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Paisagem Rural Contemporânea

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO 
ESCOLA SUPERIOR DE AGRONOMIA LUIZ DE QUEIROZ 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ECO5024 
ECOLOGIA APLICADA: AGRICULTURA, SOCIEDADE E NATUREZA 
Docente Responsável: Paulo Eduardo Moruzzi Marques 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
TRABALHO FINAL 
Luísa Ramos Mellis (933481) 
01/2024 
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A PAISAGEM RURAL CONTEMPORÂNEA: A NOVA FRONTEIRA DO URBANO 
CONTEMPORARY RURAL LANDSCAPE: THE URBAN NEW FRONTIER 
Resumo: O espaço rural passou por fortes transformações desde a introdução da 
mecanização na agricultura, das mudanças nas formas de produção, colheita e 
armazenamento, mas também o tecido social, as relações trabalhistas, o morar no campo, a 
paisagem. Estas transformações se intensificaram com a introdução de novas tecnologias, 
processo este que ainda está longe de se dar por terminado, e alteraram também a fisionomia 
do campo. A paisagem rural foi completamente alterada em algumas regiões e parece 
irreconhecível, diluindo as fronteiras do urbano e rural. A perda da identificação destes 
lugares como rurais, a falta de identidade territorial das pessoas e até a indiferença e 
desprezo sobre a procedência de produtos agrícolas aumenta a vulnerabilidade deste espaço 
perante o espaço urbano, onde vive a maioria da população mundial. Ainda que a produção 
agrícola já não pareça tão dependente de ciclos naturais, a intensificação de eventos naturais 
extremos nos alerta para o fato de que o espaço rural não está livre de sus efeitos. Mesmo 
com as oscilações da natureza, o respeito aos ciclos naturais e a vinculação de certos 
produtos ao território onde são produzidos permite agregar valor e fortalecer a identidade 
territorial das populações. 
Palavras-chave: relação urbano-rural, espaço rural, paisagem rural, paisagem natural, 
organização territorial. 
Abstract: Rural space has gone through major transformation since the introduction of 
mechanization in agriculture, the changes in production forms, crops and storage were altered, 
but also the social tissue, the labor relationships, the living in the countryside, the landscape. 
These changes have gone even deeper with the introduction of new technologies, a process 
that is still far from over and that also altered country’s physiognomy. Rural landscape was 
completely altered in some regions and seems unrecognizable, blurring the distinction 
between urban and rural. The loss of the identification of these places as rural, the lack of 
territorial identity of the people and even the indifference and contempt about agricultural 
products origin increases this spaces’ vulnerability towards urban space, where the majority 
world population lives. Even if agricultural production doesn’t seem so dependent on natural 
cycles anymore, the escalation of extreme natural events alerts us to the fact that rural space 
is not exempt of its effects. Despite nature’s variability, the respect to natural cycles and the 
attachment of certain products to the territory turns into added value and strengthen population 
territorial identity. 
Key-words: urban-rural relationship, rural space, rural landscape, natural landscape, 
territorial arrangement. 
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INTRODUÇÃO 
A paisagem rural, com seus valores culturais e produtivos e seu papel ambiental cada vez 
mais estratégico, não pode ser negligenciada ou vista apenas como contraponto da paisagem 
urbana e muito menos como reserva de solo urbanizável. O estudo da paisagem rural revela 
uma importância que vai além do fundo cenográfico para o desenvolvimento da vida local, da 
identidade ou autoestima territorial. De paisagens rurais sai o alimento, a água, os minerais 
e uma parte da energia que abastece a população mundial. Com linguagem e funcionalidade 
distintas da morfologia e infraestrutura urbana, o meio rural abriga também funções 
residenciais e produtivas em menor densidade e com maiores possiblidades de resguardar o 
suporte geológico, as dinâmicas hidrológicas e a biodiversidade, desde que sejam levados 
em conta nas ocupações. 
A paisagem rural, antropizada, não é estática, mas baseada na fusão de em elementos vivos, 
ciclos naturais, culturais, econômicos e tecnológicos. Sua evolução vai deixando marcas 
físicas (desmatamento, erosão, contaminação, ...), mas também saberes, técnicas, produtos 
e experiências. Ainda que algumas delas não possam ser chamadas sustentáveis, as práticas 
consolidadas ao longo dos anos, e que não esgotaram os recursos de que dependiam e 
criaram padrões de ocupação resiliente e perdurável. Mantiveram-se ao longo de tempo 
suficiente para criarem uma cultura de práticas agrícolas locais, história e identidade. 
Na dicotomia cidade e campo, a paisagem urbana sempre foi considerada o futuro e a 
paisagem rural, o passado. E como a maior parte da população brasileira vive em grandes e 
médios centros urbanos, como cidadãos urbanos que somos, voltados para o futuro, 
negligenciamos o estudo deste “longínquo território”, do que consideramos “lavoura arcaica”, 
tão pitoresca e agradável para finais de semana tranquilos, mas que parece desconectada 
do cotidiano urbano. 
É importante compreender as dinâmicas deste tipo de paisagem e ainda mais importante 
incorporá-las em políticas ambientais e culturais de âmbito municipal, a instância local de 
administração pública com poder de decisão sobre o território. Conceitos como mudança 
climática, sanitarismo, segregação social e produção local devem ser incorporado à gestão 
do território rural. É preciso direcionar a paisagem rural ao futuro, à inovação e à 
assertividade. 
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 
PAISAGEM 
O positivismo naturalista define paisagem como suporte geográfico, um conceito exato e 
objetivo. Mas na etimologia do termo, e em seu conceito mais amplo, a palavra paisagem 
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Em quais situações? Agronegócio é considerado super moderno. Por outro lado, quais as motivações para essa categorização de "atraso rural" ?
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De qual futuro e inovação estamos falando? Faltou caracterizar melhor isso a partir de uma análise crítica sobre o processo de modernização agrícola.
expressa a relação do homem com seu território (pays, em francês). Mesmo na Convenção 
Europeia da Paisagem, a definição objetiva do termo revela a relação direta entre suporte 
físico e seres humanos. “Paisagem: designa uma parte do território, tal como é apreendida 
pelas populações, cujo carácter resulta da ação e da interação de fatores naturais e/ou 
humanos.” (Conselho Europeu, 2000) Embora paisagem seja uma noção cultural e abstrata, 
ela não deve ser confundida com critérios de avaliação da paisagem, sempre subjetivos. É 
uma obra coletiva e, como tal, “toda paisagem, de um modo que lhe é próprio, é relativa a um 
projeto social”. (Besse, 2014) 
Portanto, entendemos que todas as paisagens são “uma criação cultural de duas formas: 
como realidade física moldada pela técnica humana, por um lado, e por outro como fenômeno 
perceptivo que implica intencionalidade, memória, gosto.” (Le Dantec, 1996) Segundo o 
filósofo Alain Roger (n. 1936), a arte desnaturaliza a realidade da natureza e a reconfigura 
(“artializa”) segundo critérios humanos, in situ (alterando o próprio suporte físico) ou in visu 
(elaborando novas realidades da paisagem em modelos autônomos como pinturas, 
fotografias e relatos a partir do despertar estético que o olhar nos despertou). "A natureza é 
indeterminada e apenas a arte a determina." (Roger, 2000). 
Sendo assim, a natureza seria apenas o “grau zero” da paisagem. Embora o termo paisagem 
tenha surgido apenas no século XV, com o Humanismo, esta noção já estava presente em 
Cícero (século I a.C.) na ideia de “Primeira natureza”, relacionada ao ambiente selvagem, 
domínio dos deuses, como matéria-prima da “Segunda natureza”, o domínio dos homens. No 
mundo Ocidental, a idealização docampo aparece já entre os gregos (Hesíodo, século VII 
a.C.) e depois os romanos (Virgílio, século I a.C.), cujas atribuições de virtudes à vida 
campestre muitas vezes estavam ligadas à objetivos políticos da aristocracia rural, mas foi 
Cícero quem introduziu aos romanos as principais escolas da filosofia grega e se aprofundou 
na relação entre homem e natureza. 
A ideia de “Segunda natureza” indica a natureza reformulada pelo homem. Aplicada ao 
suporte territorial indica a paisagem antropizada, mas também se aplica ao “hábito”, “Segunda 
natureza” do ser humano adquirido através da educação. É o produto de desdobramentos de 
experiências sociais a partir das quais os indivíduos criam disposições duráveis para agir, 
sentir e acreditar. Esta noção perpassou os séculos da cultura ocidental e chegou até nós 
através de autores como Robbes (século XVII), Rousseau e Kant (século XVIII), Marx e Elias 
(século XIX), Adorno e Marx (século XX), entre muitos outros. 
Norbert Elias (1897-1990), em “O Processo Civilizador: Formação do Estado e Civilização” 
define bem esta transição entre estágios selvagens e aculturados dos seres humanos: “entre 
os mais primitivos, a esfera natural é ainda uma zona de perigo, repleta de medos que os 
mais civilizados já não sentem.” (Elias, 1994, p. 230) E o medo, para ele, é o motor que faz 
com que seres humanos, instintivos e egoístas em sua natureza íntima, aceitem submeter-
se à longa cadeia social de interdependências funcionais. Para Elias, isso afeta até a relação 
do homem com a natureza externa a ele: “Isso tem uma importância decisiva para o que deixa 
ou não de ser percebido. A maneira como se sentia a ‘natureza’ foi afetada de modo 
fundamental, ainda devagar nos fins da Idade Média e cada vez mais depressa a partir do 
século XVI, pela crescente pacificação das áreas habitadas. Só então as florestas, campinas 
e montanhas foram deixando de ser zonas altamente perigosas, onde a ansiedade e o medo 
estavam constantemente presentes na vida do indivíduo.” (Elias, 1994, p. 230) 
Elias, ao descrever o processo civilizador da humanidade a partir do final da Idade Média, 
descreve também o surgimento da paisagem como um contexto aprazível e pouco 
ameaçador. “Ao se adensarem a rede de estradas, bem como a interdependência social em 
geral, os barões salteadores e os animais de presa vão desaparecendo; as florestas e o 
campo deixam de ser o cenário de paixões desenfreadas, de perseguição selvagem entre 
homem e animal, de alegrias e medo alucinantes; moldando-se pelo entrelaçamento de 
atividades pacíficas — como a produção de bens, o comércio e o transporte —, a homens 
pacificados aparece uma natureza igualmente apaziguada, que eles podem enxergar de uma 
nova maneira.” (Elias, 1994, p. 230) Surge também a paisagem rural e a ideia de território e 
natureza domesticados pelos homens, aos que o olhar atribui valor. “Ela se torna — dada a 
crescente importância que o olho adquire como mediador do prazer, ante a gradativa 
moderação das emoções —, em alto grau, objeto de prazer visual. Além disso, as pessoas 
— mais exatamente, os citadinos, para quem a floresta e o campo não são o ambiente da 
vida diária, mas locais de relaxamento — tornam-se mais sensíveis e começam a ver o campo 
aberto de forma mais diferenciada, num nível que antes lhes era vedado pelo perigo e pelo 
entrechoque de paixões imoderadas. Sentem prazer na harmonia de cores e linhas, tornam-
se sensíveis à beleza da natureza, têm os sentimentos afetados pelos matizes e formas 
mutáveis das nuvens e o jogo de luzes nas folhas de uma árvore.” (Elias, 1994, p. 230) 
PAISAGEM RURAL 
Estaria resolvida assim a questão da fruição da paisagem rural se não fosse pelo simples fato 
de que seu propósito, em última instância, não é o deleite visual do citadino. Aliás, o cidadão 
urbano tem muitas vezes uma visão estereotipada desta paisagem, de um idílio campestre 
idealizado que muitas vezes já não corresponde à realidade produtiva do campo. Mesmo para 
o cidadão rural pode ter distorções na percepção da paisagem rural. Para Alain Roger, a 
proximidade da terra é proporcional ao distanciamento da noção de paisagem, e para o 
camponês, que tem uma relação produtiva e simbiótica com a terra, a perspectiva de fruição 
estética é distorcida. Ou seja, para Roger, os camponeses entendem de produção e 
preservação ambiental, mas, ao contrário dos cidadãos urbanos, a paisagem rural para eles 
não tem valor intrínseco. Mais do que isso, Roger diz que para o camponês contemporâneo, 
a paisagem rural contemporânea não é vista desde um ponto de vista próprio, mas é produto 
de uma recultura, de como a paisagem rural é vista pela cultura urbana e difundida pelos 
meios de comunicação (globais). Neste sentido, Roger defende que os neorrurais pouco 
ajudam a situação, porque não são co-criadores da paisagem rural, mas seus consumidores. 
Se instalam aí para viver, mas o fato de não trabalharem a terra só os distancia cada vez 
mais de seus processos e do ambiente rural que buscavam originalmente. 
O filósofo Jean-Marc Besse não trata especificamente das paisagens rurais, mas das 
paisagens vernaculares num sentido mais amplo e espontâneo. Para ele, elas são uma 
concepção “local” do território, espaço de vida das comunidades, regido e regulado por 
hábitos que buscam o não esgotamento do suporte produtivo. A organização do espaço 
segue valores morais e políticos da comunidade, de como manter relações estruturadas e 
duradouras entre membros e não apresenta espaços nitidamente desenhados. A paisagem 
vernacular não está estática e nem morta, presa a tradições, mas é fruto da adaptação mútua 
e ativa em função de vivermos em harmonia com o mundo natural. É uma zona de contato 
entre homem e natureza, dominada pela incerteza, que revela adaptabilidade e continuidade 
temporal. A paisagem para Besse é o aspecto visível de como coexistem e se entrelaçam as 
paisagens vernacular e política, embora com ritmos espaciais e temporais diferentes. As 
paisagens políticas são a representação da visão de mundo das classes dominantes, 
“naturalizando” a dimensão desigual das relações sociais através da relação imaginária com 
a natureza. 
Besse acredita que os sistemas locais tendem a desaparecer ao serem integrados às redes 
globais e que o capitalismo transforma o território em mercadoria e espetáculo. Assim, o 
hábitat contemporâneo (urbano, global) se estende inexoravelmente sobre o local 
(comunitário). Ele alerta para a possibilidade de que o estranhamento às novas paisagens 
não se deva a perda de raízes ou identidade, mas pela ausência de categorias intelectuais e 
estéticas para representar esta nova realidade. 
AGRICULTURA FAMILIAR 
Já o russo Alexander Chayanov (1888-1937) tinha ideias muito claras do mundo que queria, 
tanto estéticas quanto intelectuais. E o futuro do território agrícola que delineamos atualmente 
é muito diferente do imaginado por ele, para quem a agricultura se caracterizava pela 
heterogeneidade e a unidade de exploração doméstica camponesa era imprescindível. 
Segundo Ricardo Abramovay (Abramovay, 1988), a agricultura que ele imaginava em 
“Voyage de Mon Frère Alexis au Pays de l’Utopie Paysanne” (1920) já não era uma atividade 
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Onde estaria o contraponto a essa visão? Como as comunidades rurais resistem, lutam e mantém suas tradições no campo? Haverá mesmo seu desaparecimento? Em quais situações?
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Será que essa forma de enxergar o rural é mesmo tão distante da realidade imposta à agricultura camponesa contemporânea?
mecânica, mas de labor cuidadoso de jardins. Moscou era tomada por eles, numa espécie de 
conquista da metrópole pelo campo. 
Embora Chayanov tivesse sido educado em universidades europeias, ele era um utopista 
russo vivendo no apogeu do Utopismo Russo, um movimento visionário e futurista por um 
lado, mastambém nacionalista, que pregava a preservação das tradições e da especificidade 
russa contra os ataques do universalismo ocidental. Apesar disso, Chayanov era um 
pragmático que entendia que a economia agrícola está intrinsecamente submetida à 
economia de mercado, mas que os processos agrícolas funcionavam melhor na articulação 
das pequenas unidades familiares do que nas grandes empresas estatais idealizadas pelos 
marxistas, com produção agrícola em grande escala. Ele defendia uma agricultura 
comunitária, que não se restringia apenas a cooperativas, mas implicava também o vínculo 
dos trabalhadores com o território, sua permanência no campo e sua dinamização com 
facilidades urbanas. 
Chayanov é uma referência para o estudo da relação entre agricultura e desenvolvimento e 
na discussão dos laços rural-urbano (com protagonismo do rural). Sua contribuição é 
fundamental para entender o agricultor não mais como massa, mas como sujeitos criando 
sua própria existência. A paisagem rural chayanoviana é dinâmica, povoada, constantemente 
elaborada desde uma perspectiva local, com seus ritmos e suas especificidades, com núcleos 
familiares que vão variando com o tempo e deixando marcas no território, mas mantendo 
suas tradições e aperfeiçoando a técnica. 
O conceito de unidade agrícola familiar desde Chayanov não está baseado diretamente na 
dimensão do estabelecimento rural. A principal distinção se dá no fato de que na agricultura 
familiar o trabalho assalariado não predomina e que as decisões e organização do trabalho 
seguem critérios individuais. 
Paulo Eduardo Moruzzi Marques analisa a agricultura familiar em países (especialmente 
França) onde há políticas públicas de apoio aos agricultores familiares e como e elas se 
traduzem em melhor saúde econômica e democrática. No caso brasileiro, ele distingue duas 
importantes correntes de agricultura familiar e que perseguem objetivos distintos: a 
agricultura familiar consolidada (pequenas unidades com inserção no mercado) e a 
agricultura familiar periférica (geralmente surgida de uma situação de precariedade familiar e 
voltada inicialmente para subsistência). 
Em qualquer um dos casos, Moruzzi Marques defende a agricultura familiar baseando-se na 
noção da multifuncionalidade da agricultura e na ideia de que os alimentos, e portanto a 
produção de alimentos, é um elemento fundamental da identidade nacional. “Em geral, a ideia 
de fortalecimento da agricultura familiar se inscreve na crítica às consequências sociais e 
ambientais desastrosas da modernização conservadora da agricultura brasileira.” (Moruzzi 
Marques, 2004, p. 17) Ele também defende que o suporte técnico de políticas públicas de 
apoio à agricultura familiar deve respeitar os saberes locais e potencializá-los, observar a 
organização social e criar sinergias locais. 
“Esta reinvenção de valores transforma o espaço rural em lugar propício para lutar contra a 
exclusão social. A agricultura familiar, polivalente e diversificada, constituiria um eixo para 
múltiplas iniciativas destinadas à revalorização do território, favorecendo notadamente a 
criação de oportunidades locais e a participação política. Esta perspectiva reforça, 
principalmente, os aspectos qualitativos do desenvolvimento. Desta maneira, aproxima-se da 
noção da multifuncionalidade da agricultura, na qual a ideia de eficácia econômica incorpora, 
vigorosamente, temas associados à conservação da biodiversidade, à qualidade ambiental, 
ao equilíbrio territorial e à coesão social.” (Moruzzi Marques, 2004, p. 26) 
DISCUSSÃO 
Em muitos lugares do planeta a paisagem rural passa por profundas modificações e já não 
tem nada de idílica. E onde ainda conserva sua autenticidade, talvez não o faça por muito 
mais tempo. Não importa o que façam os habitantes da cidade para manter este “seu” reduto 
campestre intocado, ela está em um lento processo de agonia, de pasteurização e de perda 
de autenticidade. Talvez porque o controle das variáveis naturais do campo visando a máxima 
produtividade o transforme em não-campo. Talvez porque não haja população rural, e 
portanto mão de obra suficiente para trabalhar. Ou, talvez porque o modelo empresarial do 
campo contemporâneo não seja adequado aos camponeses. O fato é que a pouca população 
rural residente no campo e que trabalha a terra segundo critérios próprios está 
desaparecendo. 
Talvez ainda não tenhamos modelos intelectuais e estéticos para compreendê-la, como 
aventou Besse. Esta perda de identificação do homem com o território tem desdobramentos 
individuais importantes (desarraigamento, alienação, descuido) que, somados, provocam a 
perda do espírito de comunidade, da noção de pertencimento e até de amor, cuidado e 
respeito por um território. Não é um fenômeno local, embora incida com diferentes 
intensidades pelo mundo, segundo diferentes paisagens. Onde as populações estão mais 
arraigadas ao território, a luta pela sua defesa é ferrenha. 
Se consideramos que a paisagem é a representação de uma realidade, de um projeto coletivo 
de uma sociedade, nossa atual paisagem agrícola espelha a vontade política de uma parte 
muito pequena da sociedade, provavelmente desvinculada do território e dos hábitos locais. 
Estaríamos em uma encruzilhada entre decidir se preferimos o cenário idealizado da 
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Quais os limites dessa tese? A diversidade e o campesinato não resistem?
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Apenas aqui um breve contraponto à conclusão de extinsão do campesinato, mas pouco explorado.
paisagem rural capitalista ou a opressão da realidade desta paisagem, como retrato de 
relações sociais desequilibradas e, ainda pior, de como tratamos nosso suporte físico natural. 
Alguns autores qualificam nossa era como Período Capitaloceno (Andreas Malm, 2009), a 
partir da ideia de Paul Crutzen (1995) de que vivíamos uma era geológica caracterizada pelo 
impacto do homem na Terra. O Capitaloceno considera a desigualdade das relações políticas 
e econômicas no contexto do capitalismo global, que considera a natureza e os território como 
mercadorias passíveis de apropriação, controle e comércio. 
O paradoxo desta apropriação está no próprio espírito do capitalismo. Segundo Luc Boltanski 
e Ève Chiapello, a dinâmica capitalista não está interessada no acúmulo de riqueza (que pode 
até prejudicar a liquidez), mas em reinvestir perpetuamente capital no circuito econômico. O 
enriquecimento é avaliado em termos contábeis (lucro acumulado), dissociado da riqueza 
material. O caráter abstrato e o instinto de auto-preservação (perpetuamente ameaçada por 
outros capitalistas) contribuem ao desejo de acumulação infinita. De modo que a dinâmica do 
espírito do capitalismo é de consumir sempre mais, e muito além de necessidades, sem 
nunca encontrar saciedade.(Boltanski, L. e Chiapello, 2009) E assim está o planeta, territórios 
e naturezas sempre consumidos, nunca vivenciados, poucas vezes respeitados. 
Além disso, Boltanski e Chiapello explicam que, num mundo onde a acumulação capitalista 
exige mobilização de grande número de pessoas sem chance de lucro, a maioria da 
população vive submetida voluntariamente ao trabalho assalariado, sem dispor de meios de 
produção e dependente de decisões alheias. Os assalariados perderam controle do resultado 
do trabalho e possibilidade de vida não subordinada. Historicamente, o trabalho autônomo 
era representado pela agricultura familiar. (Boltanski, L. e Chiapello, 2009, p. 38) Num mundo 
onde a agricultura é cada vez mais extensiva, produtivista, onde o homem é apenas um 
trabalhador assalariado sem poder de decisão, todas as consequências ambientais são 
desprezadas. Em caso de esgotamento de recursos, a terra é vendida e novas fronteiras 
agriculturáveis são conquistadas. 
Para Boltanski e Chiapello, a crítica atribui ao capitalismo a opressão, a miséria e a 
desigualdade, também o desencanto, a inautenticidade,o egoísmo e a destruição dos 
vínculos sociais e da solidariedade comunitária. A crítica ao sistema capitalista surge da 
indignação, um primeiro impulso pessoal, emotivo e, depois, se transforma em reflexão para 
sair de particularismo e transformar-se em bem comum, passível de universalização. E se 
desenvolve basicamente sobre dois eixos: crítica social e crítica estética. 
Para Boltanski e Chiapello, a crítica estética se centra na perda de sentido e, em especial, a 
perda do sentido do belo e do grandioso, decorrente da padronização e da mercantilização 
generalizadas, características que atingem não só os objetos cotidianos, mas também as 
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Novamente, quais realidades apresentam evidentes contrapontos a esse modelo destrutivo de modernização do rural capitalista?
obras de arte (mercantilismo cultural da burguesia) e os seres humanos. A crítica social do 
sistema capitalismo diverge da crítica estética segundo os autores e se volta contra ela, contra 
a vaidade de artistas. 
Por mais que o sistema capitalista busque justificativas para continuar se aprimorando, não 
é capaz de produzir autenticidade e identidade territorial, uma vez que tende à acumulação 
virtual e abstrata. E a paisagem se não é a expressão estética coletiva de um sistema social 
não existe. “Si la notion de paysage mérite d’être honorée, de n’est pas seulement parce 
qu’elle se situe de façon exemplaire, à l’entrecroisement de la nature et de la culture, des 
hasards de la création et de l’univers et du travail des hommes, ce n’est pas seulement parce 
qu’elle nous rapelle de cette terre, la nôtre, que nos pays sont à regarder, à retrouver, qu’ils 
doivent s’accorder à notre chair, gorger nos sens, répondre de la façon la plus harmonieuse 
qui soit, à notre attente. Le monde (et donc notre existence) vaut la peine d’être parcoru, aimé, 
salué, comme reconnu.” (Sansot, 1983) 
CONCLUSÃO 
A agricultura de unidades familiares, além de preservar a heterogeneidade e diversidade 
produtiva e social, também são responsáveis fixação da população rural no campo, e pela 
criação de paisagens e identidade territorial. Seu fortalecimento é de interesse para toda a 
população (rural e urbana) e deve ser fomentado através de políticas públicas. 
A gestão da produção respeitando os ciclos naturais, a escolha dos cultivos, os saberes 
desenvolvidos a partir das condicionantes territoriais e técnicas, e que depois são transmitidos 
entre gerações, e até mesmo o fato da residência vinculada ao local de trabalho são criadores 
de uma paisagem rural autêntica e muito significativa. Estas práticas são consolidadas ao 
longo dos anos, cuidando-se para que não esgotem os recursos naturais dos quais 
dependem. Elas criam padrões de ocupação resiliente e perdurável, respeitando o meio-
ambiente. Esta paisagem é importante para criação de identidade territorial e vinculação das 
populações em determinada região. Até mesmo a venda de produtos agrícolas pode se 
beneficiar do fortalecimento da procedência dos alimentos, como um valor agregado. 
REFERÊNCIAS 
ABRAMOVAY, Ricardo. O Admirável Mundo Novo de Alexander Chayanov. Estudos 
Avançados USP, n. 321988. 
BESSE, Jean-Marc. O Gosto do Mundo: Exercícios de Paisagem. Rio de Janeiro: EdUERJ, 
2014. 
BOLTANSKI, L. E CHIAPELLO, È. O Novo Espírito do Capitalismo. São Paulo, 2009. 
CONSELHO EUROPEU. Carta Europeia da Paisagem. Florença, 2000. Disponível em: 
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Todo o texto não suporta essa conclusão, mas o oposto, reafirmando a extinção sumária da agricultura familiar.
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Em quais condições é possível afirmar essa tese? O texto não traz esses exemplos.
https://rm.coe.int/coermpubliccommonsearchservices/displaydctmcontent?ocumentid=09000
016802f3fb7.Acesso em: 24/8/2020. 
ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Formação do Estado e Civilização. Trad.: R.J. 
Ribeiro. São Paulo: Jorge Zahar Editores, 1994. 
LE DANTEC, Jean Pierre (ED.). Jardins et Paysages: Textes Critiques de L’Antiquité à 
Nos Jours. col. Texte ed. Paris: Larousse, 1996. 
MORUZZI MARQUES, Paulo Eduardo. Concepções em Disputa na Formulação das Políticas 
Públicas de Apoio à Agricultura Familiar: uma Releitura Sobre a Criação do PRONAF. Raízes 
- UFCG, v. 22, n. 22004. 
ROGER, Alain. Breu Tractat del Paisatge: Història de la Invenció del Paisatge i Denuncia 
dels Malentesos Actuals sobre la Natura. Barcelona: La Campana, 2000. 
SANSOT, Pierre. Variations Paysagères: Invitation au Paysage. Paris: Payot, 1983. 163 
p. 
 
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Bom texto com forte vínculo teórico da pesquisa (sobre a paisagem) com os textos, teorias e discussões abordados ao longo da disciplina. Contudo, o texto está carregado de um fatalismo intransigente que não permite chegar à conclusão proposta de realidades culturais diversificadas e respeitosas do território rural. Seria importante trazer para a discussão exemplos trabalhados e vistos em aula de experiências e práticas de movimentos sociais e agroecológicos que resistem e evidenciam o outro lado da moeda de quando tratamos de desenvolvimento rural na sociedade capitalista. Os estudos da paisagem pela perspectiva da ecologia histórica de Willian Balée pode ser útil para auxiliar nessa abordagem.

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