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DIREITOS HUMANOS E LEGISLAÇÃO SOCIAL Daniella Tech Doreto Adolescência e medidas socioeducativas no Brasil Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Reconhecer a criança e o adolescente como sujeitos em desenvolvi- mento em seu contexto social. � Explicar as medidas socioeducativas (MSE). � Discutir a efetividade das MSE no Brasil. Introdução Crianças e adolescentes são considerados indivíduos em desenvolvimento que passam por diversas transformações biológicas, físicas, psicológicas e sociais, sendo diretamente influenciados pelo contexto em que vivem. Nesse sentido, a legislação vigente busca assegurar proteção a esses indivíduos e resguardar seus direitos fundamentais. Diante da ocorrência de atos infracionais, os adolescentes são encaminhados para cumpri- mento de medidas socioeducativas, a saber: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; semiliberdade; e internação. Neste capítulo, além de aprofundar o conhecimento sobre essas medidas socioeducativas, você obterá os elementos necessários para reconhecer a criança e o adolescente como sujeitos em desenvolvimento e as limitações que enfrentam diante do contexto social em que vivem. Ainda, conhecerá as medidas socioeducativas em vigor no país e a sua efetividade no momento atual. 1 Criança e adolescente como sujeitos em desenvolvimento em seu contexto social A infância e a adolescência são períodos da vida que, nos últimos tempos, têm despertado interesse de várias áreas do conhecimento, tornando-se alvo de estudos de diversas disciplinas e um tema recorrente nas políticas públicas. Soma-se isso ao fato de que encontramos na literatura diversos conceitos para caracterizar a complexidade dessas fases, marcadas por peculiaridades e diversidades que variam conforme as culturas e as sociedades (DORETO, 2006). É consenso, no entanto, que desde o nascimento até a morte, o ser humano passa por um processo constante de mudanças, resultante da intera- ção entre características biológicas e o contexto no qual está inserido (DIAS; CORREIA; MARCELINO, 2013). Segundo Dias, Correia e Marcelino (2013), a infância é considerada a primeira fase da vida humana, marcada por transformações físicas, motoras, cognitivas e psicossociais. O processo de [...] desenvolvimento da criança é um processo pessoal, único, situado num con- texto histórico e cultural que, também, o influencia. A criança desenvolve-se em diferentes ambientes, mais ou menos familiares, que lhe oferecem as suas primeiras experiências de vida (DIAS; CORREIA; MARCELINO, 2013, p. 14). Assim, a maneira como as crianças se desenvolverão sofrerá influência do contexto em que estão inseridas e das vivências que terão ao longo da vida. Do ponto de vista cronológico, são consideradas crianças os indivíduos com até 12 anos de idade incompletos e adolescentes aqueles com idade entre 12 e 18 anos (BRASIL, 1990). Porém, essa definição é puramente cronológica e apresenta limitações, pois nem infância nem adolescência iniciam-se e terminam pelo fato de se atingir determinada idade, ou seja, a demarcação de limites etários para caracterizar a infância e a adolescência sofre variações, visto não ser possível afirmar que, ao completar 12 anos, o indivíduo deixa de ser criança e, ao atingir os 18 anos, passa a não ser mais adolescente. Para caracterizar tanto o seu início quanto seu término, as definições não se aplicam universalmente, variando entre países, regiões e culturas diferentes. O marcador cronológico, contudo, é necessário para fins de pesquisas, classificações, etc. Já quanto à adolescência, recorremos à Organização Mundial da Saúde (OMS) (WORLD HEALTH ORGANIZATION [WHO], c2020), que, em seu conceito de adolescência, amplamente reconhecido na área da saúde, estabelece como adolescência o período da vida situado entre 10 e 19 anos de Adolescência e medidas socioeducativas no Brasil2 idade. Segundo tal definição, o período se caracteriza pelo amadurecimento físico, psicológico e social, de transição da infância para a idade adulta, sendo subdividido em dois outros períodos: 10 a 14 anos, fase em que surgem os caracteres sexuais secundários; e 15 a 19 anos, finalização do crescimento e do desenvolvimento morfológicos. Na primeira fase (que começa aos 10 anos), inicia-se a puberdade, palavra originária do latim, pubertas — idade fértil —, que se caracteriza pelo amadurecimento dos caracteres sexuais secundários, marcando o início da capacidade reprodutiva. É na adolescência, portanto, que o indivíduo fica pronto para a reprodução e a sexualidade passa a ter posição de destaque. Assim como a infância, a adolescência sofre variações em termos biológicos, físicos e psicológicos, mas, além dos aspectos mencionados, o desenvolvimento humano nessa fase é marcado pelas influências do contexto social em que vivem esses indivíduos. Merecem destaque as transformações psicológicas caracterizadas especialmente pela busca de identidade, pensamento abstrato e estruturação da identidade sexual (ABERASTURY; KNOBELL, 1986). Vale destacar ainda que, nesse momento, o mundo infantil, vivenciado no conhecido e seguro mundo familiar, cede lugar a algo novo e desconhecido, o mundo da sociedade adulta, quando o adolescente começa a conquistar espaços dentro de si e da sociedade (CAVALCANTI, 1988). Assim, A adolescência se configura, então, como um período de experimentação de valores, de papéis sociais e de identidades e pela ambiguidade entre ser criança e ser adulto. O jovem está apto para a procriação, para a produção social e para o trabalho. Porém, a ambivalência da sociedade quanto à possibilidade de efetivação dessas aptidões faz com que ele adquira um status intermediário e provisório, e passe a ser tratado de forma ambivalente: como criança e como adulto (SALLES, 2005, p. 36). Carbonaro (2018) acrescenta que as mudanças físicas, emocionais e sociais às quais estão expostos os adolescentes promovem transformações do ponto de vista do desenvolvimento neurológico, impactando diretamente em sua formação e em [...] seu comportamento, suas emoções e sua subjetividade. Essa evolução, e até mesmo a mudança da autoimagem, permite ao adolescente abandonar a insegurança da infância, bem como o medo de enfrentar a fase adulta, cultivando, portanto, um misto de emoções em desenvolvimento no eixo hipotalâmico. (CARBONARO, 2018, p. 115). 3Adolescência e medidas socioeducativas no Brasil Segundo o autor, no denominado “sistema límbico”, também ocorrem importantes mudanças: [...] principalmente em termos emocionais, causadas pela produção de neurotrans- missores que, em desequilíbrio, pode alterar o humor. Tais mudanças internas, associadas a aspectos ambientais variados, sugerem a exposição do adolescente a fatores de risco, dentre eles o uso de drogas (CARBONARO, 2018, p. 115). Já as mudanças comportamentais frequentemente observadas em adoles- centes “[...] decorrem de transformações intensas que acontecem em diversas regiões cerebrais. Sendo assim, podemos perceber que, devido a fatores cul- turais e hormonais e à falta de maturação cerebral, os adolescentes apresen- tam reações às situações estressoras às quais estão sujeitos nesse período” (CARBONARO, 2018, p. 115). Após tais considerações, cabe acrescentar que adolescentes e jovens podem ser considerados: [...] categorias constituídas por meninos e meninas que trazem experiências, práticas sociais e estilos de vida distintos, em função das atribuições de gênero, suas complexas articulações com classe social e raça/etnia e as marcas que estas pertenças imprimem à subjetividade de cada um (VILLELA; DORETO, 2006, documento on-line). Segundo Salles (2005, p. 34), a análise de crianças e adolescentes e seus modos de agir, se comportar e sentir, deve ser associada à relação que as crianças estabelecem com os adultos, uma [...] interação[que] se institui de acordo com as condições objetivas da cultura na qual se inserem. Condições históricas, políticas e culturais diferentes produzem transformações não só na representação social da criança e do adolescente, mas também na sua interioridade. Nesse sentido, haveria uma correspondência entre a concepção de infância de uma sociedade, as trajetórias de desenvolvimento infantil, as estratégias dos pais para cuidar de seus filhos e a organização do ambiente familiar e escolar. Assim, infância e adolescência representam períodos da vida que estão imersos em aspectos históricos e sociais variáveis, e o grau de amadurecimento biológico, psicológico e social não acontece de maneira sincronizada. Torna-se necessário compreender as influências externas no desenvolvimento psicossocial do indiví- duo, o que facilita o reconhecimento da necessidade de um período de transição da infância para a idade adulta, bem como os eventos que se associam a esse Adolescência e medidas socioeducativas no Brasil4 período da vida. O contexto social no qual se inserem essas crianças e adolescen- tes definirá o universo de possibilidades e significações, diferenciando-se para pessoas de classes sociais distintas. Um exemplo disto se dá em países com nível socioeconômico mais elevado, nos quais a condição de adolescente muitas vezes se prolonga, adiando sua inserção no mercado de trabalho, a formação acadêmica e o vínculo matrimonial (DORETO, 2006). Em contrapartida, adolescentes (e até mesmo crianças) com menor renda são frequentemente inseridos no mercado de trabalho de modo precoce e, não raras as vezes, vivenciam a maternidade nessa fase da vida. Jovens com condição socioeconômica desfavorável apresentam um amadurecimento psicossocial diferenciado em comparação àqueles que dispõem de melhores recursos (DORETO, 2006). Como você pôde observar, infância e adolescência se constituem em eta- pas essenciais da vida dos indivíduos, pois em ambas se sucedem eventos biológicos, psicológicos, econômicos e demográficos que fornecem as bases para a formação da personalidade, além de importantes determinantes que impactam na vida adulta desses seres. Diante do exposto, é importante não restringir essas complexas fases da vida a um limite etário, tornando-se fundamental a compreensão sobre os diversos fatores que impactam o desenvolvimento humano ao longo dos anos. Crianças e adolescentes são pessoas em processo de desenvolvimento e sofrem limitações — biológicas, psicológicas, legais e econômicas —, conforme o contexto em que vivem, o que denota que as desigualdades sociais, econômicas, culturais e educacionais impactarão diretamente no desenvolvimento humano. Talvez não seja possível falar em uma única infância ou adolescência, uma vez que cada indivíduo experenciará essas fases da vida de uma maneira particular. Assim, é importante conhecer as crianças e os adolescentes inseridos em seu contexto, que se mostra um importante determinante para a compreensão global dos significados e representações associados a essas fases. 2 Conhecimento das medidas socioeducativas (MSE) Antes de abordar as medidas socioeducativas propriamente ditas, é importante destacarmos brevemente as mudanças ocorridas ao longo dos anos quanto ao tratamento do adolescente que cometia ato infracional no Brasil. Na realidade, cada momento histórico determinou a maneira como se dispensava a atenção a esse grupo (DAMINELLI, 2017). Na década de 1920, foi instituído o Código de Menores, pois “[...] a criminalidade e o abandono dos assim chamados menores 5Adolescência e medidas socioeducativas no Brasil eram problemas sociais latentes das grandes cidades [...] e a Doutrina do Direito do Menor, ou salvacionista, como ficou conhecida, tinha como meta salvar as crianças brasileiras da pobreza e da marginalização” (DAMINELLI, 2017, p. 32). Em 1979, quando da aprovação do Novo Código de Menores, o cenário político era diferente, bem como as expressões utilizadas para se referir aos adolescentes, pois já não se falava mais em criminalidade infantojuvenil, e sim em atos infracionais, entendidos a partir da premissa de que [...] crianças e jovens pobres eram infratores ou infratores em potencial, o que justificava a intervenção do Estado. Essa doutrina fora gestada no Brasil no contexto da Doutrina de Segurança Nacional, levada a cabo pelo regime militar que tomou o governo do país em 1964 e tinha como palavra de ordem a noção de prevenção. (DAMINELLI, 2017, p. 32). Nesse sentido, vale ressaltar que no vocabulário da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), deveriam ser entendidas como prevenção “medidas adotadas para evitar a manifestação de fenômenos prejudiciais à ordem individual ou social” (DAMINELLI, 2017, p. 32). Já no final do século XX, a intensificação dos debates internacionais sobre os direitos das crianças e adolescentes culminou na aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a partir do qual esses indivíduos passam a ser vistos pela necessidade de proteção integral. Em seu artigo 3º, esse documento estabelece que a criança e o adolescente têm todos os direitos fundamentais assegurados à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral proporcionada por esta lei, a fim de lhes garantir desenvolvimento físico, mental e social em condições de liberdade e dignidade (BRASIL, 1990). Também determina que menores de 18 anos de idade são inimputáveis e, para atos infracionais por eles praticados, deverão ser aplicadas as medidas socioeducativas (BRASIL, 1990), entendendo como ato infracional, em seu art. 103, toda conduta descrita como crime ou contravenção penal. Em 2012, foi instituído o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), que regulamenta a execução de medidas socioeducativas (MSE) destinadas a adolescentes que pratiquem ato infracional (BRASIL, 2012), ou seja, apresenta as diretrizes e direciona a execução de MSE no país, em meio aberto ou fechado. De acordo com suas prerrogativas, as MSE têm por objetivos: I — a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação; II — a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento; Adolescência e medidas socioeducativas no Brasil6 III — a desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da sentença como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites previstos em lei. § 3º Entendem-se por programa de atendimento a organização e o funcio- namento, por unidade, das condições necessárias para o cumprimento das medidas socioeducativas. § 4º Entende-se por unidade a base física necessária para a organização e o funcionamento de programa de atendimento. § 5º Entendem-se por entidade de atendimento a pessoa jurídica de direito público ou privado que instala e mantém a unidade e os recursos humanos e materiais necessários ao desenvolvimento de programas de atendimento. (BRASIL, 2012, documento on-line). Constatada a prática do ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar essas medidas, conforme descrito no Quadro 1. Advertência Consiste em admoestação verbal, que será reduzida a termo e assinada Obrigação de reparar o dano Quando o ato infracional tiver reflexos patrimoniais, poderá ser requisitado que o adolescente restitua o bem, promova o ressar- cimento do dano ou compense de alguma forma o prejuízo da vítima. No entanto, não havendo possibilidade de aplicação desta medida, ela poderá ser substituída por outra que seja adequada Prestação de serviços à comunidade Consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não superior a 6 meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos desta natureza, bem como em programas comunitários ou governamentais.A legislação estabelece que as tarefas devem ser determinadas conforme as aptidões do adolescente, e não podem ultrapassar a jornada máxima de 8 horas semanais, e cumpridas aos sábados, domingos, feriados, ou, se forem em dias úteis, não podem prejudicar a frequência à escola ou a jornada normal de trabalho Liberdade assistida Medida adotada quando for considerada a mais adequada para acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente. Será designada uma pessoa capacitada para acompanhar o caso, o qual po- derá ser recomendada por entidade ou programa de atendi- mento. Será fixada pelo prazo mínimo de 6 meses, podendo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra, desde que ouvidos o Ministério Público, o orientador e o defensor Quadro 1. Medidas socioeducativas (Continua) 7Adolescência e medidas socioeducativas no Brasil Fonte: Adaptado de Brasil (1990). Semiliber- dade Esta medida pode ser adotada desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, sendo possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial. A escolarização e a profissionalização são consideradas obrigatórias, devendo, se possível, ser utilizados os recursos existentes na comunidade. Esta medida não comporta prazo predeterminado, aplicando-se, no que couber, as disposições relacionadas à internação Internação Medida privativa de liberdade e, portanto, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição de pessoa em desenvolvimento. A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada 6 meses, entretanto o prazo máximo de internação não pode exceder 3 anos. Se esse limite for atingido, o adolescente deverá ser liberado e colocado em outra medida, como o regime de semiliberdade ou de liberdade assistida. Importante destacar que a liberação compulsória desta medida acontecerá quando o adolescente completar 21 anos. A internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local diferente daquele destinado ao abrigo, obedecendo-se aos critérios rigorosos para separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração Qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI (BRASIL, 1990) � Encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade � Orientação, apoio e acompanhamento temporários � Matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental � Inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da criança e do adolescente Quadro 1. Medidas socioeducativas (Continuação) Adolescência e medidas socioeducativas no Brasil8 As medidas elencadas no art. 101 são medidas específicas de proteção, ou seja, será aplicada aquela que se mostre mais adequada às necessidades pedagógicas do adolescente (BRASIL, 1990). A aplicação da medida será antecedida por uma avaliação técnica e interdisciplinar, observando-se, para tanto, os princípios relacionados nesse estatuto, as normas existentes, os programas e serviços especializados existentes e que possam, de forma individual, atender, com o máximo de eficácia, às necessidades do adolescente. Os adolescentes em regime de privação de liberdade têm direito a: entrevistar-se pessoalmente com o representante do Ministério Público; peticionar diretamente a qualquer autoridade; avistar-se reservadamente com seu defensor; ser informado de sua situação processual, sempre que solicitada; ser tratado com respeito e dignidade; permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsável; receber visitas, ao menos, semanalmente; corresponder-se com seus familiares e amigos; ter acesso aos objetos necessários à higiene e ao asseio pessoal; habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade; receber escolarização e profissionalização; realizar atividades culturais, esportivas e de lazer; ter acesso aos meios de comunicação social; receber assistência religiosa, segundo a sua crença, e desde que assim o deseje; manter a posse de seus objetos pessoais e dispor de local seguro para guardá-los, recebendo comprovante daqueles porven- tura depositados em poder da entidade e receber, quando de sua desinternação, os documentos pessoais indispensáveis à vida em sociedade (BRASIL, 2012). Sugerimos assistir ao filme O juízo, disponível no canal Na Telinha, do YouTube, que aborda a trajetória de jovens pobres, menores de 18 anos, entre o momento de prisão e do julgamento por terem cometido roubos, tráfico ou homicídios. Desse modo, observamos que o ECA e, posteriormente, o SINASE buscaram regulamentar a execução das medidas destinadas a adolescentes que pratiquem ato infracional, as quais procuram resguardar crianças e adolescentes e suas particularidades de pessoas em desenvolvimento. Além de estabelecerem as medidas, as legislações trazem as atribuições de cada ente federado quanto à atenção a essa população. 9Adolescência e medidas socioeducativas no Brasil 3 Efetividade das medidas socioeducativas no Brasil Para refletirmos sobre a efetividade das MSE no Brasil, precisamos considerar não apenas a aplicação da lei, mas também a maneira como adolescentes que praticam atos infracionais são vistos na realidade do país. É comum presenciarmos relatos de discriminação e preconceito em relação a esses jovens, visto que, ainda nos dias atuais, a sociedade tende a culpabilizá-los pela prática do ato infracional, desconsiderando o contexto social e familiar em que estão inseridos. Nessa perspectiva, Silva (2012, p. 87) aponta que: A privação dos direitos assegurados a essa parcela da população torna-se uma dos condicionantes da sua fragilidade, frente às obrigações atribuídas ao indivíduo em um Estado Democrático de Direito. O não acesso a boas condições de saúde, a uma educação de qualidade, aos mínimos necessários para a sobrevivência, à moradia adequada, a equipamentos comunitários de lazer, esportes e cultura, entre outros espaços de socialização saudáveis e de desenvolvimento humanos torna-se fator determinante para a fragilização dos sujeitos em seu ambiente familiar, comunitário e social. As diversas ex- pressões da violência, os conflitos familiares e comunitários, a desigualdade social, a exclusão e a ausência de garantias e políticas públicas transformam determinados adolescentes e jovens em sujeitos vulneráveis à criminalidade. Assim, na visão da autora, a prática de atos infracionais nesse contexto apresenta-se como um dos resultados da dinâmica de privações e violações estabelecida, na qual adolescentes e jovens protagonizam ações que corroboram para o ciclo de violência vivido (SILVA, 2012). Além disso, a adolescência é uma fase em que o indivíduo ainda está construindo sua identidade, expondo- -se facilmente às mais diferentes influências ou orientações, por parte da família, de amigos ou outras pessoas que participam de seu grupo social. Considera-se ainda que situações de vulnerabilidade e risco presentes em um padrão de sociabilidade sem condições de sobrevivência e de imposição de regras e limites fundamentais à convivência humana em sociedade, bem como condições dignas nos aspectos econômico, social, de afetividade e proteção, expõem, com intensidade maior, os adolescentes ao fenômeno da violência na atualidade (SILVA, 2012). Buscando a proteção integral a essa parcela da população, o ECA reconhece suas peculiaridades e sua condição de pessoas em desenvolvimento. Adolescência e medidas socioeducativas no Brasil10 Mais uma vez, é importante destacarmos que adolescentes autores de atos infracionais geralmente são vítimas de discriminação e preconceito por parte da sociedade e da própria rede escolar. Sobre essa questão, Cunha e Dazzani (2016, p. 236) apontam que “[....] a relação entre a escola e o adolescente autor de ato infracional é marcadapor diversas tensões e ambiguidades”, além de que boa parte dos adolescentes que cometeram práticas delituosas não frequentava a escola no momento de sua apreensão, sendo, portanto, a evasão e o atraso escolar fatores presentes entre esses jovens. Ainda, a frequência à escola e a inclusão em atividades pedagógicas se constituem em fatores importantes para afastar adolescentes da criminalidade e favorecer o convívio e a reabilitação, considerando-se, nesse sentido, que: [...] muitos educadores são resistentes em aceitar um estudante que praticou infração, alegando medo e falta de preparo. Além disso, via de regra, não há, nas instituições escolares, um clima amistoso ou favorável à inclusão desse aluno, sobre o qual não raro recaem processos de discriminação e hostilização [...] (CUNHA; DAZZANI, 2016, p. 236). Encontramos nestas questões uma contradição, uma vez que o ECA esta- belece seis medidas socioeducativas, quatro das quais apontando a inserção e o acompanhamento escolar para os adolescentes que praticam ato infracional. No que se refere à inserção e à frequência escolar, chama a atenção a interação entre alunos e professores, pois os últimos podem apresentar dois comporta- mentos distintos: uma postura de medo, temor e insegurança, evitando contato ainda que dentro da sala de aula; e posturas mais enérgicas e ríspidas, fazendo com que comumente os adolescentes se sintam discriminados, segregados, agredidos, ameaçados, humilhados e perseguidos (CUNHA; DAZZANI, 2016). Tais fatos também têm origem na aparência física, na maneira como esses adolescentes se vestem, por residirem em áreas de periferia e por serem negros (CUNHA; DAZZANI, 2016). A partir do exposto, cabe-nos refletir sobre a efetividade das MSE, uma vez que têm como proposta inserir o adolescente na sociedade e na família e prevenir a reincidência de atos infracionais. Segundo Ponte et al. (2016), na atualidade, as MSE acabam tendo mais um caráter punitivo do que peda- gógico, já que nem sempre são aplicadas corretamente: 11Adolescência e medidas socioeducativas no Brasil [...] as medidas socioeducativas estão distantes de alcançar a finalidade para que foram criadas, já que no nosso cotidiano constatamos que os adolescentes recebem essas medidas e logo cometem outro ato infracional, não se cons- cientizando do ato que cometeram. Esta finalidade só se alcançará quando a medida aplicada através de sua reinserção social, familiar e comunitária garanta ao adolescente um projeto de vida que o liberte do submundo do crime e da marginalização, através da família, da comunidade e da escola (PONTE et al., 2016, documento on-line). Cabe destacar que, diante das situações apresentadas, ainda existe um importante desafio a ser trabalhado: o da intersetorialidade. Para que os direitos dos adolescentes sejam de fato assegurados durante a aplicação de uma MSE, como a internação, torna-se essencial que: [...] as diferentes ações desenvolvidas no cotidiano do atendimento tenham respaldo em suas políticas e que as práticas tenham como premissa a inter- setorialidade/interface entre as políticas, sistemas e serviços que integram o Sistema de Garantia de Direito” (MAYER, 2014, p. 10). Para a autora, a intersetorialidade proporciona a articulação entre os saberes e as áreas do conhecimento, o que repercute em benefícios para a população e para a própria organização das políticas, embora, ao mesmo tempo, incor- porem novos desafios relacionados à superação da fragmentação existente entre as políticas. No atendimento ao adolescente que está cumprindo uma MSE, a interse- torialidade é essencial, por exemplo no caso da semi-internação, que pode ser aplicada como transição para o meio aberto. A articulação entre os próprios programas que desenvolvem as medidas é importante para conseguir de fato suprir as demandas trazidas pelos adolescentes e por seus familiares. Em resumo, com base nas considerações feitas, podemos inferir que os adolescentes são compreendidos como indivíduos em desenvolvimento, con- forme estabelecido pelo ECA, e que não raras as vezes vivenciam situações complexas provenientes do próprio contexto em que estão inseridos (família e comunidade). O ambiente escolar é visto como um meio para favorecer a reinserção de adolescentes infratores na sociedade, entretanto muitos deles, ao cometerem ato infracional, já haviam abandonado a escola previamente. Ainda, embora muitas MSE prevejam o retorno à escola, nem sempre a co- munidade escolar e os professores estão aptos a receber adequadamente esses adolescentes, como resultado de despreparo, preconceitos, fragilidade de vínculos entre adolescente e ambiente escolar, períodos extemporâneos de inclusão na escola, entre outros fatores que se apresentam como importantes Adolescência e medidas socioeducativas no Brasil12 obstáculos a serem superados tanto pela comunidade escolar quanto pelo adolescente e por sua família. Nesse sentido, quando falamos, por exemplo, em progressão do meio fechado para o meio aberto, a interlocução entre as políticas públicas, aqui materializadas no Sistema Único de Assistência Social (Centro de Referência de Assistência Social — CREAS), no SINASE (Fundação Casa) e na Educação (Escola), é especialmente fundamental. E, por fim, para que sejam de fato efetivas, as MSE precisam cumprir sua missão e tentar minimizar reincidên- cias e favorecer o fortalecimento de vínculos com a família e a comunidade. ABERASTURY, A.; KNOBEL, M. Adolescência normal. 5. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986. BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, DF: Presidência da República, 1990. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 24 out. 2020. BRASIL. Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), regulamenta a execução das medidas socioeducativas destina- das a adolescente que pratique ato infracional; e altera as Leis [...]. Brasília, DF: Presidência da República, 2012. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011- 2014/2012/lei/l12594.htm. Acesso em: 24 out. 2020. CARBONARO, F. A. Neurociência do abuso de drogas na adolescência. 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Dissertação (Mestrado em Saúde na Comunidade) – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2006. 13Adolescência e medidas socioeducativas no Brasil Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. MAYER, D. E. C. Intersetorialidade na execução da medida de internação provisória no município de Florianópolis. 2014. 103 f. Trabalhode Conclusão de Curso – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2014. PONTE, M. et al. A eficácia das medidas socioeducativas na ressocialização dos menores infratores. Jus Navigandi, Piçarra, 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48405/a- -eficacia-das-medidas-socioeducativas-na-ressocializacao-dos-menores-infratores. Acesso em: 24 out. 2020. VILLELA, W. V.; DORETO, D. T. Sobre a experiência sexual dos jovens. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 11, p. 2467-2472, nov. 2006. SALLES, L. M. F. Infância e adolescência na sociedade contemporânea: alguns aponta- mentos. Estudos de Psicologia, Campinas, v. 22, n. 1, p. 33-41, –jan./mar. 2005. SILVA, S. Socioeducação e juventude: reflexões sobre a educação de adolescentes e jovens para a vida em liberdade. Serviço Social em Revista, Londrina, v. 14, n. 2, p. 96- 118, jan./jun. 2012. WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Department of Reproductive Health and Research. Adolescent sexual and reproductive health: introduction (1998-2003). [S. l.], c2020. Disponível em: http://www.who.int/reproductive-health/adolescent/Adolescent_intro. en.html. Acesso em: 3 nov. 2020. Adolescência e medidas socioeducativas no Brasil14
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