entre 1929 e 
1945, servindo para a fixação do formato de gravações de 4 minutos de duração em 
cada lado e duas músicas por disco. Neste contexto, as gravações ainda eram feitas 
em uma única tomada, com um único microfone, mas os ambientes acústicos 
tentavam permitir uma hierarquia sonora na qual é possível ouvir com maior nitidez 
 
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e clareza os detalhes musicais 
Uma das consequências do surgimento da gravação elétrica foi uma 
mudança na projeção vocal dos cantores. No período das gravações mecânicas eram 
necessárias vozes de grandes potências que se assemelhassem ao estilo operístico. No 
entanto, pessoas comuns, com vozes de pouca intensidade, mas com personalidade e 
talento, poderiam se tornar cantores com a colaboração dos microfones elétricos 
advindos da nova tecnologia. Neste contexto, passaram a ser valorizadas 
características estilísticas no canto da música popular, que envolviam mais um modo 
de interpretação repleto de sutilezas características do ambiente musical do que a 
potência de uma grande voz. 
 
A música em Alta Fidelidade (Hi-Fi) 
 
A gravação em alta fidelidade foi lançada em 1948 juntamente com o 
formato Long Play (LP), suporte que trazia a novidade de microssulcos, o que 
permitiria a diminuição da rotação e, com isso, possibilitaria a fixação de maior 
quantidade de tempo/músicas por lado do LP. O novo disco de 33Rpm (rotações por 
minuto) é abordado pela indústria fonográfica, a partir da sua capacidade de fixação, 
como um novo modo de ouvir o som. Em vez de uma referência à quantidade de 
rotações por minuto, como eram tratados o anterior 78 Rpm e o sucessor, porém 
fracassado, 45 Rpm, o disco recebeu o nome de Long Play por propiciar uma escuta 
de longa duração. Cada disco trazia cerca de quatro a seis faixas de cada lado, no 
total de 18 a 25 minutos, enquanto o antigo 78 Rpm permitia apenas uma faixa de 
cada lado. 
No final da década de 50, apareceu uma inovação que vai marcar ainda 
mais a interpretação. Em 1958 foi criada a possibilidade da estereofonia, também 
chamada de gravação em bi-canal. O surgimento da gravação em mais de um canal 
permitia que músicos pudessem gravar separadamente o acompanhamento e, 
depois, sua parte solo. Esse modo de gravar não só trazia à luz todos os detalhes de 
harmonia, ritmo e função de cada um dos instrumentos, que podiam ser ouvidos 
agora sem o solo, mas também permitiu a prática do playback, ou seja, o registro do 
 
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acompanhamento separado do registro do instrumento solista. 
A década de 60 marca um grande desinteresse da indústria do disco pelo 
choro, porém é também quando Jacob do Bandolim cria seu próprio grupo, 
implementando novidades estéticas e fazendo uso dos novos recursos tecnológicos. 
Cansado da batalha comercial que envolvia o “outro” cavaquinhista de grande 
sucesso, Waldir Azevedo, Jacob buscou desenvolver uma nova fórmula com um 
novo grupo exclusivo para lhe acompanhar, formado por três violões e, no início, 
com contrabaixo, semente que se transformará no conjunto Época de Ouro. 
Em 1961, Jacob do Bandolim grava o primeiro disco que marcaria seu 
novo som, o LP Chorinhos e Chorões. Intitulado Jacob e Seus Chorões, o grupo contava 
com Cesar Farias e Carlinhos Leite, nos violões de 6 cordas, Dino, no violão de 7 
cordas, Jonas, no cavaquinho, e Gilberto D’Avila, no pandeiro. Esse grupo 
acompanharia Jacob até o final de sua vida. Porém, para a gravação de Chorinhos e 
Chorões, Jacob ainda utilizou o contrabaixo de Luiz Marinho e as percussões de Pedro 
dos Santos e Barão.. Em 2006, o Instituto Jacob do Bandolim divulgou a descoberta 
de fitas nas quais estavam gravadas em separado os acompanhamentos (playbacks) 
das músicas dos discos Chorinhos e Chorões e Primas e Bordões. 
O preciosismo do processo de preparação do disco de Jacob passava por 
várias etapas. Cazes ressalta que, apesar do alto nível técnico e da extrema 
quantidade de detalhes, os arranjos eram concebidos 
 
totalmente de ouvido, combinando-se os detalhes de um arranjo a cada 
ensaio. Primeiro Jacob ensaiava com César e Carlinhos, depois acrescentava 
Jonas e Gilberto. Por último, chegava o Dino, que escrevia uma guia a fim de 
que pudesse memorizar o arranjo mais rapidamente. (CAZES, 1998, p. 136). 
 
Para compreender a “forma” como foi gravado o LP Chorinhos e Chorões, 
é importante questionar a influência da gravação em fita e canais no processo. Pois 
torna-se possível gravar, ouvir e avaliar o que foi gravada em detalhes, aperfeiçoar a 
performance do conjunto, realizar mais ensaios e no final gravar instrumento solista, 
devidamente ensaiado e preparado para finalizar a gravação. 
 
 
 
 
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Considerações finais 
 
Foi possível observar que o desenvolvimento da indústria fonográfica 
esteve associado à transformação da própria prática musical, influenciada por 
questões sociológicas e tecnológicas. Se, em determinado momento, o choro era 
praticado em festas e rodas informais e amadoras, a ação pioneira de Figner levou o 
universo musical e social do choro para uma nova realidade, o formato fonográfico. 
Esse percurso consiste em um processo dialético, em que os novos paradigmas da 
performance no choro aparecem como síntese entre a música popular, informal, 
improvisada e amadora, e as necessidades mercadológicas de formato, tecnologia, 
profissionalismo e a autenticidade da indústria do disco brasileira. 
Com esse processo, surge uma identidade no modo de se tocar choro, 
conveniada aos mais tradicionais modos de perpetuação do gênero - o improviso e a 
roda -, atualizada, porém, com o rigor e o preciosismo técnico dos novos arranjos 
camerísticos e a autenticidade da interpretação preelaborada, da ornamentação ao 
“improviso” preconcebido, que resulta no paradigma de Jacob do Bandolim. São as 
transformações e inovações inseridas por ele, figura de “tradição” e, paradoxalmente, 
“inovação”, que se firmaram como identidade no modo de tocar do conjunto de 
choro, mais especificamente na construção dos arranjos do acompanhamento doconjunto. 
Ao se analisar a forma3 de três momentos em que são estabelecidos novos 
modos de se realizar o acompanhamento no choro, construiu-se não uma perspectiva 
diacrônica do desenvolvimento desse modo de acompanhamento, mas sim dialógica, 
estabelecendo-se sempre um forte laço entre a “autenticidade” da “tradição” e a 
associação ao universo dos fonogramas, em que os processos de nomadismo e 
movência recontextualizam o repertório e o modo interpretativo dos conjuntos de 
choro, desde sua sonoridade até o modo de acompanhar dos violões no universo das 
mídias. 
 
3 Novamente faz-se uma referência ao conceito de forma de Paul Zumthor, para análise da 
performance. 
 
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Dessa forma, os estilos se completam, interagem, criando no conjunto de 
Jacob o “paradigma de tradição”, um modelo de acompanhamento formado por 
diversas influências e construído por meio das transformações de outrora. Esse 
modelo apresenta importantes características relacionadas à “tradição” da roda de 
choro, da improvisação, do acompanhamento de ouvido e da ornamentação. No 
entanto, apresenta novas características, que o ligam a um novo contexto, em que 
ocorrem ensaios, em que as baixarias e inversões são preconcebidas e as 
ornamentações são escolhidas cautelosamente. 
Os meios de comunicação e as novas tecnologias também influenciam na 
construção do estilo de performane do conjunto de Jacob do Bandolim. A tecnologia 
Hi-Fi permite que sejam escutados detalhes que antes apenas se somavam às massas 
sonoras. O Long Play consagra um novo modo de ouvir música, e a possibilidade de 
gravar por canais traz ainda diferentes meios de se pensar a performance, o que 
permite a gravação de um conjunto sem a parte solo. Essa novidade traz à tona 
questões dos arranjos do conjunto e das próprias decisões interpretativas do solista, 
que pôde, então, treinar e escolher onde faria os ornamentos e improvisos. 
Desse modo, as transformações aqui discutidas não estabelecem uma linha 
evolutiva da performance dos acompanhamentos nos conjuntos de choro, mas 
possibilitam a construção de uma trajetória desse acompanhamento, podendo-se 
observar que não necessariamente há troca ou abandono de um estilo por outro e sim 
a mudança na percepção do resultado sonoro do grupo, propiciado pelas 
características tecnológicas dos contextos nos quais foram criados os fonogramas. 
 
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