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Autonomia Municipal na República

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interesses deste dentro do território do Município, e não os interesses locais em si. 
Com isso, o Município se viu desprestigiado, pois lhe faltava autoadministração, auto-
organização e autogoverno, capacidades as quais eram pressupostos para a 
autonomia municipal, de forma a possibilitar que ele executasse livremente sua 
política local - sem sobreposição dos interesses local e regional. 
 A inexistência de uma tríplice capacidade85 plena dos Municípios, retirou a 
densidade normativa do art. 68 da Constituição de 1891, que trata da cláusula do 
Peculiar Interesse. Assim, embora houvesse previsão de autonomia municipal, a 
confusão do peculiar interesse com o interesse regional originou uma disparidade 
entre a realidade projetada pela redação do texto constitucional (Constituição 
Jurídica)86 e a realidade efetivamente vivida pelas entidades locais – Constituição 
Real87. Ou seja, muito embora houvesse a previsão constitucional de que o Estado-
membro se organizaria de maneira a respeitar os assuntos de peculiar interesse da 
municipalidade, essa premissa era desrespeitada pela maioria dos entes regionais. 
Assim, os Municípios foram preteridos, durante parte da sua História republicana88, 
tanto pelos Estados-membros quanto pela União, resultando em estagnação política 
e socioeconômica, ou seja, definhando em “prestígio, progresso e influência”89. 
 Essa sobreposição de interesses, bem como a falta de ajuda técnica e 
financeira do Estado-membro aos Municípios de sua circunscrição, levou estas 
entidades a encontrarem no Coronelismo uma das maneiras de atender a seus 
assuntos de peculiar interesse. A outra forma eram as Associações de Municípios, as 
quais vieram a originar os atuais Consórcios Públicos Intermunicipais, tema cerne 
deste Trabalho. 
 Victor Nunes Leal90 entendia o Coronelismo como uma “forma privada de poder 
local”, a qual não se confundia com o poder público, mas sim o complementava, 
transformando os Municípios em verdadeiros feudos locais, com a figura do Coronel 
 
85 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 30ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2014. p. 288. 
86 HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991. p. 
10. 
87 HESSE, op. cit. p. 02. 
88 BONAVIDES, Paulo. A constituição aberta: temas políticos e constitucionais da atualidade com 
ênfase no federalismo das regiões. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 363. 
89 BONAVIDES, loc. cit. 
90 LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no 
Brasil. São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1975. p. 22-25. 
como chefe político. Algumas vezes, ele era o próprio indivíduo nomeado pelo 
Governador; em outras, o indivíduo nomeado tornava-se aliado político do Coronel, 
pois (1) dependia dele para se perpetuar no poder por meio do curral eleitoral nos 
Estados-membros que admitiam a eletividade do Prefeito ou (2) dependia dele 
simplesmente para se manter no poder, pois o Coronel era figura de grande prestígio 
local e de influência junto ao Governador do Estado. 
 Essa forma de poder corrobora o entendimento91 de que o rol de franquias 
locais era concedido de forma assimétrica e individual aos Municípios, conforme o 
interesse do Estado-membro e por meio de um estatuto básico ou uma lei ordinária, 
ao invés de ser concedido de maneira uniforme, mediante a estipulação de 
parâmetros básicos de organização, como desejava o constituinte de 1891. 
 Essa distribuição assimétrica de competências tinha no voto92 a principal 
moeda de troca, uma vez que, com o desinteresse (ou a impossibilidade financeira 
dada a política dual) do Estado-membro em fornecer aos Municípios um rol mínimo 
de serviços públicos, os munícipes acabaram submetidos à política assistencialista 
das lideranças locais. Esse tipo de prática chamava-se clientelismo, cujo efeito 
mediato foi o de sufocar qualquer possibilidade de autonomia local, pois em troca de 
um atendimento mínimo às necessidades básicas, a população votava segundo os 
interesses do Coronel, o qual por sua vez, negociava tais interesses em troca do curral 
eleitoral com o Governador ou com o Prefeito indicado pelo Governador. 
 Assim, pode-se concluir que a autonomia municipal da primeira República 
restou prejudicada: muito embora existisse a previsão constitucional do respeito pelos 
Estados-membros ao Peculiar Interesse dos Municípios, o modelo de Federalismo de 
então (dual, com competências enumeradas para os entes, bem como a tendência 
centralizadora das funções, sem um espaço mínimo de cooperação entre ambos), 
tirou a força normativa do dispositivo constitucional em questão. Como resultado, o 
Município foi relegado a um segundo plano, pois ficou desassistido pelo Estado-
membro no que se refere a serviços públicos e receita própria, tendo que encontrar 
 
91 SILVA, Márcia Regina Zok da. Do “Peculiar Interesse” ao “Interesse Local”: a contribuição do art. 
30, I, da CFRF/88, na municipalidade brasileira. Revista da Defensoria Pública do Rio Grande do 
Sul. Ano V, Volume 10. Porto Alegre: DPE, 2014. p. 39. 
92 VICENTINO, Cláudio. DORIGO, Gianpaolo. História do Brasil. São Paulo: Scipione, 1997. p. 305. 
	Márcia Regina Zok da Silva
	Márcia Regina Zok da Silva

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